Percival Puggina
19/01/2025
Percival Puggina
Durante um quarto de século, o palco político nacional foi hegemonizado pelo PSDB e pelo PT, numa estratégia que ficou conhecida como teatro das tesouras. A expressão também serve para designar a relação entre bolcheviques e mencheviques durante as preliminares da revolução russa. Eles se combatiam reciprocamente, mas queriam a mesma coisa: a queda do czarismo e a implantação do comunismo – esse fazedor de infernos nascido do casamento do marxismo com os objetivos políticos de Lênin. O comunismo, naqueles dias da tragédia russa, era como cafezinho, podia ser servido amargo à bolchevique, ou adoçado à menchevique.
Na versão dessa peça em língua portuguesa para o teatro brasileiro, as duas siglas e seus militantes se combatiam como se Fernando Henrique Cardoso e Lula não fossem bons amigos que trocavam abraços nos bastidores durante as encenações. A peça era muito bem montada e a hegemonia das duas forças partidárias no âmbito das eleições nacionais era absoluta. Por seis vezes consecutivas, elas ocorreram no ambiente que polarizavam, sem dar chance ao surgimento de uma candidatura viável no segmento conservador e/ou liberal. Quem não fosse extrema esquerda votava no candidato saído da convenção do PSDB. Era o que se tinha para comprar nas bilheterias da realidade eleitoral, até surgir Bolsonaro.
Foi graças a esse teatro que Lula assumiu a presidência em 2003 e não mais se ouviu falar das denúncias que seus companheiros faziam a seu adversário motivando os muitos pedidos de impeachment encaminhados contra ele. Também graças ao teatro, em 2006, com o escândalo do mensalão dominando as manchetes, FHC desautorizou o pedido de impeachment de Lula, viabilizando com isso a reeleição do amigo.
Faço esse breve sumário para trazer à lembrança o longo período durante o qual se firmou essa hegemonia que proporcionou ao PT quatro mandatos consecutivos e uma bancada numerosa no STF. O sumário serve, também, para expressar meu contentamento cívico com dois fatos recentes: a) o outrora poderoso PSDB se encaminha para uma fusão que o liberte da incômoda condição de partido “nanico”; e b) o PT, em 2024, se encontra com a verdade das urnas nas eleições municipais. O partido saiu do pleito de outubro passado em nono lugar pelo número de prefeituras conquistadas e em sétimo pela população total dos municípios administrados. Fecham-se as portas do teatro.
Os dois principais partidos trabalharam levando o país para a esquerda. Café amargo com o PT; adoçado com o PSDB. De 1994 para cá, em 30 anos, governaram o país por 24. Todos esses anos, com um fio de continuidade por ação ou omissão, arrastaram o país para tempos trágicos. Qual a tragédia? Subdesenvolvimento econômico e social, corrupção e degradação dos costumes, decadência política, miséria cultural, educação paulofreireana e insegurança física, patrimonial e jurídica. Some a isso, mais recentemente, trambolhões cotidianos na liberdade e na democracia, censura escancarada, prisões políticas, representação parlamentar intimidada e sociedade ameaçada.
Alguém que viveu sob o totalitarismo afirmou algo que pode ser parafraseado aqui com a devida solidariedade e reverência: Nós sabemos que eles mentem e eles sabem que mentem. Eles até sabem que nós sabemos que eles estão mentindo, mas mentem assim mesmo (*).
Um dia, obviamente, essa casa cai.
* Frase semelhante é atribuída a Soljenitsin e/ou também a Elena Gorokhova.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
17/01/2025
Percival Puggina
O PT é o partido de uma suposta elite intelectual, de uma suposta elite burocrática e de uma suposta elite sindical. Ou seja, o grupo político que quase conseguiu hegemonizar a política brasileira não tem a menor ideia de como vive o povo que não está no mercado formal de trabalho e não se contenta com viver da miserável ajuda proporcionada pela assistência social pública.
