Percival Puggina
20/12/2018Quando alguém escrever a história do submundo brasileiro, fatalmente algumas linhas serão reservadas ao ocorrido nesta quarta-feira, 19 de dezembro de 2018. Duvido que em qualquer outro momento, desde o início da ocupação e povoamento do território nacional, tenha havido uma decisão judicial, do tipo cumpre e não bufa, mandando soltar mais de cem mil criminosos condenados, jamegão aplicado com elegância de um floreio de caneta e magnanimidade que sequer Jesus, na cruz, sinalizou a seus discípulos.
Assim foi, benevolente e generoso, o gesto de Marco Aurélio Mello, conforme visto por Marco Aurélio Mello. Naquele ato, a Justiça ganhava um redentor. O Supremo absoluto! O resto do Brasil, claro, teve outras interpretações e adjetivos, sendo difícil saber quais os mais escabrosos. Revendo os fatos. Apagavam-se as luzes para o recesso judiciário e o ministro assinou a ordem que imediatamente explodiu em celebrações nos corredores de todas as penitenciárias brasileiras. Comemorações fantásticas! Abraçavam-se homicidas, barões do tráfico, chefes de quadrilha de roubo de cargas, estupradores, corruptos e corruptores, políticos e empresários da pior espécie. Todos condenados por atos criminosos com culpa reconhecida em segunda instância. No meio da tarde, anteviam-se cenas de filme de terror. As ruas seriam invadidas pela fina flor da bandidagem. Distopia à brasileira, servida com gotas de Rivotril. Foi muito breve, mas épica, a festa da crême de la crême da criminalidade nacional.
Indagado sobre as reações de sua decisão, o ministro afirmou que seriam “um teste para a democracia e para saber se as instituições ainda são respeitadas”. É a tal coisa. Marco Aurélio Mello desrespeita três ou quatro votações e deliberações consecutivas, em que foi voto vencido no colegiado a que pertence, e se apresenta como quem propôs um democraciômetro. Tipo pegadinha, sabe? A efetiva soberania popular e o respeito às instituições, na perspectiva de Marco Aurélio, dependeriam do acatamento à ordem que ele havia exarado. “La democracia soy yo!”, talvez ponderasse, na mesma situação, aquele argentino vigarista, de bigodinho, personagem do Jô Soares. Disse mais o ministro. Afirmou que não queria encerrar o ano judiciário sem deixar resolvida a pendenga da prisão após condenação em segunda instância. Pois é. Questão com elevado interesse à mais lucrativa criminalidade nacional. Foi como se a escrivaninha do ministro estivesse encerada, polida e fechando o ano limpa como mesa de convento; as gavetas vazias, as prateleiras nuas, nenhum processo pendente de decisão, exceto essa incômoda questão que, impropriamente, submetia às inconveniências do cárcere bandidos cujos crimes sequer estão mais em discussão.
Então, o ministro limpou a pauta e sujou a barra. Nem água sanitária reabilita mais o branco de sua ficha.
Alegria de bandido rico, por vezes, dura menos do que o dinheiro pode comprar. Toffoli não aderiu à gandaia geral pretendida pelo ministro. A apreensiva sociedade brasileira, nesta madrugada em que escrevo, pôde dormir com menos sobressaltos. Estupradores, homicidas, corruptos e corruptores, traficantes e chefões de quadrilhas de tráfico e roubo de cargas continuarão recolhidos ao xadrez. Algumas sentenças de morte há muito juradas desde o interior dos presídios não serão cumpridas. Certos crimes não serão cometidos porque seus potenciais executores continuam presos. Vou dormir devendo esta conta, justamente, ao companheiro Toffoli. Quem haveria de dizer? Quem haveria de dizer, Zé Dirceu?
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/12/2018Em 2015 compareci a um almoço dos colunistas de Zero Hora. Era um evento de confraternização com a direção da empresa. Mesmo sendo colunista da edição dominical havia nove anos, não tinha ideia de que fossem tantos os meus colegas naquele ofício de rechear com opiniões pessoais as edições do jornal. Eu fora contratado em substituição ao amigo Olavo de Carvalho imediatamente após seu rompimento com o veículo em 2006.
