Percival Puggina
28/08/2015
Certa feita, no ano de 2004, em um dos tantos debates que já mantive com lideranças do PT, ironizei a continuidade que o governo Lula vinha dando às políticas tucanas que combatera tão intensamente e com tanto sucesso eleitoral. Mostrei, uma a uma, as contradições. O abominável Plano Real estava mantido com inteiro rigor. O superávit fiscal, tão execrado pelo petismo, havia atingido, com Lula, o maior valor dentro da série histórica. Os programas de renda mínima, que Lula acusara de serem uma forma de fazer votos graças à fome de quem vota com a barriga, haviam mudado de nome e recebido mais recursos. E por aí fui, até ser interrompido por meu interlocutor que me disse exatamente o seguinte: "Puggina, não se muda a direção de um transatlântico com guinada brusca" e ilustrou o que dizia com o braço desenhando um longo arco. A mudança de rumos estava em curso e seria gradual.
Ele pertencia à alta hierarquia de seu partido e estava bem informado. O tempo o comprovou. O PT destruiu os fundamentos macroeconômicos então vigentes (responsabilidade fiscal, câmbio flutuante e meta de inflação). Exibiu, pouco a pouco, sua vocação para o totalitarismo. Empenhou-se na armação da luta de classes, forçando o divisionismo dentro da sociedade. Ensaiou várias tentativas de controlar a mídia. Levou o revanchismo até onde pode. Concebeu várias agendas socialistas. Aliou-se aos piores vilões da política nacional e internacional. Não lhe faltaram tentativas de impor absurdos, mediante decretos felizmente rejeitados pela opinião pública e pelo Congresso. Tais foram os casos do PNDH-3, que fazia gato e sapato em nome dos direitos humanos, e do decreto Nº 8.243 (decreto dos sovietes), que pretendia uma desabilitação do poder legislativo. O partido viria, como de fato veio, contaminar e aparelhar o Estado em conformidade com um desígnio totalitário. Tudo para alterar a trajetória do transatlântico.
Na política, tudo ia bem. Os corruptos prosperavam. Não faltava dinheiro à mídia chapa branca, nem capitanias hereditárias aos partidos e aos políticos da base. O crescimento chinês empurrava a economia para a frente, mais ou menos como as elevações da taxa de juros engordam os lucros dos bancos sem que os banqueiros precisem sair da poltrona. O petróleo a mais de US$ 100 viabilizava qualquer estripulia na Petrobras e o pré-sal era portentosa mina, a ser drenada ainda antes de gotejar. A megalomania, os delírios de poder e de riqueza, os projetos faraônicos, o messianismo característico dos partidos e movimentos totalitários recebiam injeções de adrenalina na veia. No limite das aparências, Lula era um Midas. Além das aparências, uma bomba de efeito retardado.
Só agora, concluída aquela curva descrita pelo meu interlocutor no debate acima referido, veem-se todas as dimensões do estrago. O desvio de rota jogou o país contra os rochedos, de modo desastroso. Lula e Dilma, que sequer se animam a aparecer em público, fazem lembrar o rápido e furtivo desembarque do comandante Francesco Schettino após jogar o Costa Concórdia contra os arrecifes junto à ilha de Giglio.
A direção pretendida quando a grande curva foi desenhada chegou onde inevitavelmente haveria de chegar, porque nunca foi diferente o resultado de tais políticas. E se há muita incerteza, hoje, sobre o futuro do país, se os comandantes se escondem mas não desembarcam, ninguém duvida de que o desvio de rota e a megalomania os condenaram à insignificância.
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
24/08/2015
No ano de 2007, o sucesso subira à cabeça de Lula. O hoje rejeitado filho de Garanhuns era aclamado nacional e internacionalmente como "o cara". Era o cara que teria acabado com a miséria no Brasil, o cara que projetara o país como o primeiro da fila de espera para ingressar no Primeiro Mundo, o cara que ansiava por uma cadeira no Conselho de Segurança da ONU, o cara que se julgava capaz de resolver qualquer encrenca internacional, o cara que tornava o Brasil autossuficiente em petróleo, o cara de quem Obama disse, textualmente: "I love this guy! The most popular politician on earth". Te mete! Lula podia tudo. Embora muitos ao seu redor tivessem tombado, saíra incólume do mensalão. Frustrando as expectativas dos que esperavam enfrentá-lo exangue em 2006, colocara no peito a segunda faixa presidencial.
