Percival Puggina

09/04/2017

 

 Não sei de onde me veio a ideia de que o STF fosse local de infatigável labor. Talvez do exíguo número de ministros, apenas onze para aquelas montanhas de processos. O mais recente dado que encontrei mencionava 77 mil deles. "Uma pela outra" como se dizia antigamente, dá algo como sete mil processos por gabinete. Não há como cumprir essa tarefa sem imensa dedicação ao trabalho, mormente se todos tiverem consciência de que qualquer atraso nas decisões é um freio de mão puxado na justiça ou um acelerador pisado na injustiça. Sempre há algo essencial para todos, para muitos ou para alguém, pendente de decisão. Essa imagem que eu fazia do STF como local de trabalheiras e canseiras se reforçava com a convicção de que as estantes repletas de processos aguardando vez através dos anos, não raro das décadas, haveria de causar angústias no ânimo funcional da Corte e de seu quadro de servidores. Carmem Lúcia, atual presidente, confirmando esse sentimento em recente programa de TV, desabafou: "São onze ministros sem poder parar".

 Talvez ainda se agregasse, para formar a imagem de um local de febril agitação, o numeroso cortejo de servidores. São 1135 efetivos em atividade e aproximadamente 1200 terceirizados, totalizando 2335 pessoas; novamente "uma pela outra", 212 por ministro. Tudo a um custo previsto de R$ 687 milhões, conforme Orçamento Geral da União para 2017.

 Pois bem, outro dia, olhos grudados na TV assistindo o julgamento pelo TSE do recurso contra a chapa Dilma/Temer (matéria que há mais de dois anos tramita naquele órgão da Justiça Eleitoral), fiquei sabendo que, junto com o prazo adicional pedido para apresentação de novas provas, o retardo seria ainda maior em virtude de viagem do ministro Gilmar Mendes. Não se iluda, leitor. Não se trata de um bate-volta de Sua Excelência, com assento nas duas cortes (ele preside o TSE e é ministro do STF). Não, Gilmar faz uma conferência em Portugal e acompanhará as eleição francesa, ficando vários dias fora do Brasil graças a esses dois importantíssimos e inadiáveis compromissos internacionais. O ministro está em férias? Não, leitor. Os dois meses de férias a que têm direito os magistrados seguem outra agenda e ela não coincide com os feriados prolongados nem compromete o recesso de duas semanas no final do ano.

Não meço titulares de poder como se fossem servidores públicos. Não são. Por isso não recebem vencimentos, mas subsídios. Mas o excesso de regalias escancara a porta para abusos e saracoteios como esse do ministro Gilmar Mendes. Enquanto promove encontros em Lisboa para discutir Direito, levando junto Dias Toffoli e três ministros do STJ, a Justiça se arrasta no Brasil pelo caminho tão ajardinado quanto lento da leniência dos prazos nos tribunais superiores. O evento é uma iniciativa periódica do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), do qual Mendes é fundador, e do Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Tem patrocínio da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais (Aesbe), Itaipu Binacional e Federação do Comércio do Rio de Janeiro e apoio da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), FGV, Fundação Peter Härbele, Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).

Em primeiro lugar, Gilmar Mendes In Concert. O Brasil fica para a volta.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

07/04/2017

 

"Tristemente, sou sim fruto de uma geração que aprendeu, erradamente, que atitudes machistas, invasivas e abusivas podem ser disfarçadas de brincadeiras ou piadas. Não podem. Não são. Aprendi nos últimos dias o que levei 60 anos sem aprender. O mundo mudou. E isso é bom. Eu preciso e quero mudar junto com ele." (Extraído do longo pedido de desculpas do ator José Mayer após sua agressão a uma figurinista da TV Globo).

 Lendo atentamente, percebe-se que o documento do qual extraí o pequeno trecho acima tem uma eloquência demasiada. Dá impressão de que o redator, notando o péssimo efeito colateral de sua desastrosa investida, quis penitenciar-se plenamente, às antigas. Foi do oitenta do desrespeito ao oitenta da contrição. Sua mensagem, urbe et orbi, preenche todos os requisitos formais. Mas...

