Percival Puggina

29/01/2017

 

No último dia 17, o programa Timeline da rádio Gaúcha ouviu o Dr. Dráuzio Varella sobre o surto de violência que assola o país. Mostrando conhecimento do assunto na perspectiva em que o examinou (causas sociológicas), o conhecido médico diagnosticou-a como uma enfermidade que se alastra sob o impulso de inúmeras causas, sendo a periferia das grandes cidades o espaço onde mais rapidamente se expande. Entre os fatores que originam o mal da violência e a aparente surpresa com que nos colhe, ele citou: 1) a desconexão entre o discurso que menciona os muitos milhões tirados da pobreza e as péssimas condições reais de vida naquelas áreas; 2) os milhões de jovens desocupados, que não trabalham e não estudam, ou estudam em péssimas escolas, e são facilmente transformados em recrutas das organizações criminosas; 3) a natalidade descontrolada e socialmente desequilibrada; 4) a permanente expansão da população que nasce com pequenas possibilidade de desenvolvimento individual e social, a produzir verdadeira "fábrica de ladrões".

 Com justo discernimento, o Dr. Dráuzio, observou que ser pobre não é condição necessária para que alguém se torne criminoso, nem é o mundo do crime destino obrigatório de quem vive em condições de carência material. No entanto, diante da nossa triste realidade e das imensas facilidades que o caos social disponibiliza às forças do crime, o entrevistado do Timeline afirmou que a taxa de criminalidade brasileira poderia ser ainda maior.

Creio que foi o David Coimbra quem, lá pelas tantas - citando a Índia como exemplo -, perguntou sobre os motivos pelos quais países com níveis de pobreza ainda mais acentuados ou não padecem dessa enfermidade, ou não são por ela atingidos nas proporções em que o Brasil é afetado. O médico foi incisivo: famílias bem estruturadas, onde ocorra a transmissão de valores, com mães e pais trabalhadores, inexistindo abusos ou violência, podem proporcionar "ovelhas desgarradas". Mas serão sempre em número muito menor do que na situação oposta. Sem carinho, sem imposição de limites, convivendo com pais violentos e sem referências saudáveis a infância se faz vítima potencial, também, do recrutamento pela criminalidade.

É claro que o programa não esgotou a imensa pauta. O entrevistado abordou apenas alguns elementos da caótica situação das "comunidades" tomadas pelos traficantes, ou na fila de espera de que isso aconteça enquanto o Estado vai para um lado e a sociedade marcha para a anomia. Não, o Brasil não se explica nem se entende em 15 minutos. Nem em 15 anos. Nem em 15 livros. No entanto, do diagnóstico à terapia recomendada, o Dr. Dráuzio mencionou temas que considero relevantes, sobre os quais tenho escrito ao longo das últimas décadas sucessivos artigos.

Note-se, ele é ateu e não consigo vê-lo como um conservador. No entanto, falou no binômio família e valores, apontou a conveniência da simultânea presença masculina e feminina, a mãe, ou alguém por ela, o pai, ou alguém por ele, como cuidadores responsáveis, proporcionando afeto, estabelecendo limites e atentos às vivências e convivências das crianças e adolescentes. E chegamos, assim, ao meu ponto: nada disso se consegue com a irresponsável publicidade (o mais apropriado seria falar em propaganda) da "mulher dona do próprio útero"; dos filhos de "produção independente"; da família identificada como "instituição opressora", a ser superada em vistas do pleno exercício da liberdade; do "proibido proibir". Nem com apoio às rupturas da ordem e à impunidade. Nem torcendo pelo bandido contra a polícia. Nem com a libertinagem sexual que procria, mas não cria; que povoa, mas não civiliza...