Nesse jogo, porém, Lula tinha muito a agradecer e pouco a oferecer. A prosperidade da economia brasileira, que permitiu saltos na arrecadação, no mercado de trabalho, nas exportações tinha tudo a ver com o espetacular crescimento do mercado chinês, que elevou o preço das nossas commodities. E nada a ver com competência administrativa. O governo, sabe-se agora, era uma versão institucional do Gran Bazaar, lugar de muitos e rentáveis negócios, cuja alma, como sempre em tais arranjos, era a publicidade. O presidente não tinha qualquer das virtudes necessárias a um bom gestor. Sempre foi, isto sim, um político conversador, populista e oportunista. Deveria agradecer aos que, antes dele, assumiram o sacrifício político de colocar o país nos trilhos da responsabilidade fiscal. Mas não.
Ah, se Lula tivesse sido um bom gestor! Com os recursos de que dispôs, com o apoio popular que soube conquistar, com o carisma que Deus lhe deu, teria preparado as bases necessárias a um desenvolvimento sustentável. Nenhum outro presidente, em mais de um século de república, navegou em águas tão favoráveis. Contudo, do alto de sua vaidade, embora fosse apenas um mero e pouco esclarecido barqueiro, ele acreditou ser o senhor dos mares e das marolas. "Vaidade! Definitivamente meu pecado favorito", confessa o personagem representado por Al Pacino em O Advogado do Diabo. E a vaidade de Lula jogou o Brasil no inferno em que hoje ardemos sob o governo de Dilma.
É bom lembrar. Em 2007, tamanha era a euforia de Lula que ele importou, assim como Collor faz com carros esportivos, esse luxo extravagante que foi a Copa de 2014. Consumidor insaciável de manchetes, nesse mesmo ano começou a negociar a aquisição, para o Rio de Janeiro, da sede dos Jogos Olímpicos de 2016. A Copa, na hora da bola rolar, se tornara algo tão fora do contexto, despesa tão despropositada, que ele sequer teve coragem de comparecer a qualquer dos jogos! E sua herdeira foi hostilizada de modo constrangedor na solenidade inaugural.
O jornal O Estado de São Paulo de ontem, 23 de agosto, divulgou um relatório de custos dos Jogos Olímpicos. O mais recente levantamento disponibilizado pela prefeitura do Rio informa que, faltando contabilizar algumas despesas de menor monta, os Jogos (que beneficiarão quase exclusivamente a capital carioca) custarão ao povo brasileiro R$ 38,67 bilhões. Se somarmos essas duas extravagâncias lulopetistas, chegaremos a R$ 66 bilhões e a um conjunto de elefantes brancos. Quantas aplicações mais úteis ao país seriam possíveis com tais recursos! Num ano em que o governo corta quase R$ 12 bilhões da área de Saúde e se agrava o caos do setor, corta R$ 9,42 bilhões da Educação e universidades fecham as portas por não disporem de recursos para dar continuidade ao ano letivo, a gestão temerária do lulopetismo continua jogando dinheiro fora para apresentar outro show ao mundo. Gestão temerária se caracteriza por conduta impetuosa, imponderada, irresponsável ou afoita. Não é uma descrição perfeita dos acontecimentos aqui mencionados? O prefeito de um pequeno município já foi condenado por isso.
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
22/08/2015
Há alguns meses, uma dupla de vagabundos me encostou uma pistola na barriga e exigiu a chave do carro. Ainda sob o impacto do acontecido, fomos, minha mulher e eu, à delegacia mais próxima relatar a ocorrência. Era o que se impunha fazer naquele momento e esperávamos, ademais, que a notificação urgente possibilitasse - quem sabe? - recuperar o que nos haviam roubado. Mas isso não aconteceu.
Estou convicto de que tivemos um comportamento normal. É o que se faz em tais circunstâncias. Reage-se indo à polícia. Espera-se que os criminosos sejam apanhados. Exige-se que as quadrilhas sejam trancafiadas.
