Percival Puggina
20/09/2018Como sabem meus leitores habituais, é comum que eu escreva sobre o malfadado uso e abuso da Educação por militantes políticos. Em vista disso, formei uma coleção preciosa de depoimentos e testemunhos sobre o uso perverso da sala de aula em prejuízo do que é essencial à atividade docente. São alunos, pais de alunos e professores que me escrevem relatando a própria experiência. Um dia ainda vou publicar esse material.
Os humilhantes indicadores de qualidade do nosso ensino podem ser atribuídos a muitas causas, mas entre elas jamais estará a atuação de professores que se empenhem na aprendizagem. E sempre avultará entre as causas do fracasso a conduta daqueles que estão mais preocupados com o que denominam “construção da cidadania”. Dê uma pesquisada na rede sobre “pedagogia e cidadania” e você entenderá melhor o que estou afirmando.
Se quase todas as universidades federais do país promoveram, nos últimos meses, cursos de extensão sobre “o golpe” de 2016, valendo-se, para isso, do espaço público e de recursos públicos, como haveremos de nos surpreender quando o orçamento da União, a máquina estatal e os poderes de Estado forem desviados para fins análogos?
Bilhões produzidos pelas mãos operosas do povo brasileiro, dedicadas a agregar valor e a merecer o pão com o suor do rosto se convertem em tributo e são jogados fora sem que suscitem interjeições ou pontos de exclamação. Desde cedo, o brasileiro está sendo amestrado a conviver com isso. Dessa rotina, pedagogia e dialética nascem obras que começam e não terminam, asquerosas negociatas, milionárias campanhas eleitorais e doações a governantes igualmente inescrupulosos. Não, não cabem interjeições se essas permissões são ensinadas como atributos da cidadania e se suas principais manifestações, absolvidas dentro das salas de aula, são consagradas pelo mau exemplo de tantos professores militantes.
Dois episódios muito representativos do que descrevi aconteceram nesta última semana aqui no Rio Grande do Sul. Na UFRGS, o Diretório Central de Estudantes (DCE) montou um comitê para desenvolver a campanha eleitoral de Haddad e Manuela, a dupla de estepes do preso de Curitiba. Felizmente, quando tudo estava pronto para entrar em ruidosa e escandalosa operação, a Reitoria acordou e proibiu a iniciativa. Creiam: os alunos não aprenderam sozinhos a fazer esse tipo de coisa. O ato convocatório iniciava assim:
A juventude do Triplex que fará o Brasil feliz de novo vem convidar para o lançamento do Comitê Haddad e Manuela na UFRGS, evento organizado por estudantes da Universidade em apoio à candidatura de Fernando Haddad.
O Golpe segue em curso no nosso país. Nesta nova etapa, impediram Lula de ser candidato, mas nós seguiremos lutando. Agora Haddad é Lula e Lula é Haddad. Vamos firmes no 13!
Triplex! Compre-o quem quiser. Simultaneamente, o TRE-RS, proibiu o Sindicato dos Professores do Estado – CPERS Sindicato – de fazer propaganda contra a candidatura do governador nas dependências das escolas estaduais. O sindicato sempre achou que seus filiados eram donos das salas de aula e, portanto, das escolas. Num momento eleitoral, nada mais oportuno do que montar uma caravana custeada pelos colegas e sair por aí, em missão política a ser cumprida dentro das escolas.
Em outras palavras, o sindicato bebeu água na mesmíssima vertente de todos os abusos: um suposto direito democrático do uso privado dos espaços e meios públicos, justificado pela inefável nobreza da causa... E quem não concorda é “fascista”.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/09/2018A Constituição Federal de 1988 encontrou muitas rejeições pontuais, mas poucas atacaram a integralidade do texto, ou sua essência. Não por acaso, as críticas que se tornaram mais conhecidas procederam da bancada do PT e do deputado Roberto Campos. Por motivos opostos, claro. Os petistas (para variar...) queriam uma Carta muito pior. Empenharam-se em formatar um país socialista, com ainda mais Estado e menos direito à propriedade privada. Por isso, votaram contra a Carta de 1988.
