Percival Puggina

05/02/2019

 

“Quanto mais te cavo, e em ti me aprofundo, mais descubro que em ti não há fundo”. Henrik Ibsen.

 O que pode ser muito pior do que a corrupção, esse câncer financeiro e moral que tanto dano causa ao país? Que obra nefasta sepulta mais oportunidades, desemprega mais, afasta maior número de investidores, e desqualifica a educação tanto quanto, ou ainda mais do que os desvios de finalidade a que é submetida?

 Refiro-me à irresponsabilidade fiscal. Ela é companheira de um setor público que se agigantou sobre os ombros da sociedade. Aliás, o Estado brasileiro não leu Esopo e sacrifica, todo dia, poedeiras de ovos de ouro. Nos altiplanos da pátria, os poderes de Estado se expandem incessantemente, acumulando uma casca sobre a outra, qual cebola, como talvez a descrevesse Ibsen com a analogia do verso em epígrafe.

Os números da corrupção vão dos milhares de reais aos bilhões de reais. É dentro dos limites bem amplos dessa escala que eles podem ser contados. Já os números do gasto público financiado com endividamento se medem em trilhões de reais. Se amortizados, como deveriam ser, consumiriam metade do orçamento da União; se rolados, custam a cada virada de folhinha, centenas de bilhões de reais. Todo ano, fazem sumir valor muito superior ao da corrupção acumulada em muito tempo.

Uma face visível desse monstro pode ser apreciada nas 12 mil obras paradas (metade das quais sob responsabilidade da União). Mas há outra, mais pérfida, que se expressa na indigência, no abandono e na miséria a que vivem submetidos dezenas de milhões de brasileiros que deveriam ocupar o foco da atenção desse mesmo Estado, desse mesmo setor público. Isso é injustiça que dói na pele da mais tosca sensibilidade.

No entanto, em que pesem os números, chamou-me a atenção a falta de eco, por exemplo, às manifestações de uns poucos novos congressistas por austeridade, por redução das despesas autorizadas e de seus quadros de assessores. Os montantes assim obtidos fazem pouca cócega no fundo em que se cava, para dizer como o poeta norueguês, mas atitude – ah, a atitude! – elegeu Bolsonaro, mobilizou dezenas de milhões, e tem poderoso efeito multiplicador.

Pense na força das poderosas corporações funcionais; pondere o modo leviano como medidas saneadoras dormem nas gavetas de alguns ministros do STF; reflita sobre como, em tantos níveis, o Poder Judiciário e seus órgãos auxiliares expedem determinações que envolvem gasto público sem qualquer cobertura; imagine a barragem que desaba quando 11 ministros majoram os próprios vencimentos; avalie a facilidade com que se criam conselhos nacionais, conselhos superiores, órgãos colegiados, agências nacionais, que logo terão seus palácios em Brasília e extravagantes folhas de pagamento; dê uma olhada no preço final das vinculações e isonomias; atente ao quanto tem custado comprar apoio parlamentar mediante favores prestados com recursos públicos; calcule os preços de deliberações parlamentares arrancadas por lotadas galerias cujo único interesse é enviar a todos os demais a conta de suas postulações.

Vejo no governo e vi em alguns congressistas atitude avessa a isso. Mas falta testemunhá-la no recinto dos grandes privilégios, no âmbito das grandes decisões. Ou seja, no luxuoso berçário da miséria. Diante do Palácio da Alvorada, a escultura “As Iaras” (duas mulheres puxando os próprios cabelos), talvez representem, sem querer, uma antevisão do desespero que, por tanto tempo, se iria abateria sobre sucessivas gerações de brasileiros.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.



 

Percival Puggina

03/02/2019

 

 A candidatura de Renan Calheiros começou a ruir na sexta-feira (01/02), quando o jovem presidente da sessão preliminar submeteu à deliberação do plenário o voto aberto. Dos 52 votantes, apenas dois foram favoráveis ao voto secreto. Onde estavam os demais 29 senadores? Viu-se ali que o candidato do MDB teria no máximo 31 dos 41 votos necessários. Para mantê-los e conquistar mais alguns ao longo do processo de votação foi preciso tirar Toffoli da cama na madrugada (alguém aí acredita nisso?) para sentar-se ao teclado e digitar um calhamaço inteiro decretando a nulidade da decisão tomada pelo Senado.