Foi contra esses milhões de trabalhadores que um governo de burocratas de carreira decidiu agir e sente-se à vontade para fazê-lo porque é a turma do contracheque, do bom dinheiro na conta no fim do mês, preferivelmente creditado pelo Estado, esse bom patrão de quem lhe lambe os pés. Por isso e só por isso, são tantos fazendo política em tempo integral.
O governo petista agiu frontalmente contra o homem e a mulher brasileiros que “se viram” para proporcionar à família a melhor condição possível com as mínimas condições disponíveis. O brasileiro na informalidade é um bravo e merece respeito. Em sua imensa maioria vive perto do mundo do crime e da miséria e diz não a ambos! É um bravo e merece respeito. Não quer as correntes de ouro que adornam o pescoço do bandido nem o prato vazio de quem se conformou com a indigência pela mão do Estado. Ele acorda toda manhã e vai ao mercado – esse mercado do qual o PT fala tão mal – operar em seu nicho habitual, na esquina, no ponto, na banca; vai cuidar de torneiras que pingam e de ventiladores que não funcionam. De fato, não pagam o imposto de renda; a dureza da vida, a rotina da informalidade lhes proporcionou isso.
Políticos e burocratas com maior ou menor poder, que deixaram a alma em algum lugar do passado, realmente não tinham a menor ideia da extensão dos danos que causariam a tantos seres humanos e ao Estado. Agora, em vez de examinarem a própria consciência, esbravejam ameaças contra quem lhes apontou o erro e, como de hábito, os denunciam como culpados pelo caos que eles mesmos produziram. É para poderem agir sem contestações que precisam, tão insistentemente, de múltiplos instrumentos de censura.
Como não lembrar de Roberto Campos quando definiu o PT como o partido dos trabalhadores que não trabalham, dos estudantes que não estudam e dos intelectuais que não pensam?
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
11/01/2025
Percival Puggina
A frase de Homer Simpson – “A culpa é minha e a ponho em quem eu quiser” – é expressão máxima do realismo cínico e narcisista, frequentemente apropriada por indivíduos, empresas, corporações, instituições e poderes de Estado. Trata-se de um vício moral ruinoso, cultivado na infância e, como qualquer outro, potencialmente capaz de criar dependência. Cuide-se, leitor amigo, de quem atribui a outros os próprios erros. Cuide-se, também, de quem jamais reconhece uma incorreção, de quem nunca se desculpa, de quem sempre encontra nos outros motivos para os próprios maus resultados, de quem se permite mudar de princípios sem dar quaisquer explicações e de quem, mormente tendo poder, perde a paciência com perguntas desconfortáveis.
A extrema esquerda é medalhista nessas categorias. Em qualquer tempo e lugar – seja em Cuba, Rússia, China, Brasil ou Venezuela – essa esquerda criaria um paraíso não fosse a último governo do adversário, não fossem seus opositores atuais, não fossem circunstâncias externas ao seu controle, não fossem sinistras traições e/ou conspirações. É por culpa dos outros que só conseguem criar infernos na terra. Como todo vício, também esse, cria dependência. Do mesmo modo como precisa do poder para consolidar suas posições, a extrema-esquerda a que o atual governo brasileiro se integra depende de opositores e inimigos externos nos quais descarregar as próprias culpas e os piores adjetivos do dicionário político.
O problema é que, tendo opositores e aplicando a eles essa prática abusiva, o partido acaba aborrecendo verdadeira multidão de eleitores. Demora um pouco, mas é inevitável que, por saturação, mesmo cidadãos desatentos percebam o que está sendo feito e se sintam desrespeitados pelo mal que tais práticas causam. Não é comum a insensibilidade ante a injustiça praticada ao próximo ou ante a perseguição a um congressista opositor, ou quando uma rede de comunicação fica parecida com agência governamental tratando seu público como um “coletivo” tão descerebrado quanto ela se empenha em ser.