A reprovação do texto constitucional foi objeto de discurso de Lula no dia da promulgação. Após elencar um amplo conjunto de restrições ao que fora consagrado pelo plenário, ele assim se expressou:
“Sei que a Constituição não vai resolver o problema de mais de 50 milhões de brasileiros que estão fora do mercado de trabalho. Sei que a Constituição não vai resolver o problema da mortalidade infantil, mas imaginava que os Constituintes, na sua grande maioria, tivessem, pelo menos, a sensibilidade de entender que não basta, efetivamente, democratizar um povo nas questões sociais, mas é preciso democratizar nas questões econômicas. Era preciso democratizar na questão do capital. E a questão do capital continua intacta. Patrão, neste País, vai continuar ganhando tanto dinheiro quanto ganhava antes, e vai continuar distribuindo tão pouco quanto distribui hoje. É por isto que o Partido dos Trabalhadores vota contra o texto e, amanhã, por decisão do nosso diretório – decisão majoritária – o Partido dos Trabalhadores assinará a Constituição, porque entende que é o cumprimento formal da sua participação nesta Constituinte.”
O senador Roberto Campos, por seu turno, diagnosticou corretamente: aquele texto era excessivamente socialista, iria quebrar o país e demandaria uma carga tributária muito danosa à iniciativa privada e ao desenvolvimento econômico e social. No elenco de suas apreciações sarcásticas, destaco estas duas:
“Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa do efêmero; é, ao mesmo tempo, um hino à preguiça e uma coleção de anedotas; é saudavelmente libertária no político, cruelmente liberticida no econômico, comoventemente utópica no social; é um camelo desenhado por um grupo de constituintes que sonhavam parir uma gazela.”
“É difícil exagerar os malefícios desse misto de regulamentação trabalhista e dicionário de utopias em que se transformou nossa Carta Magna. Na Constituição, promete-nos uma seguridade social sueca com recursos moçambicanos.”
A razão estava com Roberto Campos. A estas alturas já é ampla a percepção de que a Constituição Cidadã arrombou a torneira do gasto público e contém travas e amarras que dificultam nosso desenvolvimento social e econômico. São conceitos e preceitos que impedem o cumprimento da lei e a defesa da ordem pública, cristalizam os corporativismos, favorecem a criminalidade em geral e a corrupção em particular, oneram a produção e elevam a carga tributária. Talvez nada represente melhor o camelo identificado na analogia de Roberto Campos do que a infeliz arquitetura institucional desenhada na Constituição de 1988.
O que fazer, se a Carta é um problema? Jogar fora e escrever outra? Quem pode assegurar que a nova não incorrerá em erros maiores, ainda que através de uma constituinte exclusiva? Se levarmos em conta o que se ensina e o que pauta o pensamento político no meio acadêmico brasileiro, são elevadíssimas as possibilidades de que isso ocorra. Tal constatação levou o general Mourão, movido a boa intenção, a sugerir nova carta, a ser redigida por um grupo de notáveis para posterior submissão a referendo popular. A ideia não soa bem sob os pontos de vista político e formal.
Notáveis” sem mandato, ainda que não sejam escolhidos a dedo, mas por instituições, logo teriam sua legitimidade questionada. Vem daí o referendo mencionado por Mourão. No entanto, o país regrediu. O próprio conceito de “notável” já nos proporcionou, entre outros, Toffoli, Lewandowski, Fachin e Rosa Weber. E é altamente provável que, quanto mais virtudes viesse a ter o produto dessa comissão, maior a viabilidade de sua rejeição. Para ser boa, a Carta contrariaria interesses, e a soma dos interesses contrariados a conduziria a esse desfecho.