 Mas foi além da conta. Incorreu no que, em juridiquês, se chama extra petita, extrapolou o pedido, buscando remissão e indulgência plenária a toda uma geração de brasileiros, que, na forma da transcrição acima, o teria educado para atitudes machistas, invasivas e abusivas.

 Aí não, José Mayer! Você não tem autoridade para falar em nome de uma geração que é também a minha, onde esse tipo de coisa terminava, inevitavelmente, em sopapo, exatamente por não ser tolerada. Sempre havia um amigo, um namorado, um colega, um irmão para aplicar ao abusado o devido corretivo. Em tais eventualidades, a natural reação masculina era de repulsa e de proteção à mulher agredida.

Portanto, senhor José Mayer, fale por si. Faça sua catarse, mas não use esse estratagema rasteiro de distribuir suas culpas pessoais e seus desvios de conduta sobre os ombros de uma inteira geração de brasileiros que nada têm a ver com elas, exceto para expressar repúdio e indignação.

Ademais, e finalizando, um homem de 67 anos, designado ao papel de galã de novela, deveria ter discernimento e saber o que é personagem e o que é vida real, para atuar bem no primeiro caso e não ser ridículo no segundo. Aliás, melhor ainda seria se José Mayer parasse de bancar galã da novela das oito e se assumisse como zeloso cuidador de netinho na novela das seis.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

05/04/2017

 

 Devo ter recebido ao longo dos anos mais de uma centena de indignados e-mails em que leitores pretendem me alertar para o retumbante fato de que o comunismo acabou, morreu, kaputt. "Caiu o muro, o senhor não viu?", perguntava e ensinava-me um desses leitores depois de ler minha coluna em Zero Hora deste fim de semana. Respondi-lhe que em flagrante contradição com seu arrazoado, o Brasil conta com nada menos de cinco partidos comunistas ativos e um em organização. A estes, se acrescem outras legendas que abrigam em seus quadros esforçados defensores desse regime.

O tema é oportuno e me traz à lembrança numeroso grupo de políticos com os quais tenho debatido ao longo dos últimos trinta anos em programas de rádio e TV no Rio Grande do Sul. No clássico formato dois para lá, dois para cá, diante de microfones e câmeras, desfilaram no lado de lá dezenas de figuras públicas, homens e mulheres, muitos dos quais consagrados nas urnas, sempre prontos para defender com unhas, dentes e bico do sapato os regimes cubano e venezuelano. E não ficavam por aí. A mesma disposição se estendia à proteção do Foro de São Paulo, à exaltação dos objetivos do bispo paraguaio Fernando Lugo, Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega, bem como às maquinações golpistas de Manuel Zelaya em Honduras.

Bastava a produção dos programas convidar e eles compareciam para a exótica defesa do indefensável. Foi assim que, repetidamente os ouvi afirmar que Cuba era uma democracia - "de outro formato", não "burguesa" como seria a nossa, mas "definitivamente uma democracia". Convenhamos. Democracia com presos políticos? Sem oposição? Com eleição em lista única e fechada? Onde o regime ganha todas porque não tem para quem perder? Pude perceber nesses debates, então, a completa inutilidade dos fatos e dos argumentos contra a militância desse anunciado defunto... E ainda hoje reiteram, porque convém: "O comunismo acabou. O senhor não viu?".

Foi assim que acompanhei, nestes dias, os acontecimentos da Venezuela, país onde o governo resolveu golpear a população com um "socialismo bolivariano" que outra coisa não é senão uma versão bufa do regime cubano. O povo cubano foi apanhado, há 58 anos, por numa armadilha infernal. Os venezuelanos foram atrás da mesma conversa, caíram em arapuca semelhante e também não conseguem sair porque o governo estabelece embaraços ao rodízio do poder, seja por ação direta de Maduro, que simplesmente não marca eleições, seja através do Tribunal Supremo de Justiça. Quando ficou evidenciada a derrota do oficialismo nas eleições parlamentares de 2015 (a oposição fez 112 das 167 cadeiras), o topo do poder judiciário do país foi recheado por 13 novos membros para compor robusta maioria chavista.