(Leia o restante do artigo em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/ultimas-noticias/tag/percival-puggina/)
 

Percival Puggina

27/01/2017

 

 Estou certo de que o leitor concordará com o enunciado: não é condição de “normalidade” de uma ação humana o fato de ela estar sendo praticada por muitos, pela maioria ou por todos. A normalidade de uma ação está condicionada à sua adequação a uma norma. Todos podem estar desrespeitando sinais de trânsito, mas isso não faz "normais" as infrações.“Comum” e “frequente” não são sinônimos de “normal”. Fazer cabeças não é normal.

 O fato de ser muito difícil aos jovens não reproduzirem o que o grupo em que estão inseridos faz (numa estranha conformidade rebelde ou numa rebeldia conformada), associado ao fato de muitos adultos reproduzirem as condutas dos jovens (numa ridícula cirurgia plástica do modo de agir), multiplicou, nas últimas décadas, os problemas de comportamento e suas conseqüências sociais. O já idoso “É proibido proibir!” se constitui, ainda, na expressão síntese de generalizada forma de conduta em que qualquer tentativa de estabelecer limites é vista como repressiva. Nada é abusivo exceto a tentativa de acabar com os abusos. Apenas as empresas e as instituições militares parecem restar como locais onde a autoridade ainda se permite estabelecer limites.

As conseqüências dessa gandaia podem ser contempladas no âmbito familiar, nas escolas e universidades, nos parlamentos, nas ruas e assim por diante. Exemplo do mês? Perdeu a noção de limites o professor paraninfo da turma de formandos da Famecos/PUCRS, quando, em seu discurso, passou a incorrer nos mesmos equívocos jornalísticos que condenou nas primeiras palavras que proferiu. Instalou-se em sua bolha ideológica e a ela referenciou a realidade política do país. Tratou de fazer cabeças entre as cabeças dos convidados cativos de suas poltronas. Não respeitando a pluralidade do auditório e dos formandos, o homenageado fez o que sequer as jovens oradoras da turma fizeram: deu-se o direito de descarregar sobre todos um discurso político a respeito dos fatos recentíssimos da história nacional. Afirmou, o professor paraninfo, que uma "presidenta eleita foi afastada por um golpe parlamentar, civil e infelizmente midiático"; disse haver "um político suspeito de corrupção, assumido a presidência do país". E por aí andou, silenciando sobre tudo que não lhe convinha, tomando lado, calçando chuteiras e dando bicos na bola dos fatos. Pais, parentes e amigos dos formandos receberam uma porção do que supostamente foi servido à turma, em doses diárias, nos vários anos do curso. Para não deixar dúvidas quanto a isso, falou, também, o diretor da faculdade, endossando, sem pestanejar, o discurso do paraninfo, cujas palavras disse representarem "o que certamente pensa o coletivo da Famecos".

Coletivo, sem motorista nem cobrador, costuma ser coisa complicada, controlada pela esquerda e concebida para ser inexpugnável.


* Vídeo com a íntegra da solenidade pode ser assistido aqui. Às 2h e 21 min. da gravação começam os referidos discursos.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

24/01/2017

 

 Há anos venho me manifestando - e sei que, nisso, falo por muitos - contra uma das piores consequências do instituto da reeleição presidencial, agravada pelas sucessivas eleições petistas para a presidência da República: refiro-me ao atual perfil do STF. Com oito anos de fabianismo no governo FHC, mais 13 anos de petismo, vale dizer, com quase um quarto de século de indicações pela centro-esquerda e esquerda, o STF assumiu um perfil político-filosófico desviado para o lado canhoto do arco ideológico. E divergente, portanto, da posição inversa, majoritária, no Congresso Nacional e na sociedade brasileira.

 Reitero, aqui, opinião expressa em textos anteriores: o STF não precisa ser um espelho perfeito do perfil político-filosófico do Congresso, mas não pode - definitivamente não pode - viver em conflito com as posições da maioria da população. O Supremo não deve arvorar-se em reitor das convicções das pessoas. Nas suas leituras e interpretações "conforme a Constituição", não podem os senhores ministros constitucionalizar princípios que são deles mesmos. Princípios legítimos, se pessoais. Ilegítimos se enfiados a marretadas em seus manuseios da Carta. E tem havido muito disso, gerando descrédito e animosidade nacional em relação à Corte.