Por isso, sou favorável a sucessivas retificações parciais do texto atual. Embora laborioso e demorado, esse procedimento será mais seguro e reduzirá o risco de que a emenda piore o soneto. Obviamente, a primeira e mais urgente mudança é a do modelo institucional. Entre outros ganhos, isso evitará que a cada quatro anos nos defrontemos com as insanidades do tempo presente.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
15/09/2018
Sessenta e três mil homicídios – números de guerra civil – são praticados por ano em nosso país. Em igual período, quase seiscentos mil veículos e 1,5 milhão de celulares são roubados ou furtados. Mais de 50 mil estupros notificados. São números impressionantes, assustadores, e justificam a sensação de insegurança e de desproteção em que vivemos.
Enquanto isso, muitos afirmam, sem pestanejar, que no Brasil se prende excessivamente. Gostariam que houvesse mais bandidos nas ruas! O PCC e o CV concordam. O primeiro, aliás, nesta semana, “desencarcerou” vinte e tantos do presídio de Piraquara... Obedecendo a essa linha negligente de raciocínio, as franquias do semiaberto, da prisão domiciliar e da descartável tornozeleira são concedidas com liberalidade a criminosos que delas se valem como previsível meio de fuga. Em outras palavras, a justiça, a lei e a sociedade perdem quase todas para crime.
Espantoso? Pois tão espantoso quanto isso é ver e ouvir, cotidianamente, formadores de opinião tratar como “partidários da violência” os que, nesse cenário, se opõem ao desarmamento. Estão preocupadíssimos com assegurar a incolumidade dos bandidos e com garantir a bovina passividade das vítimas. Não contentes com a deturpação dos fatos, os protetores de criminosos ainda se dão ao desplante de equivaler o desejo de autodefesa a um suposto anseio por “resolver disputas à bala”, como se estivéssemos tratando de desavenças pessoais e não de cautela para sobrevivência das vítimas.
Pronto! Na falta de juízo, de neurônios, ou na ótica perversa desses palpiteiros, o direito natural à autodefesa e o dever moral de proteger a própria família são apontados como deformações de conduta, sujeitas a juízos éticos que raramente incidem sobre quem comete os crimes e gera a insegurança social. Até os traficantes contam com a silenciosa tolerância da mídia desajuizada.
Por outro lado, ninguém ignora os efeitos desastrosos da erotização precoce da infância, da contínua influência de programas impróprios, da pornografia, da ideologia de gênero e do assédio de desqualificada educação sexual proporcionada em alguns educandários. As crianças brasileiras estão expostas a toda sorte de aberrações, nas ruas, nas escolas e nos meios de comunicação. No entanto, a mídia militante joga sobre quem clama por reação da sociedade e interferência dos poderes públicos para coibir abusos, a acusação de “fanatismo religioso” e “moralismo”!
Fica difícil a vida neste país quando tantos se empenham em transformar virtude em vício e vice-versa.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/09/2018
Durante quase 30 anos, período em que algumas emissoras de rádio e TV mantiveram, aqui em Porto Alegre, programas de debates do tipo dois para lá, dois para cá, me contrapus incontáveis vezes com entusiasmados defensores dos regimes cubano e, mais recentemente, venezuelano.
A cada degrau descido por esses países na escada da perdição, era inevitável subir os morros onde se situam as emissoras para participar de rodadas de debate com o singelo encargo de afirmar o óbvio ante o contorcionismo retórico posto em prática por antagonistas cujo único intuito era o de dissimular o que todos viam. Cuba, diziam, era a coisa mais parecida com o paraíso terrestre, sob um regime que encarnava a beleza dos versos de José Martí tanto quanto o “socialismo bolivariano” evocava o eminente papel histórico de Simón Bolívar.
Aí já começavam a incongruência e a mistificação. Nenhum dos dois – Martí e Bolívar – se respeitados fossem, se consultados pudessem ser, aceitaria qualquer associação com os tiranos que se apossaram de suas imagens. Ambos eram libertadores e não aprisionadores de seus povos. Ambos lutaram contra o inimigo estrangeiro e não contra seus próprios conterrâneos. Mas tudo servia e serve para quem assume a fraudulenta tarefa de vender submissão como sendo autonomia, miséria como sendo abundância, perda de direitos como liberdade, atraso como progresso.
