• Percival Puggina
  • 21/09/2015
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TV POR ASSINATURA E ECONOMIA DE MERCADO À BRASILEIRA

 

 Outro dia, querendo confrontar-me, um interlocutor exclamou: "Ah, já vi que o senhor defende o Estado mínimo!". Retruquei: "Não sei de que você está falando. Eu só conheço Estado grande, enorme, mastodôntico. E, cá entre nós, ele não precisa que você o defenda porque faz isso muito bem com sua força, leis, regulações, monopólios e mais uma lista inesgotável de meios através dos quais intervém na nossa liberdade e toma nosso dinheiro. Não se aborreça comigo por tentar defendê-lo desse Estado espremedor".

 Diferentemente do que possa estar supondo o leitor destas linhas, não me conto entre os que esperam do mercado todas as soluções e as soluções para tudo. Não, não é isso que penso. Há tarefas que são típicas de Estado e a definição sobre quais sejam é polêmica. Independentemente desse debate necessário, tenho como certo que nós, brasileiros, somos tolerantes com o fato de que o Estado vai à contramão da modernidade, ampliando suas atribuições, seu poder e seus custos. Ele, que deveria estar se retraindo a meia dúzia de funções, se expande sem cessar. Para isso, nos trata como se fôssemos limões a espremer e descartar. Não satisfeito, quando os limões acabam,  passa a espremer a safra futura, e a outra, e a outra, garantindo que os limões do porvir já cheguem devidamente amassados.

 Tal compreensão da realidade não implica considerar o livre mercado como símbolo da perfeição. Não, o mercado não é perfeito. Frequentemente surgem nele distorções cuja correção, pelo próprio mercado, demanda tempo. Mas afirmo, sem qualquer dúvida, que intromissões reguladoras do Estado sobre o mercado nunca são mais eficientes do que as decisões dos consumidores.

Por exemplo: 90% do serviço de TV por assinatura, no Brasil, está em mãos de duas empresas e ambas adotam, além de preços excessivamente elevados, a respeito dos quais é impossível negociar (o que convenhamos, é uma prática antimercadológica, pois não há motivo pelo qual eu possa negociar na loja o preço de um sofá e não possa negociar o preço dos programas de TV que irei assistir sentado nele). Recentemente, não tendo interesse no "pacote HBO" da NET, solicitei cancelamento. Enquanto conversava com o atendente, tentei compor um menú contendo apenas aquilo que eu realmente gostaria de ter à disposição. Impossível. No cardápio do restaurante da TV por assinatura o consumidor não pode dar palpite. Não é permitido, sequer, trocar arroz à grega por batata suíça. A consequência é que todos, sem exceção, pagamos pelos serviços de TV por assinatura muito mais do que consumimos. Pagamos pelo muito que não vemos e o preço final resulta extorsivo.

Felizmente, a tecnologia que associa TV à internet proporcionou o surgimento da Netflix, serviço no qual, por menos de 20 reais/mês, se dispõe de vasto elenco de filmes e séries à livre escolha do cliente. Viva! O mercado está encontrando uma saída para os abusos das gigantes do setor, que passa a lutar contra esse inesperado intruso em mesa onde davam as cartas e jogavam de mão. A quem apelam, para conservar seus anéis nos dedos? Apelam ao Estado, meu amigo! Querem a ajuda do Estado para coibir a Netflix, forçando-a, por via tributária, a elevar seus custos e preços. Alguém tem dúvidas sobre o que fará a respeito o Estado máximo?