 Parece que passamos por uma encruzilhada a partir da qual a população foi para um lado e o STF para outro. E já não se reconhecem, tal a distância que os separa. É possível entender que, entre seus membros - como se estivéssemos em Cuba ou na Venezuela -, não haja um de quem se possa dizer: "Esse é um ministro de formação liberal", ou "Esse é um bom conservador"? Ora, tais posições são legítimas, modernas, e com elas se alinham os principais estadistas contemporâneos. A experiência tem mostrado, isto sim, o quanto é raro encontrar verdadeiros estadistas entre os autoproclamados progressistas, que formam o enxame acantonado no Foro de São Paulo e na Unasul. Tão "progressistas", estes, aliás, quanto se têm revelado os membros da atual Suprema Corte brasileira...

 Não sendo frequentador do meio jurídico nacional, não tinha nome a sugerir para a vacância determinada pela morte de Teori Zavascki. Limitei-me, então, em texto anterior, a recomendar que fosse uma voz e um voto alinhado com a maioria da nação. Alegrou-me saber que o Dr. Ives Gandra da Silva Martins Filho vem sendo referido para essa função. Agora, então, há um nome a endossar com entusiasmo, por todas as razões, convicções, verdades, princípios e valores que me animam. É o que faço.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

23/01/2017

 

 Praticamente todos os países europeus, se deduzida a natalidade dos imigrantes, vêm apresentando taxas que não repõem, na próxima geração, os atuais níveis populacionais. Quando a taxa de fecundidade média cai abaixo de 2,1 filhos por mulher, a população começa a envelhecer e a diminuir. É o "suicídio demográfico da Europa", sobre o qual demógrafos vêm apontando e alertando há bom tempo.

 Os motivos são vários. Os jovens estão despendendo mais tempo em sua formação, estudando mais e evitando relações estáveis. O nível de renda subiu e as pessoas estão mais preocupadas consigo mesmas (a elevação de renda é positiva, mas a ascensão do egocentrismo não). As relações conjugais não proporcionam às mulheres segurança suficiente para engravidarem com a certeza de que a família não se irá desfazer. A integração feminina no mercado de trabalho ganhou tal abrangência e significado econômico que a gravidez passou a ser vista como um embaraço ao sucesso profissional. À medida em que avançam nas respectivas carreiras, muitas mulheres percebem que, simultaneamente, por falta de tempo, regridem na estabilidade conjugal. Muitos homens europeus, mesmo comprometidos com sua relação, percebem a gravidez da companheira como uma restrição adicional à sua "liberdade" e como severa redução da própria autonomia. A tudo isso, somam-se as periódicas crises econômicas, a redução do número de matrimônios formais, a facilidade que muitos países concedem ao aborto, a expansão da homossexualidade, a profusão de métodos contraceptivos e por aí vai.

 Com tantas "razões" para e modos de não ter prole, às razões do amor e sua generosa partilha na geração de outros seres, as emoções da gravidez, do parto, do desenvolvimento dos filhos, a maternidade e a paternidade, enfim, vividas em sua riqueza psicológica, emocional, espiritual e social perde impulso. Fica para depois. Fica para o futuro. Até que o futuro vira passado, e já era.

Várias fontes consultadas relatam que França, Reino Unido, Irlanda e países escandinavos têm taxas de fecundidade menos assustadoras, entre 1,8 e 2,0, mas esses números certamente computam os nascimentos de europeus em comunidades de imigrantes, notadamente muçulmanos. Noutros países, como na Alemanha, Áustria e Suíça, os números, mesmo assim, são assustadores (1,3 filhos por mulher). Em contrapartida, as famílias muçulmanas, que lideram com folga os atuais fluxos populacionais para a Europa, têm taxas de natalidade de 3,1 filhos por mulher. Assim, com dados do Pew Resarch Center, a população muçulmana cresce duas vezes mais rapidamente do que a população nativa europeia e já atinge 7,5% da população da França, 6,0% da Holanda, 5,9% da Bélgica, 5,8% da Alemanha e 4,8% do Reino Unido.