A interferência do STF pesou contra Renan e aumentou a pressão das redes sociais sobre os senadores. Isso é fato novo, impensável e incompatível com as rotinas da velha política. O direito de manifestação se democratizou, se digitalizou, e bate no telefone que vai no bolso do deputado, do senador, ou na rede social onde esteja seu perfil.
Durante a sessão de sábado, Renan buscou estancar o vazamento que lhe produzia a atitude serena, austera e adversária da colega Simone Tebet. Quanto mais ele se perturbava, mais ela crescia. A distinção da senadora funcionava como libelo acusador para ele e para os seus. Um torturante sinal de contradição.

O fatigante discurso de Renan como candidato cuidou de buscar simpatias na base do governo. No que disse, ninguém ali estava tão comprometido quanto ele com as reformas necessárias ao país. Na presidência do Senado, seria o poderoso senhor das reformas. No que não disse, sabiam todos: ali estava, investigado em muitos processos, o senhor das impunidades e a mão amiga quando os fantasmas do passado fazem soar a campainha às seis horas da manhã. A insistência de muitos senadores, entre os quais se destacava o gaúcho Lasier Martins, apelando para que os votos fossem declarados ou exibidos, pesava, porém, contra seu projeto de poder.

Ao retirar seu nome e deixar o plenário, aparentando uma dignidade que lhe falta, condenando como antidemocrática a decisão soberana dos próprios colegas, em votos contados, imaginando talvez como abusivo o fato de o público ter opinião e ser ouvido pelo plenário, Renan encerrou um capítulo da velha política ainda aberto por sua reeleição em Alagoas.

De início, antipatizei com o nome “velha política”, usado para designar práticas falecidas nas eleições de outubro passado. No entanto, os episódios desta abertura de ano legislativo no Senado Federal evidenciam a mudança que esse nome designa. Renan precisava do sigilo. Do segredo. “Meu segredo é meu” (Secretude meum mihi”, dizia-se em latim). A porta da sociedade de celerados, contudo, foi arrombada. O abracadabra foi ouvido e a caverna aberta.

Em A Divina Comédia, Dante adverte que “a vontade, se não quer, não cede, é como a chama ardente, que se eleva com mais força quanto mais se tenta abafá-la”. Foi exatamente o que vimos. À medida que as intenções de voto eram manifestadas, sumiram os de Renan. E o Brasil, esse Brasil que volta aos brasileiros, se tornou um lugar um pouco melhor.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

01/02/2019

 

 

 Houve um tempo (e quase nada resiste ao tempo) em que Hugo Chávez e Lula eram vistos como os primeiros santos do socialismo! Nada corroía a imagem que, num espelho defeituoso, os credenciava aos altares da veneração mundial. Madre Tereza, coitada, fazia tão pouco, por tão poucos! Enquanto a vida lhes sorria, eles corriam mundo, lideravam o movimento socialista na América Ibérica, financiavam eleições e governos de esquerda.

Não faltava sequer, nas igrejas cristãs, por exemplo, quem entoasse cânticos, fizesse genuflexão e concedesse indulgência plenária à vida para lá de escandalosa do santo de Garanhuns. Na Venezuela, essa devoção originou um Pai Nosso em versão chavista (“Chavez nuestro que estás en el cielo”). Pergunto: o que fizeram ambos, cada um no seu quadrado, para alcançarem esse reconhecimento referendado por razoável crescimento da economia, elevação do nível de emprego e do Índice de Desenvolvimento Humano? Para produzir desenvolvimento, praticamente nada; para gerar os desastres subsequentes, tudo que estava ao alcance deles.

A economia Venezuelana era e continua sendo, totalmente dependente do petróleo. O país tem a maior reserva mundial dessa estratégica commodity que corresponde a 90% de suas exportações. Quando Hugo Chávez assumiu o poder em fevereiro de 1999, o barril de petróleo custava US$ 10; quando disputou reeleição em 2006, o preço se elevara em 600% e o barril era adquirido a US$ 61. Quando morreu, em março de 2013, Maduro manejava a economia com o barril a US$ 102. Com a receita de exportações aumentada em 10 vezes, o chavismo ganhou prestígio e teve recursos para implantar o socialismo que iria, logo ali adiante, entregar seus mais conhecidos produtos: fracasso absoluto de renda, miséria, supressão de liberdades. Em vez de usar a riqueza que, circunstancialmente, lhe caiu dos céus para promover novos eixos de desenvolvimento, o chavismo promoveu seu oposto e hoje precisa de 2000 generais companheiros para manter-se no poder em escancarada ditadura militar.

