Percival Puggina

06/01/2017

 Em 1963, consegui meu primeiro emprego. Tinha 18 anos recém feitos e fui contratado para trabalhar como auxiliar de administração no Presídio Central de Porto Alegre. Cursava o último ano do Científico (etapa final do ensino médio da época), preparava vestibular, ganhava uma merreca, mas sabia que, com aquela idade, deveria comprar meus próprios cigarros (levei 40 anos para me livrar deles!). O presídio que me permitia fumar com o suor do meu rosto fora inaugurado quatro anos antes e era o mesmo hoje apontado como o pior do país. No ano seguinte, fui aprovado num concurso e efetivado como funcionário do órgão que administrava os institutos penais do Estado. Novo em folha, articulado com outros dois estabelecimentos da região metropolitana, o Central cumpria bem suas funções.

Faço esse relato para referir a degradação do sistema penitenciário brasileiro. A exemplo de tantos outros aspectos da vida nacional - mal sabem disso os leitores jovens - nosso sistema penitenciário já foi melhor. Aliás, o Brasil, também já foi melhor. Imperfeito, claro, mas em quase tudo superior a este onde nos trouxeram as filosofias que adotamos e as políticas que escolhemos.

Entre 1959, ano-base deste relato, e 2015, a população do Rio Grande do Sul apenas duplicou, o Produto Interno Bruto cresceu 10 vezes (se não me enganei nas contas que pude fazer a partir das tabelas da FEE disponíveis na rede) e as alíquotas dos tributos estaduais sofreram diversas majorações. Apesar disso, o poder público estadual não tem, no horizonte, a menor perspectiva de recuperar capacidade de investimento e retirar o sistema penitenciário da falência.

Impossível recusar o que explode diante de nossos olhos. Sucessivas décadas de imprudência, imperícia e negligência, levaram as unidades da Federação e a própria União Federal à atual ruína. Ela foi gerada por governos perdulários e suas prodigalidades; pela ávida busca das manchetes e benefícios políticos de planos de impacto meramente publicitários; pela corrupção e pelo histórico patrimonialismo que confunde e funde o público e o privado; pelos corporativismos espraiados nos poderes de Estado, contaminando a atividade privada e transformando o que é público num butim de múltiplos e permanentes ataques.

A miséria do sistema penitenciário tem outras causas adicionais. A sociedade brasileira foi, deliberadamente, submetida a uma sistemática destruição de seus valores. Ridicularizou-se o bem e se relativizou a verdade; o errado fala do alto das torres e o certo sussurra nos porões; silenciaram-se as consciências e se tornou proibido proibir; jogou-se sobre a alma da vítima o peso de todos os males sociais e se aliviou a do criminoso, de quem não seria possível exigir outra conduta. Nossos policiais não temem enfrentar os bandidos. É das críticas da sociedade e das manchetes que têm receio. Por causa delas muitos morrem, desnecessariamente, em combate.

Antes da carnificina nos presídio de Manaus e Roraima, houve a chacina da ordem e o estupro da lei. Lá atrás, bem antes de tudo, reprimiu-se a necessária repressão ao mal. Lavrou-se, cuidadosamente, o terreno para a insanidade geral, enxotando-se a propagação do bem, do verdadeiro sentido da liberdade e da responsabilidade. Foram décadas de elogio à loucura! Agora, o diabo ri seu riso sarcástico diante das cabeças decepadas. Ali estão as oferendas da estupidez, dispostas frente ao seu altar. E a ironia o faz seguir gargalhando de uma nação que se extraviou ao ponto de perder, para as facções criminosas, o controle de seus presídios.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

05/01/2017

 

 A contestação mais comumente feita a quem denuncia os erros e maldições do ideário comunista é a de que o comunismo morreu. E se morreu, seu ridículo adversário é um Dom Quixote com neurônios de Sancho Pança, avançando contra algo que não existe mais.