Aconteça o que acontecer por lá jamais se ouvirá dos incongruentes qualquer palavra que não seja de justificação e exaltação. Os argumentos são comuns aos dois regimes. Contra os fatos, a versão; contra a história, a narrativa; e, sobre tudo, a culpa dos Estados Unidos. Nessa fraudulenta perspectiva, qualquer país do mundo que mantenha relações comerciais e diplomáticas amistosas com os Estados Unidos empobrecerá por causa dessas relações e qualquer país sobre o qual pesem embargos comerciais norte-americanos, será pobre por causa disso. Apanha pelo sim e apanha pelo não. A coerência que se dane. A história, porém, ensina a quem a estuda: no comunismo, quando o capitalismo joga a toalha, a vida vira uma droga (para usar termo brando).
Se alguém tinha dúvida sobre o tipo de estrago que o chavismo, o socialismo, o bolivarianismo, o comunismo, o castrismo - o que seja, dessa gororoba ideológica - podem fazer num país, creio que a vida dos venezuelanos, sua acelerada degradação social, política e econômica, ajudam a dissipar.
A tirania, agora, proíbe a oposição de participar da eleição presidencial venezuelana. Ausentes os partidos oposicionistas, as chances de uma vitória do governo são, digamos, bem razoáveis. Mas até para isso há fã clube no Brasil. E querendo voltar ao poder.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
12/09/2018
Foi preso no interior do Paraná o assaltante conhecido como Papagaio. Com longa experiência em assaltos a bancos e carros fortes, crimes que envolvem organização de quadrilhas, Papagaio acumula condenações que, em tese, não mais do que em tese, se elevam a meio século de prisão. No sítio onde estava ao ser preso foram apreendidos quatro poderosos fuzis municiados, carregadores e 400 munições de diversos calibres. Ou seja, Papagaio estava cheio de má intenção. Suspeita-se de que os ataques a carros fortes que antecederam a grande fuga de presos ligados ao PCC tenham sido praticados para atrair policiais a outra região e viabilizar a espalhafatosa evasão na penitenciária de Piraquara. Papagaio e o PCC também acham que no Brasil se prende demais. É o desencarceramento por conta própria... Há muita gente, paga por nós, que deve estar aplaudindo.
Apesar do extenso currículo do bandido, malgrado suas quatro fugas anteriores, a despeito de ser ele verdadeiro doutor honoris causa no mundo do crime, um extenso conjunto de fatores age em seu benefício e, simetricamente, em desfavor da sociedade. Cláudio Adriano Ribeiro, esse é o nome do pilantra, capturado de sua fuga anterior, conhecendo o jogo e as regras, foi um preso exemplar. Nem precisaria tanto para acabar beneficiado por progressão de regime e ser designado, novamente, para o semiaberto. Esse direito lhe foi proporcionado pela malha frouxa, cediça, que caracteriza a legislação penal brasileira, ingenuamente confiante em que a bondade é um irrevogável atributo humano. O Ministério Público, diante de avaliação psicossocial que não contraindicava a concessão do benefício àquele modelo de cidadão, o referendou e a Vara de Execuções Criminais o concedeu. Pouco depois, Papagaio deu sequência ao previsível script: bateu asas do semiaberto e voou de volta ao mundo dos negócios.
Todos os que, de algum modo, participaram da decisão que o deu por regenerado, são capazes de empilhar razões – e note-se: razões extraídas do Direito – sobre as quais apoiaram as recomendações e ordens que deram. No entanto, o bom senso refuga a leniência da legislação penal brasileira, os meandros recursais, as escandalosas chicanas proporcionadas pelo nosso Processo Penal, as penas que não se cumprem e as espantosas progressões de regime que acabam fazendo vítimas logo depois. Em vão a sociedade a tudo rejeita. O sistema tem vida própria e expressa uma vontade que parece ser de poucos, pouquíssimos, ainda que se imponha a todos. E a todos obrigue a viver na insegurança resultante de suas determinações.
