Percival Puggina

04/10/2015

 

 Enxugar gastos não é tarefa agradável nem simpática. Dela não se colhe sorrisos, embora o bom líder, o líder respeitado, colha solidariedade.

Mas esse não é mais o caso do governo petista. O país já reconhece o partido que pretendeu ser hegemônico como uma organização tomada por criminosos. As pessoas bem informadas têm plena consciência, também, de que a nação, por motivos eleitoreiros, foi irresponsavelmente levada a uma crise pela qual não precisava estar passando. O PT e seu governo estão desqualificados para a tarefa que o país tem pela frente. Não há mais, na alma brasileira, ao alcance desse partido, apoios que não precisem ser comprados com sanduíche de mortadela nas ruas e cargos nos gabinetes. Portanto, as sugestões deste artigo vão para a reflexão dos leitores e não para o governo.

No ambiente familiar, quando se torna imperioso cortar gastos, circunstancial ou permanentemente, a tesoura vai atrás dos considerados exorbitantes ou supérfluos. Dependendo de cada realidade, saem as viagens, as roupas novas, os restaurantes, as pizzas delivery, as novidades tecnológicas, os jogos de futebol. Os espetos vão para a churrasqueira com cortes mais baratos. Enfim, cada família busca a seu modo o próprio superávit primário.

Agora, olhemos o Estado. Sob esse guarda-chuva, se abrigam o Estado propriamente dito, o governo, a administração, o Legislativo e o Judiciário. Todos competem pelas fatias do orçamento, todos se consideram irredutíveis, insuficientemente agraciados e remunerados, e só conhecem a solidariedade interna - aquela que une os iguais em torno deste interesse comum: o "nosso" é sagrado. A despeito do preceito constitucional que impõe harmonia aos poderes, na hora do dinheiro prevalece o outro, o da independência.

A presidente Dilma reduziu de 39 para 31 o número de seus ministros e cortou 10% dos vencimentos do topo da cadeia alimentar do gasto governamental. Um ato simbólico. Uma merreca. Economizaríamos muito mais se ela reduzisse as despesas, inclusive as próprias, com cartões corporativos, com as numerosas comitivas ao exterior e com o luxo dos hotéis que frequenta. Ganharíamos muito mais ainda se parasse de usar nosso dinheiro para fazer publicidade de seu desditoso governo. E estou falando dos cortes supérfluos.

Para atingir o exorbitante teríamos que impor limites à licenciosidade com que o Legislativo e o Judiciário e a grande cascata das carreiras jurídicas definem seus ganhos e, muito especialmente seus privilégios. Sim, são privilégios, leizinhas privadas (que sequer leis são porque fixadas por atos administrativos validados por decisões liminares). São benefícios que ninguém mais tem, que geram direitos retroativamente e periódicos pagamentos de "atrasados". A república, além de conviver com enorme desnível entre os maiores e os menores salários, disponibiliza a uma parcela da elite funcional, na União e nos Estados, contracheques que, ocasionalmente, se elevam a centenas de milhares de reais. Não há pagador de impostos que não se escandalize ao saber que isso é feito com o fruto de seu trabalho.

Na mesma linha do exorbitante temos a corrupção endêmica; as aposentadorias precoces, incompatíveis com o mais desatento cálculo atuarial; os incontáveis benefícios fiscais que orientam bilhões para usos que nada têm a ver com as funções essenciais do Estado; a legião dos cargos de confiança, que deveriam ser restringidos a um número mínimo, na ordem das centenas e não das dezenas de milhares; a atribuição ao setor público de atividades que poderiam, perfeitamente, ser desenvolvidas pela iniciativa privada; a sinecura de tantas ONGs que funcionam apenas como custeio público para o empreguismo de apadrinhados políticos; a centralização que derroga o pacto federativo e leva o dinheiro de quem produz para longe de suas vistas e para fins inconcebíveis; a gratuidade do ensino superior público para quem pode pagar, exemplo de injustiça que clama aos céus.

Se quiserem mais sugestões tenho inúmeras outras a fornecer.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

01/10/2015

 Há muitos anos o TSE vem tratando com desdém todas as manifestações de desconfiança em relação às urnas eletrônicas. Verdade seja dita: Dias Toffoli não foi o primeiro a adotar essa atitude. Ela se prolonga no tempo e é mais uma evidência de que boa parte dos membros dos poderes de Estado simplesmente está se lixando. A brisa é suave, o uísque é bom, a vida sorri. E o resto que se dane. Atrás desses muros é que vivem.