Se os europeus pretendem, hoje, utilizar recursos humanos oriundos do mundo islâmico para realizar trabalhos que não estão mais dispostos a executar, se o egoísmo, a frouxidão dos laços familiares e as atitudes antinatalistas continuarem no rumo em que estão, logo verão quem estará trabalhando para quem.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/01/2017

 

 Roubo descaradamente o título da obra de Jorge Amado sobre o passamento de Quincas Berro D’Água para tecer considerações a respeito do acidente aéreo que resultou na morte do catarinense/gaúchoTeori Zavascki, ministro relator do processo da Lava Jato no STF.

 A morte é um acontecimento fortuito ou anunciado. As pessoas morrem, subitamente, por inesperada causa interna, ou acidente; e morrem , previsivelmente, quando acometidas por moléstias que conduzem a tal desfecho. O que acende tantas luzes de advertência em relação à morte de Teori Zavascki é saber o quanto ela atende à conveniência de verdadeira multidão de pessoas sem escrúpulos, que praticaram graves, continuados e comprovados crimes, com a finalidade de roubar a nação. A trágica morte de Teori Zavascki, então, sai dos padrões da normalidade e se torna um caso a exigir meticulosa investigação. A clássica pergunta que comparece a tantos inquéritos em que se busca a autoria do crime na persecução penal - a quem isso é proveitoso? - leva a algumas centenas de prontuários. A morte de Teori pode beneficiar muita gente, em diferentes graus de conveniência. Até que se concluam as perícias técnicas, as causas do acidente permanecerão envoltas em incertezas. Mas a morte de Teori não extingue a colossal tarefa que lhe fora confiada, para desconforto de tantos. Quando o STF acelerava o passo, a fatalidade ou o crime deram-lhe um tranco.

Por outro lado, sempre há outro lado, o infortúnio coloca nas mãos de Michel Temer oportunidade talvez única de desanuviar inteiramente, perante a opinião pública, sua relação com a Lava Jato. Do perfil que tiver o jurista escolhido por ele para suprir a vaga, muito se poderá deduzir. Sob certas condições, até nomes sugeridos e refugados ficarão sujeitos a especulações. Nessa, ou Michel Temer acerta e se conserta ou erra e se enterra.

Pessoalmente, não dou sugestões. No entanto, espero que o presidente indique alguém que, além da imprescindível formação jurídica – aquela que se define como notório saber – e da idoneidade moral, destoe do realejo “progressista”, “politicamente correto” e esquerdista em variados graus que assinala a atual formação do plenário daquela Corte. O tom monocromático que o STF adquiriu após um quarto de século de indicações feitas por governos de esquerda e centro-esquerda conspira contra a democracia. Cria graves desacertos com o parlamento. Induz o STF a invadir competências do Congresso. Põe a Corte em grave contradição com bem identificada vontade nacional numa série de pautas face às quais a sociedade se foi tornando crescentemente liberal e/ou conservadora. Esse desajuste no qual a sociedade vai para um lado e o STF para outro, responde pela grave desconfiança de tantos em relação à real disposição do STF para cumprir seu dever no julgamento de casos de corrupção.