O surgimento do lulismo tem clara simetria com o caso venezuelano. Embora a economia brasileira seja mais complexa, o período correspondente ao governo Lula envolve o somatório de dois fenômenos em relação aos quais o pernambucano não teve qualquer ingerência: as importações chinesas e os preços internacionais do petróleo.
Em 2003, quando Lula assumiu o poder, a China importava US$ 295 bilhões no mercado mundial. A economia do país crescia num ritmo alucinante, sempre acima de dois dígitos e centenas de milhões de novos consumidores exerciam forte pressão de demanda nos preços mundiais das principais commodities. A produção brasileira era bola desse jogo: minério de ferro para a indústria chinesa e cereais para produção de proteína animal. Na eleição de 2006, as compras chinesas haviam saltado para US$ 631 bilhões e Lula posava de sábio, de mágico, de santo. Nunca houve tanta disponibilidade de dinheiro para ser roubado chamando pouca atenção. Em 2010, quando Dilma disputou seu primeiro pleito, o gigante oriental já estava consumindo US$ 1,307 trilhão e o Brasil vendendo tudo. E tudo a preços crescentes. A tonelada do minério de ferro, por exemplo, em 2003 (primeiro ano de Lula) era vendida a US$ 32; em 2006 a US$72; em 2010 a US$$ 148. Desde então vem caindo e fechou o ano passado a US$ 69. Aconteceu o mesmo com todas as nossas commodities. Os preços, no mínimo, dobraram durante esse período. E vêm caindo desde então.
O petróleo brasileiro, durante os governos petistas, viveu o mesmo período áureo que beneficiou o chavismo. Em 2003, o barril valia US$ 31, subiu para US$ 58 em 2006, para US$ 82 em 2010 (eleição de Dilma) e alcançou US$ 108 em 2014. Esses preços viabilizaram a exploração do pré-sal, mas não se mantiveram e fecharam o ano de 2018 a US$ 54.

Conto toda essa história para destapar o grave pecado desses dois ícones da hecatombe regional. Entregaram-se à embriaguez do momento. Usaram para o mal a sorte que tiveram. Elevaram o gasto público supondo que os níveis de receita se manteriam elevados para sempre. Não criaram as condições para sustentar o desenvolvimento por outro meio que não fosse a venda de commodities. Abriram as comportas da corrupção. Liberaram a criminalidade. Satisfizeram-se com capturar parcela expressiva da população em situação de aparente dependência direta de seus favores. O resto é história sabida.

Penso que faltava contar esta. Uma barragem se rompendo em lama talvez seja a melhor representação visual de sua obra.

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

28/01/2019

 

 No Brasil, com aquela presunçosa superioridade moral que desaba quando confrontada com o passado e o presente, a esquerda brasileira costuma se apresentar como isenta de todo preconceito. Seus militantes se proclamam dotados de uma alma acolhedora, expressa num par de braços abertos à humanidade. Porém, quando essas virtudes são escrutinadas, se vê que os genocídios do passado são acolhidos no silêncio e se reproduzem no presente venezuelano; se evidencia que liberais e conservadores não são tolerados e que, especialmente, o desdém aos militares e às Forças Armadas atinge as raias do fetiche. O fetiche, no caso, não é de culto, mas de rejeição.

Como o Brasil só viveu o “ideal coletivista” na cultura aborígene, a História do Brasil é dita um desastre do início ao fim. A essa esquerda, em cuja existência não há feitos a exibir, cabem, então, duas tarefas: recontar a história nacional de uma forma que lhe convenha e construir, para si mesma, uma narrativa atraente.

A primeira tarefa visa a produzir esse sentimento de dívidas e cobranças com as quais a luta de classes se enriquece com novos formatos e antagonistas. Segundo tal cartilha, desde o “infortúnio” do Descobrimento, tudo foi desastroso, sem honra nem glória, brio ou valor, num país de homens e mulheres minúsculos, a não merecerem nota de rodapé em livro sério, ou plaquinha de bronze em praça de bairro. E isso vale para você que me lê e para todos os seus ancestrais.

