Percival Puggina

12/12/2016

 

 A mensagem me veio em e-mail sobre o momento político e incluía esta convocação à unidade nacional: "Coxinhas e petralhas, uni-vos!". O absurdo propósito tem dois pressupostos:

1º) A denúncia da Odebrecht, que acaba de vazar, abalou o governo Temer tanto quanto estava abalado o governo Dilma por acasião do impeachment.
2º) Coxinhas e petralhas, estariam, agora, no mesmo barco, unidos por simétricos infortúnios.

Se é verdade que a denúncia do ex-diretor da Odebrecht Claudio Melo Filho fez um enorme estrago nos mais altos escalões dos partidos que se uniram pelo impeachment de Dilma Rousseff, é absolutamente falso traçar qualquer analogia entre a conduta pré ou pós impeachment de coxinhas e petralhas. Enquanto estes cumpriam missão partidária, aclamando bandidos como "heróis do povo brasileiro", fazendo uso de violência e depredações, os coxinhas, em momento algum, emitiram som ou gesto em defesa de qualquer corrupto, independentemente do partido a que fosse filiado. Justice for all! Toda tentativa de apresentar os dois grupos como faces distintas de uma mesma moeda é falsa como seria a moeda que o expressasse.

A melhor evidência do que afirmo me veio pela edição de ZH desta segunda-feira, 12 de dezembro, no relato de um leitor transcrito pelo jornalista Tulio Milman em seu "Informe Especial", à página 2. O autor teve o privilégio de comparecer à palestra proferida pelo juiz Sérgio Moro ao público que lotou um auditório da Universidade de Heidelberg. Esclarece o autor que palestrantes estrangeiros costumam atrair umas poucas dezenas de interessados. Para o evento com presença do juiz brasileiro, porém, foi necessário um auditório com capacidade para centenas de pessoas e muitas ficaram de pé.

Interrompo momentaneamente as referências ao relato do leitor de ZH para registrar algo que estou pesquisando enquanto escrevo. Antecedendo o evento, diversas personalidades enviaram mensagens à Universidade de Heidelberg alertando para suposta falta de credibilidade do magistrado que estaria empenhado em destruir o PT e proteger PMDB e PSDB. A KGB petralha estivera em ação internacional.

A Rede Brasil Atual, por exemplo, se encarregou de divulgar isso, no dia 9, afirmando que "Moro vai encontrar ambiente hostil na Alemanha", pois intelectuais brasileiros estavam advertindo a Universidade sobre as reais intenções de seu convidado. Eis, um parágrafo que, de certo modo resume, em péssima redação, o espírito petralha da matéria:

"Já houve uma série de protestos em forma de documentos encaminhados aos anfitriões do encontro, professores, alertando sobre quem eles estavam convidando". "(...) claro, um alerta em termos, eles sabem quem é Moro, mas cartas foram escritas alertando que o juiz não é um paladino contra a corrupção, e sim um paladino contra um partido".

A imprensa brasileira, reportando o evento, destacou a presença de manifestantes portando cartazes com acusações de parcialidade ao magistrado da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. O leitor de ZH, contudo - voltando a ele - informa que eram uns poucos, cuja idade evidenciava não serem membros do corpo discente da instituição anfitriã. E sublinha que mais da metade do auditório aplaudira Sérgio Moro em pé, ao final de sua consistente e firme apresentação.

Toda a trama mentirosa contida nas matérias da sexta-feira se desfez no sábado. A delação da Odebrecht, a "delação do fim do mundo", foi cuidadosamente articulada na Lava Jato, sob as vistas do correto magistrado de Curitiba. Em outubro, ele já advertira para as turbulências que dela adviriam. E de fato, a primeira a se tornar conhecida acertou em cheio aqueles a quem os petralhas diziam estar sob proteção do juiz.

Então, por obséquio: coxinhas não são defensores de corruptos nem estão articulados com qualquer projeto estilo KGB para destruir a reputação do principal e mais eficaz combatente contra a corrupção em nosso país. Coxinhas não embarcam com petralhas.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

11/12/2016

 

 Recentemente (eu continuo impressionado com o fato) uma turma de ministros do STF, argumentando em defesa do direito de abortar, alinhou o princípio da igualdade, que seria ferido gravemente pelo fato de que só a mulher engravida... A igualdade (justiça, para aqueles que impropriamente assemelham os dois conceitos) exigiria, em favor da mulher, o direito de abortar. A ideia do igualitarismo, da sociedade igualitária, está produzindo loucuras. É como se todas as diferenças, inclusive as determinadas pela natureza, devessem ser corrigidas, declaradas fora da lei, inconstitucionais, com vistas ao império final de um determinado conceito de Justiça.