Pois bem, ao término do almoço, iniciou-se uma brincadeira. Dois repórteres, de modo aparentemente aleatório, escolhiam colunistas para ouvi-los sobre assuntos variados. Fui um dos convocados e a pergunta me veio assim: “Puggina, Zero Hora é um jornal de esquerda ou de direita?”. Todos riram, e eu também, pela oportunidade que a indagação me proporcionava. Respondi: “O jornal, diferentemente do Estadão e da Folha, por exemplo, não tem um alinhamento editorial nítido. No entanto, pelo somatório das opiniões dos colunistas, acaba sendo claramente de esquerda”.
Era o que eu pensava e penso ainda hoje, quando não mais escrevo para ZH, ao ler cada exemplar do jornal. Na ocasião, após os risos e restabelecido o silêncio, continuei: “Essa, aliás, é a opinião do próprio jornal. Leitores me contam que ao telefonar para reclamar do viés esquerdista de ZH, ouvem da pessoa que os atende o esclarecimento – ‘É, mas tem o Puggina’”... E completei: “Eu sou o pluralismo de Zero Hora”. Seguiram-se muitas gargalhadas entre as quais discerni alguns poucos aplausos.
Menciono esse curioso episódio porque ele tem muito a ver com algo que já então fazia parte de minhas pautas preferidas: o uso da imprensa profissional, dos grandes órgãos de comunicação, para atender conveniências ideológicas e partidárias. E note-se, para atender menos às respectivas empresas e mais, muito mais, ao paladar político de seus redatores e colunistas permanentes. O resultado é uma perda de poder dos veículos, que veem reduzida sua credibilidade e influência.
A posição unânime de todos os profissionais da RBS, em rádio, jornal e TV, a favor da manutenção da exposição do Queermuseu foi episódio paradigmático no Rio Grande do Sul. Lembro o modo vigoroso como se opuseram à imensa maioria da opinião pública que, pelas redes sociais, exigiu do Santander Cultural o fechamento da mostra. Como exibiam tais conteúdos sem restrição de faixa etária? Ficou visível, ali, a estupefação. Foi como se, de um modo ou outro, todos exclamassem: “Que é isso? Não nos ouvem mais?”. Não.
Recentemente, dois jornalistas pelos quais tenho admiração – J.R. Guzzo (Veja) e Carlos Alberto Di Franco (Estadão), comentaram a cegueira da mídia convencional em relação ao que se passava na cabeça dos brasileiros durante o período eleitoral. A grande mídia estivera empenhada numa luta do bem contra o mal. Seus jornalistas sustentavam que Bolsonaro não teria a menor chance. Apoiados nas desacreditadas pesquisas, afirmavam que ele perderia para todos no segundo turno. Insistiam em apresentar Lula como um candidato imbatível, impedido por isso mesmo de concorrer. Calavam sobre sua condição de criminoso sentenciado, que usou o processo eleitoral para uma derradeira fraude. Segundo Guzzo, comunicadores brasileiros “tentaram provar no noticiário que coisas trágicas iriam acontecer no país se Bolsonaro continuasse indo adiante”. E eu completo: dir-se-ia, ao lê-los, que ele ameaçava um seguro convívio social e um benemérito círculo de poder.
“É preciso informar com objetividade. Esclarecer os fatos sem a distorção das preferências e dos filtros ideológicos”, escreveu Di Franco em “Imprensa, autocrítica urgente e propositiva”. É o que também penso enquanto observo o crescimento vertiginoso da democratização da informação através das redes sociais. Tenho cá minhas dúvidas, muitas dúvidas, sobre se a perversão das fake news, recorrentes nessas novas mídias, é mais nociva do que a ocultação dos fatos, a maliciosa seleção das matérias e do vocabulário, e a distorção das análises, em tantos veículos da mídia tradicional.
