Percival Puggina

02/04/2015

O Brasil vai como quem resvala rampa abaixo sobre um skate. É a crise. Em relação a ela, existem duas atitudes principais. A primeira, amplamente majoritária, é a atitude dos que entenderam o que aconteceu e estão indignados. A segunda é a dos que ainda não entenderam.

 Estou entre os primeiros. E realmente indignado porque não precisávamos estar passando por isso. Nosso país viveu um momento promissor nos primeiros anos da década passada. Após enorme esforço fiscal, o Brasil derrubara a inflação, havia recuperado a credibilidade internacional, passara a atrair investimentos, construíra alguns fundamentos para a Economia, a arrecadação crescera e o governo ampliara a destinação de recursos para uma série de programas sociais. As condições para tanto foram obtidas a duras penas desde o governo Itamar Franco, com medidas de austeridade e privatizações que o PT combateu furiosamente. Seriam necessárias muitas outras providências, é verdade, mas nunca houve (e não sei se um dia haverá) apoio político, no Brasil, para fazer todo o dever de casa.

 Mas íamos bem. Tanto assim que Lula e seus companheiros se convenceram de que governar o Brasil era uma barbada. A China vendia tudo barato e comprava montanhas de qualquer coisa. Jorrava dinheiro nas contas públicas. Obama dizia que Lula era "o cara" e o cara era o pai dos pobres, aqui e mundo afora. O Brasil virou um programa de auditório onde se atirava dinheiro ao público. Havia bastante. Dava para comprar todos que quisessem se vender. Uma parte da grana ia para os programas sociais e outra, muito maior, para os programas socialites, via contratantes de obras e serviços, e financiamentos do BNDES.

De formiga da revolução social, o petismo passou a cigarra das prodigalidades. Em vez de investir na qualidade da educação das classes de menor renda, preferiu remunerar a ociosidade. Em vez de estimular o mérito, favoreceu a mediocridade com leis de cotas. Em vez de gastar recursos públicos em infraestrutura, "conquistou" em dois lances, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Em vez de diminuir o tamanho o Estado, agigantou-o com novos ministérios para usufruto da base de apoio. Para que o PT se exibisse como partido líder da esquerda continental, financiou de um modo escandalosamente secreto obras de infraestrutura que fariam muito bem, se feitas no Brasil. Bilhões de reais foram direcionados para os países do Eixo do Mal Latino-Americano (na expressão perfeita do Dr. Heitor de Paola).

A crise da economia mundial  ganhou o apelido de "marolinha". E como tal, foi solenemente ignorada pela imprudência ufanista do presidente. Ele dava conselhos ao mundo sobre como acabar com a pobreza... A partir da metade do segundo mandato do estadista de Garanhuns, nos monitores dos analistas da realidade brasileira, as luzes amarelas se alternavam com as vermelhas. Mas nada importava. Era preciso eleger a senhora mãe do PAC, notória economista que pensou haver descoberto o segredo do bem estar geral: endividar a sociedade toda através do governo para manter as aparências e, adicionalmente, ampliar o endividamento das famílias. Se você examinar de perto, verá que não há muito espaço para geração de riqueza, poupança interna e investimento nessa inadequada concepção. Embora não conviesse ao Brasil reeleger Dilma, Dilma precisava ser reeleita. Paguemos todos, então, os custos das ilusões necessárias para produzir o absurdo e suspeitíssimo resultado eleitoral de 2014.

A notória falsificação, que já leva oito anos, enganou muitos, durante muito tempo. Não só no Brasil, diga-se de passagem. Agora veio a conta e levaremos alguns anos pagando. Quem sofrerá mais? Os pobres, justamente os mais vulneráveis e, por isso, os mais iludidos pela publicidade do governo. Mas não precisávamos passar por isso.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/04/2015

Todas as tentativas de reduzir a maioridade penal, mesmo que para o patamar mínimo de 16 anos, esbarram no fato de que a Constituição Federal declara, no parágrafo 4º do artigo 60, que os direitos e garantias individuais nela estabelecidos constituem "cláusulas pétreas". Ou seja, não podem ser objeto de emenda tendente a os abolir. E nessa lista, entre quase seis dezenas de garantias, vai, como peixe em cambulhão, a inimputabilidade dos menores de 18 anos.