Outro dia, lendo uma dessas revistas que se debruçam sobre as exuberantes prodigalidades do beautiful people, me vi diante da instransponível desigualdade entre o meu padrão de vida e o daqueles personagens. Dei-me conta, simultaneamente, de que bilhões de pessoas, se tivessem a possibilidade de olhar para mim – para mim! – experimentariam a mesma sensação. Armei-me de coragem e fui adiante nas divagações. Pensei em tantas habilidades notáveis, como as reveladas nas piruetas de um atleta olímpico, no escrutínio dos sentimentos humanos por um bom poeta, no arrebatador desempenho de um bom ator, na virtuosidade de um pianista consagrado (e fico por aqui porque a lista é inesgotável). Em todos sobram capacidades que não só me faltam como me fazem falta. Eu gostaria de tê-las! No entanto eu, o atleta, o ator, o bilionário, o virtuose e o poeta, somos iguais. "Iguais em quê?", perguntaria – carteiro de minhas próprias mensagens – ao Eterno Poeta. Iguais naquilo que mais conta e não nessas coisas de pouca monta, responderia Ele, porque os poetas, às vezes, dizem frases assim, irônicas, metafísicas, de pé-quebrado com a cadência mundana. Sim, muitos se desconcertam com a disparidade entre o deserto e a várzea, quer estejam na natureza ou nas habilidades do corpo e do espírito.

Ao criar com tão caprichosa variedade, Deus expressa desígnios que relutamos em aceitar. Diante da desigualdade, é comum, por exemplo, cairmos em uma ou outra de duas tentações. Na primeira, incorrem aqueles que sonham com essa ISO 9001 da qualidade humana, onde todos seriam perfeitos e haveria, pela engenharia genética e pela engenharia social, equânime provimento dos atributos que valorizamos, como beleza, saúde, inteligência, força. Várias utopias foram construídas sob essa inspiração, confundindo a igualdade de direitos e a igualdade perante a lei, com igualdade por força de lei. Levadas às vias de fato, redundaram em povos privados de seus bens e de sua liberdade, sob cruentos totalitarismos que beneficiaram suas elites políticas com os confortos da vida fácil. Na segunda tentação, incorrem aqueles que, revogando por conta própria o Mandamento do Amor, desconhecem a igual dignidade de todos os filhos de Deus, a solidariedade como virtude, e se deixam conduzir pelo egoísmo.

Uma ordem social justa nada tem a ver com sociedade igualitária. A justiça, ao lado da liberdade e do desenvolvimento socioeconômico são as principais vítimas do igualitarismo. Embora seja apresentado como suposta virtude estatal, ele é mera arrogância política que afronta a Criação e o Plano de Deus.


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

08/12/2016

 

Luís Roberto, Luiz Edson e Rosa Maria são colegas de turma. De uma das duas turmas de ministros do STF. Eles se reúnem, periodicamente, para determinadas tarefas. Quem os vir, dirá, que são pessoas comuns. Não são. A nação lhes atribui um grande poder. E eles não se constrangem em aumentá-lo ao ponto de decidirem sobre temas como o início da vida humana. Te mete! Dia 29 de novembro, numa dessas reuniões, o assunto sobre a mesa tratava da prisão de cinco pessoas com atividade empresarial numa clínica de aborto clandestina fechada pela polícia, em março de 2013, no Rio de Janeiro. 

Coube a Luís Roberto liderar a apresentação do tema. Ele é uma pessoa de modos brandos, fala suave e fisionomia quase inexpressiva. Até seu sotaque carioca parece submetido a uma cuidadosa modulação. Na exposição que fez, sustentou a tese de que o aborto praticado antes dos três meses não é aquele aborto capitulado como crime no artigo 126 do Código Penal. O que teria levado Luís Roberto à inédita conclusão? Afinal, o tipo penal não faz essa distinção. O bem jurídico tutelado é a vida humana do feto. É o seu direito de nascer com vida. Perante os olhos da genética, os olhos da razão e os olhos de quem os tem para ver, o feto não é algo, mas alguém.