Eleitores bem informados não confiam no sistema de votação. Suas vulnerabilidades já foram apontadas por diversos peritos. Nenhum outro país adota esse tipo de urna. Mas os doutos ministros do TSE empinam o nariz com ar de enfado quando o assunto lhes é apresentado. Convenhamos, isso tem nome na lista das infrações aos deveres do cargo.

A eleição da presidente Dilma deu-se em circunstâncias misteriosas. Os votos foram contados como naquelas mágicas em que o prestidigitador medíocre, para facilitar a vida, encobre com um pano preto o trabalho de suas mãos. A inconfiabilidade das urnas e a sigilosa contagem ajudaram – e muito! – a criar severas incertezas sobre a correção do pleito. Absolutamente natural, portanto, que o Congresso Nacional, ao deliberar sobre alguns itens de reforma política, incluísse preceito para que as urnas passem a imprimir os votos, permitindo que os eleitores, sem contato físico, os confiram e confirmem antes de a máquina depositá-los em urna onde permanecerão para eventual verificação manual.

Pois não é que a presidente Dilma vetou a iniciativa? Um impressionante veto ao voto impresso! Logo ela, cuja eleição se deu rodeada por uma ciranda de suspeitas; logo ela, que quebrou o país para se eleger; logo ela dos gastos sigilosos e milionários com cartões corporativos; logo ela, das comitivas nababescas e dos hotéis suntuosos; logo ela resolveu implicar com o custo envolvido em algo tão indispensável à credibilidade dos mandatos presidenciais quanto a mudança das urnas eletrônicas. Se o Congresso acolher o veto, a próxima eleição estará sujeita ao mesmo descrédito a que foi conduzido seu próprio mandato. O nome disso é fazer o diabo antes, durante e depois da eleição.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

30/09/2015

 

 No Brasil, quando se diz que alguém é dotado de espírito público, o que se está afirmando é que essa pessoa tem sensibilidade para os reclamos da opinião pública. No exercício do poder, fará o que o povo quer.

Eis aí o nascedouro de problemas que podem transformar tão sensitivo cidadão num perigo à solta, numa bomba-relógio com caneta e chefe de gabinete. Os motivos são vários, mas destaco dois. O primeiro diz respeito à enorme diversidade contida no conceito de “povo”. Embora seja designado por uma palavra no singular, o povo é absolutamente plural em tudo, inclusive em aspirações e carências. Portanto, sendo sensível aos reclamos do povo, o tal cidadão, dotado de espírito público à moda da terra, pode estar ouvindo e atendendo demandas excessivas e quase sempre contraditórias entre si e com o interesse público. É uma singela realidade pela qual já passamos inúmeras vezes na história. Além de arrasar o país sob o ponto de vista financeiro, ainda deforma a nação sob o ponto de vista da cultura política.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) nasceu para conter os malefícios desse tipo de “espírito público”, que outra coisa não é que gestão irresponsável dos recursos alheios, muito frequente nas esferas de Estado e, pelo mesmo motivo, nos clubes de futebol. Se dinheiro na mão é vendaval, dinheiro sem dono é furacão. O PT se opôs à LRF, mandou-a às favas quando chegou ao poder e encontrou admiradores em número suficiente para lhe garantir três reeleições sucessivas. Até que a inevitável consequência explodiu na vida de cada um. Transferir dinheiro de todos para alguns ou de uns para outros e vice-versa, vai contra o interesse geral. Produz uma conta amarga, a ser paga no curto, no médio e no longo prazo.

No curto prazo, os impostos sobem, no médio prazo a inflação se eleva e, no longo prazo o endividamento compromete as gerações futuras. Foi assim que Lula começou a quebrar o Brasil e que Dilma achou possível continuar governando. Lembre-se de que quando não tinha mais de onde tirar dinheiro, ela começou a distribuir, em concorridas solenidades, até o que ainda não existia, os royalties do pré-sal. Tudo seria canalizado para a Educação e para a Saúde. As duas áreas vivem o inferno que se conhece e sequer cabe alegar boas intenções.