Ou fazem esse autoexame ou serão desbancados pelos veículos, entre os quais grandes talentos profissionais e sucessos empresariais já se afirmam.
* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
15/12/2018
“O momento mais doloroso da minha vida, a imprensa está zombando. Mas que zombe, que fale, a fé me salvou naquele pé de goiaba”. (Damares Alves)
De modo muito penoso, o Brasil que nos chegou do século XX está se conhecendo, revirando entranhas, olhando ao redor como quem, náufrago cotidiano, procura um porto seguro, flutuante a algumas braçadas de distância. Os tempos não são propícios. O Ocidente fraquejou na prosperidade e se rendeu ao preconceito contra todo conceito. A Europa deixa de ser ela mesma para se reduzir a uma decisão de burocratas. Milênios de cultura, civilização, tradição viram lixo hospitalar: nem reciclado, nem decomposto. Incinerado em benefício e privilégio de um multiculturalismo cada vez mais impositivo e inibidor! O relativismo é a religião do momento e tudo é duvidoso, exceto a fobia às convicções e a necrofilia prestada ao cadáver do socialismo, servido por carinhoso boca a boca nas salas de aula do país.
Se conceitos éticos fundamentais ganhassem corpo e saíssem às ruas, não seriam reconhecidos, não receberiam mero bom dia de quem quer que fosse. Seus milenares ensinamentos sumiram como sumiu a voz das consciências, instruídas a se sentirem sempre bem, mesmo quando tudo estiver mal.
Em vão os náufragos do imanente buscam salvar-se do desastre cultural e civilizacional suspendendo-se por seus também imanentes cabelos. Em círculos andam os cegos conduzidos por cegos. Entre eles estão muitos de nossos profetas cotidianos, em seus microfones, a rir da virtude, troçar do bem, medindo a grandeza humana com a régua da própria pequenez.
A futura ministra das mulheres, família e direitos humanos, Damares Alves, contou ter visto Jesus num “pé de goiaba”, quando criança, numa ocasião em que, tomada pelo desespero, planejava a própria morte por envenenamento. Aquela visão salvou-lhe a vida. Pronto! Foi o que bastou para se tornar motivo de piada, ao desfrute dos profetas da filosofia miserável. “Como assim, foi salva por Jesus? Ela sequer tentou içar-se do desespero pelos próprios cabelos? Ela viu e creu? Ela ouviu e entendeu?”.
Como esse imanentismo é burro e maldoso! Leandro Karnal, um dos que fizeram coro contra o relato da ministra, correu a desculpar-se ao saber que a criança do pé de goiaba fora abusada: “Fui precipitado, julguei de forma equivocada e reagi de forma atabalhoada. Ironizei sem saber da dor e julguei uma concepção religiosa. Minhas postagens estavam distantes dos valores de tolerância e liberdade. Acredito nestes valores”.
Haveria pedido de desculpas, fossem menos dramáticas as circunstâncias? O julgamento de uma concepção religiosa é parte do preconceito que, de todos os lados, ataca o futuro governo Bolsonaro. O episódio faz nova prova de que a dita tolerância destes tempos náufragos tem seu vodu, nele espeta agulhinhas sempre que pode e não o tolera sequer em crianças. Insensatos!
Com tais formadores de opinião aprendo cotidianamente de onde não me vem salvação, nem lição ou ilustração. Prefiro a visão que salvou a vida da menina Damares.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/12/2018
O compositor Chico Buarque, sua namorada, um advogado argentino e uma ativista italiana estiveram, na última terça-feira, 12 de dezembro, com o Papa Francisco. Interessei-me. O que teria levado Chico a procurar Francisco? Para qual esquina da vida tão distintas biografias convergiriam?
