Percival Puggina

24/07/2017

 


 Enquanto ouvia o relato da avó coruja sobre as atividades do netinho, a memória disparava, braços abertos de saudade, para a minha própria infância. Lá estava eu, fazendo os mesmos experimentos caseiros aos quais o menino se dedicava, para encantamento da avó. Tal como eu, ele espalhava pela casa frascos e recipientes nos quais misturava os mais insólitos produtos que pudessem ser encontrados na despensa da família — creme dental e álcool de limpeza; graxa de sapato e creolina e coisas assim.

Lembro-me de que cada mistura dessas trazia consigo a expectativa de um avanço para a humanidade. Os insucessos não constituíam conhecimento perdido. Ao menos não para minha percepção. A conclusão era a de que misturar Leite de Rosas com loção pós-barba Aqua Velva não dava nada, exceto bronca.

Se a humanidade não caminhava assim, era assim que a minha experiência andava. Experimentar é, de fato, uma forma de conhecer. No entanto, tão certo quanto isso, e bem mais produtivo, é aprender do conhecimento adquirido antes de nós. E ir em frente. O desprezo por essa liçãozinha básica tanto leva aos vícios e suas dependências quanto afunda uma sociedade inteira por desconhecimento ou sob influência de informação desonesta sobre as condições necessárias à sua evolução positiva.

Nada do que venha a ser afirmado a seguir aplica-se ao Brasil, que não é culpado de nada, o coitado. É tão somente à sociedade brasileira que diz respeito. O Brasil não vota; somos nós, indivíduos brasileiros, que votamos. O Brasil não estuda ou deixa de estudar; somos nós, indivíduos brasileiros, que estudamos ou não. E somos nós, indivíduos, membros da sociedade brasileira, que vamos pela vida formulando experimentos muitas vezes infantis, em questões para as quais a história de outros povos e bons livros berram importantes lições.

Quando o século 21 já vai andando, embarcar em experiências socialistas, populistas, autoritárias, rupturas da ordem, ou em formas de "democracia popular" (sovietes), bem como submeter-se às imposturas do politicamente correto, significa adotar comportamento infantil. É esperar que travessuras possam produzir bons efeitos políticos, sociais e econômicos. Na mais benévola das hipóteses, é esperar que essas traquinagens não gerem consequências a seus autores e possam ser corrigidas por algum papai ou mamãe estatal que a tudo carinhosamente observa. Na mais malévola das hipóteses, os travessos são, justamente, o papai e a mamãe da cena política.

Crer que o diploma de conclusão de qualquer curso substitui o conhecimento que deveria ter sido adquirido ao longo dele é fazer um investimento no próprio fracasso pessoal. Experiência superada. Quando a Heritage Foundation classifica o Brasil como 118° entre 186 países no ranking das liberdades econômicas, acreditar que nossos problemas sociais são consequência do sistema capitalista é plantar pobreza para colher miséria. Com 56 pontos em cem possíveis, se cair seis pontinhos, o país entra no grupo dos que reprimem tais liberdades, como Argélia, Uzbequistão, Chade e, claro, ainda bem mais abaixo, Venezuela, Cuba e Coreia do Norte. Esse trinômio soa conhecido? Pois é. No viés oposto, escalando 24 pontos para alcançar os 80, chega-se ao topo do ranking, junto com as cinco nações que lá estão, padecendo as aflições do capitalismo — Hong Kong, Cingapura, Nova Zelândia, Suíça e Austrália.
Infelizmente não são poucos, na sociedade brasileira, os que, infantilmente, se deixam seduzir pelo discurso de supostas generosidades estatais e se confiam às mãos (íntegra do artigo pode ser lida aqui).
 

Percival Puggina

21/07/2017



 O governo federal anuncia aumento de impostos para compensar um gasto público que está ampliando o déficit previsto. Ah! Que coisa! Quem poderia imaginar qualquer desses dois fatos, ou seja, o gasto "superior ao previsto" e a solução fiscal encontrada? Estamos diante de uma situação recorrente, apenas agravada pela prolongada recessão que só as toupeiras não anteviam diante do regime de Copa franca e Olimpíada por conta da casa, que vigorou nisso e em tudo mais ao longo dos últimos oito anos do governo petista. Quem dizia que tudo acabaria em roubalheira e prejuízo era muito mal visto.  Faz 10 anos, mas eu lembro.