Sob o ponto de vista da cultura política, esse conceito de “espírito público", estabelece, na sociedade, de modo extensivo, uma dependência em relação ao Estado, convertido no mais cobiçado empregador e no almoxarifado provedor compulsório de todas as necessidades. Pelo viés oposto, o verdadeiro espírito público sabe escolher o mal menor e o bem maior, é animado por um senso real de justiça e por um sentido de história. Sabe distinguir direito de privilégio. Pessoas assim são estadistas e não demagogos vulgares, rastaqueras, como é a maioria dos nossos políticos, animada po esse “espírito público” tão ao gosto dos formadores de opinião e do eleitorado brasileiro.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

29/09/2015

 Martha Beatriz Roque é uma estimada amiga, católica, economista, com quem tive oportunidade de conversar nas vezes que fui a Havana. Ela estava entre os 75 presos de consciência condenados durante a Primavera Negra de 2003. Às vésperas de completar 60 anos de idade, Martha foi sentenciada à internação por duas décadas nas masmorras de Fidel. Um ano mais tarde, as precárias condições do cubículo onde ficava agravaram seu estado de saúde e ela foi libertada. Quando a reencontrei, em outubro de 2012, ouvi dela que, por vezes, não sabia o que era pior, se estar presa, ou livre no grande presídio da ilha, onde recebia maus tratos de vizinhos permanentemente empenhados em agredi-la para agradar o regime. É a função das Brigadas de Resposta Rápida (BPRs), formada por civis que se prestam à vilania de acossar e intimidar dissidentes.

 Às vésperas da chegada do Papa, Martha realizou dezenas de postagens em sua conta no Twitter informando, nominalmente, sobre pessoas que estavam sendo, no interior do país, advertidas para não se dirigirem a Havana. Depois, postou sobre pessoas que haviam sido presas e sobre outras, cujas casas estavam sitiadas “pela turba”. Em uma dessas notas, ela conta ter sido visitada pelo secretário do núncio apostólico que a convidou para ir à nunciatura falar com o Papa. Por fim, no dia 20, ela e mais duas dezenas de damas de branco foram detidas e impedidas de comparecer à missa papal. Os acontecimentos que narrou, as prisões de dissidentes, bem como a exigência de que os católicos se reunissem em grupos para serem acompanhados por agentes de segurança ao local da missa, foram noticiados por outras fontes.

 Qualquer pessoa minimamente informada sobre a realidade cubana poderia antever tais acontecimentos. O regime, por ser como é – violento, intransigente e opressivo – pode fazer ligeiras concessões para se safar da falência. Mas nada cede nas condições indispensáveis à sua sobrevivência. Por isso, o Papa devia estar bem advertido sobre a “conveniência” de não tocar em assuntos da política interna.

Não se diga que manter distância desses temas fosse indispensável cortesia. O Papa não é apenas chefe de Estado. É, principalmente, o líder espiritual dos católicos que naquele momento estavam sendo perseguidos, presos e vigiados. Impunha-se ir além das esplêndidas exortações pastorais. Permanece bem presente na memória da Igreja cubana o martírio de tantos jovens que, nos primeiros anos da Revolução, foram vítimas da faxina espiritual e morreram fuzilados clamando: “Abaixo o comunismo! Viva Cristo Rei!”. Mereciam mais.


ZERO HORA, 27 de setembro de 2015
 

Percival Puggina

28/09/2015

 

 Não se surpreenda com o título. Ele não é uma opinião, mas simples expressão de algo facilmente constatável. O PT, como partido ou como base do governo, apesar de todas as tropelias, tem sua ação contida por certos limites. Tais restrições são impostas, ora por conveniências políticas, ora por ações da oposição, ora por reações da parceria, ora pela possibilidade de que a lei, um dia, valha para todos. Já o STF não se submete a limites. No exercício do poder, seus onze membros podem tudo. Não estão submetidos sequer à Constituição. Substituem-se aos parlamentares para legislar e para deslegislar. A opinião da maioria é a própria lei. O que seis decidem é irrecorrível. Pouco se lhes dá o que as pessoas pensam deles.

