Percival Puggina
28/06/2025
Percival Puggina
Facilmente se pode entender que alguém, técnico, jornalista, político ou pessoa do mundo do Direito, em qualquer país, regime ou idioma, expresse uma opinião ou tome uma atitude equivocada. O erro é inerente à natureza humana. Quem sabe mais erra menos; quem sabe menos erra mais. Aprende-se dos erros de quem erra querendo acertar. Estas observações, intuitivas a quem seja medianamente esclarecido, encontram barreira irremovível em todo Robespierre temporão que se considere editor-chefe das verdades nacionais e passe a tratar a divergência como inimiga pessoal, incidindo sobre ela a mão pesada do Estado.
Se errar é humano, como ensina a sabedoria popular com arraigada experiência individual e coletiva, não errar é divino. Certo? Em vista disso, a história dos povos tem o mau hábito de gerar, aqui e ali – não em gruta, como a de Belém, mas em palácios de areia – falsos deuses que reivindicam à plebe peregrina homenagens com incenso, ouro e mirra.
Enquanto, por um lado, podemos aceitar os erros próprios e alheios provenientes de sincero empenho em acertar, por outro, não são moralmente toleráveis os que, quando praticados, deixam rastros de vergonha e deformidade, dores e lágrimas. Produzem surtos de aflição e epidemias de desalento.
A história não guarda bom registro desses tiranos. Todos comungaram na mesa do uso abusivo, excessivo, individualista e sádico do próprio poder. Não há para eles qualquer “memorial da pátria reconhecida”. Nenhum panteão guarda o pó em que se consumiu sua vaidade.
Observei atentamente certos tiranos da contemporaneidade. Alguns já passaram. Outros estão por aí. Aprendi sobre eles. A vaidade que sentem está na razão direta da pequenez de seus corações e da feiura de seus pensamentos. A coragem que cuidam de ostentar é filha da fraqueza interior. O medo que causam nasce do medo que sentem. O ódio que os alimenta é proporcional ao amor que não inspiram. Sabem o quanto são falsos os elogios dos cortesãos. São louvações que não consolam, mas aviltam; que não alegram, mas deprimem.
Também seus povos são povos tristes. Não é assim no reino do verdadeiro Deus, cujo jugo é suave e cujo fardo é leve.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
21/06/2025
Percival Puggina
No giro do planeta, do Oriente para o Ocidente, a humanidade recepcionou a magna virada do calendário para o ano 2000. Privilégio de quem viveu aquelas horas em que mudava o ano, o século e a contagem dos milênios! Se alguém me dissesse então, entre abraços, festejos e orações de ação de graças, que o petismo, nos 26 anos seguintes, iria eleger o presidente da República por cinco vezes, para cumprir 20 anos de mandato, eu o chamaria de urubu maluco e estraga prazeres.
Quarenta anos escrevendo e falando sobre política, 30 anos de intensa vida partidária que encerrei em 2013 e experiência eleitoral como candidato e parlamentar fizeram com que tivesse duas prioridades nesse longo período: a formação política da juventude do meu partido no Rio Grande do Sul e a reforma do sistema político nacional. Se fui bem sucedido no primeiro, não o fui no segundo. Nosso modelo político é ficha suja, irrecuperavelmente suja, e todas as mudanças introduzidas desde 1988 só serviram para torná-lo pior. Sei o quanto é difícil conscientizar as pessoas sobre esse tema e com quanto pesar faço tal constatação.
Sempre vi nesse tópico, portanto, o grande erro dos constituintes de 1988. Em três anos, a Nova República de 1985 reproduziu o erro essencial da velha. Como resultado, a Constituição Cidadã consumiu o Brasil. Vitimou a nação. Abriu espaço para a afirmação de legendas que não valendo o quanto gastam precisam gastar sempre mais. Representando o Brasil na recente reunião do G7, Lula é a fisionomia desses anos todos – Estado esbanjador de uma nação indigente e desvalida.