 Era o tempo das vacas gordas e a nação jazia sob um governo, partidos e corporações funcionais suficientemente tolos para imaginar que aquilo iria durar para sempre. Como resultado dessa malfadada conjugação, a despesa continuou crescendo mesmo quando a receita começou a cair.

Em sua coluna de hoje (21/07) em Diário do Poder, o jornalista Claudio Humberto registra algo que mencionei durante recente palestra que fiz a um público convidado por entidades empresariais de Passo Fundo. O número é impressionante: o Palácio do Planalto, sede do governo brasileiro, tem 10 vezes mais servidores do que a Casa Branca, sede do governo dos EUA. São 3,8 mil no Planalto, 377 no staff de Trump e na cúpula do seu governo.

Não tenho os números do Congresso deles, mas duvido que a proporção seja muito diferente. Nossas duas Casas, juntas, têm 28 mil servidores, na soma dos efetivos, comissionados e terceirizados. Não é diferente a situação, com mordomias e penduricalhos, nos órgãos do Poder Judiciário, seus conselhos e no TCU. Nem é diferente a explicação para o "fundão" de R$ 3,5 bilhões que deverá irrigar a campanha eleitoral do ano que vem.

A questão que proponho aos leitores é esta: houve algum movimento, por menor que seja, no sentido de reduzir os custos fixos nessas posições privilegiadas do serviço público? O contexto de dificuldades que afeta postos de saúde, hospitais, escolas, obras de infraestrutura tem algum reflexo no topo das instituições? Nada! Restrições passam longe dessas cadeiras de espaldar alto.

Observem a Venezuela. Enquanto incendeia sua miséria na valeta do comunismo caudilhesco, Maduro proclama que as dificuldades da economia são resultado da resistência dos empresários e do capitalismo. Aqui, seus parceiros ideológicos não ensinam diferente: a culpa dos problemas do país é do tal mercado e sua lógica. No entanto, a situação nacional seria bem outra se o setor público respeitasse a lógica de mercado na composição de seus quadros e na remuneração de seu pessoal. Qual é o artifício capaz de justificar o fato de que, no Primeiro Mundo, certas funções tenham um décimo do número de servidores custeados pelo pagador de impostos brasileiro? Isso descreve uma das essências do socialismo: o Estado como grande empregador, remuneração privilegiada para o topo do poder político e o restante trabalhando para pagar a conta. Tudo bem de esquerda, não é mesmo? 

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

19/07/2017

 

 Se você ainda não ouviu falar em desencarceramento, prepare seus olhos, ouvidos, nariz e garganta para o que vem por aí.

 Nada disso é recente, tudo está entre as causas da nossa insegurança e precisa de Lula em liberdade para que o processo se complete. Lula atrás das grades sinaliza o capítulo final de uma era na política brasileira, encerrando muitas carreiras, idéias e militâncias impulsionadas pela energia que dele emanava.

Desencarcerar? Soltar presos? Polícia prende, justiça solta? Agenda pelo desencarceramento? Que diabos é isso? Os promotores de Justiça do MP/RS, Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza, abriram a janela sobre o tema. Ambos são autores do livro “Bandidolatria e Democídio, ensaio sobre garantismo penal e criminalidade no Brasil”. Em recente artigo, chamam a atenção para a existência de uma tal “Rede Justiça Criminal, ente fantasmagórico que diz reunir oito ONGs preocupadas com o sistema criminal brasileiro (prisaonaoejustiça.org). Dentre as reivindicações da abnegada militância, destaca-se a inarredável proibição de prender, pois cadeias superlotadas geram “mais violência”, sendo necessário apostar em mecanismos que dificultem a prisão ou induzam a soltura de criminosos”. Tudo que você quer, não é mesmo, leitor?

Em novembro de 2013, essa rede criou uma Agenda pelo Desencarceramento. Seus autores consideram “chegada a hora de reverter a histórica violência do país contra as pessoas mais pobres e, com seriedade, fortalecer a construção de um caminho voltado ao horizonte de uma sociedade sem opressões e sem cárceres”. Para isso, pontuam as seguintes metas:

• suspensão de qualquer investimento em construção de novas unidades prisionais;
• restrição máxima das prisões cautelares, redução de penas e descriminalização de condutas, em especial aquelas relacionadas à política de drogas;
• ampliação das garantias da execução penal e abertura do cárcere para a sociedade;
• vedação absoluta da privatização do sistema prisional;– Combate à tortura, desmilitarização das polícias e da gestão pública.