 Luís Roberto, porém, ia cuidando de justificar sua opinião alinhando alguns dos argumentos usualmente apresentados pelos defensores do aborto. Um deles, levou à fixação dos tais três meses como tempo limite para criar a excludente de criminalidade: antes da formação do córtex cerebral não haveria, no seu dizer, "vida em sentido pleno". A Fundação Perseu Abramo poderia encomendar-lhe a tese: "A trimestralidade da vida humana em sentido pleno, segundo Luís Roberto". Não se dirá algo semelhante sobre a vida plena de um ovo de tartaruga marinha sem ouvir consistentes protestos do IBAMA.

Tudo indica que, enquanto falava, Luís Roberto ia cativando as opiniões dos colegas de turma, Luiz Edson e Rosa Maria. Empilhavam-se sobre a mesa as ideias da moda: direitos reprodutivos (pretendem o oposto, mas vá lá), amontoados de células, direitos sexuais, autonomia da mulher, etc.. Tais argumentos, bem se vê, nada têm a ver com trimestre ou semestre, mas com "abortion on demand" (aborto por solicitação, uma espécie de delivery de fetos inconvenientes). Entre um cafezinho e outro, a deliberação ia se encaminhando no sentido de assegurar a licitude e a prosperidade dos negócios da clínica de aborto. Mas a chave de ouro, a cereja do bolo argumentativo ainda estava por vir. Atente, leitor, para o ineditismo da afirmação: "A criminalização é incompatível com (...) a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".

Ou seja, as mulheres devem ter o direito de abortar por uma questão de igualdade (!) porque os homens não engravidam. O Criador, a natureza, os amontoados de células, seja lá quem for que você escolha para o start up da humanidade, acabaram criando uma tal desigualdade com essa história de dois sexos que só cirurgicamente se pode resolver. Por outro lado, se os homens engravidassem, seria necessário acionar outros argumentos.

No final, como os três - Luís Roberto, Luiz Edson e Rosa Maria - compuseram maioria entre os cinco de sua turma (no STF), o habeas corpus foi acolhido e está iniciada a jurisprudência abortiva no Brasil. Veio-me à mente a fábula do lobo e do cordeiro. Com esse perfil do STF, o indefeso cordeiro não tem a menor chance. Ao lobo abortista bastam até mesmo os piores argumentos. Ou argumento algum.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

06/12/2016

 

A estas alturas da história do Ocidente, o discurso político mais perigoso e mais prejudicial, porque produz verdadeiros orgasmos auditivos, é o que fala sobre a pobreza com intuito de gerar energia política.

Amar o próximo e dedicar zelo especial aos mais necessitados é mandamento divino e missão profundamente humana, que cada um deve cumprir segundo sua vocação, discernindo na pluralidade de meios que as circunstâncias proporcionam. Não obstante, junto a tantos e tão belos exemplos de amor e solidariedade, existem, na vida civil e, não raro, na religiosa, aparelhos políticos que vivem hipocritamente desse discurso e para esse discurso. São pessoas que se abastecem do poder que ele confere e, nos confortos da vida fácil, matraqueiam sua parolagem com vapores alcoólicos dos melhores vinhos e perdigotos da mesa farta.

Se ficassem nisso, seriam apenas hipócritas. O que os torna perigosos e prejudiciais é que sua falsa devoção inclui, para o melhor efeito político, a pregação do ressentimento e do ódio ao rico. É aí, na construção do confronto, que efetivamente começam a fazer política e, simultaneamente, a causar dano àqueles por quem dizem zelar. Não lhes basta fingir um conteúdo amoroso. A eficácia exige apresentar algo a combater e alguém para odiar. Então, esse discurso arrasta consigo a luta de classes e uma retórica convenientemente estruturada para alcançar o efeito desejado.

O amor trambiqueiro ao pobre vai contra a própria ideia de riqueza. Com isso, adota mecanismos que sufocam as energias produtivas, penalizam investimentos, criam insegurança jurídica, tornam malvistos os empreendedores, põem em risco os bens individuais, elevam a carga tributária, expandem a dívida pública e, inevitavelmente, produzem miséria e desemprego. Tudo por fingido "amor ao pobre". Cada passo nesse malsinado caminho chuta para o acostamento as possibilidades de desenvolvimento social e econômico. E mais: os devotos desse discurso, em nome dele, perdoam todos os malefícios que produziu ao longo da história. É por ele que recebem absolvição política os crimes e agressões à democracia e às liberdades cometidos por Fidel, Che Guevara, Chávez, Maduro e muitos outros. É por ele que se entrega ao silêncio o martírio de leigos e religiosos. É por ele que se desconsidera o fabuloso enriquecimento ilícito de tantos amantes infiéis da pobreza. É por ele, também, que se expõe a nação ao comando político de pessoas sobre cujo despreparo não cabem dúvidas.