Vivem-se momentos de angústia. É como se a bússola do poder político perdesse o Norte ou, em palavras mais simples, se desnorteasse, atraída por outros campos magnéticos, no caso, pelo Supremo Tribunal Federal. Em português do cotidiano: o poder mudou de mãos. As questões de maior interesse cívico são assumidas por quem passou a “fazer política” de modo proativo, sem unção popular.
Exatamente por não depender de voto, é visível a inaptidão desse poder para lidar com as peças que se movem no tabuleiro da política, principalmente com a opinião pública, com a cidadania, com o povo. Quanto mais essa atuação pisa no acelerador, mais se eleva a necessidade de autoproteção e mais o autointeresse é parte das decisões tomadas por esse poder, relativizando preceitos e direitos alheios. Todo o esforço em conter a livre expressão das opiniões, sem a qual não há democracia, tem por objetivo impedir o desenvolvimento dessa consciência no âmbito individual e social.
Malgrado meu confessado desalento com a Constituição de 1988 e com os partidos que ela viabilizou, afirmo, parafraseando um amigo: mil vezes a Carta dos constituintes, às jurisprudências da Corte; e acrescento: mil vezes a política dos políticos à política dos juízes, que esta nos deixa sem nenhum dos dois! O ano de 2026 é logo ali adiante.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina (com conteúdo reproduzido de Passos de Cambio)
18/06/2025Percival Puggina (com conteúdo reproduzido de Passos de Cambio)
Nota do editor: O infelicitado povo cubano, como se verá adiante, sonha com saídas para um regime semelhante a este por onde estamos sendo conduzidos. Lá, a primazia do Estado sobre a sociedade, a supressão de direitos individuais, a censura, o direito penal do inimigo e a falta de liberdade já contam 66 anos. E aqui, vamos em frente, passo a passo, renunciando à Liberdade e à Democracia?
MOBILIZAÇÃO CIDADÃ PELA DEMOCRACIA EM CUBA
Passos de Cambio
18 de junho de 2025 – A plataforma Pasos de Cambio anunciou hoje a publicação das Diretrizes para a Mobilização Cidadã, um resumo executivo das propostas comuns e ações mais eficazes apresentadas por organizações e cidadãos cubanos dentro e fora da ilha para alcançar uma transição democrática.
O documento descreve as etapas do roteiro para a mudança e inclui diretrizes para a desobediência civil não violenta, pressão internacional coordenada, organização local e fortalecimento da mídia livre e da unidade do movimento democrático. É o resultado do apelo anunciado pelo líder da União Patriótica de Cuba (UNPACU), José Daniel Ferrer — atualmente preso político — da qual participaram centenas de organizações e indivíduos signatários do Acordo para a Democracia.
"Os recentes protestos estudantis e os atuais protestos civis confirmam que os cubanos já estão mobilizados, prontos e determinados a alcançar mudanças", explicou Rosa María Payá, diretora executiva da Fundação para a Democracia Pan-Americana. "Estamos disponibilizando estas propostas, que emanam de organizações civis e cidadãos e que traçam o possível caminho para a democracia, a todos os cubanos."
"Esta compilação é um testemunho da resiliência e da sede de mudança do povo cubano", disse Alian Collazo, líder da Marcha pela Liberdade Cubana. "Reflete uma vontade coletiva de romper com a miséria e a repressão. Nossa missão é dar visibilidade e forma a esta busca por um futuro em liberdade."
Nos últimos dias, grupos de jovens paralisaram salas de aula universitárias exigindo tarifas justas para o acesso à internet. Seu manifesto denuncia o assédio e a criminalização do livre pensamento e reivindica o direito do povo cubano de decidir.
Pasos de Cambio convida jornalistas, organizações de direitos humanos e a comunidade internacional a ler e divulgar o resumo, disponível aqui, e a apoiar as aspirações e estratégias do povo cubano em sua luta pela liberdade.