Enquanto os brasileiros convivem com níveis de violência e insegurança superiores aos de regiões em guerra, influentes organizações assombram a sociedade com tais propostas. Por quê? Marxismo em grau máximo.

Para ideologias coletivistas, o indivíduo é um anacoluto, uma inconsistência na gramática marxista, onde somente o coletivo tem importância. O indivíduo é descartável por ser portador de interesses conflitantes com os do coletivo onde deveria estar inserido. Por isso, a Sibéria, os gulags, as clínicas psiquiátricas. Por isso, para a turma do desencarceramento, violência não é praticada por quem está nas ruas roubando, matando, estuprando, apavorando a sociedade; violenta é a sociedade que encarcera aqueles a quem, antes, “excluiu”. O criminoso seria produto geneticamente inevitável dessa sociedade que só será curada pelo mergulho no socialismo (é assim que eles chamam o comunismo). De modo simétrico, está tudo na Teologia da Libertação, absolvendo, o pecado individual em nome de um impessoal e coletivo pecado social que só se redime com os “oprimidos, conscientizados, lutando por sua libertação”.

Cansei de escrever e dizer que era exatamente isso que estava por trás da leniência da legislação, da falta de investimentos no sistema prisional, da inoperância do Fundo Penitenciário Nacional; que era exatamente isso que promovia a superlotação e a gritaria dos militantes de direitos humanos ante o desejado produto de sua estratégia: solta todo mundo que assim não dá.

Agora, tanto o método quanto a finalidade estão muito claros, com agenda redigida por seus articuladores, que, obviamente, permanecem à sombra de suas ONGs. Durante 13 anos de governo petista, essa estratégia foi determinante da crise que nos levou à condição de 11° país mais inseguro do mundo, com o maior número de homicídios e 19 das 50 cidades mais violentas do planeta. Por enquanto. O fim da era Lula é o fim desse macabro programa.


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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

17/07/2017

 

 Perdi a conta do número de vezes em que participei de debates de natureza política ou ideológica tendo do outro lado da mesa professores de História que não dissimulavam suas convicções comunistas, ou marxistas, ou socialistas. Não são poucas, por outro lado, as mensagens que recebo contendo relatos de alunos sobre a doutrinação política desenvolvida nesses cursos tão importantes ao desenvolvimento intelectual e cultural dos estudantes. Por outro lado, sempre que conheço algum professor ou aluno fora desse mainstream doutrinário, sei que estou diante de um valoroso resistente.

 Afinal, por que tantos professores de História são comunistas? E, numa extensão disso, por que, embora em grau menor, igual tendência ocorre em outros cursos das Ciências Humanas? Creio que se trate da convergência de dois fatores. De um lado, a prévia doutrinação dos colegiais no ensino fundamental e médio; de outro, a conveniência política dos partidos mais à esquerda do leque ideológico que sabem quanto vale o domínio da narrativa histórica para as determinações políticas do presente e para os alinhamentos do futuro.

 Não se peça da ciência aquilo que ela não pode proporcionar. Os eventos da História sempre admitem várias interpretações, notadamente quando envolvem conflitos. Nestes casos, obviamente, as partes em disputa têm divergentes pontos de vista sobre os acontecimentos e farão deles relatos desiguais.

 É nessa tensão que entram Marx e suas convicções sobre o futuro. Ao se assumir como profeta, o alemão fundou uma religião, e seus seguidores são convocados a um ato de fé. Como bem ensinou Olavo de Carvalho, ao ver a história desde seu ponto de chegada, os seguidores de Marx com estrado de professor, púlpito de pregador, teclado de jornalista ou escritor, microfone de comunicador passam a ver tudo que acontece entre o ponto de partida e o ponto de chegada como pá e picareta para abrir o caminho. Portanto, não há limites para a manipulação dos fatos e não há verdades que se mantenham além do tempo necessário a dar um passo adiante.

Eis o motivo pelo qual o que antes se chamava, de modo adequado "interpretações da História", passou a ser denominado pelos marxistas como "guerra de narrativas", desdobramento de sua indispensável luta de classes. Danem-se as perspectivas dos atores nos fatos narrados! Aliás, danem-se os próprios atores! O único interesse do relato é obter vantagem para o processo político do momento.