Vi o mesmo acontecer lá atrás, no começo do século. Antes das redes sociais, “quando eram felizes e não sabiam” nas palavras de um ministro do STF, governos petistas quiseram manipular a fita tape da censura para silenciar as opiniões divergentes por meios diretos e indiretos. Entre os primeiros estavam a tentativa de estabelecer o “marco regulatório da imprensa” previsto no famoso PNDH-3 e a tentativa de criar os conselhos nacional e regionais de jornalismo. Entre os meios indiretos, incluía-se o esforço de dominar a linguagem impondo os mandamentos apócrifos do “politicamente correto”, as “analogias penais” e as medidas excepcionais criadas pelo STF/TSE...
Tais práticas funcionam por algum tempo e com algumas pessoas, mas não por todo o tempo nem com todas as pessoas, principalmente após a ruptura dos monopólios da comunicação com o surgimento das redes sociais, que se tornaram os mais óbvios e viáveis escoadouros dessas inconformidades.
Começa, então, o jogo das apostas dobradas. O regime entra com a censura. O mundo civilizado se escandaliza. O regime abre inquéritos em sigilosos pacotes. Eles são tantos que se tornam exaustivos e insuficientes. O regime ameaça e multa as plataformas. A oposição cresce sem cessar. O regime reage com prisões preventivas eternas e desproporcionais condenações. Por fim, é como se vivêssemos tempos bíblicos: até os cegos veem, até os mudos falam, até os surdos ouvem, o apoio ao governo despenca e 2026 entra, em contagem regressiva, no horizonte das esperanças.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
08/01/2025
Percival Puggina
Na tarde do dia 8 de janeiro de 2023, em artigo reproduzido por vários jornais, eu escrevi:
As invasões e depredações neste momento em curso na capital federal constituem um erro descomunal! Quem julgar que estou equivocado pense em Alexandre de Moraes, em Lula, em Flávio Dino, em Rodrigo Pacheco, nos ministros indicados pelo PT aos tribunais superiores. Vocês acham que eles estão, neste momento, fazendo um exame de consciência? Avaliando suas condutas anteriores? Arrependidos? Decidindo mudar de vida? Entregando o poder aos invasores?
Bem ao contrário! Estes atos de um punhado de malfeitores contribuirão para explicar o que esses atores da cena política faziam antes sem motivo. Agora, instigados pelo vandalismo que estamos assistindo pela TV, passarão a intensificar e ampliar suas ações! Outras garantias individuais vão para o saco e outros pagarão a conta.
Há tempos, milhões de brasileiros olham assustados para o futuro. Identificam um avanço totalitário incidindo sobre a liberdade e a privacidade dos cidadãos, sobre os direitos humanos e veem na lixeira princípios constitucionais e leis que os protegiam.
Jornalistas vítimas de assédio judicial. Seus espaços de comunicação tomados pelo Estado que, sempre insatisfeito, impõe multas, recolhe passaportes e inclui as vítimas em inquéritos que (como muito bem escreveu alguém) são as únicas coisas persistentemente sigilosas em nosso país.
Aos poucos, mas sem recuos, o país saiu dos trilhos do bom Direito e da boa Justiça. Há um terrorismo de Estado e um fedor distópico orwelliano impregna a atmosfera da vida social de inesperadas supressões de direitos. E há o silêncio com que a outrora grande mídia expressa seu descompromisso com bens essenciais à natureza humana. Dezenas de milhões de cidadãos estão indignados, mas a indignação, hoje, se expressou de modo totalmente equivocado.
***
Naquela tarde, como no dia 14 de julho de 1789, à semelhança da Tomada da Bastilha, também os poderes em torno da Praça dos Três Poderes estavam desguarnecidos e desocupados...
O dia 8 de janeiro aparece como evento importante na linha de tempo em que se descreve o vácuo imposto ao Estado de Direito e à democracia no Brasil. Não que esse problema tenha começado ali. Nossa atual crise institucional (mais uma entre tantas) está marcada por uma profecia, ou maldição lançada pelo ministro Joaquim Barbosa, então presidente do STF, em 27 de fevereiro de 2014. Na ocasião, ele disse (aqui):
"Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora.”