Os militares povoam os ressentimentos dessa esquerda. Onde sua narrativa não se entrelaça com os fatos de 1964 e dos anos seguintes, militantes entram em dispneia ou disartria. Precisam incessantemente evocar, invocar, convocar, cavoucar esse período como condição para articular o mais simples raciocínio. Por isso dizem que o governo Bolsonaro tem número excessivo de militares. FHC criou o ministério da Defesa, entregou-o a um civil e tirou do ministério quatro oficiais generais das três Armas. O PT, quando no poder, deu um passo mais e nomeou um parlamentar do PCdoB para aquela pasta que exerce direção superior em relação às Forças Armadas.

Essa animosidade contra os militares é tão incontrolável que inibe a percepção de um fato bem simples: meio século de lorotas e histórias mal contadas, visando a desabonar as Forças Armadas, em nada afetaram a confiança e o respeito que a nação lhes dedica. O prestígio dessas instituições é a maior derrota da quase sempre eficiente propaganda esquerdista. Nossas Armas continuam sendo as instituições mais confiáveis do país – pesquisa Datafolha (da Datafolha, vejam bem!) realizada em junho de 2018.

Invertendo o tradicional loteamento partidário do governo, da administração pública e do próprio Estado, o presidente montou uma equipe dominantemente técnica, competente e colocou militares em certos postos-chaves. Por que o fez? Pelo simples motivo de que oficiais superiores, treinados em cadeias de comando, têm excelente formação e são vocacionados ao serviço da pátria e aos interesses comuns (não há guerra individual). Ademais, aproveitá-los é questão de pura racionalidade em relação ao investimento feito pelo país em sua formação e em suas carreiras.

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

25/01/2019

 

Sob todos os pontos de vista, é uma pena que a afirmação feita por Bolsonaro ao jornalista da TV Bloomberg em Davos tenha caído do imenso vazio de significados que domina a imprensa brasileira. No ambiente local, se as informações transmitidas, quaisquer informações, não têm conotação negativa para o governo, não interessam. Ou elas permitem danificar-lhe a imagem, ou são inúteis. E não falta quem consiga, até mesmo, transformar limonada oficial em limão opiniático. Foi por isso que muitos veículos aproveitaram a manifestação do pai para requentar as denúncias contra o filho e, outros, para rotulá-la como tardia. Não escrevo este artigo porque queira uma imprensa omissa. Escrevo-o precisamente porque que não quero uma imprensa omissa.

 A frase - “Se Flavio errou, ele terá que pagar por essas ações, que não podemos aceitar” – jamais sairia da boca de um Lula, por exemplo. Alias, parece haver suscitado escasso interesse da mídia extrema e do COAF, a vertiginosa escalada do filho do ex-presidente, que saltou de funcionário de zoológico a milionário. Papai Lula preferiu ver a intrigante ascensão como produto das atividades de um “gênio das finanças”. Deu para notar a diferença?

 Dos moralistas de ocasião, daquela imprensa que reclamou do cancelamento da coletiva presidencial, ele só tinha a esperar desrespeito ao constrangimento a que estava submetido. Não faltaria, ali, quem viesse escarafunchar-lhe as emoções com perguntas tão relevantes quanto “Como o senhor se sente com isso?”, ou “Como foi a conversa com o seu filho?”. Por aí andariam os medíocres.

É uma pena que seja assim. Não creio, porém, que os ataques da mídia extrema alcancem seus sinistros objetivos. A exemplo de tantos outros brasileiros, bebi da taça da esperança. E me declaro civicamente bem servido. Conformado, esperei 34 anos para esse encontro do Brasil com as posições conservadoras e liberais que professo. A cada quatro anos, em vão as aguardava do ventre das urnas, enquanto via o Brasil ser levado ao abismo social, à indigência moral e à falência econômica. Quantas vezes, meu Deus, ao longo dessas décadas, sentei a mesas de debate, em rádio e TV, tendo como contraparte figurões da esquerda gaúcha, empenhados em defender aquele modelo, bem como os regimes cubano e chavista! Ali estiveram as parcerias, o horizonte e o futuro.