Assim fica fácil entender, também, o processo pelo qual militantes comunistas insistem em dizer que lutavam pela democracia contra o regime militar nos anos 60 e 70. Ora, eles tinham e mantêm ojeriza pela democracia que denominam burguesa e, por isso, tanto se empenham, ainda hoje, em implantar seus conselhos populares (sovietes). No entanto, com vistas aos fins, reconstroem a própria história. Lutaram para implantar uma ditadura comunista de inspiração cubana em nosso país e hoje negam haver crido no que creram, pelo que pegaram em armas, e ainda creem.

Não é possível fazer política nesses moldes sem usar e abusar da História e sem meter o dedo na jugular dos fatos.

 

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

14/07/2017

 

Enquanto Lula, condenado, excitava sua militância em overdose de si mesmo, pus-me a pensar sobre os caminhos que o levaram do torno da Villares ao trono da República e, daí, ao escorregador moral cujo mais provável término parece ser a porta da penitenciária.

 Creio que essa trajetória encontra importante pista na resposta à seguinte pergunta: qual o bem de maior valor concedido por qualquer vendedor no balcão da corrupção política? Não, não é o que ele materialmente entrega. Não é o contrato, a Medida Provisória, o financiamento privilegiado. O mais valioso é aquilo a que ele renuncia em si para fazer essa entrega. Todo ser humano sabe que sua liberdade deve estar orientada para o bem, para a verdade, para a conduta digna. Desde algum lugar, a consciência emite conhecidos sinais de recusa à mentira, ao vício, ao ato ilícito. A corrupção, portanto, envolve a venda disso, a venda da consciência em troca de algo. Nessa mercancia, o corrupto vai alienando sua integridade, sua dignidade, seu amor próprio. Nunca é um ato singular, a corrupção. Na política, a pluralidade de atos dessa natureza constrói e consolida muitas carreiras. Mais adiante, nas últimas cenas dessas tragédias humanas, possivelmente vão-se os amigos, a família e a própria liberdade.

É bom saber, portanto, que a corrupção não funciona como um precipício onde há uma única e decisiva queda, mas como um escorregador por onde o corrupto resvala pouco a pouco, vendendo sempre o mesmo bem de Fausto: sua consciência, sua alma.

O desconhecimento que temos ou a pequena importância que atribuímos aos primeiros movimentos nesse escorregador moral ajuda a corrupção a se disseminar nos níveis quase demográficos constatados em nosso país. Trata-se de algo semelhante ao observado em tantos vícios que criam dependência a partir das primeiras e pequenas doses. Faz lembrar, também, às enfermidades adquiridas por desinformação. Os indivíduos desconhecem o mal que aquilo lhes causará no tempo.

Rodrigo Loures, saindo furtivamente à calçada da pizzaria, escrutinando a rua e correndo para o carro com a mala que recebera de um emissário da JBS é imagem bem recente de tragédia clássica: o homem que se percebe como vilão, malgrado os aparatos do poder e o reconhecimento social. Não era ele o homem do homem?

Todo corrupto, porém, antes de ganhar triplex, sítio em Atibaia, conta corrente com alcunha na Odebrecht ou em nome de empresas offshore, "trust" na Suíça, mala de dinheiro, efetivou outras operações comerciais nas quais amordaçou a voz da consciência. E sempre a teve como mercadoria de troca. Para o político, a moeda com que a consciência é comprada pode ser sonante. Mas pode, também, ser voto na urna, emenda parlamentar, prestígio, poder, ou algumas dessas mordomias que a vida pública proporciona.

São muitas as formas da corrupção política e eu estou cada vez mais convencido de que a mentira (corrupção da verdade) é a primeiríssima em todas as piores biografias. As demais se vão encadeando por aí, umas às outras, sem que qualquer delas fique para trás, plasmando personalidades desprezíveis. O corrupto completo, o corrupto de aula de Direito Penal, cujas escorregadas acabam muito perto da porta da cadeia, fala como um falsário, corrompendo a lógica e a razão; distorce os fatos, corrompendo a história; difama adversários, jogando sobre eles seus próprios erros e lhes corrompendo a imagem. Por aí vão, na pluralidade de seus negócios, até que um Sérgio Moro apareça no caminho e o sol comece a parecer quadrado.
 

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

12/07/2017

 

 Ingênuo eu. Tão ingênuo que, se não visse as imagens, não acreditaria no que estava em curso à mesa do Senado da República. Mesa posta, servida com quentinha, mastigação e lábios torcidos acionando palitos hidráulicos. Selfies e Face Times mostrando à plebe aquela fornida linha de frente dos interesses populares, armada a garfos e facas. Bom proveito, Brasil "progressista"!