Esse orgasmo auditivo resiste, até mesmo, ao teste do fracasso e da total inutilidade desse discurso. A fé que ele gera é capaz de lançar ao mar toda uma cordilheira de evidências.
 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

04/12/2016

 

 No último dia 30, naquele horário em que se apagam luzes e televisores e se intensifica a atividade dos cabarés, saqueadores do Brasil transformaram um pacote de medidas contra a corrupção no oposto daquilo para o que foi concebido. Aves de rapina! Fizeram de um colibri algo à sua imagem e semelhança.

É fácil entendê-los. Quatro perguntas ao leitor destas linhas ajudam a esclarecer tudo. Você, leitor, tem medo da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, de passar uma temporada em Curitiba? Você está preocupado com a delação da Odebrecht? Não? Pois é. Eles sim. Eu os vi esganiçados aos microfones naquela sessão da Câmara dos Deputados. Destilavam ódio e vingança. Comportavam-se como membros da Camorra, da Cosa Nostra, da Máfia italiana. Sua conduta e seus discursos faziam lembrar animais encurralados. O pacote pró-corrupção foi um apavorado filho do medo.

Não é diferente a situação no poder vizinho. Mal raiara o sol, na manhã daquele mesmo dia, Renan Calheiros já cobrava a urgente remessa da encomenda para o protocolo do Senado. Queria votar tudo em regime de urgência e agasalhar-se com o mesmo cobertor legislativo. Aprovado em modo simbólico, o pacote só não foi adiante porque alguém cobrou que o voto fosse nominal. Nominal? Imediatamente abaixaram-se os braços e o plenário optou pela rejeição. Ouvido, Renan, o hipócrita, afirmou que a decisão fora muito boa e que a matéria não tinha, realmente, urgência.

Após o impeachment da presidente Dilma, esse foi, certamente, o episódio político de maior consequência para o futuro do Brasil. Ele noticiou à opinião pública dois fatos que, antes, seria impossível conhecer em toda extensão:

• A Orcrim, que constitui, no Congresso, verdadeira e atuante Frente Parlamentar do Crime, tem ampla maioria da Câmara dos Deputados, onde aprova o que quer;
• Os mesmos deputados, que tanto clamam contra os "vazamentos" de informações que os comprometem, vazaram a si mesmos, tornando conhecido seu desejo pessoal de conter as investigações, atacar os investigadores, acabar com as colaborações premiadas, preservar anéis e dedos. Entregaram-se, todos, ao juízo dos eleitores para o tribunal das urnas de 2018.

Agora podemos dizer a suas excelências que sabemos quem são e estamos vendo o que fazem. Agir assim numa crise como a que enfrentamos? Convenhamos. Depois da crise, vem o caos. E ninguém sabe o que há depois do caos. A Venezuela ainda não nos mostrou. 

Escrevo este artigo durante as manifestações populares deste 4 de dezembro. Enquanto isso, os poderes de Estado, em suas poltronas, assistem a manifestação do Brasil cuja indignação não é postiça nem indigna. Os cidadãos que lotam avenidas e praças em verde e amarelo, falando com seus cartazes e alto-falantes, são, em seu conjunto, a voz do dono. São a manifestação visível e audível da soberania popular.

 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

02/12/2016

 


Quando acontece de modo singular, tem-se a frustração. Quando se repete, a irritação. Quando se torna frequente, vem a depreciação. Lembremos. Ao concluir-se a votação do impeachment da presidente Dilma, a senadora Katia Abreu apresentou aquele famoso destaque propondo o fatiamento da pena para que o impeachment não acarretasse perda dos direitos políticos. Tratava-se de um arreglo tramado em sigilo, durante reuniões de elevada hierarquia, que acabou se transformando em decisão política com qualidade jurídica de caderno de armazém. Quem discursou em favor da medida? Renan Calheiros, que justificou a providência com o consistente argumento segundo o qual aplicar o impeachment e sua consequência natural seria dar um coice depois da queda. E quem proporcionou aval jurídico àquela decisão (dizendo que não estava a fazer isso, como soe acontecer no STF)? O ministro Ricardo Lewandowski, que presidia o Senado transformado em tribunal. Ele argumentou que se aceita a dupla punição, a presidente estaria inabilitada até para ser merendeira de escola. E Dilma, que perdeu o mandato por crime de responsabilidade, para não incidir sobre ela o absurdo impedimento de não poder ser merendeira, ganhou o absurdo direito de, em tese, disputar novamente a presidência em 2018... Frustração!