 Hoje, 31 de março de 2015, a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da PEC 171/93, que trata dessa redução. Com a decisão, a matéria volta a tramitar na Casa, embora o PT, que junto com o PCdoB, o PSB, o PSOL e o PPS se posicionaram contra a medida, já tenha anunciado que vai recorrer da decisão ao Poder Judiciário. É outra "velha senhora": a judicialização da política brasileira, que não serve à Justiça e não serve à Política.

 Foi muito presunçosa a atitude dos constituintes de 1988 quando decidiram listar os dispositivos constitucionais que não poderiam ser objeto de modificação. Ao fazê-lo, pretenderam cristalizar a Sociedade, a Política e a Justiça como se fotografassem um instantâneo das aspirações nacionais e decidissem torná-las imutáveis através dos séculos. Quase nada pode ser assim e a CF de 1988 foi excessiva em fazê-lo.

Cada vez mais, a criminalidade praticada por menores de 18 anos assombra a segurança pública, com os "de menor" transformados em linha de frente do crime organizado. É imperioso coibir isso.

Sempre que se fala em combater a criminalidade com medidas repressivas aparecem os protetores de bandidos. São os mesmos - exatamente os mesmos - que relegam as vítimas ao mais negligente abandono. Seu argumento é tão surrado quanto paralisante: "Só isso não resolve!", proclamam. É óbvio que só isso não resolve, mas se nada é feito, tudo fica pior a cada dia, como a experiência e as estatísticas demonstram com clareza.

É um raciocínio absolutamente lógico; de tão lógico acaba sendo absolutamente não ideológico: quanto maior o número de bandidos presos, menor o de bandidos soltos e menor a insegurança na sociedade. E vice-versa.
 

Percival Puggina

27/03/2015

Na última terça-feira, dia 24, a CNBB cobrou do STF uma deliberação sobre a proposta, há um ano em mãos do ministro Gilmar Mendes, que acaba com o financiamento privado das campanhas eleitorais. Essa permanente dedicação da CNBB às pautas políticas sempre me impressiona. No caso, mais uma vez, a tese que a Conferência abraça é a tese do PT.

 O partido reinante, há bom tempo, vem reafirmando seu desejo de que o financiamento das campanhas seja proporcionado pelo Orçamento da União. Orçamento "da União", você sabe, é aquele documento que autoriza o governo a usar nosso dinheiro. Embora a maioria dos brasileiros acredite que os recursos do erário são "do governo", o fato é que o governo não tem recursos próprios. Todo esse dinheiro procede do povo brasileiro, por ele é gerado, a ele pertence e para ele deve retornar em bons serviços e investimentos. Você concorda com incluir entre suas obrigações o financiamento das campanhas eleitorais?

 O PT parece já haver convencido muita gente de que sim, de que essa conta tem que ser paga por nós. Entre os fieis adeptos da tese se inclui a CNBB, parceira nas boas e más horas petistas. No entanto, é bom sabermos que essa moeda tem dois lados e dois beneficiários. A decisão de acabar com o financiamento privado cria a obrigação de fazê-lo com recursos tomados do nosso bolso e define que o PT e o PMDB serão os principais beneficiados. Por serem a dupla hegemônica da política nacional, ambos abocanharão a parcela maior desses recursos.

 Depois de tudo que se ficou sabendo através da operação Lava Jato e do petrolão, depois de conhecida a lavagem de dinheiro público em empresas privadas para financiamento dos partidos da base do governo, essa dedicação à tese do financiamento público é de uma hipocrisia estarrecedora. Ademais, não há como impedir com segurança absoluta o financiamento privado através de caixa 2.

Por fim, o financiamento público obrigatório comete contra os cidadãos uma violência que, no meu caso, se configura assim: o dinheiro dos impostos que eu pago será usado, contra a minha vontade, para financiar campanhas eleitorais de todos os partidos. Certo? Então, meu suado dinheirinho apropriado pelo Estado estará financiando as campanhas do PT, do PSOL, do PSTU, do PCdoB, do PCB, do PCO e assemelhados. Me digam se isso não é um completo disparate.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

26/03/2015

Nota: tive a honra de ser entrevistado por alguém a quem admiro, o amigo internauta, jornalista Paulo Briguet, editor da revista Mercado em Foco, da Associação Comercial e Industrial de Londrina. www.acil.com.br/upload/revistas/revista_26/#/30


1. No “Livro Negro do Comunismo”, Jean-Louis Margolin define o Camboja de 1975 como “o país do crime desconcertante”. Quarenta anos depois, estamos vivendo no “país do roubo desconcertante”?

