Percival Puggina
21/11/2024
Percival Puggina
O leitor não foi à Praça dos Três Poderes, talvez nem seja de Brasília, mas constitui, no debate sobre anistia, um “terceiro interessado”, para dizer como os advogados. Está fora, mas ela o afeta enormemente e não por motivos jurídicos, mas pelos mesmos que me levam a escrever este artigo, ou seja, razões cívicas, de natureza política no bom sentido dessa palavra.
Depois de tantas e tão recorrentes manifestações de ministros do STF contra a ideia da anistia aos presos e condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023, eu fico pensando se realmente não sabem que anistia é tarefa da política, com causas políticas e consequências políticas. Ou estão, de fato, dispostos a continuar fazendo política sem votos, apenas com suas canetas?
Se depender dos que, de parte a parte clamam, por justiça, jamais haverá anistia. Eu os leio e ouço diariamente. Uns sonham com julgar os julgadores; outros os apoiam incondicionalmente. Uns consideram os réus inocentes ou que sofrem penas excessivas, tratamento desumano e que a anistia seria uma admissão dos crimes. Outros, ainda falam das muitas esquisitices da eleição de 2022.
Diferentemente do que tenho lido, anistia não é esquecimento, como a palavra sugere. Esquecer, sumir da memória não são consequências de atos de vontade. A anistia de penas, diferentemente, se refere a um ato de vontade política materializado por lei editada pelo Congresso Nacional. Está no âmbito de sua exclusiva competência, que não é compartilhada nem compartilhável com qualquer outro poder. É por isso que mesmo quando o governo da União ou das unidades federadas querem conceder uma anistia tributária, ela só pode viger mediante aprovação de lei no respectivo parlamento.
Não envolvendo esquecimento, a anistia não terá o poder de fazer com que os condenados pelos atos do dia 8 de janeiro, os que tiveram suas vidas destroçadas, os que ainda pendem de julgamento esqueçam tudo por que passam. Ela tampouco faz cessar o trabalho dos historiadores. Ela simplesmente extingue as consequências penais do que aconteceu.
É bom lembrar que a Emenda Constitucional 26 de 1985, ao convocar a Assembleia Nacional Constituinte, reconheceu o perdão concedido a militantes e militares. Ela foi o ato fundador da nova ordem constitucional do país, cancelando as tentativas revisionistas tentadas à época por movimentos de esquerda. No STF, em seu voto sobre a questão (2010), o relator, ministro Eros Grau, afirmou (aqui *): “Reduzir a nada essa luta é tripudiar contra os que, com assombro e coragem, na hora certa, lutaram pela anistia. É a página mais vibrante de atividade democrática da nossa história.” Décadas mais tarde, a esquerda brasileira ainda tentaria abolir o ato quanto ao perdão concedido aos militares e reescrever a história com as pretensões da Comissão da Verdade.
Em artigo de abril de 2010, referindo-me às reivindicações da esquerda contra o caráter amplo da anistia concedida pelos atos de 1979 e 1985, escrevi e reafirmo perante o que hoje leio, vejo e ouço: “Assusto-me quando os que buscam isso dizem agir pelo Direito e pela Justiça, desconhecendo a importância da Política e o eminente valor moral, profundamente cristão, do perdão institucionalmente concedido. Há uma parcela da esquerda que foi perdoada por seus muitos crimes, mas não aprendeu a perdoar.”
* https://www.conjur.com.br/2010-abr-28/anistia-entrou-constituicao-antes-1988-ministro-eros-grau/
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
18/11/2024
Percival Puggina
Se há um sentimento comum entre os cidadãos brasileiros é o de sua insignificância na relação com o Estado. Fora os que dele dependem para os próprios fins, a imensa maioria se sente impotente e mal representada. Os partidos políticos, aos quais corresponderia a organização das opiniões com vistas à representação, abdicaram dessa tarefa para se tornarem, nacionalmente, instituições gelatinosas, coloidais, assumindo a forma determinada pelas conveniências pessoais dos parlamentares.