Eu mesmo imaginei, em 1989, com a queda do Muro, que a desgraçada trajetória das experiências com o comunismo real, somada ao piedoso e exitoso trabalho diplomático e pastoral de S. João Paulo II, houvesse produzido a completa paralisia das funções vitais de uma doutrina que nunca foi funcional. Tal ilusão durou pouco mais de um ano. Enquanto a maior parte dos velhos Partidos Comunistas no Leste Europeu fechava as portas e outros, mundo afora, mudavam a razão social para não perder freguesia, aqui no Brasil eles se mantinham vivos e foram dando cria. O primeiro motivo para a não expedição do atestado de óbito é proporcionado pela existência, entre nós, ainda hoje, de nove partidos, registrados no TSE, que têm o comunismo no nome de família ou nas posições políticas. Não sei de outro país onde existam tantos partidos com esse alinhamento.

Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma transmutação. O operário industrial, que o marxismo via como protagonista da revolução, começou a ganhar dinheiro e mandou a ideologia às favas, fazendo com que a militância revolucionária se deslocasse para os operários do imaterial, do conhecimento, com atuação no campo da cultura, vale dizer, muito prioritariamente, para a universidade. Não fosse assim, onde iriam tantos professores buscar para si o título de "trabalhadores em Educação"? Aqui, o nome determina a função e o ensinado se subordina à causa.

Esse projeto andava muito bem no Brasil. Não foi por mero acaso que o Muro de Berlim caiu e o PT fazia nascer nestas bandas o Foro de São Paulo, em comunhão de corações e mentes com Fidel Castro. Por esse caminho, chegou ao poder e não preciso contar o resto dessa específica história. O projeto de tomada da hegemonia através da cultura e do meio acadêmico, porém, foi rompido pelo surgimento da Internet e pela incontrolável propagação das redes sociais, difundindo o que deveria permanecer oculto, disponibilizando o que era para ser contido: o saber filosófico dos grandes autores liberais e conservadores, não marxistas. Estou tratando disso em maior detalhe noutro artigo desta semana, especial para Zero Hora.

O que importa, aqui, é conhecer a diferença entre esquerda democrática e esquerda não democrática, comunista, porque ela permitirá saber como andam as funções vitais dessa doutrina e do respectivo movimento revolucionário, que se fazem passar por mortos para ganharem sapatos novos. Trata-se de algo muito simples, que funciona como o retratinho na carteira de identidade. Qual a posição desses "trabalhadores do imaterial" (para dizer como Negri) e dos dirigentes políticos desses partidos que trocam, em suas siglas, o C (de comunista) por um impreciso S (de socialista), sobre assuntos como:

• regimes totalitários de esquerda, atuais ou passados?
• Luís Carlos Prestes, Carlos Marighella, Carlos Lamarca?
• Fidel Castro, Che Guevara, Hugo Chávez?
• os regimes bolivarianos e Nicolás Maduro?
• Foro de São Paulo?
• Paulo Freire?
• - entre outros temas cruciais - "controle social da mídia", conselhos populares, invasão de terras?

Submeta os partidos políticos e suas lideranças, formadores de opinião e profissionais da educação ao teste das respostas cabais ou facilmente presumíveis a essas questões e você verá quem se faz de morto para ganhar sapato novo.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

02/01/2017

No início de novembro, o Conselho de Estado francês (o STF deles) decidiu que instalar presépios em locais públicos não contraria, a priori, a lei de separação entre Igreja e Estado (matéria do Le Monde pode ser lida aqui). A Corte entendeu que presépio é uma representação susceptível a diferentes significados: tem certo "caráter religioso", porque ilustra "uma cena que faz parte da iconografia cristã", mas é também, um elemento que integra a "decoração e ilustração que acompanha tradicionalmente, sem significação religiosa particular, as festas de fim de ano". O Conselho, então, esclareceu que cabe discernir, caso a caso, qual o caráter determinante da exposição do presépio. Se for de natureza ou conotação religiosa, não deve ser permitida.