É uma situação perante a qual todos se dizem com as mãos atadas e ninguém aparece para desfazer os nós. Pergunto: é uma situação sem saída, a exemplo de tantas outras que passam pelo funil dessas mesmas vontades no Congresso Nacional? Por que haveriam nossos congressistas de mudar a legislação quando não é incomum nem remota a possibilidade de que muitos deles acabem buscando agasalho em tais artifícios? Pois é também para isso que servem as eleições do dia 7 do mês que vem. Você não vai reeleger criminosos nem protetores de criminosos, vai? Você não quer custear um Estado brasileiro que perca todas para os Papagaios da vida, quer?
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/09/2018
Há cinco dias, num dos mais surpreendentes e onerosos casos de desídia de nossa história, o Museu Nacional ardeu em chamas que consumiram dezenas de milhões de documentos históricos. Seu esqueleto fumegante se transformou num símbolo. Ele ilustra o modo irresponsável como aqueles de quem trato em meu livro “A Tomada do Brasil” lidam com tudo que não diga respeito à busca do poder. Enquanto a UFRJ faz política, a exemplo de tantas universidades nacionais, o país se extravia de suas raízes e de sua memória. Uma nova história, que sequer tangencia a verdade, vai sendo construída e narrada entre rolos de fumaça, sobre os escombros do legado ancestral.
Escrevo aos bons brasileiros, aos que amam a pátria que hoje aniversaria e que se sentem responsáveis por ela. Escrevo para muitos, então. Aproveitemos este Sete de Setembro para refletir sobre o que maus conterrâneos estão a fazer com nossa gente. Eles não podem continuar transformando o Brasil numa casa de tolerância, desavergonhada como nunca se viu igual. Nela, o banditismo das ruas é justificado em sala de aula e nos livros de Direito. Nela, as bandalheiras deslavadas e sorridentes de uma elite rastaquera e debochada, que conta dinheiro e votos como se fosse a mesma coisa, não mais escandalizam a tantos.
Já não lhes basta a própria corrupção. Dedicam-se, há bom tempo, à tarefa de corromper, o próprio povo, porque são milhões e milhões que já não se repugnam, que já não reclamam, que sequer silenciam, mas aplaudem, mas agradecem, mas reverenciam e se declaram devotos. E se dispõem a os reeleger.
Não é apenas no plano da política que a nação vai sendo abusada e corrompida. Também nos costumes e no desprezo à ética, à verdade e aos valores perenes. Também nas novelas, na cultura, nas artes. Nas aspirações individuais e nas perspectivas de vida. No pior dos sentidos, aburguesaram uma nação pobre. Incitaram o conflito racial numa nação mestiça desde os primórdios. À medida que Deus vai sendo expulso, por interditos judiciais e galhofas sociais, instala-se, no Brasil, cheirando a enxofre, a soberania do outro.
Recebemos de Deus e da História um país esplêndido, no qual malfeitores instalaram seu covil. Estamos a 30 dias de uma eleição geral. Não nos conformemos apenas com o "dever cívico" do 7 de outubro. Nosso dever cívico não tem data nem prazo de validade. Empenhemo-nos na eleição dos melhores. Cocurutos se alteiam quando os montes se aplainam! Democraticamente, sob o chicote do voto, expulsemos do poder os abusadores da Pátria Mãe.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
05/09/2018
Na semana passada completaram-se dois anos do impeachment de Dilma Rousseff. Por isso, os ponteiros do relógio da história sinalizam momento adequado para examinarmos se foi útil e oportuna a mobilização nacional que levou àquele desfecho. O tema, aliás, tem motivado ponderações de alguns leitores.