Em breve síntese: os cidadãos perceberam, com suficiência de exemplos, que multidões nas ruas e praças falam às árvores, aos pássaros, aos ventos, mas são mal ouvidos por aqueles que com maus olhos os veem. Outrora, chegaram a pensar que as redes sociais, embora caóticas quanto aos meios e quanto aos fins, eram a nova praça da democracia. No entanto, espontaneamente, as plataformas passaram a prestar serviços aos que têm a ideia fixa de acabar com elas sufocando-lhes a liberdade e a liberdade de seus usuários.
Paradoxal? Sim, mas há algo ainda mais ilógico e incongruente. Aqueles que dizem combater uma certa e não identificada organização extremista de direita e falam sobre ela sem cessar são a única organização que se pode ver atuando – e pelo lado oposto – à luz do dia, na penumbra dos sigilos e ao brilho dos castiçais nas noites elegantes dos donos do poder. “Que organização é essa?” – perguntará o leitor menos atento aos acontecimentos nacionais. Pondere ele o fato bem recente descrito a seguir.
Apesar da má qualidade da câmera, o vídeo que registrou os movimentos do “terrorista” do último dia 13 deixa indisfarçada a inabilidade, o amadorismo de suas ações e o modo canhestro como ele se movimentou na cena. Embora o fato merecesse, prioritariamente, atenção pericial e psiquiátrica do Estado, aquela ação tresloucada foi pendurada num organograma! E ele envolve o 8 de janeiro, um tal golpe de estado, extremismo de direita, terrorismo, discurso de ódio, fake news e claro, decididamente, tudo sem direito à anistia.
Tenho imensa dificuldade de discernir o que uma coisa tem a ver com a outra. Não obstante, para surpresa geral da nação, a conexão é repetida com insistência pedagógica goebbeliana pelos que mandam no governo federal, pelos que neutralizam a representação política no Congresso Nacional, pelos mais falantes do STF e pelos veículos da velha e decadente imprensa.
A propósito, o que a anistia tem a ver com o senhor Francisco, também conhecido como Tio França? O cidadão comum percebe onde está palpável, visível, em alto relevo, a presença de uma organização e percebe que o acontecimento do dia 13 se dispersa na volatilidade de um impulso individual e desordenado.
O muito que tem sido dito sobre esse achado na improvável cartola dos acontecimentos é um claro exemplo de que só há uma organização política operando eficazmente no Brasil e ela é de esquerda, bem radical.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
14/11/2024
Percival Puggina
Mergulhado em sufocante acúmulo de atribuições e demandas, o STF escolheu a próxima sexta-feira (15/11), mesmo dia da semana em que Jesus foi crucificado, para início do plenário virtual que colherá votos dos ministros sobre se o crucifixo exaltado em nicho próprio na sala de sessões permanecerá ou será removido. O período de votação se encerra no dia 26. Barrabás, salvo engano, foi “inocentado”; o que acontecerá, agora, com a memória do Crucificado? A decisão que o Supremo adotar terá repercussão geral, ou seja, valerá para todos os crucifixos em paredes públicas do país.
O politicamente correto é uma estratégia de congelamento da divergência com duas consequências totalitárias. Na mais visível, constrange quem tenha outras ideias a meter a viola no saco. Na menos visível, alinha-se com o igualitarismo coletivista, transformando toda expressão de diferença em preconceito. Se você tirar o suco ou fizer um destilado do “politicamente correto”, o que vai gotejar é o cancelamento do cristianismo e suas referências, transformados em alvos preferenciais.
A pergunta que me faço é: por que parar no crucifixo e não ir em frente, acabando com feriados religiosos, procissões, romarias, missas campais, toque de sinos? Pelas mesmas elevadas razões, por que não renomear todos os estados, municípios, ruas e acidentes geográficos que mencionam santos ou objetos de devoção? Meu Deus, como isso fica parecido com as revoluções francesa e russa! Sim, sim, aqueles fanáticos, com iguais motivos, fizeram coisas desse tipo.