Dei-me conta dessa realidade ao ler, na Folha, a opinião do ex-Procurador Regional da República, Rogério Tadeu Romano, sobre o “fatiamento” da operação Lava Jato. Na teoria e na prática tal decisão deve retirar das mãos do juiz Sérgio Moro e entregar ao ministro Dias Toffoli os processos não relacionados com os escândalos da Petrobrás, sob a alegação de que apenas sobre estes incide a competência do juiz. Graças a tão surpreendente quanto conveniente justificativa, a fatia do processo referente à senadora Gleisi Hoffmann foi cortada das mãos de Moro por envolver lavagem de dinheiro. Com lucidez, o ex-Procurador refuta o argumento esclarecendo que, ao fixar a competência, se deveria levar em conta o crime principal, o crime de corrupção, a origem do dinheiro desviado, e não o secundário, lavagem de dinheiro, que só surge porque havia o principal. Por que será que os advogados dos réus festejaram tanto a decisão do STF? Ah, pois é.

Até o PT, envolvido à náusea num emaranhado de escândalos sem precedentes na história universal, se preocupa com parecer menos pior. Ao STF pouco se lhe dá se for tido e havido como um “tribunal bolivariano”, na expressão usada pelo ministro Gilmar Mendes. E me sinto igualmente respaldado para o título deste artigo quando lembro as palavras de Joaquim Barbosa no final da sessão em que oito réus do mensalão foram absolvidos (pasmem!) do crime de formação de quadrilha. Disse ele: "Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora. (...) Essa maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012".

Sem tirar nem pôr, é o que estamos presenciando.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia a utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

25/09/2015

 

 Em 2002, quando se desenhava a vitória de Lula nas eleições de outubro, a economia brasileira levou um solavanco. O dólar bateu em quatro reais, os investidores externos se retiraram e os internos se retraíram. A atriz Regina Duarte expressou esse sentimento de insegurança num vídeo gravado para a campanha de José Serra. Sua primeira frase foi - “Tenho medo”. Era uma peça muito forte e suscitou reação imediata das hostes petistas que responderam afirmando que a esperança haveria de vencer o medo.

 Já naquela época, quem acompanhava a atividade do Partido dos Trabalhadores sabia. Sabia que a democracia direta defendida por ele e por seus parceiros internacionais sempre descambou em totalitarismo. Quem repelia a violência e a ruptura da ordem que o PT promovia através de seus movimentos sociais sabia. Quem era capaz de reconhecer a corrupção moral em suas várias formas (mentira, mistificação, assassinato de reputações, desonestidade intelectual, etc.) também sabia. E todos nós, que sabíamos, podíamos antever para onde estávamos sendo levados. Era de ter medo, sim. O que não podíamos imaginar era o nível de degradação a que as instituições políticas seriam deliberadamente conduzidas.

O tempo, como senhor da verdade, veio mostrar que Regina Duarte tinha razão. Seria muito melhor para o país se ela estivesse errada. Se nós estivéssemos errados. Os muitos males produzidos pelo petismo – e eu não os vou desfiar aqui porque agora estão bem visíveis aos olhos do mundo – nos fazem regredir muitos anos. E a sociedade convive com o medo em proporções inimagináveis em 2002: é o medo da criminalidade, é o medo de não haver instituição política em que confiar, é o medo da inflação, do desemprego, da fuga de capitais, da depreciação do real e de uma crise de muitas faces, com proporções inimagináveis. E o dólar, treze anos depois, volta aos patamares para onde disparou naquele ano em que Regina Duarte expressou o sentimento de tantos brasileiros. O medo, agora, não é de que o PT chegue ao poder, mas o de que ele prossiga atravessando nossa história como o cavalo de Átila, após o qual nem a grama nasce.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

23/09/2015

 

 O país tornou-se um espectro do que já foi. Há mais de duas décadas as expectativas em torno da economia nacional não andavam tão baixas. Foi tanta coisa errada ao longo dos últimos 13 anos, tanto abuso praticado com os recursos dos contribuintes, tanta corrupção, que cresce no país a ideia segundo a qual está em curso um plano maligno, ainda mais maligno do que o resultado obtido até aqui. Quem sustenta essa opinião está convencido (e tem bons motivos para estar) que tamanho desastre exige cuidadoso planejamento e primorosa execução.