Há quem ainda agora os defenda e com eles prefira lidar. Manipulam, então, a lixeirinha dos fatos enquanto o país, a despeito deles, cumpre a manifestação democrática das urnas e muda seu destino.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

23/01/2019

 

“Os setores que nos criticam têm, na verdade, muito o que aprender conosco. Queremos governar pelo exemplo e que o mundo restabeleça a confiança que sempre teve em nós.” (Presidente Bolsonaro, em Davos)

 Quem esperava Bolsonaro lecionando Comércio Internacional e Ciência Política em Davos e manifesta frustração por ele não haver feito isso está em situação mais desfavorável do que a dele. Simplesmente desconhece a realidade. Dorme à margem dos fatos. Isso não chega a ser problema se for opinião de um cidadão comum à mesa do bar da esquina, ou de alguém convencido de que a carceragem da Polícia Federal de Curitiba hospeda um mártir da luta pela democracia e pela moralidade da gestão pública. No entanto, se a opinião negativa for emitida por quem se dedica a formar a opinião dos outros, bem, aí estamos perante um caso a cobrar adjetivos que não escrevo para que o leitor não imagine que estou invadindo a privacidade de seus pensamentos.

 O Brasil inteiro sabe que Jair Bolsonaro é um homem simples, embora sua formação possa ser até mesmo considerada sofisticada em comparação com a de Lula, por exemplo. A diferença entre ambos é a honestidade. Enquanto Bolsonaro não finge ser o que não é, Lula tem um caráter poliédrico, com uma face para cada circunstância. É capaz de ir a Davos e prometer que vai acabar com a fome no Brasil e no mundo, jurar que extinguiu a miséria e descrever o paraíso nacional enquanto o tiroteio corre solto nas cidades do país. A diferença entre Bolsonaro e Dilma é que enquanto esta pensa que sabe muito, mas pensa pouco e errado, ele tem consciência do que não sabe e, por isso, se cerca de pessoas que sabem muito.

Foram essas virtudes, que se erguem acima do saber humano, que colocaram o novo presidente em sintonia com a maior parte do eleitorado brasileiro. Foram elas, também, que o fizeram compor o governo menos político-partidário da nossa democracia. A prudência é uma característica das almas simples. Foram essas virtudes que o levaram a exaltar em seu discurso a companhia dos ministros Paulo Guedes, Sérgio Moro e Ernesto Araújo.

Não, Bolsonaro não é o rei do camarote. Li, há pouco, que, durante o voo, a bordo do avião presidencial, não quis usar a suíte e a cama reservada ao presidente. Ficou em uma poltrona, como os demais viajantes, porque “um comandante não abandona sua tropa; tem que dar o exemplo”. Aquela suíte e aquela cama eram assiduamente ocupadas pelo comandante Lula, o santo da carceragem de Curitiba, para folguedos extraconjugais a grande altitude, enquanto sua tropa, de tantos escândalos, já não se surpreendia. Assistiam de camarote as traquinagens do rei.

Em seu discurso, Bolsonaro foi polido e afirmativo. Deu as grandes diretrizes do que fará, falou das reformas, expôs seus valores, afirmou que o Brasil é o país que mais preserva o meio ambiente no mundo. E faz isso malgrado a carência de recursos e à custa de uma menor produção de riqueza (quem mais assume tais sacrifícios?). Enfatizou a gigantesca obra educacional exigida pela realidade brasileira, assaltada pelos encolhedores de cabeças. Falou em Deus e em família. E quem não gostou vá assistir à Globo.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

19/01/2019

 


 Quando estamos discutindo o novo decreto sobre a posse de armas, o mais importante é saber o que pensam os atores da Globo, os jornalistas da Folha, daVeja, da Época e o aparelho político da esquerda. São opiniões decisivas para se fazer, com segurança, o contrário. Eles têm irresistível vocação para estar do lado errado e a sociedade já percebeu isso. No entanto, há 15 anos, esses mesmos protagonistas foram capazes de convencer, a muitos, de um completo disparate: era preciso abrir mão do direito de defesa da vida para garantir vida.