Diante do que acabo de descrever, impõem-se inquietante questão: por que, diabos, quando na condição de cidadãos que veem o país ir à gaita, tantos se recusam a admitir que estão sendo roubados? Por que, após serem ludibriados com mentiras, muitos se mantêm defendendo os mentirosos? Que síndrome de Estocolmo (1) social e economicamente sinistra é essa que ainda sai às ruas, assina colunas de jornais, esgrima comentários no rádio e na tevê e se entrincheira nas redes sociais para defender o governo? Agem como vítimas que, após o dano sofrido, saem conversando amavelmente, abraçadas com quem as prejudicou - "Bye, bye, voltem sempre!". (1) Essa síndrome designa o vínculo emocional com os sequestradores, desenvolvida pelos sequestrados durante um roubo a banco na capital da Suécia em 1973.
Recebi, ontem um levantamento segundo o qual, somando-se os filiados ao Partido dos Trabalhadores com os militantes do MST, Via Campesina, MTST, UNE e ONGs financiadas pelo governo federal, acrescidos dos blogueiros, MAVs pagos pelo partido e titulares de cargos de confiança, chega-se a umas 15 milhões de pessoas, ou seja a 7% do eleitorado. E esse seria, portanto, o piso da aprovação ao governo.
No entanto, os números parecem um pouco inflados. Há gente que não se enquadra em qualquer dessas categorias e se conta entre os tais 7%. Quando milhões saem às ruas em centenas de cidades do país, expressando a natural indignação de quem se percebe roubado, ludibriado e vítima de estelionato eleitoral, os protetores do governo tratam de desqualificar suas admiráveis manifestações. Afirmam que são mobilizações exclusivas da classe média, como se um governo que fez mais da metade dos votos e em poucos meses cai para 7% de aprovação, não tivesse perdido apoio de todas as classes sociais.
Nestes dias, o petismo busca salvação no andar mais elevado dos poderes de Estado, reunindo homens da estirpe de Lula, Sarney, Renan, Jucá, Barbalho. Janta com ministros do STF! Encontra-se secreta e casualmente com Lewandowsky na cidade do Porto. Usa e abusa dos nossos recursos, aumentando os gastos com a publicidade oficial para domar a mídia e distribuindo favores aos currais eleitorais do Norte e do Nordeste.
E tem buscado, inutilmente, arregimentar apoios, também, no andar térreo, convocando os "exércitos" de Stédile (MST) e de Vagner Freitas (CUT). Que fiasco! Para cada cem manifestantes do dia 16, o governo conseguiu, no dia 20, transportar e colocar nas ruas uns 4 ou 5 gatos pingados, que se moviam em visível constrangimento e com a animação de velório de monge budista. Não é humano, não é natural, não é normal, aplaudir corrupção, inflação, desemprego, carestia, recessão e incompetência. Quando isso acontece, ou há interesses em jogo, ou é síndrome de Estocolmo.
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
19/08/2015
A jornalista Miriam Leitão, em sua coluna no jornal O Globo, há cerca de dois dias, levantou um tema instigante. Sob o título "Razão de existir", ela afirmou que "se o TCU nos servir uma pizza é o caso de se pensar sobre a razão de sua existência". E mais adiante, cobrando uma definição precisa do órgão de contas, escreveu: "O que Dilma fez não pode ser feito". Note-se: Miriam Leitão não guarda qualquer afinidade com a oposição ou com a direita ideológica.
O fato é que há um grave problema envolvendo muitos Tribunais em nosso país. O que acontece no TCU não é diferente do que se verifica, frequentemente, nos níveis superiores do Poder Judiciário. O aparelhamento é a regra em curso. Todos os governantes e líderes políticos de expressão procuram ter magistrados, julgadores, ministros de contas que possam chamar de seus. E para isso usam a caneta, ou o poder de indicar, com olhos postos em si mesmos, no próprio partido e jamais no interesse público que estará pendente das decisões emitidas pelos seus apadrinhados. Nos legislativos federal e estaduais não é incomum funcionar um rodízio em que os maiores partidos alternam entre si o direito de apontar os novos membros dos tribunais de contas em casos de vacância. Tais postos são muito ambicionados pela estabilidade e outras prerrogativas que proporcionam. O mais comum é que os indicados sejam parlamentares ou ex-parlamentares com vários mandatos e relevantes serviços prestados às respectivas legendas. Existem valiosas e louvadas exceções, mas são exatamente isso.