Chico sobraçava um volume de 100 páginas que os portadores exibiram para provar o que denominam judicialização seletiva da política na Argentina, no Equador e no Brasil e o consequente comprometimento de suas democracias. Por “judicialização seletiva da política”, em linguagem menos pedante, se entenderia, no caso brasileiro, que o mártir Lula, aquele santo em vida, está preso injustamente por conta de um suposto cambalacho que derrubou a hegemonia esquerdista no país.
***
Eu retornara de Cuba havia quatro meses quando, em 18 de março de 2003, ocorreram as violentas ações policiais e judiciais que ficaram conhecidas, no país, como a Primavera Negra. Foram presos 75 dissidentes, defensores de direitos humanos e jornalistas independentes. Entre eles estavam listadas pessoas com quem me havia encontrado em novembro de 2002, colhendo informações para a primeira edição de meu livro Cuba, a Tragédia da Utopia, que viria a ser publicado em 2004. Foi com lágrimas nos olhos que vi condenada a incríveis 20 anos de prisão, minha brava amiga de cabelos brancos, a economista Marta Beatriz Roque Cabello, com quem ainda hoje me correspondo regularmente. As penas variavam entre 15 e 28 anos de prisão em regime fechado. O rigor das ações e sanções chamou a atenção mundial e um angustiante terror se abateu sobre a população.
Duas semanas mais tarde, a 2 de abril, armados de uma faca e um revólver, um grupo de 11 jovens, sem que ninguém causasse ou sofresse um arranhão, abordou uma lancha de navegação costeira e determinou que rumassem para os Estados Unidos. Trinta milhas adiante, ficaram sem combustível e foram rebocados para o porto de Mariel. Nove dias mais tarde, haviam sido julgados, recorrido das sentenças e, três deles, executados por pelotão de fuzilamento. A estes, posteriormente, Fidel, se iria referir de modo depreciativo como “los três negritos”... Aos demais, prisão perpétua. Não houve tempo, sequer, para os familiares serem comunicados da execução das sentenças, cumpridas na madrugada. A brutalidade das ações e a desproporção das penas chocou a opinião mundial. Antigos apoiadores de Fidel, como o português José Saramago e a argentina Mercedes Sosa proclamaram seu rompimento com o regime. “Até aqui eu fui” escreveu Saramago, que suportara muito bem as 20 mil sentenças de morte até então cumpridas pelo regime. As três últimas, porém, foram as gotas que lhe encheram o tolerante copo.
É claro que a reação internacional exigia resposta rápida. Foi assim que, mundo afora, seguindo a velha rotina, centenas de “intelectuais” partiram em defesa do regime e de suas ações. No clamor dos fatos, no dia 1º de maio, durante as habituais celebrações realizadas na Praça da Revolução, foi lido um manifesto com o título “Chamado à consciência do mundo” redigido em defesa de toda aquela brutalidade, descrita como ato de soberania a exigir respeito. Entre os mais de 300 signatários, contam-se Adolfo Perez Esquivel, Rigoberta Menchú, Gabriel Garcia Marquez, Eduardo Galeano, o padre sandinista Ernesto Cardenal, o cantor Harry Belafonte, e, claro, o inexorável humanista e indefectível democrata e defensor dos direitos humanos, Chico Buarque de Hollanda.
Pois foi esse cidadão brasileiro que recebeu de Sua Santidade o privilégio de uma audiência, havida na condição de paladino do Direito, da Justiça, e porta-voz de nobilíssimos anseios democráticos. A ambos, olhando os restos do regime dos Castro, se pode indagar com versos do próprio visitante: “O que cantam os poetas mais delirantes, o que juram os profetas embriagados, o que está na romaria dos mutilados, o que está na fantasia dos infelizes, o que está no dia a dia das meretrizes, dos bandidos, dos desvalidos” cubanos?
NOTA DO AUTOR: A propósito, estou ultimando detalhes para lançamento, no mês de abril, da 2ª edição, atualizada e ampliada, de "A Tragédia da Ttopia" - 60 anos de revolução em Cuba.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
11/12/2018
Profissionais da mente humana – psicólogos, psiquiatras, psicanalistas, neurologistas – deveriam dedicar maior atenção a um fenômeno recorrente, que afeta as atividades cerebrais de milhares de pessoas, periodicamente, em todo país. Tais especialistas sabem que para obter mudanças de conduta e orientação são necessários anos de terapia, muito aconselhamento e acompanhamento, quando não caixas de remédio tarja preta. Não raro para obter resultados incertos.