Com efeito, o petismo, e nele os petralhas, promoveram um formidável update na criminalidade nacional, em especial no avanço sobre os recursos públicos para fins privados. Mais do que da "privatização", trata-se, aqui, da apropriação privada desses meis financeiros.


2. Diante das notícias do petrolão e outros escândalos nacionais, a militância petista sempre aponta os casos supostamente semelhantes ocorridos em governos do PSDB. Qual é a diferença ontológica entre esses dois níveis de escândalos?

É a um tempo embaraçoso e esclarecedor, ver-se o petismo descer de seu velho pedestal, e apelar para essa linha de argumentação, que não diz coisa alguma sem mencionar o FHC e o PSDB. A corrupção começou com os R$ 3 mil de Maurício Marinho e dos R$ 50 mil de Luis Paulo Cunha, para os milhões do Mensalão e para os bilhões do Petrolão.

3. De que maneiras os empresários e entidades de classes podem se organizar e se manifestar contra o atual estado de coisas no Brasil?  Quais seriam as estratégias para evitar que movimentos políticos sejam aparelhados pelo PT e por “agentes provocadores” como o black blocs?

A participação do empresariado brasileiro será essencial às mobilizações por vir. Os empresários devem estimular a presença de seus funcionários e estar, eles mesmo, presentes nas manifestações de rua. Pessoalmente eu estou longe de fazer o tipo militante de passeata, mas nas mobilizações de dezembro, até em caminhão de som subi para discursar. Pude perceber na reação das pessoas o quanto isso foi significativo para elas. Queiramos ou não, somos parte sadia da elite brasileira. E é sobre nós que recai a maior responsabilidade neste momento.

4. Todo movimento eficaz da sociedade civil pressupõe bandeiras de fácil compreensão e uma identidade simbólica simples. Por exemplo: Diretas Já e a cor amarela. Ao mesmo tempo, exemplos como a Revolução de Veludo na Tchecoslováquia notabilizaram-se por provocar imensas transformações sociais sem quebrar uma só janela. Quais são os motes e os símbolos que podemos utilizar em um movimento da sociedade no Brasil atual?

Eu pensaria numa arte com nascer do sol, significando "alvorada", ou uma versão pictórica do galo chanteclair, ou ainda um lenço verde e amarelo para pescoço.

5. Hoje estamos assistindo ao governo venezuelano invadir uma rede de supermercado em nome da “guerra econômica” contra as elites. O empresariado parece não ter dado conta da gravidade da situação. Como fazer eles acordem para a situação real do País?

Ao longo dos últimos 20 anos, tornei-me um especialista em questões cubanas. Meu interesse pelo país foi derivado da dedicação da esquerda brasileira em geral e do petismo em particular à tarefa de glamourizar a revolução cubana e cantar méritos que descobri serem absolutamente fajutos. Dezenas de debates mais tarde, surgiu o chavismo na Venezuela e recebeu as mesmas reverências. Tem sido muito fácil apontar a disinformation construída em torno dessas duas desastrosas experiências comunistas na América Latina. Será mais difícil fazer isso no Brasil acima de Brasília, onde o eleitorado foi capturado nas malhas da dependência do Estado mediante renúncia à própria consciência moral. Ademais, o petismo, no Brasil, atraiu pelo bolso, via BNDES a banda podre da economia brasileira. Julgo urgente que micros, pequenos e médios empresários se levantem contra essa orgia de recursos financeiros a juros privilegiados, canalizados para as maiores empresas do país, gerando, como consequência das facilidades e abusos, o caos econômico em que estamos ingressando.

6. O PT quer conduzir o Brasil para uma situação semelhante à da Argentina e da Venezuela ou pensa em adotar um autoritarismo inspirado nos modelos russo e chinês?