Esperemos que Temer se afine com a ministra Carmem Lúcia, presidente da Corte, que não hesitou em avocar a si, imediatamente, a vacante relatoria da Lava Jato. A situação é bem maniqueísta. Ou se está com o bem, ou se está com o mal.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/01/2017

 

 

 É muito freqüente, freqüente demais, que estudantes me façam perguntas ou comentários que revelam grande reprovação ao papel desempenhado pela Igreja na história da humanidade. Apegada aos bens, sequiosa de poder, guerreira, sanguinária, corrupta e devassa, ela teria cruzado os séculos fazendo exatamente o oposto daquilo para o que a instituiu Jesus. “Onde vocês aprenderam isso?”, indago com cada vez menor surpresa. E a resposta é sempre a mesma: “No colégio, ora”. E esse “colégio ora” é, não poucas vezes, uma instituição católica.

Trato de prolongar tais diálogos para repor a verdade: “O que vocês aprenderam sobre Constantino? Houve alguma aula a respeito do fim do Império Romano do Ocidente e o surgimento da Igreja como instituição central da civilização? O que foi ensinado sobre o Islã, Maomé, Omar? Sobre a tomada de Jerusalém, os persas, os oito séculos de investidas contra Bizâncio, a invasão da Península Ibérica? Alguém lhes mencionou os mil anos durante os quais o Ocidente sonhou com a restauração da unidade perdida em 476 d.C.?

Nada. As aulas a respeito das Cruzadas silenciaram sobre os avanços dos cavaleiros de Alá; as aulas sobre a Inquisição nunca referiram a heresia dos cátaros; os alunos jamais ouviram falar sobre os gigantes da Igreja medieval: Agostinho de Hipona, Leão Magno, Gregório Magno, Bonifácio, Tomás de Aquino, Francisco de Assis, Domingos, o colossal Bernardo, a admirável Catarina de Siena – para referir alguns entre centenas de santos e mártires. Nenhuma palavra dita a respeito dos grandes bispos e pontífices medievais, sobre reis e rainhas que chegaram à dignidade dos altares, sobre os hospitais, as escolas, as universidades, as bibliotecas, a vida monástica e a preservação da cultura e da fé.

Alguém pode explicar a mim, que aprendi a amar ainda mais a Igreja exatamente estudando História, como se pode produzir o avesso em escolas católicas? Por que alguns fatos negativos são pinçados e exibidos aos jovens, fora do contexto, sem causa e sem efeito, enquanto se lança no monturo do silêncio todo o imenso bem que ela, mãe e mestra, prestou e presta à civilização e à humanidade? Espero que, no dia do Juízo esses mestres de pouco juízo não sejam avaliados na mesma balança com que, em aula, julgaram e sentenciaram a Igreja.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

14/01/2017

 

 Em artigo anterior, com o título Cria Cuervos, mostrei como o Brasil foi se tornando um criatório de maus cidadãos, de patifes, mentirosos, velhacos, corruptos, traiçoeiros e dirigentes de igual perfil. Os cuervos, afirmei, são criados por quantos chamam bandido de herói e herói de bandido, combatem a polícia, riem da lei, proclamam a morte da instituição familiar, ridicularizam a virtude, aplaudem o vício, enxotam a religião, desautorizam quem educa ou usam a Educação para fazer política, e relativizam o bem e a verdade.

 Observe as movimentações para eleição da presidência da Câmara dos Deputados. Quem for escolhido pela maioria de seus pares, além de comandar a Casa e exercer várias outras atribuições importantes, será o substituto eventual do presidente da República. A disputa se trava entre Rodrigo Maia e Jovair Arantes. O primeiro dirigiu aquela sinistra sessão em que - forçando um poquito pero no mucho a expressão - as dez medidas contra a corrupção se transformaram em regras desmedidas a favor dos corruptos. E fez o possível, Rodrigo Maia, para que tudo acontecesse conforme articulado nos bastidores, inclusive o tardio horário em que se desenrolou a escabrosa parte deliberativa da sessão. Do segundo, é dito que representa o centrão, grupo de deputados do baixo clero, cuja principal atividade parlamentar seria usar os votos e o poder do bloco para intercambiar favores que, na maior parte dos casos, não se distinguem de meros negócios. Tudo indica que estamos lidando com títulos de estampado valor de face.