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 


fabrice del dongo -   22/09/2015 22:54:52

Estamos à mercê das agências governamentais “reguladoras” das concessionárias de serviços públicos, que representam, na teoria e na prática, os interesses dessas empresas e não defendem, como deveriam, o direito dos consumidores. Assim, elas agem como querem, por exemplo, nos impondo pacotes fechados como no caso da TV a cabo (no meu plano há uma profusão de canais esportivos que absolutamente não me interessam, mas fazem número). É também o caso das operadoras de telefonia que a ANATEL finge controlar e cuja situação, no caso dos celulares pré-pagos, é despudorada: Tim, Vivo, Claro, todas retêm créditos dos usuários com o artifício da validade por tempo determinado que, se não usados no prazo dado, são bloqueados de maneira que a continuidade do uso do telefone só é possível com a aquisição de novo crédito. Ora, na minha opinião, reter o crédito do usuário é não só uma arbitrariedade, mas configura empréstimo compulsório gratuito, mesmo que temporário e, no final, um crime contra a economia popular (somem-se os milhões de celulares pré-pagos). É o povão, sob a ditadura do mercado de telefonia e ausência do Estado, contribuindo para o desenvolvimento das grandes empresas. Ainda agora, essas operadoras estão cooptando deputados (atenção para o ex-sindicalista Berzoinev!) para que também providenciem projetos de cobrança do whatsapp, um concorrente e tanto (até ligações internacionais gratuitas, uma beleza!).

Sérgio Alcântara, Canguçu RS -   22/09/2015 21:12:34

Excelente e pedagógico artigo, professor. A ideia de que o monopólio do Estado se contrapõe aos do mercado é tão verdadeira quanto à de que no comunismo não há ricos e pobres. Basta analisar a situação e a posição política dos banqueiros e de alguns grandes empresários deste país atualmente para ver que, ao contrário do que arguem os estatistas, um Estado obeso e inoperante como o brasileiro se presta muito bem a resguardar os interesses de alguns apaniguados em detrimento às necessidades e expectativas de uma maioria empreendedora.

RICARDO MORIYA SOARES -   22/09/2015 12:18:18

Caro Puggina, o seu texto está primoroso! Assim como existem vício de linguagem, ocorrem (principalmente em economias estatizadas e cartorárias como o Brasil) também vícios estruturais de mercado: monopólio e oligopólio. Tais distorções não brotam acidentalmente, são o resultado da junção de uma política intervencionista associada ao privilégio de certos grupos empresariais mais próximos ao monstro estatal - quando não se transformam em concessões bizarras (caso das cias de energia, estradas, portos, etc.). Em outras palavras, não existe concorrência perfeita num país tão atravessado por um Estado onipresente. Vou tentar demonstrar o tamanho da interferência em dois exemplos aparentemente distintos (um mais sério e outro irônico!): 1. É somente a iniciativa privada que sustenta uma nação; e onde não iniciativa privada, existe somente escravidão. No Brasil para se contratar um indivíduo para executar uma tarefa específica (ou não!), gasta-se em média três vezes o valor da remuneração do mesmo - impostos, encargos e outras despesas absurdas. A cada novo Funcionário Público admitido, cinco vagas privadas se fecham graças a incidência de novos impostos (invisíveis para quem não está habituado a lidar com números!). A cada dez estudantes universitários, sete almejam a carreira pública ao invés da privada (estabilidade, benefícios, aposentadoria maior, etc.). Sem impostos não há governo possível (políticos e burocratas), e, sem o mínimo de liberdade econômica, a iniciativa privada sempre será incipiente no país - esta é a grande contradição do Brasil: por um lado criou-se uma cultura que abomina o capitalismo, mas ao mesmo tempo precisam desesperadamente das empresas e dos profissionais liberais para manter o status quo reinante. 2. A ESPN Brasil é o maior covil de marxistas radicais no Brasil - e estamos falando de uma empresa privada! Além do Sr. José Trajano (um conhecido bolchevique carioca, torcedor do América-RJ... pobre América!), eles nos brindam com nomes ainda mais à esquerda: Juca Kfouri, Lúcio de Castro e Mauro Cezar (eu não sei que é mais vermelho desta trupe de saltimbancos!). Apesar de se tratar de uma mídia televisiva voltada ao esporte (tudo bem que futebol sempre atraiu técnicos e comentaristas comunistas!), eles conseguem modelar a doutrinação marxista ao dia a dia da bola, como se fosse a coisa mais natural do mundo... não é a toa que a audiência despencou nos últimos três anos, tanto que um canal concorrente (Fox Sports) mais pragmático tem lhe roubado os telespectadores e até mesmo alguns comentaristas (levaram até um comunista, o Sr. Flávio Gomes). Novamente: estamos tratando de uma empresa 100% privada! Uma empresa privada que nos intervalos comerciais mostra somente publicidades da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, da Petrobras, dos Correios, etc. Acho também que eles mostram propagandas da Odebrecht e da Friboi - outros exemplos de empresas privadas intrinsicamente associadas aos dirigentes comuno-petistas! Então, a os vícios acima citados (monopólio e oligopólio), somados à interferência nefasta de agentes governamentais nos levaram finalmente ao precipício econômico e social.