A questão que assim foi "resolvida" no caso particular de locais públicos franceses ilustra algo que ocorre mundo afora. Em nome do multiculturalismo e sob as vestes da mais prestimosa tolerância, reproduzem-se, em todo o Ocidente, episódios nos quais representações e símbolos cristãos são banidos dos espaços e agendas públicas.

Seria hipocrisia negar que esse assédio tem o cristianismo como alvo certo e único. A militância de associações civis, os atos legislativos já produzidos e tantas decisões judiciais lavradas com esse intuito, ainda que valendo para todos os credos, alinham dois argumentos: 1º) em locais públicos, os símbolos religiosos desrespeitariam a separação entre Igreja e Estado e 2º) seriam constrangedores ou ofensivos à sensibilidade de outros crentes e descrentes em geral. Então, vejamos:

  • símbolos religiosos em locais públicos desrespeitam a separação entre Igreja e Estado?

É o sonho dourado do multiculturalismo anticristão. Promover, gradualmente, uma revolução cultural que varra para baixo do tapete da memória o cristianismo presente em dois milênios de história. E covardia para aceitá-lo não falta. Pergunto: a retirada da cruz que encima a coroa espanhola no símbolo do Real Madrid não foi exigida ao clube pela parceria com o Banco Nacional de Abu Dahbi? Quem garante que, em breve, a cruz presente nas bandeiras de uma dúzia de países europeus não sejam, em respeito ao multiculturalismo, substituídos por símbolos niilistas ou new age? Andamos em marcha batida, nessa direção.

  • os símbolos religiosos ofendem crentes e descrentes de outros credos?

Tal pergunta me leva a esta outra: até onde se deve fazer concessões aos intolerantes, em nome da tolerância? Porque é disso que hoje se trata no Ocidente, de modo constante, diariamente, nos mais diferentes países, sempre que algum ato, ou fato, suscita a obstinada questão. Não consigo imaginar como se avançaria para uma vida social mais harmônica com tolerância ilimitada de todos à ilimitada intolerância de alguns. Porque convenhamos, indivíduos que diante de símbolos religiosos expressem constrangimento ou indignação revelam problemas psicológicos e atitude antissocial. Qualquer outro modo de se ver a mesma questão importa um olhar bizarro sobre o fenômeno religioso e sua participação na cultura.

Anualmente, milhões de católicos que visitam países islâmicos talvez se surpreendam (e até mesmo se estarreçam) perante certas práticas culturais, mas ninguém se dirá ofendido ou constrangido por qualquer manifestação ou símbolo religioso muçulmano em espaços públicos. E ninguém se nega a atender preceitos a que não está habituado. O sujeito tem que sofrer de alguma disfunção para manifestar animosidades diante de um crucifixo, uma estrela de Davi, um Om e uma roda de Dharma, quer estejam no alto de uma coluna, no centro de uma praça, quer ao rés do chão, como singelo presépio em espaço público. E mais paradoxal ainda: como conciliar com multiculturalismo (!) a patológica intolerância ?


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+. 

Percival Puggina

30/12/2016

 

 "Ainda vamos passar pela Estação PT", disse certa vez o saudoso Carlos Alberto Allgayer. Corriam os anos 80 e estávamos a conversar entre quatro bons amigos. Allgayer era um talentoso jurista, que viria a ser diretor da Faculdade de Direito da PUC/RS, homem de uma sabedoria cordial que parecia cuidar para não constranger quando se expressava com sua voz privilegiada. Dava tanto gosto ouvi-lo que é impossível lembrar dele sem que, na imagem mental, apareça falando. E foi com essa voz que nos profetizou a chegada ao poder do pequeno partido saído das urnas gaúchas de 1986, época desse bate-papo, com uma pequena bancada de dois deputados federais e quatro deputados estaduais.