A ideia que patrocina a existência de um quadro julgador das contas públicas formado por ilustres personalidades, com prerrogativas vitalícias, é assegurar sua autonomia e liberdade de consciência. A sociedade paga por isso e paga caro. Tribunais custam muito e seus quadros são bem remunerados. Então, quando a gente olha para o TCU e começa a suspeitar de suas decisões; quando se pensa no STF sob comando de um fraterno amigo do casal Lula e Marisa Letícia; quando uma eleição presidencial é dirigida por Dias Toffoli; quando Dilma se encontra secreta e "casualmente" com Lewandowsky na cidade do Porto; quando Dias Toffoli pede transferência para o grupo de ministros que vai julgar os réus da Operação Lava Jato; quando o TCU concede prazos e mais prazos para o governo "arreglar" e justificar suas lambuzadas contas, cabe, sim refletir sobre o que está posto no título acima: vale a pena pagar tão caro por algo que parece ser, gasta como se fosse, mas não é?
O TCU, como bem salienta a jornalista mencionada no primeiro parágrafo deste texto, não estará deliberando sobre a continuidade do mandato de Dilma (essa é uma tarefa de outros poderes). Isso ele não faz nem pode fazer. Mas não se admite que feche os olhos para o que todo mundo vê: a presidente fez o diabo, também, nas contas pelas quais pessoalmente responde.
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/08/2015Nosso jornalismo, há muitas décadas, foi tomado de assalto pelos que chamo "pedagogos da opinião pública". Por sua visibilidade, do alto de suas posições nos meios de comunicação, sentem-se como mestres em salas de aula, praticando contra a opinião pública o mesmo abuso mental que tantos professores praticam com os alunos, mediante influência e poder. Uns e outros, pedagogos da opinião pública e professores militantes, operavam antes de o PT nascer e prepararam dedicadamente seu caminho ao poder. Era na base do nós e eles. Simples assim: a esquerda era o bem e, fora dela, nada haveria que prestasse.
Algumas coisas sobre si mesmos eles já compreenderam, ao longo dos últimos meses. Seu prestígio despencou junto com o daqueles a quem emprestavam ou vendiam apoio. Seus discípulos já lhes viram as costas. São formadores de opinião que não formam opinião alguma e cujas manifestações exigem enorme esforço mental. Não é fácil parecer que não fazem exatamente aquilo que estão fazendo, mas "pegaria mal" se fizessem.
Exemplifico. Os pedagogos da opinião pública não são contra as passeatas. Mas ensinam que "Impeachment-já!" recusa o ritmo constitucional que aponta para a sequência crime, acusação, julgamento e (só então) impeachment. Entenderam? Segundo eles, os manifestantes deveriam sair às ruas, Brasil afora, levando faixas mais ou menos assim: "Impeachment, se possível, quando possível!". Quem carregaria uma peça dessas? Animados com uma candura e uma doçura que exige um canavial inteiro propõem "menos ódio" nas manifestações. Engraçado, não é mesmo? Que fim levou a boa e velha indignação pela qual tanto cobravam quando serviam ao PT oposicionista? Agora, a justa indignação virou ódio? Sentimento maligno, politicamente hediondo, pimenta que arde no olho?
Eles nos ensinam, também, que o "Fora Dilma!" é frase autoritária. Diagnosticam que ela fere a legitimidade do mandato da presidente. Como pode alguém dizer "Fora Dilma!", seis meses depois de a presidente ter sido eleita com maioria de votos?
É a pedagogia da conformidade bovina. Se for assim e para isso, a gente fica em casa assistindo um filmezinho, que é exatamente o desejo por trás dessa pedagogia para boi no cercado.
Falemos, então em legitimidade, jornalista pedagogo militante. De que legitimidade falas quando te referes ao atual mandato da presidente? Da legitimidade alcançada com votos atraídos pelo festival de mentiras, mistificações e falsidades que se derramou pelo país em 2014? Da legitimidade via votos comprados com bilhões de nosso dinheiro? Da legitimidade alcançada com ameaças de que um festival de desgraças se abateria sobre o país em caso de vitória da oposição (para logo após a adotar aquelas mesmas medidas contra as quais verberava)? Da legitimidade via urnas eletrônicas? Via Smartmatic? Via apuração sigilosa? Da legitimidade de quem agora não arregimenta mais do que 7% dos eleitores?