Referia-se o ministro aos seis votos contra cinco que anularam as condenações do núcleo político julgado na Ação Penal 470 (Mensalão) por crime de formação de quadrilha. Com essa decisão, as penas desses réus se tornaram inferiores a 8 anos e eles saíram da cadeia cumprindo o restante em casa... Ali, a referida “maioria de circunstância” teve uma inusitada experiência do próprio poder e hoje, com alguns vaivéns, alcança retumbante placar que oscila entre nove a dois e onze a zero.
Há dois anos, as referências ao 8 de janeiro e seus impossíveis objetivos continuam a ser repetidos ao modo Goebbels e passaram a justificar um regime político de exceção, processos extravagantes e penas desproporcionais. Ministros que não viram uma quadrilha no Mensalão, agora veem um golpe onde ele não existiu! Esse novo regime recolhe aplausos nos salões do poder como defensor de uma suposta democracia da qual faltam vestígios enquanto sobram vítimas. Por isso, quase ninguém compareceu à fanfarronice de hoje, no meio da praça.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
05/01/2025
Percival Puggina
Larguei a pergunta no meio da mesa: “Quem é mais reacionária, a direita ou a esquerda?”. Eu esperava abrir uma discussão acalorada, mas isso não aconteceu. A expressão “reacionário” era entendida por todos como atributo inquestionável da direita. Ninguém se atreveu a discordar de um conhecimento tão corrente, tão comum, apesar de tão errado, como se verá a seguir.
A unânime reação expressou o que acontece quando uma ideia é repetida de modo incessante (como a que permitiu, há cem anos, por exemplo, a irracionalidade nazista se expandir na sociedade alemã).
Ora, ora, meus caros! Em Ciência Política, a palavra reacionário designa o apego a fórmulas e situações superadas pela História e pelos fatos. Quando nos atemos a essa condição essencial, já começa a ficar claro que para a extrema esquerda brasileira das últimas décadas, reacionário é “todo aquele que reage às suas ideias e revoluções”. Em outras palavras, para esse esquerdismo, todo conservador é um reacionário. Só que isso é falso e era o ponto que eu pretendia enfrentar.
A adesão a princípios e valores morais, a instituição familiar, a proteção das crianças, a fé religiosa, o amor à pátria e os bens imateriais que herdamos dos antepassados estão em plena vigência e são objeto de proteção da maioria da sociedade brasileira. Portanto, não são velharias pedindo para ser abolidas. Não estão superadas pela história! O conservadorismo, por outro lado, não faz revoluções. Ele quer preservar o que deu certo e reformar o que possa e deva ser melhorado.
A opinião esquerdista sobre o tema já estava por um fio e alguém saiu em sua defesa lembrando episódios recentes: “Mas o golpismo não é reacionarismo? Tipo querer voltar a 1964?”. Expliquei, então, que golpe civil com uns poucos militares da reserva é anedota, narrativa para fazer rir. É coisa tipo Brancaleone, como na comédia de Mario Monicelli, estrelada por Vittorio Gassman (1966). Aliás, seria uma Armata di Brancaleone, sem Brancaleone algum. Golpes ficam muito mais bem descritos em regimes de exceção, autoritários, sob os quais estejam reintroduzidas a censura, as restrições às opiniões parlamentares, as prisões políticas e a desatenção às garantias constitucionais e ao bom Direito. Ou seja, em situações típicas de AI-5, de Estado de Sítio sem as aprovações constitucionalmente exigidas para tanto, mas com as continências dos comandos efetivos das Forças Armadas.