Pergunto: locais públicos, mesmo num país em que 90% da população é cristã, devem ser pagãos como banheiro de aeroporto? Alega-se que se o Estado é laico, o crucifixo em local público é inconstitucional e o dedo da Constituição estaria apontando para ele, mandando arrancá-lo dali. Esquece-se que desde a Constituição de 1891 os preceitos constitucionais sobre a separação entre Igreja e Estado foram deliberados pelos redatores de nossas sete Cartas, majoritariamente cristãos! Ela é concepção da maioria e não é conquista de alguém. Podem sossegar o facho. O país nada deve ao iluminismo temporão!
De cada cem pessoas que veem crucifixos em tribunais e parlamentos, quantas ficam dispneicas, taquicardíacas ou entram em sudorese se veem um crucifixo? Nenhuma? Pois é. E quantas – na real, sem exageros – se sentirão pessoalmente injuriadas por aquele símbolo? Pois é, de novo. Perante símbolos religiosos – quaisquer símbolos, de qualquer religião! –, pessoas normais reagem com respeito ou com indiferença. Indignação, revolta, alergia escapam à normalidade.
Os adversários dos crucifixos referem-no, mas focam, lá na frente, os princípios, valores e tradições que lhe são implícitos. Muitos, como os relacionados à defesa da vida, à dignidade e aos direitos humanos, às liberdades, à família, compõem convicções constitucionalizadas no Brasil e se refletem em deliberações legislativas. É contra esse alvo que a militância “progressista” está declarando guerra e rufando tambores.
Em nome do laicismo estatal, num país onde mais de 90% dos cidadãos professam alguma religião cristã, pretendem retirar um símbolo que para esse mesmo povo representa o amor de Deus, o amor ao próximo, a Redenção e os mais elevados valores que deveriam iluminar as decisões e a justiça dos homens. Se o fizerem, deixem ao menos o nicho e o prego para memória do que foi feito.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
09/11/2024
Percival Puggina
Três pilares sustentam uma construção. Quatro fazem-no ainda mais facilmente. Com apenas dois pilares só dá para fazer uma ponte ou algo com jeito de ponte. Num único pilar, pode-se colar um cartaz, apoiar as costas ou fazer alongamento de pernas.
São quatro os melhores pilares para suporte de uma boa ordem social: família, religião, escola e instituições políticas. No Brasil, há longo tempo, todas vêm sendo atacadas por grupos que agem com motivação política, ideológica, partidária e/ou econômica.
A instituição familiar tornou-se objeto de sistemática desvalorização. As uniões são instáveis e os casamentos, quando chegam a acontecer, duram, em média, 13,8 anos (em queda). Mulheres sem cônjuge são chefes de 12% das famílias brasileiras. Há um divórcio para cada dois casamentos. Vinte por cento dos casais não têm filhos. Estou falando apenas em estatísticas, sem aprofundar na análise da nebulosa qualidade dos laços e do exercício das funções parentais. É sabido, porém, que tais funções padecem na desordem dos costumes que tanto afeta a vida social nas últimas décadas. E vai-se o primeiro pilar.
A religião enfrenta notória redução de sua influência. Correntes políticas que perceberam ser impossível destruir a civilização ocidental sem revogar a influência do cristianismo atacam as religiões cristãs declarando o direito de opinião e o exercício da cidadania territórios interditos a quem tenha convicções decorrentes de fé religiosa. E o fazem em nome da laicidade do Estado. Com esse truque, reservam apenas para si o direito de opinar e intervir em relevantíssimas questões sociais e morais e encontram idiotas que julgam isso muito adequado... As mesmíssimas correntes agem de modo perversor na Igreja Católica através da Teologia da Libertação e nas evangélicas, ao que me contam, através da Teologia da Missão Integral. E vai-se o segundo pilar.
A escola e o controle das funções educacionais foram tomados por militantes mais ocupados em conquistar adeptos às causas revolucionárias do que em trabalhar talentos e habilidades para que os jovens tenham participação produtiva e ativa na vida social. Com isso, oportunidades são dissipadas pela mais rasa ignorância, nutrindo frustrações e revoltas. Professores que respondem por essa realidade reverenciam Paulo Freire e sua pedagogia do oprimido que outra coisa não é senão a definitiva opressão pela pedagogia. Outro dia, um conhecido me contava de certo jovem seu parente que, aos 18 anos, sem ser imbecil, egresso do sistema de ensino, não sabia os meses do ano. Isso é opressão. E vai-se o terceiro pilar.