Sobre Pasos de Cambio
Pasos de Cambio é uma plataforma de organizações cubanas, tanto na ilha quanto no exílio, signatárias do Acordo para a Democracia, que serve como um espaço para compartilhar ações que visam promover uma transição pacífica para a democracia em Cuba.
Contato com a imprensa
Pasos de Cambio - info@pasosdecambio.com
Percival Puggina
14/06/2025Percival Puggina
Poucos homens são suficientemente sábios para aprender, na observação dos acontecimentos de seu tempo, lições cuja validade se impõe durante os séculos seguintes. O inglês Edmond Burke foi um deles.
O caos ainda não se instalara completamente. A Assembleia Constituinte francesa já revelara, porém, sua intenção de demolir as instituições do Antigo Regime. Somente mais tarde o sangue iria marcar para sempre o solo da Place de la Concorde. Burke, contudo, já escrevia e publicava, em 1790, sua obra mais notável: “Reflexões sobre a revolução na França”. O que aconteceu naquele fim de século merece capítulo especial no cadastro mundial das insanidades. Ao mesmo tempo, é festejado berço da mentalidade revolucionária que ainda hoje causa alvoroço em muita gente doida e dano severo à vida de tantos povos.
Quantas vezes li que grandes mudanças para melhor não acontecem sem derramamento de sangue! Uau! Quem o propõe jamais cogita do próprio sacrifício. Sua sede é de sangue alheio e, se possível, em pouca quantidade para não ser repulsivo perante a História. Consultem os povos que viveram revoluções sangrentas. Perguntem aos russos de 1917 se valeu a pena derramar o sangue da família Romanov. Perguntem o mesmo às vítimas do comunismo chinês e às dezenas de milhões que sucumbiram à fome e à violência impostos por Mao Tsé-Tung.
Façam isso, também, no Camboja, no Laos, no Vietnã e na Coreia do Norte. Perguntem às vítimas da revolução em Cuba, às do sandinismo na Nicarágua e às do bolivarianismo na Venezuela. Noutra de suas faces, a desumanidade dos totalitarismos regados com sangrias revolucionárias e liberticidas, se expressa na pergunta: seus povos vivem melhor hoje do que viviam então? As respostas farão você chorar de comiseração.
Nada que tenha algo a ver com democracia pode ser aprendido das lideranças chinesas, russas, iranianas, venezuelanas, cubanas ou nicaraguenses! Nem de quem for adversário da liberdade de expressão, como a Organização Comunistas Sem Fronteira (também conhecida por Foro de São Paulo) ou o Sul Global. Muitos dos males que nos atormentam resultam de realidades que, antes, nos recusamos a ver.
Entre elas, nosso modelo institucional ficha suja, porque dinheirista e mercantil, que piora a cada oportunidade de promover alguma retificação e se constitui numa usina de más possibilidades. Na sua versão 2025/2026, turbinada, esse modelo já jogou a liberdade e a democracia para o acostamento e seguiu em frente, negando assistência às vítimas. Não desista da política porque se desistir, você passa a ser um problema resolvido.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
08/06/2025
Percival Puggina
Numerosas forças malignas, estruturadas, agem à custa da sociedade brasileira mediante atividades criminosas que contam com retaguarda jurídica e vanguarda política. Em dezembro do ano passado, dados de 2022, divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública estimaram em R$ 146 bilhões os ganhos anuais do crime com a exploração de vários produtos.
No período de julho 2023 a julho 2024, o faturamento com celulares roubados chegou a R$ 22,7 bilhões. Numa investida que causa quase cinco mil vítimas por hora, os golpes virtuais arrecadaram R$ 46 bilhões. A venda de drogas ilícitas chega a R$ 30 bilhões. É dessa magnitude a atividade das muitas facções nascidas no Brasil e já disseminadas em países vizinhos na América do Sul, Estados Unidos e Europa. A força armada efetiva das duas maiores entre as 72 organizações criminosas existentes é estimada em quarenta mil homens no PCC (Primeiro Comando da Capital) e em 15 mil no CV (Comando Vermelho).