A frase que dá título a este artigo sustenta a tese. Bem entendida, vale por uma confissão. Se a presidente nada fez de errado, então fez tudo certo e as ações de seu governo, de seus auxiliares diretos e de seu partido levaram o país deliberadamente ao caos (e ainda há quem afirme que “golpe” é propor seu impeachment!). Na outra hipótese, ela não tem ideia do que diz nem do que fez e supôs que o Brasil fosse uma lojinha de tudo por R$ 1,99. Nesse caso, quem a indicou para presidir a república tinha que estar enfiado em camisa-de-força. Dilma desmente a tese segundo a qual cada povo tem o governo que merece. Eu sei, o povo brasileiro elegeu quatro governos petistas, de corrida, um atrás do outro. Mas nem por isso merece tamanho castigo.

Malgrado o caos que se instalou no país, o completo desacerto do governo em relação ao modo de enfrentar a situação, a presidente agarra-se ao cargo como se sua permanência fosse mais importante do que o bem do país. O afastamento voluntário, pelo qual a nação anseia, torna-se impensável por exigir grandeza moral que não encontra medida na régua petista.

Diante de tudo que se sabe, parece inadmissível não haver previsão legal para fundamentar um processo político de impeachment contra quem deteve e detém poder de mando e função de controle sobre o corpo e o espírito do governo. Como pode não ser crime de responsabilidade comandar uma administração onde a probidade era a exceção? Como pode não ser crime de responsabilidade atentar contra a lei orçamentária? São perguntas que se faz todo cidadão medianamente informado. Então vale a informação: tudo isso é crime, sim, em todas as leis que tratam da matéria, como muito bem está salientado no pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.

Volto, então, à frase do título. Ou a presidente tem responsabilidade, ou é irresponsável. Em nenhum dos dois casos deve permanecer no cargo por sobradas razões jurídicas e políticas. Isso para não mencionar a dignidade nacional nem as urgências sociais e econômicas.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

 


 

Percival Puggina

21/09/2015

 

 Outro dia, querendo confrontar-me, um interlocutor exclamou: "Ah, já vi que o senhor defende o Estado mínimo!". Retruquei: "Não sei de que você está falando. Eu só conheço Estado grande, enorme, mastodôntico. E, cá entre nós, ele não precisa que você o defenda porque faz isso muito bem com sua força, leis, regulações, monopólios e mais uma lista inesgotável de meios através dos quais intervém na nossa liberdade e toma nosso dinheiro. Não se aborreça comigo por tentar defendê-lo desse Estado espremedor".

 Diferentemente do que possa estar supondo o leitor destas linhas, não me conto entre os que esperam do mercado todas as soluções e as soluções para tudo. Não, não é isso que penso. Há tarefas que são típicas de Estado e a definição sobre quais sejam é polêmica. Independentemente desse debate necessário, tenho como certo que nós, brasileiros, somos tolerantes com o fato de que o Estado vai à contramão da modernidade, ampliando suas atribuições, seu poder e seus custos. Ele, que deveria estar se retraindo a meia dúzia de funções, se expande sem cessar. Para isso, nos trata como se fôssemos limões a espremer e descartar. Não satisfeito, quando os limões acabam,  passa a espremer a safra futura, e a outra, e a outra, garantindo que os limões do porvir já cheguem devidamente amassados.

 Tal compreensão da realidade não implica considerar o livre mercado como símbolo da perfeição. Não, o mercado não é perfeito. Frequentemente surgem nele distorções cuja correção, pelo próprio mercado, demanda tempo. Mas afirmo, sem qualquer dúvida, que intromissões reguladoras do Estado sobre o mercado nunca são mais eficientes do que as decisões dos consumidores.

Por exemplo: 90% do serviço de TV por assinatura, no Brasil, está em mãos de duas empresas e ambas adotam, além de preços excessivamente elevados, a respeito dos quais é impossível negociar (o que convenhamos, é uma prática antimercadológica, pois não há motivo pelo qual eu possa negociar na loja o preço de um sofá e não possa negociar o preço dos programas de TV que irei assistir sentado nele). Recentemente, não tendo interesse no "pacote HBO" da NET, solicitei cancelamento. Enquanto conversava com o atendente, tentei compor um menú contendo apenas aquilo que eu realmente gostaria de ter à disposição. Impossível. No cardápio do restaurante da TV por assinatura o consumidor não pode dar palpite. Não é permitido, sequer, trocar arroz à grega por batata suíça. A consequência é que todos, sem exceção, pagamos pelos serviços de TV por assinatura muito mais do que consumimos. Pagamos pelo muito que não vemos e o preço final resulta extorsivo.