As instituições políticas afundam no bioma pantanoso da corrupção e do descrédito. Não apenas pesam dolorosamente nos ombros magros de uma sociedade empobrecida. Fazem questão, por palavras e obras, de deixar claro o quanto os píncaros dos três poderes existem para reciprocamente se protegerem. Vai-se, então, o quarto pilar. E ficamos, todos os demais brasileiros, pendurados no pincel.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
06/11/2024
Percival Puggina
No momento em que escrevo estas linhas, Trump conta 72 milhões de votos (cinco milhões a mais do que Harris) e faz maioria na Câmara e no Senado norte-americanos. Na linguagem popular, faz barba, cabelo e bigode, mas não apenas isso, pois viabilizou-me o direito de acompanhar, passo a passo, a mudança da expressão corporal e fisionômica dos repórteres e comentaristas da CNN e da Globo News. Embora assistindo à marcha da apuração pelo canal da Revista Oeste enquanto a noite avançava, de vez em quando ia apreciar o nervosismo tomando conta da militância de estúdio que faz boa parte do – assim dito – jornalismo brasileiro. O recado das urnas proporcionou gradual e fragorosa demolição das expectativas com que o pessoal havia iniciado aquela longa jornada de informação com torcida.
A verdade é que no espaço de meus próprios sentimentos, comecei e terminei a noite com uma sensação ambígua. Impossível negar que a vitória de Trump veio acompanhada de uma certa inquietação. Ainda neste momento, entardecer do dia 6 de novembro, eu me pergunto: “Como é possível que Kamala Harris tenha levado o voto de 48% dos eleitores norte-americanos? Como é possível que mais de sessenta milhões de cidadãos tenham se deixado enrolar nesse discursinho do falso progressismo e do lero-lero woke?”.
Algo muito semelhante, aliás, causou-me, na eleição municipal de Porto Alegre, saber que a candidata do PT, partido que, este sim, experimentou fragorosa derrota nacional na eleição deste ano, recebeu o voto de 40% dos eleitores da capital gaúcha. Como pode?
Praticamente todas as bandeiras que nós, brasileiros, identificamos como sendo “de extrema esquerda”, são importadas dos Estados Unidos sem pagar imposto. Não existe alíquota para lixo ideológico. Então, é de lá que vem essa pretensão de controlar a palavra dos outros, o “lugar de fala”, o que pode e o que não pode ser dito, o que pode e o que não pode ser publicado ou lido e qual a “narrativa” histórica que pode ser ensinada. A extraordinária herança cultural do Ocidente deve ser “desconstruída” para geração de uma sociedade de “flocos de neve” inspirada em ideias de inclusão, acolhimento, aceitação, bondade e justiça. Seus produtos efetivos são as políticas de exclusão, cancelamento, rejeição, ódio, injustiça e cada um no seu quadrado identitário...
Não é isso o que você vê? E provavelmente já percebeu que, levada à sala de aula, a receita acabou com a educação em nosso país, fazendo sumir o futuro de pelo menos duas gerações de brasileiros. O Brasil, hoje, tem uma indústria desatualizada, um setor de serviços empobrecido por carências técnicas e tecnológicas; nossa maior riqueza é a que provém da extração dos recursos que Deus nos proporcionou como dádivas da natureza porque os recursos humanos foram capturados pelo atraso do falso progressismo.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
04/11/2024
Percival Puggina
Todo dia, milhões de estudantes são acolhidos nas salas de aula por professores dedicados ao desenvolvimento das potencialidades inerentes às crianças, adolescentes e jovens que lhes são confiados. Um número muito maior, porém, está bem mais interessado na conscientização para a militância política e em proporcionar sentimentos de inveja e revolta. Enquanto negam a seus alunos o mais valioso e precioso crédito (à educação de verdade) acenam-lhes com um futuro de poder e créditos a serem pagos pelos alunos dos bons professores.