Passaram-se 90 dias. Ontem pela manhã, no plenário do Senado, ocorreu uma sessão temática sobre o tema Abuso de Autoridade, objeto da controversa emenda ao projeto das medidas contra corrupção. Entre os convidados de Renan Calheiros, para um previsível antagonismo, o ministro Gilmar Mendes e o juiz Sérgio Moro. Ante um magistrado sereno e consistente em sua exposição, o ministro partiu para a arrogância e menosprezou os dois milhões de assinaturas populares às Dez Medidas contra a Corrupção. Disse: "Aprendi em São Paulo que quem contrata o sindicato dos camelôs, em uma semana consegue 300 mil assinaturas". Ficou visível ao lado de quem Gilmar Mendes estava, dois dias após as indecorosas deliberações do dia 30 na Câmara e o empenho de Renan em aprová-las no Senado horas mais tarde. Irritação!

Logo após a sessão temática, o STF se reuniu para deliberar sobre o pedido de abertura de ação penal contra Renan Calheiros. O MPF apontava evidências de cometimento de dois crimes, mas um deles ganhou o almejado prêmio da prescrição por decurso de prazo, tão desejado quanto frequente. Contudo, para desgosto de três ministros, a acusação de peculato prosperou e o seguimento da ação penal foi aprovado por 8 a 3. Quais três? Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Pois é.

Na sequência da mesma sessão, julgava-se, com seis votos favoráveis e nenhum contrário, a ação movida pela Rede sobre o impedimento de que réu em ação penal possa ocupar cargo na linha sucessória da Presidência da República (situação em que ficara Renan Calheiros pela decisão anterior). Com seis votos favoráveis, a questão já estava resolvida e Renan Calheiros podia começar a esvaziar as gavetas. A menos que...? A menos que Toffoli fizesse o que fez tão logo lhe coube falar, ou seja, pedisse vistas e levasse o processo para engavetá-lo sem prazo para devolver a seus pares. Depreciação!

A nação quer ir para um lado e o STF, em total dissintonia, vai para outro. É a isso que nos conduz um quarto de século de indicações autorrotuladas progressistas. Temos um STF que não conheceu formação de quadrilha no mensalão. Temos um STF onde não há uma única, singular e solitária voz que expresse convicções liberais ou conservadoras. Pode parecer amargo este texto, mas quanto mais complexos os sentimentos e mais difícil a tarefa de expressá-los, mais necessário se torna fazê-lo.


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.




 

Percival Puggina

30/11/2016

 

 Na madrugada desta quarta-feira, 30 de novembro, o Parlamento brasileiro suicidou-se moralmente num acesso de fúria contra tudo e contra todos. Do alto de suas gravatas, deputados federais urravam ódio nos microfones. Eles odiavam seus colegas probos, indignavam-se, numa indignação despida de dignidade, ante bons exemplos. E aplaudiam comparsas. Condutas íntegras faziam explodir sentimentos primitivos. Nada, porém, trazia mais espuma à boca e sangue aos olhos do que a atividade de policiais, promotores e magistrados. Tais funções, um dia, poderiam apontar crimes e sinalizar o rugoso caminho da cadeia.

Que país é esse - pensava o Parlamento suicida - onde não mais se pode roubar em paz? Como obter mandato para servir ao povo em nobre atividade sem tomar dinheiro desse mesmo povo? Que mal atacou nossa gente, outrora dócil e tolerante, para levá-la às praças clamar contra meus negócios? De onde saiu essa corruptofobia? Tudo isso pensava e contra tudo isso vociferava o Parlamento enquanto o elevador da arrogância ascendia ao topo das torres gêmeas. E, dali, a queda livre até o solo.