A conclusão é óbvia: se o comunismo acabou, se morreu, os que por ele trabalham são como agentes funerários. Quando o Tribunal Supremo deu o golpe e assumiu as funções da Assembleia Nacional, os agentes funerários estabelecidos nos nossos blogs de esquerda defenderam a medida alegando que o parlamento venezuelano era uma organização dominada pela "direita golpista". (Alô, alô, leitor? Esse qualificativo lhe soa conhecido? Pois é.) E quando Maduro e o Tribunal Supremo, percebendo a péssima repercussão da medida, a revogaram, esses mesmos blogs deixaram o dito pelo não dito e noticiaram o recuo como se fosse um avanço. Tudo muito lúgubre.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/04/2017

 

 Meu amigo dedica a vida a uma causa. Refere-se a Fidel como "El comandante". Encimando a porta de sua casa há uma placa onde se lê "Sierra Maestra". Aclamou a ascensão do chavismo como a "primavera venezuelana". Vendeu o carro para apoiar a construção do memorial de Luiz Carlos Prestes. Está convencido de que os bandidos são vítimas dos males sociais e só falta chamá-los de "meu bem". Internou-se com mal súbito no impeachment de Dilma. Ama Luiz Inácio, odeia Sérgio Moro.

  Seu círculo ideológico é tão fechado que qualquer outro sentiria claustrofobia. Ele não. Seu projeto de vida é simples. Basta-lhe seguir o líder. É fiel escudeiro de Lula para o ataque e para a defesa. Naqueles anos em que o chefe, ainda inexperiente, num mesmo discurso afirmava A e o contrário de A, era ele que puxava os aplausos nas duas pontas. Colou cartazes na porta do Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando o líder se posicionou contra os pagamentos ao FMI. E foi para a primeira fila no sindicato dos metalúrgicos do ABC quando Lula presidente festejou haver quitado a conta.

 O problema é que essa vida moral simples, em que o bem e o mal são definidos pela utilidade à causa, dissipou-se num estrondoso Big Bang às avessas, numa voragem em que o radioso horizonte foi consumido como a imagem de um fotograma de celulóide que queima dentro do projetor. Em pouco tempo, travou o filme e o futuro ardeu na tela. Tudo se complicou. O receituário socialista de Marilena Chauí, Marco Aurélio Garcia, João Pedro Stédile, Leonardo Boff, Paulo Freire, Dilma Rousseff, depositou o Brasil no fundo do poço, removeu a corda e jogou fora a caçamba. Sobrou escândalo, polícia na porta, recessão e desemprego. A experiência abriu novo capítulo no volumoso catálogo dos insucessos da esquerda universal.

 Meu amigo sofre. Jogou todas as fichas de sua existência numa aposta perdedora. Pior que isso, funesta. Mas não esmorece porque a causa é maior do que o infortúnio e ele traz gravada na consciência a afirmação de Lênin sobre a renitente teimosia dos fatos. Ora, a teimosia só se dobra ante uma teimosia maior.

 A partir dessa observação, passei a entender melhor muito do que tenho lido do jornalismo companheiro. Suas conhecidas posições sobre temas nacionais caíram em descrédito. Tornou-se inviável, também, oferecer ao público doses maiores de receitas que levaram o país à perdição. A cena internacional virou, então, seu novo campo de doutrinação. O que dizem da política mundo afora é o que diriam do Brasil se fossem críveis. Preste atenção e depois me conte.

 O estratagema adequado a tais embaraços tem aplicação de largo espectro e vai do futebol à guerra convencional: se não podes vencer, impede que teu adversário avance. Então, pau na direita! E foi o que passou a fazer verdadeira multidão de formadores de opinião. Observe-os, leitor. No vocabulário deles, tudo que está à direita da esquerda passou a ser tratado como radical, fascista, brutamontes. Contudo, a direita não quebra vidraças; não tem black blocs; não faz pichações; não queima pneus nem lixeiras; não invade propriedades públicas ou privadas; respeita a Constituição Federal mesmo discordando; não enfrenta a polícia, valoriza-a. Mas é dita "violenta, radical e fascista". Ora, fascista é como os comunistas sempre chamam os não comunistas. Portanto, ao rotular os adversários de algo que não são, estão a classificar a si mesmos como aquilo que são. A linguagem e a lógica fazem essas coisas.