A Estação PT foi um desastre ao qual chegamos 16 anos mais tarde. Fomos conduzidos a ela através da mais poderosa máquina de agitprop (agitação e propaganda, no dizer marxista-leninista) em operação no Ocidente após a queda do Muro de Berlim. Ao longo desse tempo, a política petista era servida nos meios de comunicação até pelos programas esportivos. Do ensino fundamental aos cursos de pós-graduação, frequentava a maioria das salas de aula.Habitava certas atividades pastorais, Campanhas da Fraternidade e documentos da CNBB. Valia-se de uma impressionante gama de movimentos sociais que se converteram em braços mais ou menos violentos da mesma causa por outros meios. Urdiu uma rede de organizações não governamentais que orbitaram e parasitaram o partido, servindo-lhe como militantes da luta de classes, de raças e de sei lá quantos gêneros. Compôs engenhoso conjunto de instituições - quase poderia dizer "artefatos" - culturais, dedicados à sistemática destruição da cultura cristã e seus valores. E para nada disso faltava dinheiro.

O amável autor da profecia sobre a Estação PT faleceu em abril de 2002 sem presenciar a concretização de seu vaticínio. Os demais, vivemos para ver e relembrar o episódio, repetidas vezes, ao longo dos últimos anos, exatamente como aconteceu ontem, quando me caiu diante dos olhos um documento da Fundação Perseu Abramo (órgão de pesquisa, elaboração doutrinária e formação do PT), que pode ser lido aqui. Nele, o autor ataca a política econômica e administrativa adotada durante o "modelito neoliberal dos tucanos", no qual "as estatais, responsáveis para a Produção Para o Mercado, seriam todas privatizadas e os serviços não exclusivos do Estado – educação superior, hospitais, previdência social acima do salário mínimo – seriam também privatizados". Como consequência, constata ele, no período de 1995 a 2002 houve uma redução de 121 mil servidores federais. E em contrapartida, na gestão petista, entre 2003 e 2013 - gaba-se o autor da matéria - foram nomeados 240 mil novos servidores. Isso equivale a 2,5 novos servidores por hora, sob o governo petista!

A demagogia, a irresponsabilidade fiscal, o patrimonialismo, a corrupção e o inchaço da máquina pública, que agora vejo, no site do partido, ser proclamado como admirável avanço administrativo, confluíram para gerar a tremenda energia destrutiva que acabou por demolir a Estação PT e tudo mais à volta. A conta do estrago? A conta do estrago é nossa. Que a possamos pagar, são meus votos nesta alvorada de um novo ano. E que o Senhor nos proteja, se possível, com um par adicional de Anjos da Guarda, preferivelmente brasileiros, afeitos à barbárie urbana que tomou conta de nosso país.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 



 

Percival Puggina

27/12/2016

 

 Lá pelo final dos anos 80, tempo de fugazes trombadinhas e corruptos de pouca monta, os escândalos sob investigação desembocavam, quase sempre, em um sujeito qualquer, desprovido de poder, recursos e notoriedade. "Mas esse sujeito aí, humilde Zé Ninguém, é o pivô do cambalacho?", perguntavam-se os primeiros repórteres ou investigadores a chegar até ele. Claro que não. O sujeito era, apenas o laranja da história. O figurão estava sempre um ou dois passos além.

Já vivemos períodos assim, em que os corruptos, envergonhados, se escondiam atrás de seus laranjas. Com o tempo, inclusive, começaram a aparecer os profissionais, dotados de raras e bem remuneradas habilidades. Ser laranja exigia simultânea combinação de discrição e audácia. E lealdade. E comprometimento. Um bom conjunto, como se vê, de virtudes indispensáveis ao sucesso e à sobrevivência pessoal. Laranja safado, ou que andasse com o umbigo de fora, perdia o emprego. Laranja de amostra não era um bom profissional.