Os professores brasileiros ganham pouco? A grande maioria ganha pouco, sim, mas os alunos desses professores nada têm a ver com isso e não merecem se converter no estuário de aflições e, menos ainda, de perniciosas opções ideológicas.
Sei que são duras estas palavras, mas se tornou um flagelo nacional o volume das notícias que vêm das salas de aula. Dói na alma saber que em 2022, 70% dos 97 milhões de trabalhadores brasileiros ganhavam até dois salários mínimos. Eram 65 milhões de cidadãos! Dói na alma saber que 58 milhões de brasileiros recebem algum tipo de pagamento diretamente do Estado (que, não por acaso, paga pouco para muitos e muito para poucos).
Como é possível que, diante dessa realidade, tantos não batam no próprio peito? Em vez disso, enchem as próprias cabeças e as da juventude com ideias de que disciplina, hierarquia e autoridade são formas de opressão, assim como linguagem culta e ciências são formas de colonização.
Tira o sono de todo cidadão consciente saber que o desejo de uma nação próspera e amável tropeça na realidade das salas de aula que despejam no mercado de trabalho jovens cujas competências valham tão pouco ou não encontrem quem lhes atribua algum valor.
Ao tempo em que frequentei bancos escolares, sempre em escolas públicas, nos anos 50 e 60 do século passado, as coisas não eram assim. Estudava-se para valer, havia provas mensais, deveres de casa e, claro, disciplina, linguagem culta, amor à pátria, hábitos necessários de leitura e uma cultura de que se construía o futuro com estudo e trabalho.
Sob a capa de uma falsa superioridade moral, oculta-se a mais perversa conspiração enfrentada pelo Brasil desde seus primeiros registros nos livros de História. Enquanto aspiram o conforto nos andares mais altos no pódio do poder, os conspiradores se beneficiam da pobreza e da ignorância que promovem.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
28/10/2024
Percival Puggina
Quantas vezes na vida você ouviu esse bordão? No debate político e na gestão pública ele é uma espécie de chá de erva-doce. Serve para tudo e traz, consigo, a fórmula do bem estar. As três palavras podem ser associadas a uma penca de demandas: Educação, Saúde, Transporte, e por aí vai, pela avenida, o bloco da esquerda delirante.
Dito isso, a título de preâmbulo, eu o convido, amigo leitor, a pensar sobre onde já topou com algo público, gratuito e de qualidade. Como diria o saudoso Padre Quevedo: “Isso non ecziste!”, é lenda. Realmente não pode existir pois, para haver algo assim necessário voluntariado e doações que, não por acaso, só existem no setor privado.
O que o setor público realmente quer é dinheiro – privado, suado, e em quantidade. Tudo que ele oferece é custeado por robusto conjunto de taxas, impostos, multas e “contribuições” compulsórias que compõem o emaranhado fiscal do país. Tudo que ele entrega vem marcado por deficiências qualitativas e encarecido por médias salariais superiores aos padrões das atividades privadas.
O Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) examina a educação básica de 81 países. No PISA de 2023, os estudantes brasileiros obtiveram o 65º lugar em Matemática, 52º em Leitura e 62º em Ciências. É assim que estamos no ponto de partida para o acesso a esse bem tão indispensável ao desenvolvimento humano e à realização, tão plena quanto possível, das potencialidades individuais. O Índice de Capital Humano do Banco Mundial mede o potencial econômico dos cidadãos de 157 países. O Brasil ficou (2020) no lugar 91º, empatado com Samoa e El Salvador. O setor público atende 72% da demanda nacional por ensino fundamental, 83% do ensino médio e 26% do ensino superior.
Sindicatos de professores disponibilizam muita informação para explicar que o mau desempenho de nossos alunos tem a ver com a falta de recursos e os baixos salários, gerando resultados que alimentam preconceitos contra os educadores nacionais. Essas avaliações esquecem que o Brasil, apesar de alternar entre o 8º e o 9º lugar entre as maiores economias do mundo, é um país pobre porque a riqueza não é medida pelo Produto Interno Bruto total, mas pelo quociente entre o PIB total e a população. Aí, no PIB per capita, o Brasil vai para a 76ª posição.