O povo não estaria nas ruas se não se sentisse enganado, ultrajado e furtado! Aprendam isso e aprendam a ouvir o povo, em vez de apenas falar-lhe. Aproveitem do caráter, este sim pedagógico, das manifestações dos últimos meses. E com o que ainda lhes reste de consciência, arrependam-se do que ajudaram a produzir no país. O preço desse constrangedor serviço está sendo pago com corrupção em proporções jamais vistas, com recessão, inflação, desemprego, carestia, perda de credibilidade nacional e humilhação perante as demais nações. Está de bom tamanho?
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/08/2015
O Brasil é um navio sem rumo nem prumo. Não está apenas à deriva. É um navio cuja tripulação joga as culpas do extravio no estaleiro, nas estrelas, nos ventos, nas ondas e, claro, nos passageiros de olhos azuis. O que nos reduz alternativas a essa crise é estarmos sob um governo alheio aos males que causou. Somos governados por quem chegou ao poder mentindo sobre o passado, mentindo sobre o presente e, agora, mente sobre o futuro. E é um navio sem prumo, o Brasil, porque adernou com o peso do Estado. Nada que não viesse sendo anunciado desde os tempos em que Lula, na metade de seu segundo mandato, decidiu que a manutenção do poder valia qualquer irresponsabilidade. Então, irresponsabilidade e meia: apontou como sucessora a companheira Dilma, gerentona, mãe do PAC e seu alegado braço direito. Pedra cantada para dar no que deu.
Muito já escrevi e falei sobre o conforto das instituições. A nação ia sem rumo nem prumo e as instituições só estavam interessadas em ampliar vantagens. Desatenção ao leme e maior peso agregado ao Estado. Deus, porém, escreve direito por linhas tortas, mesmo num barco desaprumado. E eis que surgem, da vastidão continental e populacional do país, ali, na capital do Paraná, um juiz, alguns promotores e policiais federais. Eles se recusam à zona de conforto e começam a fazer o que devia estar sendo feito há dez anos. Tiveram o mérito de perceber mais risco em nada fazer do que na missão que abraçaram. Já são quase três dezenas de colaborações premiadas (e olha que uma não pode repetir o que qualquer outra já tenha relatado!).
Há muitos anos, muitos mesmo, o Congresso Nacional dava sinais de morte cerebral. Ou de ser uma casa onde cada um cuidava de si e o Tesouro Nacional cuidava de todos. Pois a operação desencadeada em Curitiba levou o povo às ruas em 15 de março e desacomodou o parlamento. Queiramos ou não, ainda que com tanta presença constrangedora, ali está o coração, debilitado mas ainda vivo, daquilo que, como extensão do conceito, talvez se possa chamar de democracia brasileira. É ao parlamento que o Brasil, de todas as cores, falará nas manifestações de hoje. Porque, como escreveu alguém, cujo nome gostaria de saber: "A bondade que nunca repreende não é bondade: é passividade. A paciência que nunca se esgota não é paciência: é subserviência. A serenidade que nunca se desmancha não é serenidade: é indiferença. A tolerância que nunca replica não é tolerância: é desumanidade." O futuro do Brasil não passará na tevê. Não acontecerá no sofá. Estará se manifestando pacífica e civicamente nas ruas, neste domingo.
Especial para Zero Hora, 16 de agosto de 2015
Percival Puggina
14/08/2015Quem optar pelo sofá da sala em vez de participar da manifestação do próximo domingo, 16 de agosto, estará escolhendo sofrer a história em vez de contribuir para um futuro melhor.
Inúmeras articulações vêm ocorrendo em Brasília. Um dia a presidente convidou para jantar em comemoração ao Dia do Advogado altas personalidades do mundo jurídico e dos tribunais superiores, inclusive do STF (três compareceram!). Vêm-me à mente que o 11 de agosto é tradicionalmente conhecido como "Dia do pendura", um antigo costume pelo qual estudantes de Direito iam aos restaurantes e mandavam pendurar a conta. Qual a conta que se pretendeu pendurar no jantar do dia 11? No dia seguinte, Lula se reuniu com Temer, Sarney, Renan Calheiros e lideranças do PMDB no intuito de "enfrentar a crise". Enfrentar a crise, para esse específico grupo, significa conseguir que tudo fique como está, que é exatamente como tudo não pode ficar. Na sequência, a presidente foi distribuir benefícios no Nordeste. E, ontem, reuniu-se com lideranças dos movimentos sociais. Foi durante esse ato que ela ouviu, sentada e calada, o presidente da CUT chamar seu exército às armas. Que armas?