Narrou-me certa feita uma professora que ao formular aos alunos a clássica pergunta - “O que vocês pretendem ser quando forem grandes?” – as respostas “Laranja, professora”, ou, simplesmente, "Corrupto professora", quase empatavam com a resposta “Jogador de futebol, professora”. A gurizada já sabia onde se decidiam os grandes negócios. O laranja exercia uma atividade quase metafísica. Num mundo onde a maior parte parecia não ser, mas era, o laranja parecia ser, mas não era. Ele agia pelo cós das evidências. Quando uma CPI deitava a mão sobre o laranja do caso, e começava a espremê-lo, surgia imediatamente um problema de classificação das espécies que nem o velho Spencer conseguiria resolver. Esse laranja é um laranja de primeira, segunda ou terceira geração? Ele tem o seu próprio laranja ou é laranja de alguém?

Foi assim por bom tempo, até que a vergonha sumiu de vez e os laranjas perderam seus empregos, sendo substituídos por simples e bem-humorados apelidos nos cadernos dos corruptores: Amigo, Todo Feio, Caju, Índio, Angorá, Italiano, Campari, Velhinho e por vai. Anonimato guardado a sete chaves na cabeça de quem só procederia às decodificações após um aprendizado de boa vontade e colaboração na carceragem da PF de Curitiba.

Eis que surge, agora, uma nova série de apelidos, suscitando especulações e exigindo deciframento. Um acordo de colaboração entre as autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças descreve as atividades criminosas de nove "Brazilian Officials" identificados em investigação promovida pelo Departamento de Justiça dos EUA nos negócios da Odebrecht e da Braskem. Quando a gente pensava que a Lava Jato já tivesse arrancado todo o tapete que encobria o submundo financeiro da política brasileira, surge uma quinta ponta desvelando seus desdobramentos internacionais. E dele emerge, grafado em inglês como "brazilian official", um certo cavalheiro também conhecido como Amigo e amigo do peito de generosos laranjas dos quais jamais abriu mão.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

25/12/2016

 

 Pouco a pouco, a insânia do "politicamente correto" travestido de multiculturalismo vai passando verdadeira motoniveladora sobre o que não lhe convêm. Em nome de uma falsa reverência a todas as crenças, ele recusa existência pública ao credo cristão. E sufocou, por exemplo, o sentido do Natal. É por obra e efeito de sua produção intelectual e cultural que chegamos a este ponto: o Natal do Menino Jesus se tornou politicamente incorreto.

 Acompanhei ao vivo a firme determinação com que essa empreitada foi levada a cabo. Observei o processo iniciar e atingir seu objetivo em cerca de meio século. Gradualmente, certas palavras foram sumindo, certos assuntos se tornando tabus, certos temas saindo das mentes e, com isso certos fatos debandando do mundo das ideias. Hoje não se fala de Jesus entre pessoas educadas, como observou alguém, exceto se elas estiverem reunidas num salão paroquial. Nessa toada, em 2012, o Conselho da Magistratura do nosso Tribunal de Justiça determinou a retirada de todos os crucifixos porventura existentes nos prédios do Judiciário gaúcho. Os crucifixos seriam politicamente incorretos e ofenderiam elevadíssimos preceitos constitucionais. Na ocasião, escrevi neste espaço apelando para que se preservassem os pregos, como registro, às gerações vindouras, do serviço prestado à humanidade pelo douto Conselho de então (o CNJ, em junho passado, derrubou aquela determinação). Retornaram aos pregos os crucifixos?

 Mas é também dos saldos deixados por êxitos e fracassos que avança a militância cristofóbica, forçando toda expressão de religiosidade cristã a um recuo para a vida privada e impondo sua gradual interdição nos espaços públicos. Neles, pode-se exercer quaisquer atividades, do mais vadio vandalismo ao mais aparatoso poder político, pode-se emitir quaisquer opiniões como ateu, materialista, comunista, agnóstico, jurista, filósofo, antropólogo, consumidor, empreendedor, o que for. Pode-se dar palpites a propósito de temas morais e sociais sob qualquer fundamento e, mesmo, sem fundamento algum. Mas não se ouse abrir o bico se algo, naquilo que se diz, puder ser identificado como tendo semelhança ou raiz em algum princípio da moral cristã. Isso seria politicamente incorreto.