 Ali estavam as senadoras Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Regina Sousa (PT-PI), Fátima Bezerra (PT-RN) e Lídice da Mata (PSB-BA), em plena pirataria do poder senatorial. Às costas, como convém a piratas, alguns marmanjos se postavam qual papagaios, filando a ridícula notoriedade proporcionada pelas imagens. "Mamãe, saí na Globo!". Crrác, crrác.

 O objetivo daquele desrespeitoso gesto de ruptura com o Regimento Interno e com a ética parlamentar era o mesmo que sempre observei como determinante de ações públicas promovidas por partidos e movimentos de esquerda: impor à maioria ou às regras do jogo aquilo que é apenas vontade de uns poucos.

Desde meus tempos colegiais, aliás, pude observar, na repetição desse comportamento, uma disposição para a conduta histérica. De início, em meus tempos de política estudantil, pensei que fosse produto de uma rebeldia adolescente. Posteriormente, percebi que aquela adolescência não tinha fim, caracterizando, isto sim, uma incivilidade belicosa que facilmente descambava para gritaria e ruptura com padrões civilizados.

Mais tarde, pude ver o mesmo repetir-se, vezes a fio, nas casas legislativas do país, sempre que a esquerda se encontrasse em posição desvantajosa. Só pode haver tropa de choque se o choque faz parte dos hábitos da tropa. Quando algo semelhante ocorre, toda tentativa de restabelecer a ordem é denunciada, de modo invariável e sistemático, como abuso de autoridade e restrição à sublime liberdade de bagunçar o coreto.

Pois mesmo assim, as parlamentares me surpreenderam pelo inusitado de seu gesto. Senadoras invadindo a mesa dos trabalhos do Senado!... Aquela tentativa de barrar a votação da reforma trabalhista foi expressão renovada de sua aversão aos processos democráticos e ao Estado de direito. As declarações que sucederam o ato permitem trucidar versos de Fernando Pessoa para afirmar que as atoras fingem com tanta pantomima que, às vezes, fingem ser real a insolência que deveras as anima.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

11/07/2017

 

Lembro-me perfeitamente da última atualização feita na planta de valores de Porto Alegre para lançamento do IPTU. Aconteceu em 1991, terceiro ano da administração Olívio Dutra, e causou sérios dramas. Nas zonas em que ocorreram maiores aumentos, os novos valores excediam a capacidade financeira de muitos munícipes, comumente idosos cuja renda andara em direção inversa à da valorização dos respectivos imóveis. A inadimplência explodiu. Embora o poder público muitas vezes o desconheça em si mesmo, esse limite existe, sim, na vida dos cidadãos.

Ninguém espera, nem interessa à comunidade, um órgão arrecadador de coração mole, disposto a perder dinheiro. No entanto, cabe perguntar: está a prefeitura “perdendo dinheiro” ao lançar o imposto, todo ano, com valor corrigido segundo a inflação ou algum índice de preços? Óbvio que não. É o mesmo dinheiro, em valor atualizado, mudando de bolso. Nos impostos que pagamos, acompanhando a alta dos preços de tudo que compramos, ele sai do nosso e vai para os entes federados como receitas correntes. Não, não é aí que mora o prejuízo. Se há vazamento, obviamente não é nos impostos pagos. Elementar regra de prudência recomendaria à União, aos estados e aos municípios que o aumento de suas despesas correntes não sobrepujasse esses mesmos índices.

Dê uma pesquisada no Google sobre o que aconteceu em recentes revisões de plantas de valores em municípios como Curitiba, Belo Horizonte e Guarulhos, entre outros. Verá casos que multiplicaram o tributo por 10 e até 20 vezes. A própria intenção de parcelar esse aumento ao longo de alguns anos mostra que o forte impacto da providência na economia das famílias é pressentida pelo fisco. O fatiamento da majoração, porém, não altera sua substância, nem sua inconveniência ou inoportunidade. Desconhecem, por acaso, o dano que a crise do setor público está produzindo na economia, nos empregos, no poder de compra das pessoas?