As forças do conformismo interesseiro se movimentam nos bastidores. Suas preocupações com a situação nacional não são perceptíveis a olho nu.
Vivêssemos sob as mesmas regras adotadas nas democracias estáveis, o governo já teria caído em novembro do ano passado quando se tornaram evidentes as mentiras e mistificações da campanha eleitoral. A suposta "legitimidade" do mandato presidencial é fruto de embustes que fizeram de bobo o eleitor.
As mesmas forças políticas que hoje chamam impeachment de golpe forçaram a renúncia de Collor, que deixou o cargo no dia 29 de dezembro de 1992. Menos de quatro meses depois, em 21 de abril de 1993, por determinação das disposições transitórias da Constituição de 1988, ocorreu o plebiscito sobre sistema e forma de governo. Jamais esquecerei a figura do militante ator Milton Gonçalves, na telinha da tevê, durante a campanha sobre o tema, afirmando que "No presidencialismo, você põe, você tira". Era uma gigantesca inversão da realidade. É no parlamentarismo que se pode tirar o mau governante. O que ocorrera com Collor fora uma quase inacreditável exceção à regra. Mas era uma exceção ainda bem presente na memória das pessoas. Mentindo, fizeram o eleitor de bobo. Pois é, também, graças àquela fraude publicitária de 1993 que Dilma está amarrada ao cargo com uma aprovação de apenas 7% que só lhe proporciona vaia e panelaço.
Aqueles que recusam a legitimidade ao impeachment como um processo constitucional, também recusaram legitimidade, poucos anos passados, ao que aconteceu nos impeachments de Manuel Zelaya em Honduras e de D. Fernando Lugo no Paraguai. Anseiam por parlamentos comprados, submissos, abastardados. Devem avaliar de modo muito positivo os legislativos de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia, Argentina, dos quais jamais se ouve falar porque aceitam a focinheira que lhes impõem os respectivos governos.
Não podemos deixar que convençam ou vençam. Munidos do que lhes falta - respeito à ordem, amor à paz, civilidade e compromisso com o bem do Brasil e de seu povo - vamos todos às ruas neste domingo!
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
11/08/2015
O economista e auditor Darcy Francisco Carvalho dos Santos tem sido um apóstolo da responsabilidade fiscal no Rio Grande do Sul. Há anos vinha alertando para a crise que adviria neste horizonte de 2015 como inevitável ponto de chegada para quem se abraçasse à estupidez de crer, diante da contabilidade pública em vermelho, que "o governo tem a obrigação de dar um jeito e arrumar dinheiro". Como se o governo tivesse um real que pudesse chamar de seu! E como se todo centavo arrecadado não saísse dos nossos bolsos!
Suas advertências caíram no vazio do mais solene desprezo. A velha irresponsabilidade não silencia sequer diante da destampada dureza de um Estado que não dispõe de recursos para pagar pontualmente seus servidores e que, a cada dia, precisa fazer a escolha de Sofia dentre as muitas e justas demandas de custeio e de seus fornecedores. "O governador tem que dar um jeito" é a frase que pretende ser expressão de sumo saber administrativo e fiscal. E ai de quem ouse propor soluções! Imediatamente recebe o rótulo de neoliberal, como vem acontecendo com o economista e auditor Darcy Francisco, autor de três livros sobre a crise fiscal do RS.
Na resposta que enviou a um jornalista da praça que lhe pespegou o mencionado rótulo para desqualificar as propostas contidas em seus livros, ele alinhou, mais uma vez, o conjunto central de suas sugestões. Vale a pena reproduzi-las e trazê-las à reflexão da sociedade e dos líderes políticos do RS. A lista de providências, que sintetizo abaixo, é antecedida pela pergunta: "Estas propostas são 'neoliberais'?".
• Reforma da previdência, visando a corrigir o problema das aposentadorias precoces, sendo a metade com 50 anos de idade mínima e ¼ sem sequer essa exigência. Nos países ricos, sociais-democratas, as pessoas estão se aposentando com 65 ou 67 anos;
• Adotar novos critérios da pensão por morte. Hoje, uma pessoa jovem com todas as condições para trabalhar pode ficar até 50 anos ou mais, dependendo da situação, recebendo uma alta remuneração paga pelo contribuinte;
• Alterar o plano de carreira do magistério, um plano da década de 1970, o mais velho do País, anterior à vigência de LDB, que define carreiras que não existem mais e que só vai pagar um salário melhor para o professor no final de sua carreira, quando ele está deixando a sala de aula.