(A íntegra do artigo está disponível em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/2017/04/a-causa-tudo-pela-causa-9761447.html)
 

*Coluna em Zero Hora do dia 1º de abril de 2017

Percival Puggina

31/03/2017

 

 O vocábulo "empoderamento" é dos mais horrorosos neologismos criados pela novilíngua esquerdista. Além de ser uma palavra desajeitada, carrega consigo aquela desonestidade intelectual que constitui trade mark do esquerdismo articulado e militante. Sempre que a escrevo, o corretor automático do word sublinha em vermelho, asseverando-me que não existe no nosso vocabulário. Contudo, a despeito da informação do dicionário, ela entrou em vigência, tem vigor e cobra reverências na novilíngua esquerdista.

 Há um esquerdismo honesto. Ele é alimentado por exóticas convicções e por uma fé que joga ao mar cordilheiras de realidade, montanhas de péssimas experiências históricas, mas é credor do respeito que merecem as severas convicções de quem as tem. Em contrapartida, há um esquerdismo militante profundamente desonesto, que conhece a realidade, fatos e tratos da história, que tem perfeita noção de seus fracassos e limitações, mas se mantém laborioso na faina do proselitismo, em vista do poder.

 É o caso de um certo feminismo que usa e abusa do termo empoderamento. Antes de qualquer consideração sobre essa apropriação parece importante afirmar e reafirmar a dignidade da mulher, o respeito e o autorrespeito que a dignidade impõe, especialmente, no plano dos direitos naturais. Não se trata de uma suposta igualdade dos sexos, porque isso seria lutar contra as desigualdades que a natureza providenciou, mas da igual dignidade de todos os seres humanos, independentemente das diferenças sexuais (o esquerdismo militante dirá "gênero").

Não se confunda empoderamento com reconhecimento de direitos. O sufixo "mento", derivado do latim "mentum", expressa o resultado de uma ação. Empoderamento, então, significa a obtenção de poder como ápice de algo que se faz. Ora, salvo circunstâncias muito particulares, o acesso ao poder independe gestos de boa vontade, e - menos ainda - de doações voluntárias. Poder, capacidade de mando, é um natural objeto de disputa. Mulheres das quais se diz "empoderadas", na vida pública ou no mundo dos negócios, alcançaram seus bastiões de comando por terem suplantado outros e outras que visavam a mesma posição. A justiça e a equidade se satisfazem plenamente se quem chegar ao poder o houver alcançado de modo legítimo, segundo as regras vigentes. Jamais por ser homem ou mulher. Exemplificando: a chanceler alemã Angela Merkel e a primeira-ministra do Reino Unido Thereza May chefiam os respectivos governos porque conquistaram a posição de liderança dentro de seus partidos. Dilma Rousseff foi empoderada por Lula. Viram no que deu?

Todo movimento que tenha em mira o puro e simples empoderamento feminino está fora da ordem natural em uma sociedade democrática. É ensaio totalitário sexista.

 

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

27/03/2017

 

 Ninguém ficou mais feliz com o pequeno público presente às manifestações deste domingo do que os corruptos, os foragidos no foro privilegiado, os proponentes do voto em lista fechada pré-ordenada, os defensores do autoindulto, a mídia esquerdista e todos que temem Sérgio Moro. Lula teve seu primeiro dia feliz nos últimos dois anos. Os sites petistas encontraram, enfim uma pauta. E vibraram. Certamente houve brindes eufóricos na casa do Wagner Moura, do Luis Nassif, do Paulo Henrique Amorim.

Eu entendo o desalento de muitos conservadores e liberais. Ingenuamente acreditaram que do interior de um governo corrupto desde a medula poderia brotar, sob comando de seu vice-presidente, um grupo de honrados cavalheiros capazes de levar o filósofo Diógenes a rir feliz e jogar fora a lanterna com que vida afora procurava um homem honesto. Daquele mato não sairiam tais coelhos.

Há que reconhecer. Muitos brasileiros são assim. Suas paixões futebolísticas não esmorecem diante das piores crises morais e de qualidade de seus clubes; já seu civismo queima rápido ante a menor fagulha das dificuldades. No entanto, lembremos que com povo na rua, com milhões de brasileiros na rua, conseguiu-se, em 2015/2016 realizar o que parecia impossível há menos de três anos: parar por impeachment o catastrófico governo Dilma; afastar o PT e os petistas do poder; estancar a sangria do erário, a roubalheira do petrolão e assemelhados; colocar na cadeia frequentadores dos mais altos andares do poder público e dos negócios privados, que hoje tomam sol uma hora por dia e comem na marmita da prisão.