Pois mesmo assim, feitas as imprescindíveis exceções das quais falaremos adiante, basta uma vitória eleitoral para que candidatos idealistas se transformem em pragmáticos e frios contabilistas de votos. Estadistas de campanha se convertem em políticos cujo único critério de decisão se extrai de uma planilha de perdas e ganhos eleitorais em cujas duas colunas o efetivo interesse público magicamente desaparece. Afinal, há uma nova eleição logo ali adiante, sabe como é.
Segundo Ayn Rand, o altruísmo é uma perversão e o egoísmo uma virtude que faz o mundo girar positivamente. Ora, não deixa de ser paradoxal, perante essa exótica crença, esperar que políticos renunciem ao instinto de preservação de seus mandatos para aprovar projetos tão necessários quanto impopulares.
Por isso, nos parlamentos, em nome desse flagelo representado pela contabilidade eleitoral tomada como critério supremo das decisões políticas, necessárias reformas são rejeitadas enquanto absurdos patrimonialistas, pautas-bombas e insustentáveis demandas corporativas são aprovadas. É com essa política que estamos habituados. Em ampla maioria, os que se dedicam à disputa eleitoral têm seus mandatos gabaritados pelo egoísmo.
Eleitores tendem a rejeitar qualquer sacrifício, aparente ou real, que lhes seja imposto por uma reforma trabalhista, por uma reforma previdenciária, por uma privatização ou corte no tamanho do Estado, principalmente enquanto subsistem gritantes assimetrias de tratamento. Como imaginar, então, que parlamentares atentos apenas ao próprio interesse eleitoral, aprovem tais medidas? A soma algébrica de votos ganhos e perdidos é altamente desfavorável ao bem nacional.
Eis aí o problema do Brasil, nesta hora de mudança. A conduta do Congresso Nacional cujo mandato se extingue em poucos dias levou tudo isso ao clímax. E note-se: a maioria dos que assumiram mandatos em 2015, ali entraram com discurso de estadista. Em grande maioria, porém, passaram pela automática, quase instantânea, transformação de mentalidade a que me referi no início deste texto. Aderiram à escolinha do professor Renan Calheiros.
Nossa esperança recairá, então, sobre a qualidade moral de uns poucos. Quais? Alguns leitores destas linhas haverão de estranhar, mas dias melhores para o Brasil, se vierem, virão dos que generosamente forem capazes de renunciar ao interesse próprio; pôr em jogo seus mandatos; aprovar sacrifícios, extinguir privilégios, promover cortes de ganhos para si e para os outros com vistas ao bem de todos; atuar com sentimento de solidariedade em relação às urgências reais da população. E desagradar os poderosos. Nossa esperança recai, enfim, no bom exemplo e no trabalho de convencimento exercido por aqueles que, eleitos, preservam o misto de indignação e esperança que os levou à política.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/12/2018
Durante boa parte de nossa história, o serviço público e a política foram os destinos principais de quem buscasse uma feliz combinação de sustento familiar e relevo social. Mães zelosas ambicionavam ver os filhos empregados no setor público ou numa empresa estatal.
Passaram-se os anos, o Estado brasileiro cresceu e sua burocracia se sofisticou. Às centenas, surgiram empresas públicas e se multiplicaram os ministérios, as secretarias, os departamentos. Miríade de novos municípios, conforme iam sendo criados, reproduziam essa expansão na base da pirâmide do poder político. Todo o organismo estatal se agigantou, num fenômeno que lembra a divisão celular por mitose e meiose. Concursos públicos e cargos de confiança proveram novas, crescentes e permanentes possibilidades de acesso a vagas em posições detentoras do privilégio da estabilidade.