• Adotar plano de aposentadoria complementar, providência que o Estado mais rico do país, São Paulo, e a União, já adotaram, sendo que a União adotou essa providência em pleno governo petista.
• Alterar o acordo da dívida, visando pagar menos e zerar o saldo devedor;
• Rever os altos salários iniciais e algumas categorias, como condição para pagar melhor outras que recebem muito pouco;
• Extinguir a licença-prêmio, um privilégio vergonhoso do servidor público, já revogado na União, e que muitos órgãos de elite no RS pagam em dinheiro;
• Alterar as regras das incorporações das funções gratificadas na aposentadoria, passando para a média em vez da última. Isso é uma regra aprovada pela reforma previdenciária de 2003, do presidente Lula.
• Evitar a concessão de reajustes salariais reais. Se o Estado não está conseguindo dar nem a inflação, como vai dar aumentos reais?
• Conter o crescimento das outras despesas correntes. Para quem não sabe, isso é economizar no consumo, exatamente como fazemos na nossa casa, quando o dinheiro escasseia.
• Mudança no pacto federativo, visado melhorar a distribuição das receitas.
Ser contra isso significa ser a favor da velha irresponsabilidade e do caos fiscal porque foram essas (e outras) políticas demagógicas e populistas que levaram o RS à vexatória situação atual.
Percival Puggina
08/08/2015Então, no novo perfil da mídia brasileira, a coisa fica assim. Alguns, diante desse erro descomunal que foram os governos petistas, vão além das aparências e abandonam o barco porque percebem as causas. Entre muitas, saliento estas, bem evidentes: o poder como objetivo ao qual tudo se sacrifica; a justificação dos fins pelos meios; o cultivo da insegurança pública como instrumento da luta de classes; o fracasso humano e social do assistencialismo vitalício como política de Estado; a impossibilidade técnica de se produzir desenvolvimento econômico e social sem economia de mercado; a apropriação indébita dos poderes de Estado, da administração pública e da política externa por um partido político, seja qual for.
Outros, no entanto, continuam convencidos de que fora dos fracassos estrondosos da esquerda não há salvação para a humanidade. Apoiaram e votaram sempre no PT e se empenharam em preservar-lhe a imagem muito mais do que os líderes do partido. Aliás, enquanto estes trocavam os pés pelas mãos e enfiavam os quatro nos mais pantanosos negócios, eles cuidavam de espalhar o ônus moral de tais condutas sobre uma linha de tempo que, se a gente deixar, acabará remontando à criação do Reino de Portugal no século 12.
Se há algo que abala os formadores de opinião é constatar que quanto mais escrevem e falam, menos opinião formam. Então, com a credibilidade da presidente caindo para um dígito, ainda por cima quebrado, já não se encontram mais, na mídia, prosélitos com disposição de exaltar as virtudes do petismo reinante. Para os obstinados, porém, o passado ainda pode ser requentado. Tal é a aposta, por exemplo, do sempre oculto Foro de São Paulo (que antes diziam não existir e, agora, afirmam estar morrendo...).
Não havendo condições propícias ao proselitismo puro e simples, resta à mídia esquerdista e seus agentes dois meios de ação. No primeiro, obedecem à regra segundo a qual o contra-ataque é uma forma de defesa na qual dificilmente se passa vexame, porque sempre haverá o que atacar. Então, atacam quem ataca para defender quem não mais se atrevem a defender. No segundo, aí sim, agarram-se no Estado de Direito para proclamar a intangibilidade do mandato da presidente. A esse coro ela mesma aderiu em suas últimas manifestações: "Ninguém vai tirar a legitimidade que o voto me deu", afirmou a presidente, falando em Roraima no dia 7 deste mês.
Dilma está, neste caso, defendendo a legitimidade da mentira como instrumento de ação política e eleitoral. Com efeito, ela foi eleita em 2014 mentindo à nação sobre a realidade nacional e atribuindo a seu adversário os flagelos que ela trazia a tiracolo para enfrentar a macabra situação que seu governo produzira. Nada que não tenhamos visto e não estejamos vendo. Assim, a presidente e os formadores de opinião que a acompanham, ao falarem em "legitimidade" no cenário atual, consagram a soberania do Pinóquio e promovem o linchamento do Grilo Falante.
* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.