Queriam, como aquele repórter ao pé da escada do carro de som, que a manifestação de domingo gritasse "Fora Temer"? Estão de brincadeira. Temer foi eleito pelos petistas. Sua presidência decorre de preceito constitucional. Ponto. Para um ato assim devíamos então - paradoxo insano - convocar os petistas a participar porque essa é a pauta deles desde o impeachment. Não, mil vezes não, leitores! Até da burrice se deve exigir moderação. Até das mais acendradas paixões se deve cobrar prudência. E a prudência, num país com 13 milhões de desempregados, desaconselha inteiramente uma nova crise institucional. Cadeia para os corruptos, inelegibilidade para os criminosos do poder e vamos para o voto em 2018. Na forma da Constituição e sem rupturas. Daí as pautas que levamos para as ruas e que não sairão dos horizontes deste blog. Elas são muitas porque somos brasileiros do bem e só os defensores de bandidos e os que chamam corruptos de heróis têm pautas tão simples quanto imorais. Tudo se satisfaz e basta com PT e Lula-lá.

Os que fomos ao Parcão, aqui em Porto Alegre, pedimos cadeia para todos os criminosos - e todos são todos! - quaisquer que sejam as letrinhas partidárias em que se escoltem ou escondam, e o cargo em que se homiziam. Pedimos fim do foro privilegiado. Os motivos institucionais e políticos para sua existência se tornam insignificantes diante do desastre político e moral que ele provoca e a impunidade que determina. Dissemos não à lista fechada e pré-ordenada, ao autoindulto, à escola com partido, ao desarmamento. E que Deus não abandone o Brasil apesar dos desanimados que o parecem abandonar.

 

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

24/03/2017

 


 A um ano e meio das eleições nacionais de 2018, o cenário é desalentador. Está em curso a rebelião dos escroques da República. Em fileira cerrada, ombro a ombro, bandoleiros da oposição e do governo avançam contra as leis penais e eleitorais, qual gatos a livrar e lamber o próprio pelo. As listas de Janot estão recheadas de nomes fortes para disputar vagas no entrevero político do ano que vem. E só um intenso trabalho de resistência às mudanças legislativas, de conscientização e informação poderá prevenir os grandes riscos de que, por escabrosos meios, se reproduzam os mandatos da Orcrim. Ao mesmo tempo, é paradoxal: se entrevistado, o mesmo eleitorado que tenderá a reeleger os quadrilheiros manifestará seu descontentamento com a representação política do país.

 A cada pleito, parecem brotar do ventre da terra, para se emaranharem nos altares do poder, personagens cada vez mais interesseiros, mais medíocres, menos honestos, menos comprometidos com o bem comum. Há quem conclua, dessa observação, que a política seja exatamente a lavoura onde se cultivam tais produtos e da qual nada melhor se haverá de colher.

  Convido o leitor para uma sincera análise dessa realidade. Quantos eleitores trocam seus votos por dinheiro, rancho, jogos de camiseta, brindes, favores concedidos, ou promessas feitas às respectivas instituições e associações? Quantos votam por preferências clubísticas e esportivas? Quantos se deixam sensibilizar por atitudes assistenciais como distribuição de cadeiras de rodas, óculos, remédios e caixões de defunto? Quantos são conduzidos pela publicidade ou pela presença na “telinha” e nos microfones? Quantos votam contra algo ou alguém, transformando a eleição num ato de ódio ou protesto? Quantos votam catando do chão um “santinho” qualquer ou em alguém que lhe seja indicado na boca da urna? Quantos votam porque o candidato é defensor vigoroso de sua corporação? Quantos votam porque o candidato é vizinho, amigo da família, manda cartões de Natal, conseguiu ou diz que vai conseguir emprego ou bolsa qualquer? Ora, eleitores displicentes, interesseiros e venais elegem, simetricamente, políticos omissos, mercenários e corruptos.