A maior riqueza de um país é seu capital humano, é a riqueza “instalada” nas pessoas em forma de saber, competências, habilidades, experiências, etc. Por isso, quando um governo decide acabar com as escolas cívico-militares porque o “foco na disciplina inibe a consciência crítica e a criatividade” eu sinto vontade de gritar aos ouvidos paulofreireanos do mundo acadêmico nacional: “Entre 20países do ranking da OCDE que mede criatividade dos estudantes (uma área específica do programa PISA), ficamos em 49ª posição!” Esse é o nível da “criatividade” da escola pública convencional, que não é nem cívico nem militar...
Os dados sobre desempenho dos alunos nessas escolas são ditos “inconclusivos”, pelos sindicalistas, embora até eles reconheçam que esse modelo proporciona ganhos significativos em segurança externa, redução das formas internas de violência e evasão escolar. Alegam, no entanto, que elas não são compatíveis com a “gestão democrática”. Como não, se são uma decisão da própria comunidade? Democrático, então, senhores litigantes de má fé, é rejeitar uma livre decisão amplamente majoritária das comunidades escolares sobre a educação de suas crianças num ambiente com maior segurança, menor violência, mais foco no aprendizado e menor evasão escolar?
Se a cobrança de disciplina e bons hábitos fosse um mal, o que explicaria a criatividade do povo do Japão, onde até a limpeza de muitas escolas é imposta aos estudantes?
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
21/10/2024
Percival Puggina
Mencionei em artigo anterior que meus colegas de esquerda nos anos 60 eram leitores ávidos de autores como Michel Foucault, Herbert Marcuse e Theodor Adorno. A iletrada juventude de esquerda radical, hoje militante no ambiente acadêmico, político e jurídico brasileiro, está chegando onde meus colegas agora octogenários haviam chegado em suas leituras dos anos 60. Como nada leram, surgem com esse enorme atraso querendo “empurrar a História” para o lado errado e fora de hora.
Em condições normais, o intelecto humano funciona movido pela curiosidade, com o objetivo de saber; funciona para resolver algo, espantar uma dúvida ou corrigir um erro. As perguntas que faço aos herdeiros de ideias antigas e sabidamente funestas: como vocês fazem para não saber o que aconteceu de lá para cá? Que espécie de conhecimento é esse, no qual as ideias se desconectam de suas aplicações ao mundo dos fatos e, portanto, da História?
Três anos antes do Maio de 1968 (rebelião iniciada pelos estudantes franceses na Universidade de Paris), o filósofo Herbert Marcuse escreveu um pequeno ensaio com o título “Tolerância Repressiva” (aqui). Em resumo, ele sustenta que a tolerância, como objetivo, exige intolerância. Diz assim o pensador alemão:
“Essa tolerância indiscriminada é justificada em debates inofensivos, em conversas, em discussões acadêmicas; é indispensável na empresa científica, na religião privada. Mas a sociedade não pode ser indiscriminatória onde a pacificação da existência, onde a sua liberdade e felicidade estão em jogo: aqui, certas coisas não podem ser ditas, certas ideias não podem ser expressas, certas orientações políticas não podem ser sugeridas, certos comportamentos não podem ser permitidos sem fazer da tolerância um instrumento para a manutenção da submissão abjeta”.
Um pouco adiante, Marcuse afirma: “Mais ainda, em intermináveis debates nos meios de comunicação, a opinião estúpida é tratada com o mesmo respeito que a inteligente, o mal informado pode falar tanto quanto o desinformado, a propaganda cavalga a par da educação, e a verdade, a par da falsidade”.
Na perspectiva de Marcuse, era indispensável à sociedade reprimir as ideias do sistema que ele considerava opressivo e favorecer as “progressistas”, que seriam efetiva e finalmente libertadoras... A leitura desse seu ensaio sobre a tolerância repressiva se revela útil para entender o processo em curso em nosso país, quando se observa a repressão às ideias conservadoras e os crescentes privilégios concedidos ao pensamento revolucionário e a seus protagonistas.