Não se diga que o finado ainda emite sinais vitais. Com efeito, coração bate, pulmões respiram, aparelho digestivo digere. Mas está morto. Morto como um peso morto. É um traste, esse suicida moral. Nós assistimos tudo! Como não atestar, então, seu óbito? O Antagonista resume assim, no rescaldo da madrugada:

• crime de responsabilidade para juízes e procuradores,
• prisão por desrespeito às prerrogativas dos advogados,
• criminosos não terão de devolver a fortuna acumulada com propinas,
• tempo de prescrição continuará com réu foragido,
• partidos não poderão ser punidos pelo roubo.

Estas medidas, que favorecem a Frente Parlamentar da Corrupção, ou Orcrim, no relato de O Antagonista, foram aprovadas pelos partidos com estas proporções:

• PCdoB 100% pró-ORCRIM.
• PT: 98% pró-ORCRIM.
• PRB: 95% pró-ORCRIM.
• PDT: 87,5% pró-ORCRIM.
• PR: 83% pró-ORCRIM.
• PMDB: 82% pró-ORCRIM.
• PP: 81% pró-ORCRIM.
• DEM: 71% pró-ORCRIM.
• PSD: 61% pró-ORCRIM.
• PSB: 57% pró-ORCRIM.
• PSDB: 24% pró-ORCRIM.

Domingo, dia 4 de dezembro, estaremos nas avenidas e praças do Brasil como testemunhas do que aconteceu e protagonistas dos princípios e valores que em algum momento, ali adiante, haverão de prevalecer. Há que cumprir o dever moral da persistência! Covardes e inúteis seremos se jogarmos a tolha ante cadáveres morais.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.



 

Percival Puggina

28/11/2016

 

A "revolução" cubana me despertou tanta curiosidade que um dia, em 2001, resolvi conhecer a ilha dos Castro. Supunha que o comunismo, essa ideologia funesta, estivesse com os dias contados e visitar Cuba era o modo mais econômico de ainda ver de perto uma sociedade sob tal regime. Ao retornar ao Brasil, as pessoas com quem conversava sobre a viagem me pediam que colocasse as observações num livro. Assim, voltei a Havana no ano seguinte para colher subsídios e escrever "Cuba, a tragédia da utopia", publicado em 2004. Nessa viagem, após cometer a imprudência de telefonar, contatar e encontrar-me em público com vários dissidentes, pude experimentar e compartilhar, com eles, o temor, a insegurança e a sensação de viver sob vigilância de um Estado totalitário. Fui seguido, filmado e, por via das dúvidas, busquei (inutilmente, aliás) proteção da embaixada brasileira, já então sob orientação petista. Continuei acompanhando a vida cubana através de correspondentes. Voltei de novo em 2011 atualizando observações e dados para uma edição ampliada do livro de 2004, em fase final de redação.

Há, em minha biblioteca, dezenas de livros sobre Cuba. Desde os primeiros, escritos ainda em 1960 por jornalistas e membros do mundo acadêmico de esquerda norte-americano, até os mais recentes, de autores que serviram pessoalmente a Fidel Castro como membros do serviço secreto ou segurança pessoal. Mas não se engane, leitor. A maior parte da bibliografia é laudatória. Visa ao proselitismo. Pretende convencer que o regime é muito bom; o resto do mundo é que não presta.

Quem conhece a realidade local sabe que o povo da ilha, faz tempo, jogou a toalha da esperança no tablado da luta cotidiana. Ninguém mais acredita no governo, no regime, ou em dias melhores. Ninguém, fora da nomenklatura, crê que possa haver refeições satisfatórias além da cada vez mais subnutrida libreta de racionamento. Depois de quase seis décadas de semeadura de ódios aos ianques, o maior anseio e único horizonte da população é o retorno deles com suas verdinhas e seus empreendimentos, soprando ares de liberdade.

Estes momentos que seguem à morte do tirano proporcionaram um novo alento à propaganda comunista no Brasil. A mesma mídia que chorou a eleição de Trump aproveitou o embalo e ofereceu compungidos e afetuosos necrológios a Fidel. Dir-se-ia que certos jornalistas tinham perdido o vovô, velhinho bom, que dedicara a vida ao ideal da sociedade igualitária. Uma hipocrisia descomunal! Nestes tempos de internet, todos sabem que Fidel, desde que chegou ao poder, viveu como um nababo; que se apropriou de uma ilha, Cayo Piedra, onde construiu um paraíso particular (e não diz que é de um amigo dele); que tinha várias residências com diferentes mulheres; que sua despensa sempre foi abastecida das melhores iguarias que o dinheiro pode comprar. Quem descreve com mais detalhes e credibilidade os requintes da cozinha de Fidel Castro (num país com mais de meio século de racionamento) é o irrequieto frei Betto, em "O Paraíso Perdido". Nessa obra, cada capítulo conta algo de sua atividade como intelectual revolucionário itinerante e dos lautos banquetes com que se nutria para essa faina. Muitos deles, sentado à mesa farta do carniceiro do Caribe.