Felizmente, a tecnologia que associa TV à internet proporcionou o surgimento da Netflix, serviço no qual, por menos de 20 reais/mês, se dispõe de vasto elenco de filmes e séries à livre escolha do cliente. Viva! O mercado está encontrando uma saída para os abusos das gigantes do setor, que passa a lutar contra esse inesperado intruso em mesa onde davam as cartas e jogavam de mão. A quem apelam, para conservar seus anéis nos dedos? Apelam ao Estado, meu amigo! Querem a ajuda do Estado para coibir a Netflix, forçando-a, por via tributária, a elevar seus custos e preços. Alguém tem dúvidas sobre o que fará a respeito o Estado máximo?

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

18/09/2015

 Há poucos dias, em seu roteiro por países bolivarianos, o Papa Francisco recebeu das mãos do cocaleiro Evo Morales aquele horroroso crucifixo de madeira que se compunha com uma foice de modo a formar, no conjunto, o símbolo do comunismo. Foi uma sucessão de indelicadezas do mandatário boliviano, de quem não se pode esperar algo melhor. Só para recordar, poucos dias depois, deu-se o direito de ameaçar o Brasil com suas poderosas forças armadas caso Dilma e o Partido dos Trabalhadores fossem afastados do poder. Como não há o mais tênue movimento nos quartéis (se acenderem uma vela a chama não se mexerá), o recado foi dirigido ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário do Brasil. A turma do Foro de São Paulo se tem em altíssima conta...

 Voltando ao encontro do mal-educado presidente boliviano e o Papa Francisco. Evo começou aquela cerimônia pendurando correntes e mais correntes no pescoço de Sua Santidade. Dir-se-ia que ele estava chegando a uma festa de Mardis Gras em New Orleans ou descendo no aeroporto de Oahu. E para arrematar a recepção, uma foice e martelo, metida a crucifixo, de muito mau gosto, que parecia ter sido feita assim mesmo, com uma foice e um martelo. Diante do objeto, Francisco sussurrou constrangida exclamação: "No está bien eso". Os vídeos que registram o episódio mostram Evo Morales com um sorriso irônico que não se desfaz nem mesmo diante da observação do Papa. Na sequência, sempre sorrindo, explicou que o presente era uma réplica de outro, esculpido por Lucho Espinal, um padre militante contra a ditadura de García Meza, sob cujo governo acabou sendo assassinado. A menção ao colega jesuíta, que o Pontífice homenageara horas antes em Las Nieves, aparentemente desfez o mal-estar que se criara.

Pois amanhã, dia 19, o Papa desembarcará em Havana, no aeroporto José Martí, que está sendo ampliado pela Odebrecht, claro. Com financiamento a juros privilegiados, claro. Concedido pelo BNDES, claro (mas a ideia original é que fosse tudo secreto, claro). A questão que me vem à mente é se, diante de um regime abertamente ditatorial, marxista-leninista, que submete o povo da ilha à servidão e que não admite quaisquer mudanças nas estruturas totalitárias do poder, o papa igualmente afirmará, como deveria: "No está bien eso!"

Não, não está bem. Armando Valladares, escritor cubano exilado, que cumpriu 22 anos nas masmorras do regime, em artigo do dia 12 de maio deste ano, refere o tom de sentido escândalo com que o então arcebispo de Santiago de Cuba, D. Pedro Meurice, se referiu ao processo de adaptação ao comunismo e suas metas adotado por seus irmãos do episcopado, desde 1986: "Nos consideravam uma Igreja de mártires e, agora, dizem que somos uma Igreja de traidores". Valladares se pergunta, no referido artigo: "quais as intenções de fundo da ostpolitik vaticana com relação ao comunismo cubano, seus objetivos e suas metas? (...) Quais as consequências para a fé e a doutrina católica dessas atitudes tão diferentes do ensino tradicional da Igreja sobre o comunismo 'satânico' e 'intrinsecamente perverso?'".

Muito pior do que um crucifixo em forma de foice e martelo é um povo inteiro sujeito às perversidades e crimes do regime que esse símbolo representa. A cruz de Cristo foi tisnada com Seu sacratíssimo sangue. Os regimes da foice e do martelo fizeram sangrar milhões de mártires. Muitos na prisão de La Cabaña, exclamando "Viva Cristo Rey!".

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.