O que restava do preconceito desabou ao serem apontadas, por fim, as evidências do reacionarismo das esquerdas. Por exemplo: a) afirmar que o Brasil pertence aos índios; b) apontar a relação indígena com a natureza e seus bens como modelo a ser seguido; c) defender métodos de produção agrícola do séc. XIX; d) obstar os avanços tecnológicos na agricultura e na indústria; e) transformar em ícones dinossauros políticos como Lênin, Che Guevara, Fidel Castro, Mao Tsé-Tung; f) confiar mais no Estado do que na iniciativa privada, etc., etc., etc.
Olhe, então, à sua volta e me diga, leitor: qual lado do leque ideológico é efetivamente reacionário, embora se proclame progressista?
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
29/12/2024
Percival Puggina
Quem acompanha meus artigos e crônicas, leu algum dos meus livros ou ouviu palestras minhas ao longo dos últimos 30 anos sabe que sempre tive respeito, mas nenhum apreço, pelo modelo político instaurado pela Constituinte de 1988. Ele foi mal pensado, reiterou erros que nos acompanham desde o início do período republicano e só podia dar no que deu. Nem nos Estados Unidos o presidencialismo resiste mais ao populismo que lhe é inerente. E note-se: a situação norte-americana só não é pior porque lá os governadores governam e o voto distrital tira do jogo os parlamentares oportunistas que usam a representação em benefício próprio.
Não consigo entender como haja quem diga que vivemos um longo período de estabilidade, diante de um insucesso tão cabal, de uma experiência tão cheia de solavancos, impeachments, maus governos, hipertrofia da máquina pública e práticas políticas impregnadas de péssimo odor... Só quem criou um nirvana para si e nele se instalou entre almofadas e perfumes pode descrever com tamanha imprecisão a realidade nacional.
A Constituição de 1988 é tão errada em sua concepção, que, desde o início, governar é lhe propor emendas e remendos. O Brasil é o país das PECs. Todo candidato ao Congresso leva no bolso, para mostrar aos eleitores, um elenco de PECs que irá propor. Antes que qualquer novo governo se instale, sua assessoria se dedica a elaborar um pacote de PECs sem as quais nada do que foi dito na campanha eleitoral poderá ser cumprido. Nos habituamos a conviver com tais disparates porque a realidade é assim mesmo...
Descrevo esse quadro, tão real quanto sofrido na carne cívica do povo brasileiro, para dizer que os últimos cinco ou seis anos passei a chamar a Carta de 1988 de “queridinha do vovô”. Como seria bom se o que nela está escrito com base no Direito Natural sobre liberdade de opinião e expressão, devido processo, dignidade humana, democracia, representação política e independência dos poderes, preservasse sua integridade e vigência!
Como seria melhor a situação social política e econômica do país se a porta da rua fosse, mesmo, serventia da casa para remoção de fanfarrões, aproveitadores ociosos e incompetentes dispendiosos!
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
20/12/2024
Percival Puggina
A Constituição de 1988 reproduz nossa tradição republicana de instituir os três poderes de Montesquieu, “independentes e harmônicos”, coisa que nunca foram. Em virtude dessa impossibilidade real, durante quase todo o século passado, as Forças Armadas se assumiram como poder moderador, intervindo quando a desarmonia alcançava o ponto de ruptura. Isso era bom? Não, era apenas o inevitável reflexo de uma inconsistência do modelo institucional.
Agora, aparentemente, os poderes de estado vivem momento de “harmonia”. Há um poder que manda e os demais obedecem sinfonicamente. Isso é bom? Não, é apenas uma nova manifestação da mesma e persistente inconsistência. Nestes dias, trocou-se a farda pela toga e o STF irrompeu na cena com a primazia entre os poderes.
O fato, bem incomum na história dos povos, é reflexo de circunstâncias políticas atípicas e se estruturou com base num conflito real. Ele surgiu quando as redes sociais provocaram o fim daqueles anos reconhecidos por um ministro do STF como o tempo em que “éramos felizes e não sabíamos”. Graças às redes, os anos decorridos entre o desastre econômico produzido pela sequência de governos petistas e o término do mandato de Jair Bolsonaro foram marcados por notável alarido popular. No ruidoso coro de dezenas de milhões de vozes, surdos os poderes de Estado, os cidadãos passaram a falar por si mesmos.