Alega-se, e é fato, que quem adquire um imóvel agora numa região valorizada estará pagando IPTU maior do que seu vizinho que ali reside há bom tempo. Mas é falso ver-se injustiça nisso. Quem compra imóvel paga preço e imposto conforme suas posses. Injusto , em vista disso, é onerar o vizinho que nada tem a ver com tal comércio. A imensa maioria dos imóveis residenciais só constitui um negócio na hora da transmissão. Depois, se converte em lar de alguém, parte importantíssima de um projeto de vida que não pode ficar sujeito a essas manipulações tributárias.

São surpreendentemente reais os problemas financeiros da prefeitura de Porto Alegre, 10ª capital brasileira em população. Eles ocorrem apesar de a população ser fortemente onerada. Segundo artigo publicado em ZH da última quarta-feira, dentre todas as capitais, nossa arrecadação per capita é a quinta em IPTU, a terceira em ISS e a primeira em ITBI. E repito: a capital gaúcha é apenas a 10ª em população. Mesmo assim, o dinheiro não basta, como nunca são bastantes as receitas do Estado e da União. Por quê? Porque o mais real conflito no Brasil de hoje, malgrado todas as manobras diversionistas que tentam focar questões de classe, raça, gênero, etc., se relaciona à opressão do público sobre o privado, do Estado sobre a nação. Somos reféns de um setor público que consorcia o patrimonialismo dos poderes políticos com o corporativismo da burocracia. E crescem juntos, de modo incontrolável, impondo à nação, muito além da capacidade que temos de sustentá-los, uma verdadeira ditadura de interesses minoritários. Como consequência, já não conseguem fazer sequer o mínimo que deles se espera.
 

Percival Puggina

07/07/2017

 

 A crise que jogou o Brasil na mais prolongada e perigosa depressão econômica e social de sua história não pode ser entendida sem que se conheça o peso do patrimonialismo, do corporativismo e do clientelismo na vida nacional. É pelo peso do patrimonialismo que o exercício do poder político se confunde com usufruto (quando não com a posse mesma) dos recursos nacionais. É pelo peso do corporativismo, cada vez mais entranhado e influente nas estruturas do Estado, que os bens e orçamentos públicos vêm sendo canibalizados desde dentro pelo estamento burocrático. É pelo peso do clientelismo que elites corruptas são legitimadas numa paródia de representação política, comprando votos da plebe com recursos tomados à nação.

 Na perspectiva do cidadão comum, o que resulta mais visível, lá no alto das manchetes e no pregão dos noticiários de rádio e TV, é o que vem sendo chamado de mecanismo, ou seja, o modo como, nos contratos de obras e serviços, o recurso público é desviado para alimentar fortunas pessoais, partidos políticos e campanhas eleitorais que, por sua vez, garantem, a todos, a continuidade dos respectivos negócios. Com efeito, esse é o topo da cadeia. É o que se poderia chamar de operação contábil que viabiliza e formaliza o patrimonialismo.

O corporativismo, de longa data, se configura como forma de poder exercido com muito sucesso e responde, ano após ano, pela crescente apropriação dos orçamentos públicos e dos recursos de empresas estatais pelas corporações funcionais. É uma versão intestina do velho patrimonialismo. Raymundo Faoro, a laudas tantas de "Os Donos do Poder", escreve sobre a centralização política ocorrida no Segundo Reinado e a singela constatação de que existem duas possibilidades: ou a nação será governada por um poder majoritário do povo ou por um poder minoritário. Era como exercício de poder minoritário que Faoro via o reinado de D. Pedro II. E o entendia à luz da teoria de Maurice Hariou, que fala de um poder formado "ao largo das idades aristocráticas, pelo exercício mesmo do direito de superioridade das minorias diretoras".

Maurice Hariou (1856-1929) reparte com Kelsen o apelido de Montesquieu do século XX. Na sua perspectiva, são as instituições que fundamentam o Direito, e não o contrário. Correspondem ao conceito, as organizações sociais subsistentes e autônomas nas quais se preservariam ideias, poder e consentimento. A isso, dava ele o nome de corporativismo. Após 127 anos de república, é comum vê-lo em pleno exercício quando representantes de outros poderes, de carreiras de Estado, e de seus servidores ocupam ruidosamente galerias dos plenários ou palmilham corredores onde operam os gabinetes parlamentares. Raramente saem frustrados em suas reivindicações. E assim, bocado a bocado, ampliam, além de toda possibilidade, a respectiva participação no bolo dos recursos públicos. Em muitos casos, a soma das fatias já ultrapassa os 360 graus.