Genaro Faria -   22/09/2015 10:18:21

Mas o que é um "estado mínimo"? É o estado que não se deixa contaminar pela política. Que não se confunde com a gestão de um governo e muito menos com a iniciativa privada. "Estado mínimo" é aquele que garante o império da lei, igual para governantes e governados. Da lei que regula nossas relações , não para nos impor sua vontade, legítima, mas para coibir os abusos. A pátria do Estado é sua Constituição. E o que são os governos? Eles são os agentes políticos do Estado. São eles os recursos públicos segundo a concepção que tenham do que seja sua melhor utilidade. Por isso é tão importante que o chefe de estado não se confunda com o chefe de governo. Porque o Estado é permanente e os governos, transitórios. Que não devem ser substituídos nem permanecer no poder senão em função dos méritos que os administrados lhes creditem ou neguem. Pois bem, além de remover crises institucionais - tantas, tamanhas e tão recorrentes em nossa história republicana de mais de um século - o sistema de governo adotado por mais de vinte dentre as nações mais ricas do mundo ainda faculta que a alternância do poder- um dos postulados da democracia - não dependa do calendário, mas da vontade popular. Por que não o adotamos? Porque Brizola e Lula inquinaram de golpismo a inclinação do constituinte de 88 em adotá-lo. Esse dois, então, já estavam em campanha eleitoral, cotados como os candidatos que a decidiriam. A favor de um ou de outro, que por isso mesmo se digladiavam. Então Fernando Henrique Cardoso, líder do PSDB - partido que se registrou como defensor do parlamentarismo - muito embora não encampasse publicamente a denúncia sem qualquer fundamento de golpismo, mas fiel ao bloco de esquerda do qual participava, contribuiu para "torcer" de tal modo o texto constitucional que ele promulgou a gênese do caos jurídico que estamos vivendo. A "Constituição Cidadã" é uma vagabunda. Não me admira que o Brasil redemocratizado tenha ficado, em muios aspectos, pior do que do que foi nos piores momentos do regime militar. E o pior é que ele tende a piorar. Como disse Millôr Fernandes: "Bom mesmo era o tempo em que os três poderes eram o Exército, a Marinha e a Aeronática". PS: Prevendo que serei acoimado de reacionário, permita-me citar Churchill: "A imaginação consola o homem de ser o que não pode ser; o senso de humor o consola de ser o que de fato é".

Genaro Faria -   22/09/2015 05:04:51

É postulado das nações que se erigiram sob a proteção de um estado a consciência de suas peculiaridades. Um italiano, um inglês, um alemão, ou um brasileiro, argentino ou uruguaio, pouco importa o local do seu nascimento, sempre será um italiano, inglês, alemão, e até mesmo um brasileiro, q

Ismael de Oliveira Façanha -   21/09/2015 21:17:37

O MERCADO, com ou sem distorções, é a REALIDADE da qual fogem os indolentes desse Brasil.

Betho Lins -   21/09/2015 21:00:54

Aqui o estado mínimo poderia ser máximo, não quando quer o Controle Social da Mídia, que no popular nada mais é do que censura. No caso específico, ao invés do estado pensar em aumentar impostos deveria o estado mínimo ser máximo quebrando esse duopólio e aumentando as opções para o consumidor em qualidade e preço. Um país carente de educação e cultura nada mais barato e eficaz do que expandi-los através dos meios de comunicação de massa. A comunicação não precisa do controle do governo, pois, para isto, já existem as leis constituídas, mas precisa de incentivo e expansão para atingir a todos através da oportunidade do cidadão escolher o que é melhor e com preços estabelecidos pela livre concorrência, os quais se formaram no mercado e não por imposição.

Ivo Hauer Malschitzky -   21/09/2015 20:20:59

O Estado máximo ainda imporá cotas de produções nacionais ao Netflix.