Acabaram ali o teatro das tesouras e o falso bang bang, de pistolas de rolha (ou seriam espadas de plástico?) longamente ensaiado entre PT e PSDB. No seio da extrema esquerda orgânica surgiu, então, a reação que se foi fazendo sentir de modo crescente. Os três poderes de Estado se uniram num mecanismo de proteção recíproca. “Todos por um e um por todos!”, clamaram como mosqueteiros, desembainhando as espadas reais da repressão. A tarefa de intimidar, “prender e arrebentar” a vida de muitos ficou com o poder sem votos, cujas decisões devem ser obedecidas.
A maioria do Congresso, a despeito da brilhante e honrada minoria, abastece seu poder na monetização dos mandatos mediante emendas parlamentares que causam repulsa nacional, mas geram crédito em votos junto às bases. Por outro lado, como macaquinhos de meme, avançam com cada um segurando o rabo do outro. Pode fazer mal à saúde confrontar a Suprema Corte.
O governo, em caso de dificuldades com o Congresso, tem sólida e grata maioria entre os onze ministros para “empurrar a história!” graças ao inédito e “vertiginoso” protagonismo político do Judiciário. Por isso, pautas da esquerda brasileira barradas no Legislativo por falta de apoio são levadas ao Supremo que, com gosto e sem constrangimento, cumpre essa função alegando omissão do Legislativo. Na verdade, o que acontece nesses casos, é mais simples: o Congresso decidiu preservar as normas vigentes – sobre aborto ou Marco Civil da Internet, por exemplo – com a redação que legislaturas anteriores lhes deram. Não se trata de omissões do Poder Legislativo, mas de intromissões do Poder Judiciário querendo impor a opinião de sua pequena maioria ou mesmo monocraticamente, sobre temas decididos pelo Congresso Nacional...
O STF, por sua vez, sente-se bem protegido pelo medo que infunde e pelos aplausos do governo e do jornalismo militante a quaisquer medidas que relativizem a liberdade de opinião e expressão nas redes sociais e nas tribunas do Parlamento.
Como se vê, está como o diabo gosta, mas ele não é o Senhor da História.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
16/12/2024
Percival Puggina
Frequentemente, durante palestras, proponho à plateia esta tarefa pedagógica: “Anote numa folha de papel os bens não materiais de seu apreço que a extrema esquerda brasileira esteja empenhada em preservar”.
Estimuladas a responder, as pessoas assumem, primeiro, uma atitude de reflexão, depois, se entreolham e, por fim, extraem de suas impressoras mentais uma folha de papel em branco. Ou seja: a extrema esquerda que manda no país precisa destruir e age para acabar com todos esses bens! Eles incluem temas como:
- a eminente dignidade da pessoa humana e os direitos que lhe correspondem, inclusive o direito à vida desde a concepção;
- o valor da instituição familiar, o zelo pelas crianças e sua inocência;
- a liberdade de opinião, sem censura;
- o direito à propriedade privada e livre iniciativa;
- o amor à pátria e a reverência a seus símbolos;
- as salas de aula como espaços para proporcionar e desenvolver conhecimentos, habilidades e competências para a vida produtiva em sociedade;
- o Estado a serviço da sociedade e não o contrário;
- a imparcialidade de quem exerça a justiça;
- a contagem pública dos votos.
Contra isso e tudo mais que lhes ocorra operam os militantes da guerra contra o Ocidente.
Meu primeiro contato com esse esquerdismo hegemônico fora do ambiente acadêmico, ocorreu ainda jovem, como leigo católico, ao defrontar-me com essa coisa herege, biscoito comunista molhado em água benta, que atende pelo nome de Teologia da Libertação. Ela rachou a Igreja como o comunismo faz com tudo que toca.