Então, leitor, morreu um ditador, serial killer, hipócrita. Por lógica intrínseca, irrecusável pela razão e pela visão em todas as suas experiências, igualitarismo é o formato que tomou a escravidão no século XX. Os membros da elite política do partido único são os novos senhores dessas poucas senzalas nacionais ainda remanescentes em desditosas nações contemporâneas.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

27/11/2016

 

Penso que nada prova melhor a extensão da encrenca em que estamos metidos do que o assíduo comparecimento da expressão "só isso não resolve" em todos os discursos e análises de conjuntura. E não importa se estamos falando de problemas sociais, políticos ou econômicos. Não faz diferença, tampouco, se o que está em discussão é projeto singelo ou pacote de espectro mais amplo, como o anunciado na última segunda-feira pelo governador Sartori. Tudo que se proponha no Brasil peca pela insuficiência.

O Estado é um ente gastador. Dotado de apetite voraz, consome todo o dinheiro que lhe seja proporcionado. Se, milagrosamente, revertêssemos o quadro atual e dona Receita se tornasse superior à dona Despesa, esta imediatamente dispararia em busca daquela, puxando-a pelos cabelos. São duas irmãs que não se dão bem, como a gente sabe, mas Despesa, em definitivo, não gosta de se sentir menor do que Receita. O Rio de Janeiro faz prova disso. Durante anos, foi um Estado privilegiado por acrescentar robustos royalties de petróleo às suas receitas tributárias. Resultado: o Rio nivelou sua despesa corrente num patamar ainda mais elevado. E agora soma às perdas advindas da recessão uma grande redução dos royalties que recebe. Quebrou mais do que os outros.

Em fins de 2005, Antonio Palocci estava alinhavando um plano para atingir e manter elevado superávit nos anos por vir. Jornais da época ajudam a lembrar o fato. O superávit primário já fora 4,5%, beirava os 5%, e o ministro queria manter a pressão sobre o gasto público. Dilma Rousseff, porém, como chefe da Casa Civil, fuzilou as intenções de longo prazo com uma frase que entrou para a história: "... despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesas correntes". Em dose errada, essa receita mata. A partir de então, o Brasil traçou seu rumo para um lugar de destaque no quadro de fracassos keynesianos e desenvolvimentistas. A economia afundou e o superávit virou déficit de 2,8% do PIB neste já histórico 2016.

O PIB real brasileiro está 7% abaixo do que era em 2013! Se somarmos a isso o que deveríamos ter crescido, caso mantivéssemos a média das últimas décadas (parcos 2,5% ao ano), constataremos que a perda efetiva se eleva a algo como 15% nesses três anos. Mas as despesas correntes, aquela peculiar "forma de vida", continuaram crescendo. É o número que falta hoje, a grosso modo, no caixa de todos os governantes. Buraco dessa fundura não se preenche sequer em médio prazo. Precisaríamos prover condições que não temos para um crescimento padrão chinês.

Governos perdulários atendem demandas, colhem afetos e sorrisos. São vistos como benevolentes e amorosos. Mas é um amor bandido. Dá com uma das mãos o que, ali adiante, tomará com as duas, levando empregos, destroçando esperanças, comprometendo o futuro e incapacitando o Estado para o cumprimento de funções essenciais. Aprender dos próprios erros, pela pedagogia do desastre, é a mais sofrida aprendizagem. Mas sinto que está sendo bem-sucedida. Se Sartori dispusesse de tempo e submetesse seu pacote a um referendo, receberia amplo respaldo popular. A sociedade entendeu a lição na sala de aula da realidade.

O amor bandido faz da irresponsabilidade fiscal instrumento de sedução. Pulsa coraçõezinhos com ambas as mãos. Coleciona gratidões passageiras. E semeia tempestades cujos maiores danos incidem sobre os mais miseráveis dentre os pagadores de impostos. Quando um avião entra em zona de turbulência não podem os passageiros da 1ª classe pretender que sua cabine não sacoleje. (A íntegra do artigo deve ser lida em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/ultimas-noticias/tag/percival-puggina/)