No mês passado, esteve em Brasília uma delegação dos EUA com o intuito de conseguir que nosso país mudasse de atitude e classificasse como terroristas as duas facções. Os visitantes não foram bem sucedidos junto ao nosso governo e o Consórcio Goebbels não deu bola para o assunto porque os visitantes eram americanos e você sabe que quem autoriza pagamentos não quer ouvir quem fale inglês. Em reuniões com uma equipe do Ministério da Justiça ficaram sabendo que a Lei nº13.260/2016 não permite essa classificação. Ela define como terroristas os atos motivados por “xenofobia e discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”, executados “com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
Observe o leitor que, pela lei brasileira, atos que causem terror, exponham a sociedade e afetem a paz, se tiverem objetivo político (!), não são atos terroristas... Mesmo assim, tanto os baderneiros do dia 8 de janeiro quanto os simples manifestantes, por serem supostamente de direita, foram ditos “terroristas” por todos aqueles a quem cabe guardar a Constituição e as leis.
O interesse norte-americano se explica. PCC e CV já operam em uma dúzia de seus 51 estados. Para destruí-los, é necessário combater suas organizações também aqui, no país que emite seus passaportes. Não seria totalmente impróprio dizer que no senso mais comum, são vistas como membros naturais das comunidades. E aí está a diferença: os EUA promovem ações internas e externas para combatê-las com o vigor com que combate mundialmente o terrorismo.
Também nosso desinteresse se explica. Nós normalizamos a situação! Somos receptivos, incorporamos as facções ao nosso convívio, transformadas em províncias autônomas, entregamos a elas partes de nosso território, testemunhamos sua atividade política e sua inserção nos poderes de Estado. Mencionamos suas siglas sem efetivamente pensar na malignidade dos monstros criados. Mesmo assim, especialistas em humanidades, de coração mole e cabeça dura, nos falam, desde o mundo da lua, para propor políticas fofas de acolhida e proteção humanitária das “províncias autônomas” capturadas pelo mundo do crime em todo o país.
Então, as facções queimam ônibus e outros bens públicos e privados, periodicamente bombardeiam delegacias de polícia, usam da violência para impor domínio territorial, tomam avenidas de assalto em movimentos de protesto, causam pânico, mas não... não são terroristas.
Para esse grupo que, por motivos diferentes, comanda os três poderes de Estado, terrorista pinta estátua com batom.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
07/06/2025
Percival Puggina
Desde o final do século passado, até 2011, fui mobilizado por uma intensa curiosidade sobre o comunismo cubano. Das mãos de Lula e Fidel Castro surgira o Foro de São Paulo, que eu chamava Organização Comunistas Sem Fronteiras e o protagonismo da esquerda radical se ampliava em ritmo acelerado. Para uso externo, o petismo é contra a meritocracia, mas não no âmbito do serviço ao partido; naquela época, viagens a Cuba e cursos de Medicina em Havana reconheciam e premiavam a militância mais aguerrida e efetiva. Camisetas do Che Guevara integravam o fardamento oficial em ações do MST, manifestações sindicais e movimentos estudantis.
Se o conhecimento da história do comunismo como regime tornava insanidade descolá-lo de suas consequências, os defensores da revolução cubana dispunham de uma “narrativa” que convertia a miséria da ilha em paraíso na terra, laranja de amostra que só não era mais do que perfeita por causa do “bloqueio ianque” (como se Cuba produzisse valor a exportar e tivesse recursos para importar).
Então, fui a Havana.