O leitor destas linhas talvez repita o refrão dos distraídos dizendo que “o comunismo acabou em 1989” ... A esses, pergunto:
- não viram para que lado os donos do poder “empurram a história” dando trambolhões no bom Direito?
- não ouviram Lula dizer ao Foro de São Paulo, logo após a posse, que ser comunista é motivo de orgulho?
- não o ouviram dizer que nomeou um comunista para o STF com o mesmo orgulho?
- não veem o que fazem com a Educação no Brasil e ao que ela serve?
- não os veem valer-se da agenda indigenista para acabar com o direito de propriedade porque somos todos invasores?
- não perceberam ainda a quem serve a agenda ambientalista?
- nem a quem serve a campanha desarmamentista?
- nem a quem serve a política de desencarceramento que solta bandidos reais e prende adversários políticos?
- nem a quem servem, aliás, os julgamentos em massa, as prisões políticas, a censura e a mão pesada do Estado precavendo-se contra a sociedade?
- não percebem que sob seu poder o Brasil parece um membro tardio do Pacto de Varsóvia, abraçando-se aos inimigos do Ocidente – Rússia, China, Irã, Venezuela, Cuba, entre outros?
É por tais e tantas razões que o “centro” do gradiente político (Centrão, na vida brasileira) é inútil para corrigir de modo consciente, lícito e democrático a alarmante realidade nacional. A política do Centrão, desde os anos 90, monetiza mandatos e votos. Só a direita, conservadora e liberal, tem olhos de ver e sólidas razões para confrontar essa realidade.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
10/12/2024Percival Puggina
Tenho votado no deputado Marcel Van Hattem por reconhecer nele as virtudes que, hoje, parcela imensa da sociedade brasileira vê e aplaude.
O primeiro dos 250 artigos da Constituição só tem um parágrafo. Com esse destaque estético e ético, os constituintes de 1988 sublinharam para as gerações vindouras a relevância da afirmação que faziam ao descrever a origem do poder: “Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
Se os representantes se omitem na representação, se a transformam em ativo financeiro para negócios privados ou se desligam os canais de comunicação com os representados, fazendo-se convenientemente surdos à voz das ruas, a democracia sufoca por falta de oxigênio. Em sequência, os outros 249 artigos, seus parágrafos, incisos, alíneas e itens restarão sujeitos não mais à vertente popular, mas a quem esse poder for transferido por conveniência ou omissão. Aí, tal poder relativiza quanto queira do que esteja constitucionalizado.
É por isso que passamos a ouvir, em frequência crescente, que nada é absoluto (portanto, tudo é relativo), mesmo se tiver garantia constitucional. A única exceção – realmente absoluto – passa a ser o poder sem voto em sua prerrogativa de decidir o real significado de “quaisquer” disposições da Constituição. Bom demais para uns; ruim demais para outros...
Quando a voz da sociedade é silenciada pela censura, mais relevante ainda se torna a representação parlamentar. O povo fala pelos seus representantes! Só que não? Perante o absoluto que se ergue, serão também suas prerrogativas relativizadas? Também sobre eles, a censura e a autocensura? Nem mesmo a inviolabilidade civil e penal dos parlamentares por “quaisquer opiniões, palavras e votos” escapará às relativizações do poder absoluto ancorado ao largo da vontade popular?
Thomas Jefferson considerava conveniente em questões de estilo fluir com a correnteza, mas em questões de princípios havia que ser firme como rocha. Marcel Van Hattem fala pelos que têm medo, pelos que cortaram a comunicação com seus representados, pelos que não estão nem aí e pelos que gostariam de falar e não podem. Fala por uma questão de princípios. É rocha na imagem de Jefferson. De seu vigor intelectual e moral sou testemunha ao longo dos anos.
Ele sabe que o tendão de Aquiles da democracia, hoje, é a liberdade de expressão dos parlamentares porque a liberdade recém começa, aqui e ali, a recuperar apoios e a contagem regressiva para um novo ciclo político inicia no próximo dia 1º de janeiro.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.