 Em Zero Hora deste último fim de semana (19/01), um articulista afirma, argumentando contra o decreto que regula a posse de armas: “Na medida em que a sociedade foi-se estruturando, atribuindo poder ao Estado e restringindo o comportamento humano, segurança pública, saúde e educação passaram a ser dever do Estado e direito do cidadão”. Para o autor, a posse de armas pelo cidadão se torna um perigo em razão “da forte polarização político-ideológica cumulada pelo fundamentalismo religioso”... E acrescenta que “a delegação ao indivíduo, em pleno século 21, da responsabilidade por sua própria segurança, não se harmoniza com os valores conquistados pela humanidade ao longo do processo civilizatório”. As frases e a tese mereceriam uma assinatura-presente da Folha de S. Paulo e uma homenagem no Memorial de Luiz Carlos Prestes.

A campanha pelo desarmamento foi intensa em 2003. O beautiful people carioca, promovendo revoadas de pombinhas brancas e pedindo paz, desfilava pelo Leblon. “Por que não desfilam no morro do Alemão, na Linha Vermelha ou no Pontal do Paranapanema?”, perguntei, num artigo que escrevi, à época, para o Correio do Povo. Meses mais tarde, a lei foi aprovada, os rolos compressores começaram a destruir as armas tomadas dos cidadãos de bem e os bandidos brasileiros ganharam oficialmente, e festejaram, o direito de tomar, em maior segurança, o pão produzido com o suor do nosso rosto.

No mundo em que eu e o os leitores destas linhas vivemos, há uma guerra aberta entre o mundo do crime e o mundo do trabalho. Até bem pouco, enfrentando a criminalidade com interpretações sociológicas, o Estado era um “corpo estendido no chão”, inerte e reduzido à impotência. Assim, ampliou-se enormemente a parcela da população vivendo à custa do labor alheio e usando armas para essa coleta. A sociedade produz e eles arrecadam. É o dinheiro do bolso, a carga do caminhão, o gado no pasto, o automóvel na esquina. Serve para essa rapinagem infame até o vale transporte de quem está na parada esperando o ônibus para ir trabalhar.

É um estado paralelo, mas não ataca quartéis porque lá tem arma de fogo e de lá vem chumbo grosso. Eles querem precisamente o que lhes vínhamos oferecendo, um self-service inesgotável e seguro, certificado pela lei que nos desarmou.


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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/01/2019

 

 Com freqüência ouço comunicadores afirmando que o novo governo reclamava da ideologia determinante nos anteriores e, agora, tão logo eleito, vem com outra ideologia. Fingindo afogamento na banheira dos fatos, exclamam como quem fala de uma troca de seis por meia dúzia: “Quer dizer, então, que era só por ideologia?” e acrescentam indignados: “Estão substituindo todos os ocupantes de cargos por outros da sua ideologia”.

 Penso que convém esclarecer que o termo ideologia se aplica, mais adequadamente, a uma idealização da realidade, não sendo, por isso, apropriado ao caso. O que aconteceu nesta eleição foi bem diferente. O Brasil renasceu das urnas e fez opção política por outra realidade. Sem idealização alguma. Ao contrário do que aconteceu nos governos anteriores, quando a ideologia fazia ministros no STF, a sociedade explicitou no voto o que vinha deixando claro nas redes sociais e nas ruas. Optou por coibir a impunidade, por torcer pela polícia contra o bandido (cujo lugar, decididamente, é na cadeia), combater a corrupção, proteger a infância, defender a instituição familiar, enxugar o Estado e acabar com os abusos. Após duas décadas em que a educação brasileira definhou em qualidade, graduou analfabetos funcionais, e cresceu – aí sim, - em ideologia, a sociedade optou por uma educação que privilegie o ensino fundamental, prepare os jovens para uma inserção ativa e produtiva na vida social e desenvolva valores morais que entraram em desuso.

O verde e amarelo das bandeiras que se agitaram nas ruas e praças do Brasil evidenciou que nosso país é amado e amável, pode voltar a ser uma nação respeitada, parceira das melhores democracias, avessa aos totalitarismos. E tem sobrados motivos para se orgulhar de suas raízes e de seus fundadores. Com muita razão, a ampla maioria dos brasileiros quer esse ânimo nas salas de aula, em substituição aos desalentadores resultados da pedagogia dos conflitos.
Nada tem a ver com ideologia, tampouco, a decisão política de privilegiar o interesse nacional em acordos internacionais, controlar de perto o trabalho da miríade de ONGs que, em muitos casos, atuam no Brasil, com recursos da União (ou seja, do povo brasileiro), em favor de interesses estrangeiros muito focados na riquíssima biodiversidade e no subsolo da Amazônia. É apenas o fim da copa franca, que serviu para o assalto às estatais, para os escandalosos e ruinosos financiamentos concedidos pelo BNDES, e para o enriquecimento de quem não precisa de recursos públicos no setor cultural. Ou não é exatamente isso que o povo quer? E isso nada tem a ver com “ideologia”.