E voltei a ir. Escrevi o livro “Cuba a tragédia da utopia”, sobre a revolução e sobre a ilha. Estabeleci conexões que até hoje me mantêm informado. Fui novamente em 2011. Aos 60 anos da revolução, publiquei “A tragédia da utopia” (2019), obra distinguida com prefácio do amigo Ives Gandra da Silva Martins.
Depois disso, nunca mais voltei. Nem preciso. Pude observar na nossa própria história o passo a passo no rumo de uma tirania esquerdista. A tirania cubana iniciou com uma revolução, com sangue, e se firmou pelo cerceamento da liberdade e pela miséria que levou o povo à dependência total submissão ao Estado. A nossa começou pelo controle dos meios culturais. Com uma das mãos causa miséria, com a outra atira pequenas esmolas periódicas que criam a dependência. São o substituto da “libreta” que limita os gastos dos cidadãos da ilha.
Em Cuba, há um CDR (Comitê de Defesa da Revolução) em cada quarteirão do país controlando a vida de toda as famílias. Aqui, a tecnologia viabiliza algo bem mais eficiente no controle das redes sociais. A democracia de picadeiro, moda da esquerda, quer agora, olhos postos em 2026, ampliar sua abrangência pela submissão das plataformas. O medo do Estado e a desproteção dos cidadãos são os mesmos, aqui e em Cuba. Na Venezuela e no Irã. Na Nicarágua e na Coréia do Norte.
Tenho até hoje gravada na retina a expressão fisionômica de duas pessoas que encontrei na rua em Havana e com quem conversei enquanto tomávamos um cafezinho na cafeteria do Hotel Inglaterra. A primeira era uma guia de turismo a quem apresentei uma lista com nomes de periodistas independentes que queria entrevistar. Ela fez uma expressão de horror, olhou à volta e foi embora. A segunda, poucas horas depois, era um professor de medicina, católico, que me confessou suas dificuldades com o regime por que “ellos saben que solo el Señor es mi señor”. Quando lhe disse que havia telefonado para Oswaldo Payá, o principal dissidente cubano, meu entrevistado se levantou advertindo que eu certamente estava sendo seguido e implorou que não revelasse seu nome.
De fato, eu estava sendo seguido. No dia seguinte, enquanto almoçava no Il Gentiluomo com três dissidentes, dois policiais enormes, carregando uma imensa filmadora do tamanho deles, entraram no restaurante, instalaram-na, apontaram-na para nós e nos filmaram durante alguns minutos. Então, senti em mim, o medo que transfigurou a fisionomia dos dois infelizes cidadãos da véspera, o medo de quem não tem defesa perante a mão pesada e o comportamento implacável, inquisitorial, do Estado. Experimentei o suor escorrendo frio. Saí dali e fui à embaixada pedir socorro. Para quantos brasileiros não é mais novidade saber que tudo em sua vida depende do arbítrio de alguém que lhe quer fazer mal?
O que descrevo não é um perigo iminente. É um dado da realidade.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
04/06/2025
Percival Puggina
Sim, felicidade é uma convocação natural a todo ser humano. Todo mundo quer. É a mercadoria com maior clientela. Por felicidade, entra-se em fila de espera, se preciso for. No entanto, o maior equívoco daqueles que a buscam consiste em confundir felicidade com satisfação. Tenho certeza de que colocados, assim, lado a lado, os dois vocábulos – “satisfação” e “felicidade” –, salta aos olhos que seus conceitos são diferentes. Na vida prática, contudo, a confusão é permanente, é regra geral, com raras exceções.
Então, vejamos. “Satisfação” é o estado de espírito de quem desfruta de algo atraente aos sentidos: a música que nos agrada, o perfume certo, um pôr-do-sol sobre as águas, o prato predileto, o toque da pessoa amada. Há uma clara relação, pois, entre “satisfação” e um ou outro de nossos cinco sentidos, de modo que tal estado de espírito se relaciona diretamente com nossos instintos e gostos pessoais.