 A essas alturas, impõe-se perguntar se não há naquele plenário alguém com estatura para o cargo. É claro que há. E não são poucos, embora não sejam muitos nem em número suficiente, os homens e mulheres que honram seus mandatos e os exercem com integridade, voltados ao bem do país. No entanto, eventuais disposições para concorrer à liderança maior da casa, que entre eles surjam, tropeçam num grande obstáculo. Nesse parlamento dominado por indivíduos de péssimo caráter é muito difícil a uma pessoa de bem articular, ao seu redor, um grupo que viabilize suplantar, em votos, os atuais disputantes. Sei que há iniciativas. Tomara que funcionem. Mas o cenário que desenho é real.

 A sociedade que cria corvos é a mesma que os elege. E a experiência já mostrou que, no atual quadro institucional e moral do país, se o Poder Judiciário não afastar do poder os criminosos, não há lei de "fidelidade partidária", nem da "ficha limpa", nem projeto das "dez medidas", nem o que mais ocorra à criatividade nacional, que consiga aprimorar o tipo de representação política da nossa sociedade. Chega a ser ridículo. O Brasil foi levado para essa perdição como um adolescente conduzido por más companhias.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

11/01/2017

 

 Quando as imagens do massacre de Manaus me caíram diante dos olhos, lembrei-me do ditado espanhol - "Cria cuervos y te sacarán los ojos". Naquelas cenas reiteravam o quanto é pueril supor que há perversidades inacessíveis ao homem. Não há. Feras não podem se humanizar, mas o contrário não é verdadeiro. E quando acontece, a ferocidade se potencializa pela aplicação da inteligência ao mal.

 Muitas vezes, algo que parece nascido da boa intenção, tornando quase impossível ser percebido de modo diverso, acaba prestando extraordinário serviço ao mal e a seus objetivos. Pondere o que aconteceu com a sociedade brasileira, em avassaladora proporção, nas últimas décadas. Para tal fim, seja seu próprio instituto de pesquisa. Examine suas experiências de vida e as informações que lhe chegam de variadas fontes e modos. Tenho certeza de que acabará concluindo que a nação passou da quota na quantidade de maus cidadãos, de patifes, mentirosos, velhacos, corruptos, traiçoeiros e dirigentes de igual perfil, cujas decisões põem a ética e o bem de cabeça para baixo.

O que se constata nessa observação ligeira, mas suficiente, não é causa de si mesma em circuito fechado, mas consequência de uma atitude pedagógica aparentemente generosa, que concede liberdade sem responsabilidade, direitos sem deveres, prêmios sem méritos, amor sem exigências, educação sem restrição. E tolera a falta sem punição e o crime sem pena.

Temos recebido doses maciças disso nas famílias, nas salas de aula, nas relações sociais, no trabalho e na política. Então, prezado leitor destas poucas linhas, se lhe ocorre, ao lê-las, a ideia de que os cuervos a que me refiro estão enjaulados nas penitenciárias do Brasil, crocitando e executando sentenças de morte, ali mesmo ou nas nossas ruas e estradas, você se enganou. É ao criatório que me refiro. Ele está por toda parte, está aí na volta, combatendo a polícia, rindo da lei, declarando a morte da instituição familiar, chamando bandido de herói e herói de bandido, fazendo novelas de TV, ridicularizando a virtude, aplaudindo o vício, enxotando a religião, desautorizando quem educa ou usando a Educação para fazer política e relativizando a vida (aconteceu o que, em Manaus e Roraima, que não ocorra diariamente, com tesouras e pinças, em salas de aborto?).

cuervos que não se apresentam como tal.