A ira contra Olavo de Carvalho, por outro lado, se explica. Enquanto, em universidades brasileiras, tendo eco na "extrema imprensa", tantos se dedicam a emburrecer os alunos com doses de ideologia – aí sim – marxista, Olavo, com seus cursos, artigos e livros atuou no sentido oposto, ensinando milhares de brasileiros a pensar, e se tornando, de longe, o intelectual que mais influenciou, positivamente, a virada do jogo político no Brasil.

Por outro lado, é a primeira vez que eu vejo jornalistas criticando demissão de ocupantes de cargos de confiança. Certamente são razões do coração. Esperavam que o novo governo conduzisse suas políticas usando para isso servidores adversários, militantes do partido que povoou de modo sistemático o serviço público brasileiro? A última eleição mudou os rumos do Brasil, tanto quanto Lula e o PT o mudaram a partir de 2003. É bom lembrar que já no final daquele ano, a população brasileira começava a ser desarmada, tornando-se ovelha sob pastoreio de lobos.

 

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* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

15/01/2019

 

 Você nem se deu conta, mas no breve espaço de sua geração, Deus sumiu do vocabulário corrente no outrora Ocidente cristão e este artigo se torna, digamos assim, fora das expectativas. Junto com o vocábulo, decresceu, também, o persignar-se, o ajoelhar-se, a frequência à missa ou culto, os símbolos religiosos, as confissões, os sinais interiores e exteriores de fé, mesmo entre os que a preservam. Em parcelas crescentes da população desapareceram, igualmente, os esplêndidos benefícios estéticos, éticos e espirituais da transcendência, alcançáveis por aqueles que se elevando acima dos imanentes rochedos, tendo olhos para o infinito, conheceram e desenvolveram a dimensão espiritual, superior e eterna de sua natureza.

Um dos objetivos centrais da guerra cultural empreendida pelo movimento totalitário e pelo moderno globalismo consiste em constranger o cristianismo ao silêncio, fazer com que a mensagem cristã não encontre eco nem repercuta na vida das pessoas e das sociedades políticas. Quem conduz ou segue tal estratégia observa a receita de Marx, cujo modo de preparo adverte que a religião é “o ópio do povo”, e está desatento à de Raymond Aron, para quem o marxismo é “o ópio dos intelectuais”. Fecho com ele. Conheço raros inimigos das religiões em geral e do cristianismo em particular que não sejam marxistas e esforçados coletores nos lixões da história. Nesta última função, incorrem no paradoxo de, por um lado, atribuir a Deus a culpa pelos pecados, erros e burrice dos homens; por outro, isentar Marx e o marxismo de toda a desgraceira que trouxeram à humanidade.

É claro que isso não tem graça alguma. Que o digam os chineses ainda hoje perseguidos por cultuarem o mesmo Deus que o Ocidente estabeleceu ser socialmente inconveniente e politicamente incorreto. Que o digam os milhões de cristãos e judeus vitimados por revoluções comunistas mundo afora. Que o digam as religiosas estupradas pelo simples motivo de estarem e permanecerem em seus conventos durante as eclosões levadas a cabo em nome dos “altíssimos valores humanos” dos revolucionários da hora. Afinal, a revolução, detentora de incontrastável superioridade moral, tem prerrogativas que a habilitam a toda iniquidade.

No entanto, se olharmos à volta e refletirmos sobre as transformações experimentadas pela sociedade ao longo do tempo, será impossível não contabilizar graves perdas. Bem feitas as contas, se evidenciará, também, o quanto é socialmente benéfico que as condutas humanas sejam mais influenciadas pelo amor a Deus e ao próximo, do que pelo peso das sanções do Estado. É na simultânea perda daquele amor e desse temor que o caos se instala e a criminalidade se expande.

 

* Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.