O serviço público se manteve, através das décadas, como um lugar que permitia a sobrevivência digna, sob proteção de regras que concediam segurança e remuneração por vezes acima do mercado de trabalho no setor privado da economia.
Há mais de 40 anos, porém, luzes vermelhas começaram a sinalizar a gradual aproximação de severas dificuldades. Os ombros dos carregadores não iriam suportar o peso daquele andor. A atividade se tornara campo fértil para atuação de grupos em que a demagogia política de uns turbinava a voracidade corporativa de outros. A conta cada vez mais salgada das folhas de ativos, inativos e pensionistas foi reduzindo drasticamente a capacidade de pagamento e de investimento do setor público. A qualidade foi sumindo dos serviços prestados, as instalações se degradando e os vencimentos perdendo poder de compra. O problema aqui descrito passou a afetar a União, os estados e os municípios.
Durante longos anos, porém, enquanto essa realidade tolhia os governos, a autonomia dos poderes permitiu que o custo da crise fosse circunscrito ao executivo. Os demais conseguiram preservar dedos e anéis.
Nestes dias, contemplamos o fim de um ciclo. Três anos de recessão e mais dois de baixíssimo crescimento do PIB completaram o estrago. Acabou. Medidas duríssimas já vêm sendo adotadas e precisarão ser ampliadas para pôr fim à crise fiscal e para que se restaure a confiança e a capacidade de investimento do setor privado e do setor público.
Então, com a experiência de quem trabalha há 55 anos, tendo atuado nos dois lados desse balcão, constato que o futuro do emprego público é nada promissor, exceto (e assim mesmo, talvez) em algumas limitadas e disputadíssimas carreiras de Estado.
Bem ao contrário do que hoje acontece como orientação pedagógica, é importante despertar, nos jovens, interesse por atividades produtivas e estimulá-los a buscar o merecimento indispensável à competitividade. Desenvolver a mente e o espírito, aderir a valores perenes, adquirir hábitos de leitura e de estudo continuado e fazer de si mesmo o melhor possível será sempre um caminho virtuoso de inserção ativa nas complexidades da vida social, política e econômica. Em meio a elas, não convém a dispersão proporcionada pelas facilidades, nem o esmorecimento sugerido pelas dificuldades. O futuro, ou estará no setor privado da Economia, ou será um estuário de maus pressentimentos.
A experiência dos povos ensina que a crise pela qual estamos atravessando é parteira de novas e melhores possibilidades. E essa é a boa notícia que tenho a dar.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
05/12/2018
Aconteceu durante um seminário em Madrid, promovido pela Fundação Internacional pela Liberdade, presidida pelo Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa. Falando na condição de convidado, o futuro ministro Sérgio Moro se referiu ao alcance limitado de suas decisões como juiz. Esclareceu, ainda, que seu trabalho na Lava Jato estava chegando ao fim, mas “aquilo poderia se perder se não impulsionasse reformas maiores, que eu não poderia fazer como juiz”.
Não é difícil entender a situação descrita por Moro, nem o uso de uma analogia com o futebol. Em outro momento da sua manifestação mencionou a famosa “bola nas costas”, que deixa o zagueiro perdido e concede toda vantagem ao atacante. Ele conviveu longamente com essas dificuldades. Agouravam sobre seu trabalho as tragédias da italiana operação Mãos Limpas, que levaram à sepultura o juiz do caso e respectivas realizações no processo. Transitavam diante da mesa de Moro figuras poderosas da política e dos negócios, cujo acesso ao STF se fazia com um estalar de dedos.
Quantas noites mal dormidas aguardando deliberações do Supremo, onde a Justiça ora faz o bem, ora faz o mal, sabendo muito bem a quem! Moro trabalhava sentindo o hálito azedo de vaidade, ciúme e ódio que sua crescente popularidade fazia exalar das penthouses do poder. A nação, dia após dia, a tudo assistia e se compadecia. Moro se tornou símbolo da luta contra a corrupção. Por vezes, em sua 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, a fila das confissões lembrava período litúrgico de preparação para a Páscoa. Era a “sangria” que precisava ser estancada, no dizer metafórico de Romero Jucá. E aquilo, para o diligente juiz, significava novos e reais enfrentamentos que viriam e vieram.