Capitaneados pelo PT, os partidos de esquerda qualificam o episódio como “golpe”, desatentos a suas múltiplas causas e ao longo e cuidadoso procedimento jurídico e político em que se desenrolou sob os olhos da opinião pública e sob a lupa jurídica do STF. Esquecem, também, que a oposição “golpista” conviveu democraticamente com a primeira vitória de Lula, tolerou o escândalo do mensalão, reconheceu a segunda vitória de Lula, conviveu com a primeira vitória de Dilma e com a segunda vitória de Dilma. Foi a imensa mobilização popular de protesto contra seu desastroso governo no dia 15 de março de 2015 que desencadeou o processo jurídico-político do impeachment.
Dezessete meses mais tarde, ele culminaria com a perda do mandato presidencial. A palavra golpista é bem mais aplicável ao partido que pediu impeachment de Collor, Itamar, FHC, e que, nos Estados e municípios do país, grita “Fora!” a todo ocupante de cadeira que tenha ambicionado.
Vamos, agora, ao futuro do pretérito. Não costuma ser fácil discorrer sobre como as coisas teriam acontecido se conduzidas de outro modo. Neste caso, porém, é fácil, sim. O PT ajuda. Em agosto de 2016, o país afundava no terceiro ano consecutivo de recessão. Deslocado do governo para a oposição, o PT votou contra as tímidas reformas graças às quais Temer, conseguindo apoio parlamentar, estancou a recessão. Agora, em campanha eleitoral, não deixando margem a dúvidas, o partido reitera a intenção de acabar com elas de vez. Se o impeachment não tivesse acontecido, o Brasil estaria no rumo seguido pela Venezuela.
Tem mais. Sem o impeachment, o PT estaria disputando esta eleição com apoio da máquina governamental, teria mantido as fontes de financiamento e os empregos de sua militância. E o candidato seria Lula. Com efeito, todos sabem ser escassamente majoritária a posição do STF em favor do combate à corrupção, da Lava Jato, da colaboração premiada, e da prisão após condenação em segunda instância. Esta última foi mantida graças ao voto “pró-colegialidade”, proferido pela ministra Rosa Weber. Se Dilma continuasse presidente, teria cabido a ela indicar o substituto de Teori Zavascki. Alexandre de Moraes não seria membro da Suprema Corte e a base petista no STF se ampliaria decisivamente. A “sangria” teria parado, a Lava Jato secaria e o Mecanismo retomaria o ritmo de seus negócios.
O impeachment de Dilma Rousseff foi decisão certa no momento certo.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/09/2018
O incêndio do Museu Nacional da Quinta da Boa Vista foi como destocamento de raízes em área desmatada. A floresta que se perdeu não volta mais. É de doer na alma! A tragédia anunciada ocorre, coincidentemente, num período em que, por diversas circunstâncias, eu vinha escrevendo sobre as maliciosas mistificações envolvendo a História do Brasil e a identidade nacional.
Para alguns brasileiros que dirigiram a área cultural neste início de século, a história interessa como espaço para construção de narrativas convenientes sob o ponto de vista político e ideológico. Para outros, velharias como as que se exibem nos museus não têm qualquer significado e deveriam ser vendidas para “socorrer os pobres” (exatamente como pretendia Judas Iscariotis, exalando uma generosidade que não tinha, ao repreender a mulher que derramou perfume caro nos pés de Jesus). Nestes casos, temos a perigosa combinação da ignorância com a demagogia. Para os radicais, por fim, há mais cultura na pichação do que no monumento, nos poucos acordes do funk do que na música erudita, no Queermuseu do que no Museu. Fazer o quê?
A “cultura” tem outras prioridades. O Museu Nacional ardeu, então, com as centelhas da omissão e do desinteresse. Em tempos de verba curta, era preferível financiar eventos e artistas que, ali adiante, estariam subscrevendo manifestos de apoio político, participando de showmícios e fazendo denúncias em eventos no exterior. Uma mão lava a outra, na bacia de Pilatos.
Coincidentemente, no mês de julho, escrevi um texto apoiando a iniciativa de amigos que pretendiam, no Rio de Janeiro, preservar – vejam só! - as Cavalariças Imperiais da Quinta da Boa Vista. Os sucessivos retalhamentos do parque haviam levado mais da metade da área original e as cavalariças se extraviaram do belo projeto paisagístico de Augusto Glaziou. Considerávamos imperioso preservá-las. Tão pouco tempo depois, não eram as cavalariças que se perdiam, mas o próprio museu que ardia.