 Então, o Natal virou símbolo, também, de incorreção política. Papai Noel é politicamente correto. O Menino Jesus, não. E, por isso, sumiu do seu próprio Natal. O trenó (!) é politicamente correto. O presépio, não. A árvore da Natal é politicamente correta. A manjedoura, não. A ceia da noite de 24 de dezembro é politicamente correta. A Sagrada Família, não. E assim chegamos a um feriado cujo motivo não pode ser explicitado, a uma troca de lembrancinhas sem razão que lhe dê causa, oriunda de uma antiga tradição que subsiste apartada de suas raízes. O próprio feriado do dia 25 é apreciado pela folga ao trabalho, mas como celebração de Natal é atroz incorreção política em um Estado laico.
                                                                                                (...)
Vou além, desejando a meus leitores um bom e santo Natal do Menino Jesus. A reiteração através dos séculos da mais bela história de Natal transporta, no tempo, a extraordinária dádiva de Deus à humanidade. Pois que esse esplêndido presente, então, seja acolhido em nossos corações inspirando sentimentos, virtudes e valores que se traduzam em amor e felicidade pessoal e familiar ao longo de 2017.

Leia aqui a íntegra deste artigo, publicado na edição deste fim de semana de Zero Hora.
 

Percival Puggina

22/12/2016

 

 A Assembleia Legislativa gaúcha está votando um conjunto de vinte e tantos projetos voltados para a redução do gasto público, com ênfase à supressão de diversas atividades periféricas do Estado. Assistindo aos debates pela TV, presenciei o momento em que um parlamentar petista anunciou da tribuna que o governo Sartori, com essas providências, entraria para a história como o pior da vida administrativa do Estado. Impossível, excelência! Nem Nero, nem Calígula, se governadores do Rio Grande, conseguiriam ser mais destrutivos do que Tarso Genro. Em plena crise determinada pela infeliz conjugação de quatro sucessivos mandatos petistas no governo da União, Tarso Genro seguiu a cartilha dos piores economistas do PT e meteu o pé no acelerador da despesa. Recebeu o Estado gaúcho com as contas equilibradas e entregou um orçamento deficitário em R$ 5 bilhões. Não satisfeito, ao encerrar seu mandato em 2014, legou a seus sucessores aumentos salariais de servidores para serem cumpridos ao longo de cinco exercícios vindouros.

 Vejo empresas fechando as portas, empresários vendendo bens para manter ativos os negócios, jovens abandonando os estudos, brasileiros deixando o país. Só o estatal continua como se não houvesse recessão, elevando seu peso sobre a sociedade. Se o poder público no Brasil, nas suas três esferas administrativas e nas correspondentes instituições, fosse um pacote de serviços, você o compraria, leitor? Claro que não! Esse pacote, se de consumo obrigatório e fornecido por uma única instituição, a tornaria campeã de queixas e denúncias ao Procon, por péssima qualidade e preço abusivo. Ele custa a cada "consumidor" de 30% a 50% de seus ganhos, sendo que a maior proporção corresponde às faixas de renda mais baixas.

 Pagamos tudo isso para, bem resumidamente:

• termos educação pública de péssima qualidade;
• morrermos nas filas de espera do "quase perfeito" SUS;
• vivermos numa selva urbana que está a exigir um par de anjos da guarda adicionais, preferivelmente brasileiros, treinados para os sobressaltos do cotidiano nacional;
• termos uma justiça lenta e uma execução criminal que não consegue prender e manter presa a bandidagem que infelicita nossa vida;
• sabermos que os processos referentes aos grandes corruptos da nação, mundialmente notórios ladrões do nosso dinheiro, estão sob proteção da última trincheira da impunidade - o moroso e rumoroso STF;
• dispormos de uma infraestrutura precária e deficitária em saneamento, energia e transportes.