Os ônus do corporativismo representam um prejuízo vitalício, que se perpetua através das gerações. Como tal, muito certamente, excede o conjunto das falcatruas operadas pelo mecanismo. O Estado brasileiro poderia ser menor, onerar menos a sociedade e enfrentar adequadamente o drama das camadas sociais miseráveis, carentes de consciência política. Por que iriam os operadores do mecanismo, os manipuladores da miséria e o estamento burocrático interessar-se em acabar com a ascendência que exercem sobre essas vulneráveis bases eleitorais? Os três juntos - patrimonialismo, corporativismo e clientelismo - põem a nação em xeque. Não sairemos dele se não identificarmos, acima e além dos partidos e seus personagens, estes outros adversários, intangíveis mas reais, que precisam ser vencidos.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

04/07/2017

 

No Brasil, a violência política se faz visível em dois níveis de radicalização. Num, há a perda da noção de limites; o discurso se exaspera, os poderes e seus membros se retaliam verbalmente, xingamentos agitam as redes sociais, a verdade apanha e a razão é posta à prova. Noutro, tem-se algo mais perigoso. Refiro-me à violência que nasce da ideologia, que não ocorre em assomos de indignação, nem se manifesta naqueles momentos em que o sangue ferve e as estribeiras são perdidas. Trata-se de algo fora dos parâmetros pelos quais se orientam pessoas normais.

Ao entender isso começa-se a compreender a razão pela qual, sem quê nem porquê, certos grupos passam a incendiar ônibus, a dar "voadoras" nas vitrinas e a disparar rojões contra a autoridade policial. Mauro Iasi citando Brecht, Guilherme Boulos e João Pedro Stédile com seus exércitos, falam por eles.

Em 1968, o general vienamita Vo Nguyen Giap, em artigo publicado em "El hombre y el arma", escreveu (tradução de Igor Dias): "... os revisionistas contemporâneos e os oportunistas de direita do movimento comunista e do movimento operário seguem vociferando sobre 'paz' e 'humanitarismo'; não se atrevem a mencionar a palavra 'violência'. Para estes, a violência é um tabu. Temem esta assim como a sanguessuga teme o cal. O fato é que negam a teoria marxista-leninista sobre o papel da violência na história". Mais adiante, lecionará o general: "Os comunistas expõem o papel histórico que cumpre a violência não porque sejam 'maníacos' por esta, mas sim porque é uma lei que rege o desenvolvimento social da humanidade. Não poderá triunfar nenhuma revolução e nenhum desenvolvimento da sociedade humana sem entender tal lei."

Para Marx a violência é a parteira de toda velha sociedade que leva em seu seio outra nova. Assim, ela acompanha a ação política de tantas referências da esquerda brasileira, começando, entre outros, pelos nossos patrícios Prestes, Marighela, Lamarca; e vai importando seus bandidos - Fidel Castro, Che Guevara, Tiro Fijo e por aí afora. Se há acusação que não se pode fazer a qualquer desses senhores é a de prezarem a democracia, seus valores e suas regras. Assim também se explicam 100 milhões de mortos com vistas ao tal "desenvolvimento social da humanidade". Fala-me de teus amores e te direi quem és.

Para pôr freio nesses desequilibrados e em seus desequilíbrios, a democracia se afirma, aos povos, no horizonte das possibilidades. “Mas não se faz democracia sem democratas”, disse alguém, com muita razão. A democracia é um sistema e uma filosofia. Uma boa democracia exige que ambos sejam bons e andem juntos. O sistema é definido pelas regras do jogo político, ou seja, pelo conjunto de normas que legitimam a representação popular, regem eleições, determinam atribuições aos poderes, e definem o modo segundo o qual as leis são elaboradas, aprovadas e aplicadas. A filosofia é marcada por um conjunto de princípios e valores elevados, honestamente buscados e socialmente ratificados.

Sem a filosofia, o sistema pode dar origem a toda sorte de abusos, entre eles a ditadura da maioria. Sem o sistema, a filosofia pode descambar para a anarquia, ou para a ditadura da minoria, posto que faltarão os instrumentos de legitimação conforme a vontade social. Defender insistentemente o constitucionalismo e promover os princípios e valores que inspiram o regime democrático é a melhor proteção contra as perversões que se expressam pela violência. Não chegamos lá, mas tudo pode piorar. A Venezuela existe e é logo ali. Cuidado, pois.

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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.