“Felicidade”, por seu turno, é o estado de espírito de quem encontrou o Bem. Não apenas uma “coisa boa”, mas “o” Bem. Refere-se a algo muito mais permanente do que a satisfação, que esta vale tanto quanto dura. O Bem, assim, com maiúscula, é substantivo ao passo que a palavra “bom” é usada, habitualmente, como adjetivo atribuído a algo.
Ora, todos somos igualmente vocacionados para a felicidade e para a felicidade eterna. Felicidade que não se projeta para a eternidade, felicidade que admite um horizonte final logo ali, não é felicidade verdadeira. Portanto, a felicidade só pode estar na eternidade de Deus ou, mais precisamente, no próprio Deus. Nas coisas que passam, se gastam ou são roídas pelas traças, jamais estará a felicidade, mas a mera satisfação; onde estiver a felicidade a satisfação perde muito de seu relevo.
O que torna especialmente difícil, na vida prática, perceber os desvios a que nos conduz a confusão entre felicidade e satisfação é a carga publicitária imposta pela natureza comercial dos meios de comunicação. Toda essa carga está empenhada em nos convencer de que seremos felizes consumindo ou fazendo “coisas boas”. E nunca interessada em indicar o Bem. Não raro, como se identificassem, nele, uma concorrência invisível, certos meios de comunicação tratam de firmar a confusão conceitual ridicularizando o Bem em suas manifestações. As conseqüências vitais a que ficamos expostos criam verdadeiro desvio de vocação (ou de função) pela vida afora, empurrando-nos a só buscar coisas boas, não raro em detrimento, aqui e agora, do eterno Bem.
Por isso, é importante que tenhamos vida além dos muros da comunicação social, com tempo para atividades que elevem o espírito, para convívio afetivo e cultivo das virtudes – fé, esperança e caridade – que estas conduzem ao Bem e, portanto, à felicidade. Ao menos, é assim que penso e sinto.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
31/05/2025
Percival Puggina
Tenho acompanhado com interesse as informações que vão chegando sobre a possível aplicação da Lei Magnitsky a autoridades brasileiras. A declaração do Secretário de Estado Marco Rubio, segundo quem “há grande possibilidade” de que isso aconteça, agita o noticiário. Animam-se quantos anseiam por algo que refreie a agressividade punitiva do tribunal penal instalado em Brasília, transparente, apenas, quanto às intenções. Ativaram-se, também, profissionais do jornalismo de delivery, dedicados a distribuir recadinhos públicos de ministros do Supremo.
Tem sido intenso o trabalho desses motoboys e motogirls da informação. Sim, há quem se preste aos zigue-zagues da vida na atividade de mensageria oficial e, depois, se poste diante das câmeras e microfones a papagaiar acriticamente recados anônimos jamais desmentidos. Quem os envia não poderia, por dever de ofício, dizer o que disse; quem os transmite não deveria, por dever de ofício, impor-se um ritual em que silenciar é consentir.
No caso da aplicação da Lei Magnitsky, considero haver exagero nas duas posições. Minha leitura da frase de Marco Rubio não é tão otimista. A expressão “grande possibilidade” não é o mesmo, por exemplo, que “logo estará na mesa do presidente” ou “discutem-se pequenos detalhes”, etc. Afinal, penso que o secretário foi prudente diante das expectativas. O ato não é automático e depende da avaliação de Trump.
Por outro lado, o caso não é adequado a alegações sobre soberania brasileira. Não se trata de uma questão judicial nem diplomática, mas estritamente política. Essa configuração do STF – surpresa! – se declarou uma corte política e passou a fazer política. Ora, a ninguém é dado, numa democracia, fazer política exigindo, de quem se lhe opõe, o tratamento devido a magistrado. Ninguém pode assumir protagonismo político e se proteger sob a toga, quando conveniente, nem usar dela em favor de objetivo político.