Fica bem entendida, então, a decisão que tomou. Os que ansiavam por um governo para debilitar a Lava Jato terão que conviver com a operação personificada em um dos dois homens mais fortes do governo... Melhor ainda se, ao cabo desse período, ele se for sentar entre aqueles ministros a quem tanto mal estar causou seu combate à corrupção.
São marcas dos novos tempos pelos quais ansiávamos. Alegrou-me por isso ler sobre essa disposição expressa por Moro em Madrid no mesmo dia em que tomei conhecimento dos compromissos recentemente formalizados no 1º Congresso do Ministério Público Pró-Sociedade. Beleza! Beleza ver tantos profissionais dessa nobre carreira de Estado comprometendo-se com o aperfeiçoamento de sua missão e com a consolidação de uma agenda de combate à criminalidade e à impunidade. Há muito tempo a sociedade tem sido vista, desde os círculos do poder, como mera provedora dos meios, pagadora de todas as contas. Estamos tendo nosso país de volta, em boas mãos, posso crer.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
02/12/2018
Não hesito em afirmar que STF e Globo disputam o primeiro lugar, tanto num concurso de presunção e arrogância quanto num de antipatia, sendo igualmente rejeitados pela direita e pela esquerda.
O Grupo Globo, aqui denominado simplesmente “a Globo”, é rejeitado pela esquerda porque esse segmento político nutre inimizade por qualquer poder que não esteja totalmente subordinado a seus interesses. Vem daí a insistência do discurso petista em favor da “regulação da mídia”. O conhecido blog esquerdista Brasil 247 em matéria do dia 8 de janeiro deste ano publicou extenso artigo deixando bem clara, desde o título, a importância do tema: “Sem regulação da mídia, não tem saída para a esquerda”. Blogs de igual orientação, aliás, atacam comumente a Globo acusando-a de golpista em virtude da divulgação que fez dos achados da Lava Jato, da miserável ditadura venezuelana, das relações escusas do governo petista com ditaduras de esquerda na Ibero América e na África Subsaariana. Como para o PT tudo que pesa contra ele é falso, os petistas desejariam que tais matérias não fossem divulgadas ou, sendo, que o sejam apenas aos insones das altas madrugadas. Daí o ódio ... oops – ódio não porque os petistas não odeiam – dedicado à Globo. Para eles, escandalosa não é a corrupção, mas a notícia sobre a corrupção.
Por outro lado, do centro para a direita do leque de abano ideológico, espaço onde estão os conservadores, a Globo é rejeitada tanto em virtude do combate frontal e deletério que dela recebem os valores morais sedimentados na nossa tradição, quanto pelo seu apoio às pautas e causas da esquerda. A essas duas tarefas, inequivocamente, se dedica imensa maioria de seus programas, novelas e atores, jornalistas e comentaristas sistematicamente recrutados para manifestações de apoio político ao partido da estrela e seus cognatos ideológicos. As brilhantes exceções são cada vez mais raras. A posição esquerdista da Globo ficou evidenciada no editorial em que o direção do grupo de empresas se desculpou pelo apoio dado à contrarrevolução de 1964.