Nas eleições municipais de outubro, a sociedade deu uma lição aos partidos de esquerda que na prática de gestão operam como usinas de desastres. Os eleitores desse último pleito derrubaram o até então todo-poderoso PT para a minguada 6ª posição entre os partidos nacionais. E esse resultado expressa, essencialmente, rejeição ao estatismo, ao aparelhamento partidário do Estado, à corrupção e à irresponsabilidade fiscal que o PT transformou em grife.

Pois mesmo assim, a Assembleia gaúcha vem presenciando, nestes dias, um verdadeiro carrilhão, com os deputados oposicionistas, em rodízio, reproduzindo da tribuna um discurso segundo o qual só sairemos da atual crise deixando tudo como está. No entanto, nenhuma organização que busque a própria sustentabilidade pode dar-se ao luxo, por exemplo, de manter toda uma rede de centros de custo periféricos dela dependente, na ausência dos quais a vida segue exatamente tal e qual.

Após tantos anos assistindo nada ser feito em razão de que "só isso não resolve", finalmente estão sendo tomadas providências para, no tempo, em somatório de sacrifícios, com vistas ao bem comum, transformar o pacote de serviços em mercadoria comprável, por preço compatível.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

19/12/2016

 

 Nenhum país suporta ser esfolado de tantas formas, por meios que vão da mais fingida generosidade à mais sofisticada engenharia criminosa. Entre esses dois extremos cabem muitos outros drenos de recursos: expropriação corporativa; esbanjamento nouveau riche; encargos da solidariedade ideológica nacional e internacional; descalabro administrativo; keynesianismo de prodigalidade; loucuras dos Programas de Aceleração do Crescimento, Brasil Maior, empresas campeãs nacionais; delírios do pré-sal, Jogos Olímpicos, Copa, e por aí vai.

A partir de 2005, começou a ficar evidente a extensão da crise que sobreviria como consequência de uma política que surtava ante a ideia da responsabilidade fiscal. O desastre se tornou inevitável pela teimosa repetição dos erros pois bastam alguns anos com a despesa crescendo acima da receita para que esse desajuste comece a derrubar o Produto Interno Bruto. E quando isso acontece, a despesa pública sacode os ombros e vai em frente como se não lhe dissessem respeito as dificuldades do caixa. Consequentemente, o déficit não para de aumentar e o PIB não para de diminuir. Tal realidade deveria suscitar preocupações nas duas extremidades da relação público-privado. Mas isso não acontece fora de alguns círculos técnicos.

No primeiro lado dessa relação estão todos aqueles cujo ganha-pão vem das folhas de pagamento rodadas no setor público e dos negócios que com ele são mantidos. Nesse numeroso grupo é quase consensual a necessidade de reduzir o gasto e equilibrar as contas, contanto que tais providências se apliquem bem longe de onde cada um opera. No segundo lado dessa relação estão todos os demais cidadãos, aqueles cujo trabalho no setor privado gera a riqueza da qual saem os tributos que irão pagar as despesas dos entes estatais. No Brasil, esse grupo de cidadãos, imensa maioria da população nacional, está culturalmente submisso à ideia de um setor público mais bem protegido e aquinhoado nas relações de trabalho. Entre as consequências de tais distorções se inclui o fato de que poucos jovens brasileiros estudam com tanto afinco quanto aqueles que decidem se preparar para um concurso público. Que eu saiba ninguém se dedicou, ainda, a calcular o custo financeiro dessa negligência, tão comum entre nossos jovens, com a própria formação para a vida na esfera das atividades privadas.