O que pode advir da Lei Magnitsky é consequência também política dessa atuação, inteiramente na esfera da soberania dos Estados Unidos, sem nenhuma interferência na nossa soberania. O Brasil poderia e deveria fazer algo assim em relação a Nicolás Maduro, por exemplo, como ato soberano nosso, proibindo-o de entrar no Brasil, em vez de o acolher com tapete vermelho e lhe dar conselhos sobre boas narrativas, como fez Lula. Pelas mãos do Poder Executivo (relações com Irã, China, Hamas, Hezbollah, Cuba, Venezuela, Nicarágua) e de decisões do STF em relação a empresas e cidadãos norte-americanos, o Brasil entrou em rota de conflito com os Estados Unidos.
O regime instalado aqui se tipifica pelo parlamento comandado por fantoches, pelos sigilos impostos ao que não convém tornar público ainda que a lei mande publicizar, pelas pesadas penas de multa e prisão e pela censura sobre o que o poder imperante não deseja ver propagado. Assim, a soberania brasileira controla as coisas aqui. Mas não pode impor controles além fronteiras.
* Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
Percival Puggina
24/05/2025
Percival Puggina
Em recente encontro casual com pequeno grupo de cidadãos interessados em questões nacionais, falávamos sobre a educação no Brasil. Ao ser mencionado o modelo das escolas cívico-militares, alguém perguntou, provocativamente: “São aquelas escolas que preparam militarezinhos para o Brasil?”. Aceitei a provocação e transcrevo aqui o que disse então.
Durante toda a minha vida ouvi ser repetida uma frase atribuída a Rui Barbosa, segundo a qual a pior das ditaturas seria a do judiciário porque dela não haveria a quem apelar. Mas onde – raios – já houve uma ditadura assim, sem voto nem legitimidade, nem força armada, nem patrocínio econômico interno ou de potência estrangeira?
Pouca sorte a nossa, pois acabamos por conhecer essa bizarrice na atualidade brasileira. O Brasil vive uma ditadura imposta pela Suprema Corte ao se tornar não apenas um poder político, mas o poder que determina os rumos da política nacional. Ela se manifesta em mostruário de arbitrariedades que partem de um pressuposto típico de política estudantil: a vitória da direita em 2018 teria colocado a democracia brasileira sob risco de um golpe de estado (risos na plateia).
Por meios próprios, o STF se ergueu à condição de poder político dominante, passando a supervisionar e a conter a expressão da opinião pública. Daí a censura, a censura prévia, o bloqueio de contas nas redes sociais, o controle dessas redes e das plataformas, a intimidação e submissão do parlamento, os casuísmos, as ameaças e o cerceamento de políticas aprovadas na eleição de 2018. Surgiram, até mesmo, três dogmas de fé: dogma da vacina que não vacina, dogma das sagradas urnas sem impressora (urnas com impressoras é uma ambição satânica) e dogma da imaculada vida pública de Lula.
Isso acontece em virtude do domínio exercido pela esquerda nos ambientes culturais, notadamente nas salas de aula, onde, afirma com razão José Dirceu, estão os corações e as mentes. Elas, de fato, não proporcionam bons cidadãos ao Brasil! Não proporcionam cidadãos responsáveis e que usem a liberdade com responsabilidade. Não proporciona estudantes que estudem porque disponibiliza professores que não estudaram e estão mais preocupados com preparar militantes políticos. Quanto mais burros melhor. Quanto menos amarem o país, melhor. Quanto menores e mais frágeis forem seus critérios morais, melhor.
Toda rejeição às escolas cívico-militares está em que elas operam no contrafluxo dessa atividade. Não formam militantezinhos, mas preparam melhores cidadãos, recurso humano de que a nação hoje é carente. Por isso, comprovado em tantas e tantas votações dentro das comunidades, é o modelo preferido e desejado pela imensa maioria dos pais. É isso que as escolas cívico-militares fazem e é por isso que a esquerda quer acabar com elas.
Percival Puggina (80) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.