Com o STF ocorre algo muito parecido. Nosso Supremo é rejeitado pela esquerda e pela direita. Aquela o detesta pela legitimação constitucional que deu ao processo de impeachment de Dilma Rousseff (malgrado a “mãozinha” final proporcionada por Lewandowski) e, principalmente, pelas “traições” de alguns ministros indicados pelo partido no julgamento de ações penais contra petistas, desde o caso mensalão. Há algumas semanas li, alhures, entrevista em que José Dirceu, referindo-se a isso, afirmou que as indicações para o STF durante os governos petistas foram extremamente rigorosas sob o ponto de vista da afinidade ideológica. No entanto, digo eu, em juízo criminal colegiado é muito difícil para um magistrado votar contra abundantes provas contidas nos autos que todos leram. Daí a diferença de conduta: o PT tem ampla base de apoio dentro do STF, aprova as pautas petistas que lá chegam e isso lhe causa o repúdio de quem não é de esquerda, mas na hora da ação penal, onde não há alternativa de prescrição ou nulidade viável, não havendo alternativa, condena. Como a defesa intransigente dos próprios criminosos é uma particularidade esquerdista, as demais condenações pluripartidárias só causam desconforto aos sentenciados.
Logo ali adiante, porém, o STF costuma resolver boa parte desses débitos soltando presos provisórios e condenados com uma liberalidade que restabelece a necessária impunidade sem a qual se corre o risco de acabar com a cadeia produtiva do crime. E aí, claro, a direita estrila.
Como se vê, STF e Globo são dois grandes vilões nacionais pelos motivos certos e, também, pelos errados, o que não deixa de ser um feito.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
28/11/2018
Nem Bolsonaro, nem seus eleitores são contra os direitos humanos. Essa é mais uma narrativa insidiosa, despegada da realidade, construída pela malícia de alguns intelectuais para consumo de certos atores do palco político. O que milhões de brasileiros manifestaram nas urnas foi sua rejeição à conduta dos que tratam de direitos humanos como se fosse coisa sua, de sua conceituação e distribuição, para uso em benefício próprio e em prejuízo de muitos ou de todos.
Refiro-me, por exemplo, ao empenho no sentido de afirmar como “direitos humanos” meras reivindicações políticas de grupos sociais que só se viabilizam contra legítimos direitos alheios, sendo o aborto a mais eloquente delas. Há muitos outros, porém. Desencarceramento em massa, desarmamento geral da população ordeira, redução das penas privativas de liberdade, indiscriminada progressão de regime prisional, descriminalização das drogas, desmilitarização das polícias militares, demasias do ECA, reivindicações LGBTTQI com incidência nas salas de aula e mais as que confrontam direitos de propriedade. As pessoas simplesmente cansaram dessa conversa fiada! Perceberam no seu cotidiano aonde isso levou o país.
Quando militantes do MST invadem uma propriedade rural – e foram 4063 invasões entre o início do governo FHC e o final do governo Dilma – os ditos defensores dos direitos humanos repudiam toda reação policial ou judicial como “criminalização dos movimentos sociais”. Algo tão ilógico, tão falso, só pode ser afirmado e publicado nos jornais porque desonestidade intelectual é um desvio moral, mas não é crime. Mas é desse tipo de desonestidade que se nutriu, durante longos anos, o discurso dos tais defensores de “direitos humanos”. A nação entendeu e, majoritariamente, passou a rejeitar.
Pelo viés oposto, basta que a atividade policial legítima, desejada pela sociedade com vistas à própria segurança, seja compelida a usar rigor com o intuito de conter uma ação criminosa, para que os mesmos falsos humanistas reapareçam “criminalizando” a conduta policial. Anos de observação desses fenômenos evidenciaram a preferência de tais grupos pelos bandidos. Enquanto estes últimos prosperam e mantém a população em permanente sobressalto, aqueles, os supostos defensores de direitos humanos, inibem a ação protetora da sociedade. Assim agindo, elevam os riscos dos que a ela se dedicam e concedem mais segurança aos fora da lei. Vítimas e policiais não têm direitos nessa engenhoca sociológica.
Não bastassem os fatos concretos, objetivos, testemunhados milhares de vezes por milhões de cidadãos comuns, as correntes políticas que se arvoram como protetoras dos mais altos valores da humanidade mantêm relações quase carnais com ditadores e regimes que fazem o diabo em Cuba, Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte, Irã e África Subsaariana.
As pessoas veem e sabem que o nome disso é hipocrisia.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.