Resultado da cultura estatista: o gasto excessivo gera mais reclamações pela má qualidade dos serviços, do que pelo tamanho e peso tributário que o Estado assume e expande sem cessar.

                                                                                                            ***

O parlamentar petista ocupava a tribuna da Câmara dos Deputados. Da alienação por onde divagava (Freud explica), era fácil depreender que recém retornara de um voo em 1ª classe à constelação de Andrômeda. Na viagem, por essas coisas do tempo e do espaço (Einstein explica), sumiram os catastróficos governos petistas. E ele lançava maldições à PEC do teto, que denunciava como produto de mentes perversas, ignorantes de rudimentos da ciência econômica: "Com o que vocês estão fazendo vai faltar dinheiro para tudo! Já deveriam saber que em tempo de recessão cabe ao governo gastar para ativar a economia. Certo?".

Errado, deputado. Como o senhor está chegando de viagem intergaláctica, esquece que a recessão foi causada pelo aumento desmesurado do gasto e do déficit primário. Não é que vá faltar dinheiro para tudo no futuro. O dinheiro já acabou, deputado. Mas eu tenho uma excelente utilidade para sua sugestão: aplique-a em casa. Em vez de conter despesas, resolva os problemas financeiros da família obrigando mulher e filhos a aumentarem seus gastos. Depois conte prá gente, deputado.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

15/12/2016

 

Há poucas semanas, li sobre achados do INSS através do pente-fino que vem passando nos auxílios-doença que paga. Há falecidos que todo mês removem suas lápides para comparecer ao caixa. Há licenças de 15 dias que se prolongam por anos. Há gravidez de risco que persiste quando o nascituro já está alfabetizado. Mas esses são casos extravagantes. Contemplando todo o cenário, já recaem suspeitas sobre 80% dos benefícios de auxílio-doença previdenciário e auxílio-doença acidentário que vêm sendo pagos!

É mais ou menos dessa época, também, a notícia de que o MPF, cruzando dados de diversas fontes oficiais mediante ferramentas de inteligência, encontrou "perfis suspeitos" de irregularidades em mais de 870 mil beneficiários do Bolsa Família que teriam recebido indevidamente um valor total estimado de R$ 3,3 bilhões.

  Nem o ambiente acadêmico, onde os recursos da mente sobressaem os reclamos do corpo, escapa às tentações da corrupção se o risco for baixo, a pena incerta e o processo criminal ardilosamente longo. Recentemente, a Operação PHD da Polícia Federal prendeu professores universitários e servidores ligados a um programa de pós-graduação em Saúde Coletiva na UFRGS.

 Além de quantos se dedicam ao crime organizado nas suas expressões mais "profissionalizadas" - tráfico de drogas, roubo de automóveis e de cargas, contrabando, descaminho, abigeato, entre outras - existem na vida social milhões de pessoas dedicadas a ganhar o pão, o bolo e, melhor ainda, a charlotte française, com o suor do rosto alheio. A vitrine das corrupções possíveis atende as mais variadas expectativas. Do Bolsa Família supérfluo, ao pixuleco milionário. São operações relativamente fáceis porque o governo é meticuloso na receita e negligente no gasto.

  As melhores notícias destes anos de cofres saqueados e raspados nos vêm de Curitiba, onde uma força-tarefa que opera junto à 13ª Vara da Justiça Federal, sem padrinhos e sem compadres, mostra denodo incomum no combate à corrupção dos hierarcas da República.

Falta-nos, agora, uma força-tarefa para, com igual vigor, agir contra as fraudes praticadas por multidões. Ali estão os eleitores que, por serem dados a desonestidades de pouca monta, não se importam de eleger e reeleger corruptos notórios e notáveis. Pessoas condenadas por tais práticas deveriam ter direitos políticos suspensos, tanto quanto é determinado em lei para políticos sentenciados. Quanto menor o número de eleitores corruptos, menor será, por certo, o número de criminosos eleitos.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.