 Pelo viés oposto, pondere comigo: quantos eleitores têm como exigências a serem simultaneamente cobradas a formação moral e intelectual do candidato, a imagem que construiu com sua história pessoal, seus valores, sua dedicação ao bem comum, sua capacidade de influenciar e liderar outros, suas idéias e propostas para o município, o estado e o país?

Pois é, pois é. Faltam-nos estadistas porque nos sobram votantes com péssimos critérios. No produto dos escrutínios eleitorais, a quantidade de bons políticos eleitos será, sempre e sempre, diretamente proporcional ao número de bons eleitores.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

22/03/2017

 

Os que empurraram as esquerdas para suas vitórias e o Brasil para o fracasso retomam as antigas práticas. Astutamente, tendo suas opiniões perdido credibilidade nas questões internas, usam e abusam da cena internacional para continuar ministrando "lições" à opinião pública.

 Recordemos. Durante décadas, formadores de opinião, "trabalhadores em educação" e seguidores da Teologia da Libertação arrastaram o corpo social brasileiro para a valeta esquerdista. Era uma força irresistível a alavancar o PT para a condição de grande partido nacional, levar Lula à presidência da República e arrastar o Brasil para o caos. Nos microfones, as falanges midiáticas não poupavam sequer o público dos programas futebolísticos. Nas salas de aula, tornos e marretas ideológicas faziam cabeças em linha de produção. A CNBB e o clero dito progressista esmeravam-se em documentos e campanhas cujo cunho religioso se consumia em brevíssimas referências à Santíssima Virgem; tudo mais era perdição eufemística da mensagem cristã a serviço de determinada política. Certa feita, anos 90, designado pelo admirável arcebispo de Porto Alegre, D. Cláudio Colling, participei dos eventos que compunham o projeto da CNBB chamado "O Brasil que queremos". Nos bastidores de todos os eventos e mesas de trabalho, os assuntos mais abordados pelas pastorais presentes eram eleição vindoura e Lula-lá... A tudo testemunhei porque, como peixe fora d'água, lá estava.

Assim, ao longo de muitos anos, o povo brasileiro foi orientado pelos corregedores da opinião pública a pensar com critérios esquerdistas, estatistas, coletivistas. Toda a análise sociológica, histórica, política e econômica era promovida com lentes marxistas. Quando, nos anos 90, o Leste Europeu sacudia do próprio lombo sete décadas de opressão, ferrugem e lixo comunista, o Brasil da teologia da libertação, dos progressistas, dos movimentos sociais mantidos pelos inesgotáveis fundos petistas estava ávido de importar tudo para cá.

O que aconteceu após 13 anos do sucesso eleitoral de 2002 foi o inevitável fracasso operacional e moral de 2014, quando já não podia mais ser ocultado. E tudo fica bem resumido nestas estrofes narrativas e proféticas de Miguezin de Princesa em "Nunca recebi propina":

Prometeu melhores dias
Para um bocado de gente,
Vivia quase montado
No pescoço do vivente,
Mas, na hora de comer,
Só comeu quem foi parente.

Agora no xilindró,
Com saudade do faisão,
Come pão com margarina
E almoça rubacão
E diz: - Esse povo ingrato
Inda beija meu retrato
Nessa próxima eleição!

O poder petista, como tal, acabou. Junto com sua parceria, virou caso de polícia. A conexão publicitária entre esquerda e progresso, a ninguém mais convence. Com os foguetes queimados para levar o PT ao poder, torrou-se o prestígio de seus apoiadores. Por isso, leitor, você não ouve mais qualquer discurso esquerdista.

Que fazem, então, as falanges midiáticas, acadêmicas e pastorais? Reconhecidas as próprias limitações, dedicam-se a: 1) combater quem esteja à sua direita no arco ideológico, jogando rótulos entre os quais os de "ultradireita" e "fascista" são os mais recorrentes; 2) atacar propostas que busquem desfazer os estragos promovidos por um quarto de século de governos de esquerda; 3) investir contra conservadores e liberais como sendo os vilões a serem evitados.