Não estou afirmando que as pautas da violência se esgotem nestas que menciono. Estou dizendo, isto sim, que o crime e a violência avançam, inclusive, por motivação política e ideológica. E estou reafirmando, mais uma vez, que consciências ou se formam ou se deformam. Há no Brasil um evidente empenho em criar seres humanos com consciência de corvos.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

08/01/2017

 

 Neste giro anual da catraca, acumulam-se reflexões e análises sobre o "preocupante avanço da direita", que estaria entre os fatos mais relevantes de 2016. O destaque e a surpresa são compreensíveis. Entendem esses peritos que, após décadas de publicidade e crescente hegemonia esquerdista, todos deveriam saber que a direita é insensível, brutamontes e malevolente, enquanto a esquerda é compassiva, cordial e generosa. Tá bom.

 O ano, então, foi marcado pelo impeachment de Dilma Rousseff e, no pleito de outubro, por impressionante perda de substância dos partidos à esquerda. Para quem supunha trilhar sem retorno o rumo da hegemonia, seguindo agenda científica, os tombos de 2016 reforçam a preocupação manifestada por Gilberto Carvalho durante a campanha eleitoral de 2014, quando reuniu no Palácio do Planalto um grupo de blogueiros e comunicadores ativistas. Ao lhes pedir redobrados esforços, o chefe de gabinete de Dilma Rousseff sublinhou tal necessidade diante do surgimento de uma direita militante - "coisa que nós não conhecíamos há uns anos atrás". Nos meses seguintes, durante as manifestações de rua, essa direita militante exibiria força e civilidade, provocando inevitável comparação com a conduta quase sempre agressiva e violenta das manifestações a que a cordial esquerda, como senhora dos pneus queimados e das invasões, habituara a sociedade.

O ministro expressou com correção o que observava. Falava de algo novo e que produziu, rapidamente, efeito importante no debate político e junto à opinião pública nacional. Mas se limitou à descrição. Haveria muito mais a dizer! A novidade era bem maior e sobre ela escrevo estas linhas. O fato descrito por Gilberto Carvalho tinha importância superior e suas consequências iriam além da eleição que ocorreria semanas depois. Aliás, sob o ponto de vista da grande política, que supera o horizonte dos fatos, o fenômeno sobre o qual o ministro silenciou excede a própria Operação Lava Jato e o impeachment de Dilma.

Desde meados do século passado, a esquerda brasileira se abastecia na Universidade para influenciar a cultura e a intelectualidade nacional e para manejar, em seu favor, os meios de comunicação e as igrejas. Mesmo a formação da massa de intelectuais orgânicos (para dizer como Gramsci) que iria agir nas bases só poderia acontecer, e acontecia, como consequência do produto disponibilizado pela cobertura do edifício do conhecimento. A Universidade, em especial a universidade pública - pública e notória nesse particular -, era o latifúndio do saber pouco produtivo, com título de propriedade passado em favor da esquerda e porteira fechada ao conhecimento divergente, não marxista.

No momento em que a internet se massificou e ocorreu a explosão das redes sociais (tão atacadas, nessas recentes críticas, como território "da direita"), democratizou-se o conhecimento e a Universidade perdeu sua função de grã-sacerdotisa do saber filosófico e da interpretação da história, onde só autores marxistas podiam ser citados sem sarcasmo. Era fácil, então, num vácuo de substantivos, atacar com adjetivos. Tudo que não fosse esquerda era neoliberal, conservador, reacionário e por aí afora.

Entrementes, de modo sutil, pelo viés oposto, acontecia uma revolução do saber. A internet e as redes sociais, Olavo de Carvalho e seus cursos, cortavam os cabelos de Sansão e faziam emergir um grande número de novos autores e formadores de opinião que encontraram os meios de chegar ao público, multiplicando nas redes o conhecimento produzido por gigantes do pensamento até então jogados às traças nos desvãos das bibliografias e bibliotecas acadêmicas. É bem complicado, num debate, superar Russell Kirk, William F. Buckley Jr., Theodore Dalrymple, Friedrich von Hayek, Ludwig Von Mises, Roger Scruton (...) A totalidade do artigo pode ser lido em zhora.co/percivalpuggina.