Sociedades civilizadas sabem que prédios e lugares históricos abertos à visitação, ao lazer e à cultura são imprescindíveis à construção da identidade nacional e, logo, da identidade individual dos cidadãos. Não há cultura sem raízes e as nossas veem sendo sistematicamente cortadas em virtude do anacronismo a que me referi em artigo anterior. Indivíduos sem raízes são levados para onde soprar a ventoinha das conveniências.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
31/08/2018
Estamos padecendo a síndrome que acomete o Brasil a cada quatro anos. A bolsa cai, o dólar sobe, os empreendedores pisam no freio e o PIB encolhe. Há várias décadas venho denunciando que o sistema de governo e o sistema eleitoral são concebidos para favorecer os interesses políticos colegiados dos senhores congressistas. Quando isso é alcançado, que tudo mais vá para o inferno.
O tempo mais perdido da minha vida corresponde às muitas horas que gastei assistindo sessões de Comissões Especiais de reforma política promovidas pelo Senado e pela Câmara dos Deputados. Completamente inútil. Ao final de todos os trabalhos, preservamos o sistema vigente, cuja mais notável competência é a geração de crises periódicas.
Entende-se o motivo de nos mantermos amarrados ao pelourinho das tragédias: parcela significativa do conjunto dos eleitos vê sua atividade com os mesmos olhos que seus eleitores os veem. É uma questão de coerência: assim como os eleitores escolhem um parlamentar para cuidar de seus interesses pessoais, familiares, corporativos, etc., tais congressistas, simetricamente, entendem seus próprios mandatos como delegação para zelarem por seus próprios interesses pessoais, familiares, corporativos, etc.. Eleitor egoísta, que elege alguém para zelar por si, vota em candidato egoísta igual a si. E se desaponta.
Depois que ingressou na corrente sanguínea das instituições algum preceito que serve às conveniências corporativas dos parlamentares, dali não mais sai. É como despesa pública – uma vez transformada em rubrica orçamentária, fica até o Juízo Final. É o que vai acontecer com a conta das campanhas eleitorais. Uma vez transferida para a sociedade, pela extinção do financiamento privado, nunca mais será cancelada.
A imensa maioria dos eleitores brasileiros ansiava por grande renovação do Congresso Nacional na eleição do dia 7 de outubro. Contudo, a pressão exercida por um grupo de entidades – entre as quais OAB e CNBB – levou o STF a examinar a questão do financiamento privado e nossos supremos descobriram que ele era “inconstitucional”. Não me pergunte por quê.
A consequência logo se fez sentir. Os congressistas que estavam desistindo de suas reeleições voltaram à ativa. Paradoxalmente, nunca houve tanto desejo de renovação e nunca tantos buscaram a reeleição. De uma hora para outra, lhes foi proporcionada a prerrogativa de dispor sobre o montante e sobre a distribuição do dinheiro para as campanhas! Nossos mateus, então, passaram a cuidar dos seus, deixando à míngua de recursos os demais pretendentes às cadeiras que ocupam. E para tornar ainda mais difícil a vida dos novatos, o TSE regulamentou a atividade de campanha em proporções minimalistas. É quase proibido fazer propaganda eleitoral. A péssima prática agora em vigor impediu que candidatos novos pudessem buscar recursos entre empresas de sua região para enfrentarem, em condições menos desiguais, os detentores de mandato.
Contrastando com o dito popular, há males que vem para piorar as coisas. E essa modalidade de financiamento passa a ser um novo mal vitalício do nosso sistema político porque os parlamentos não revogam preceitos que beneficiem seus membros. Agradeçam ao STF essa conta financeira e o embaraço à manifestação democrática da vontade nacional nas urnas brasileiras.
* Percival Puggina (73), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o Totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.