Observe, então e por fim, o quanto se valem para isso do cenário internacional. Ali está o campo de prova onde reiteram suas convicções e "ensinamentos", sem que o passado os condene. Não, as falanges não se penitenciam nem redimem. Apenas mudam de estratégia. Agora, pretendem nos ensinar a compreender o mundo com seus olhos.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

19/03/2017

 

 Se o czarismo não dava origem ao melhor dos mundos, o movimento revolucionário que mudou o regime em 1917 causou à sociedade russa um dano incalculável. E não se deu por cumprido. Levado pelo imperialismo russo, o comunismo viria a estender fronteiras, impondo-se sobre nações até então livres e irradiando genocídio, miséria e servidão. O simples registro ou narrativa dos fatos que se desenrolaram a partir do velório da Rússia czarista não podem silenciar ante o simultâneo surgimento, ali e então, do primeiro, modelar e mais letal dos coletivismos totalitários que infernizaram o século XX. O nazismo e o fascismo aprenderam do comunismo. Deveríamos estar falando mais sobre isso, sempre que mencionados os fatos ocorridos às margens frias do Rio Neva, há exatos cem anos.

 As mulheres e os grevistas que a elas se juntaram para marchar nas ruas de Petrogrado, no dia 8 de março daquele ano fatídico, pedindo pão e paz, cantavam a Marselhesa e não podiam imaginar a intensidade das forças que desencadeavam. Talvez sequer soubessem que reproduziam o mesmo hino entoado na tomada do Palácio das Tulherias, quando, nos desdobramentos da Revolução Francesa, se liberavam as forças do Terror e a guilhotina fazia rolar três cabeças a cada dois minutos. A caixa de Pandora aberta em Petrogrado seria infinitamente mais maligna. Mas é bom relembrarmos: para cada Robespierre ou Saint-Just, a Revolução Russa iria, ao longo das décadas seguintes, mundo afora, disponibilizar multidões de sanguinários ditadores e monstruosos agentes políticos. Gerações de revolucionários e intelectuais, partidos e militantes se sucederiam para disseminar uma ideologia perversa na concepção e comprovadamente ainda mais perversa na execução, em todas as suas experiências históricas.

 Talvez convenha, aqui, lembrar o velho Winston Churchill, porque é sempre uma saudação à inteligência fazê-lo. Enquanto a chapa esquentava em Petrogrado, naquele março de 1917, Lênin estava exilado na Suíça. O curso dos eventos muito o agradava, mas não podia comandá-los através, apenas, das cartas que escrevia. Ele precisava chegar ao palco. Hábil que era, conseguiu negociar com os alemães autorização para cruzar o país em direção à Suécia. Foram oito dias em companhia de outros camaradas, dentro de trem blindado, até Estocolmo e, dali, para a Finlândia e Petrogrado. Churchill, referindo-se a essa inusitada travessia de um grupo de cidadãos russos, sendo a Rússia adversária da Alemanha na guerra, comentou que tal viagem se dera "num vagão lacrado como bacilo de peste". A frase e o lacre se justificavam plenamente.

Para Lênin, a Primeira Guerra Mundial era um conflito entre interesses imperialistas com o qual nada tinha a ver. Interessava-o aproveitar as consequências da guerra na vida das pessoas para fazer eclodir o que via como fundamental - o embate entre as classes sociais com vistas à ditadura do proletariado. Foi com tal visão que convenceu os alemães a lhe darem passagem e foi com essa perspectiva que chegou ao poder supremo no final do mesmo ano. E sobreveio o Terror. E nasceu o organismo dele encarregado, a Cheka, que viria a inspirar, menos de vinte anos depois, as SA e as SS nazistas, e os camicie nere fascistas. Alguém dirá que a política não é lugar de muito bons modos, que nunca foi domicílio da verdade e que, em maior ou menor grau, a repressão, ativa ou inativa, está sempre em seu estoque de meios.

O que só o coletivismo comunista e seus dois filhotes - nazismo e fascismo - fazem, porém, é uma política em que os adversários não são pessoas ou facções divergentes. São estes também, mas, principalmente, são grupos sociais inteiros passíveis de eliminação: burgueses, proprietários, etnias, nacionalidades. E tudo (...) O final do artigo pode ser lido em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/noticia/2017/03/1917-e-o-mundo-mudou-para-pior-9750819.html