Vem daí, por exemplo, o empenho em controlar e o efetivo controle das redes sociais onde se fez óbvia a hegemonia dos conservadores. Vem daí o “politicamente correto” e o domínio da linguagem, como se observa na imposição da ideologia de gênero e na recentíssima adoção de “parturiente” em substituição a palavra “mãe”. Vem daí a recepção de calouros numa universidade por veteranos nus sendo acolhida como performance adequada; e vem daí, em viés oposto, a ação do MPPE contra alunos, de outra instituição, que rezam no intervalo entre aulas. Vem daí a construção acadêmica de narrativas para desconectar as ideias políticas do estrago que produziram na História. Vem daí o combate às escolas cívico-militares, a acepção de princípios e valores morais do pensamento conservador como discursos de ódio e a adoção generalizada das políticas de cancelamento de toda divergência e de todo divergente do pensamento esquerdista. Vem daí Lula presidente da República.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
15/10/2024Percival Puggina
Temos razões mais do que suficientes para entender o contrário quando os porta-vozes do lulopetismo dizem que seus péssimos resultados nas eleições municipais nada têm a ver com o pleito nacional de 2026. O grupo político que governa o país de modo cada vez menos compreensível nunca diz o que pensa. Sempre que se manifesta, conta uma narrativa montada em laboratório. Quando seus líderes afirmam: “Esses números de agora nada representam para 2026”, estão, na verdade, contando contos para burros tontos.
Mesmo com a força das redes sociais drasticamente reduzida pelas canetas do poder e pelo esquerdismo voluntário das plataformas, a maior força política brasileira não é a direita, mas o antipetismo onde esta se inclui. É ele, o antipetismo, que agrega a direita e boa parte do centro do arco ideológico. O centro a que me refiro não é o Centrão, esse grupo de siglas ocas e balofas que envergonham a simples ideia sobre o que seja partido político. Verdadeiras colchas de retalhos, parecem caleidoscópios sensíveis aos interesses de cada dia. São uma conversa contínua e nada meritória entre meios e fins. Corrijo-me: sobre meios sem fim. Quem vive de emendas não se emenda, nem se recomenda.
Quando falo do centro do arco ideológico, penso principalmente nos cidadãos que sabem o que não querem (a esquerda, seus métodos e objetivos), mas não receberam informação suficiente e fundamentada sobre os meios para livrar o Brasil de seus males atuais. Por isso, dediquei um quarto de século de minha atividade partidária aqui no Rio Grande do Sul à formação de lideranças jovens que hoje exercem papel relevante na vida municipal, estadual e nacional. Partido que não faça isso é cartório, clube, lojinha. Tudo, menos partido político. Fora da vida partidária desde 2013, continuo a cuidar disso sempre que sento para escrever.
O antipetismo está em posição amplamente favorável para 2026 porque os dois primeiros anos do lulismo foram abundantes para reforçar sua rejeição pelos eleitores que, como admitiu Lula penitente – “ganham mais de dois salários mínimos e não querem mais votar na gente”. Até hoje, foi amplo o mostruário dos defeitos.
De um lado: incapacidade administrativa, uso sistemático dos recursos dos cidadãos para comprar apoio parlamentar, arcabouço fiscal perdulário para gastar dinheiro que não existe, perda de poder aquisitivo dos salários, aparelhamento da administração pública.
De outro, a máquina petista apoia e celebra a complacência do Congresso perante os já longos anos de sujeição da sociedade à crescente juristocracia e à perda de direitos fundamentais, censura, prisões políticas e exílio.
De outro ainda, foram anos de nanismo à dimensão internacional do Brasil, com persistentes apoios ao terrorismo, ditaduras, antissemitismo e à escória da política mundial.
Chavões e xingamentos, incongruências e narrativas, políticas de cancelamento da divergência e autolouvações já não resolvem o problema da esquerda.
Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.