Eu estou convencido de que o PT coloca o poder como fim e não como meio. Portanto, o petismo, deixado livre, leve e solto, tanto poderá evoluir para um peronismo com Lula, quanto para alguma forma de organização do Estado com viés totalitário ou autoritário.

7. Muitos empresários e intelectuais, mesmo aqueles alinhados com a oposição, agem como se o PT e as legendas da linha auxiliar - PSOL e congêneres - fossem partidos semelhantes a todos os outros, e que portanto devem receber tratamento igual e ser medidos pela mesma régua da democracia. O que o sr. teria a dizer sobre essa opinião tão disseminada?

Isso é um equívoco. Todos esses partidos já cometeram crimes contra a ordem pública, apoiam movimentos e organizações terroristas, nada fazem contra o tráfico de drogas, unem-se à escória do planeta, aplaudem nações inimigas da democracia, querem desarmar a população, gostariam de controlar a mídia, odeiam o Ocidente, festejaram o ataque de 11 de setembro de 2001, unem-se a qualquer um que se apresente como adversário dos EUA, e por aí vai. São partidos que deveriam ser banidos. E o PT, se não o for, ao fim e ao cabo das investigações em curso, em alguns anos retornará para "reescrever a história", transformando bandidos em heróis e heróis em bandidos.Ou não?

 

Percival Puggina

25/03/2015

Era natural à cultura da época em que surgiu o mito de Fausto, que certas atitudes consideradas anti-religiosas fossem compreendidas como acordos demoníacos. Foi assim que, em torno da pessoa do alquimista Johann Georg Faust (1480-1540), nasceu o mito do pacto atribuído a ele e aos contemporâneos Paracelsus e Nostradamus. Dois séculos depois, sob a regência da pena de Goethe, Fausto se tornaria figura central de uma das principais obras da literatura universal.

Na história contada por Goethe, as várias tentativas de Mefistófeles para cumprir seu acordo com o cliente Fausto envolveram o conhecimento da verdade, a juventude, a beleza e o poder de sedução. No Brasil do século 21, o pacto mefistofélico desceu vários degraus na direção das labaredas eternas. Aqui, quem fez o pacto mais do que o confessou - anunciou-o publicamente! A presidente da República divulgou sua intenção no dia 4 de março de 2013 quando, em João Pessoa, afirmou: "Podemos fazer o diabo quando é hora de eleição". Ela não estava num laboratório de poções fumegantes, entre besouros secos e asas de morcego, mas num encontro com prefeitos paraibanos e beneficiários de programas sociais.

Veio a campanha e o diabo foi feito. Diferentemente dos anteriores acordos mefistofélicos, elevados anseios humanos não fizeram parte do negócio. Não houve interesse por uma longa juventude. Menos ainda desejo de acesso à sabedoria e à verdade. A primeira se manteve tão inatingível quanto antes. A segunda inviabilizaria a vitória eleitoral. O negócio com o diabo visava a obter mais quatro anos de mandato. Ponto. O resto da história vocês todos conhecem. O Pai da Mentira fez o que lhe correspondia. Trabalhou eficientemente, contando com a melhor assessoria que o dinheiro podia comprar. Na hora final, no tudo ou nada, quando se contaram os votos no Teatro de Comédias Brasil, caiu o pano sobre o palco e tudo se fez às ocultas, no silêncio da coxia. Desde o canto onde estava jogado, apenas um inerte polichinelo de pano presenciou àquele enorme segredo.

Leio e ouço explicações. Por serem tantas, revelam não haver uma que preste. Firmo solidamente minha convicção. O ocorrido foi coisa do capeta, que, convenhamos, fez sua parte. A presidente conseguiu o que queria. Mas - desculpem-me a divergência - o Brasil não pode ir de cambulhada num negócio desses. Que Dilma e Mefistófeles se acertem como puderem, mas nos deixem de fora, não é mesmo, senhores congressistas?

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

20/03/2015

Pelo menos dois milhões e meio de pessoas saíram às ruas no dia 15 de março. Diziam, em essência, quatro coisas: Fora Dilma! Fora PT! Chega de corrupção! E a que estava escrita na camiseta que eu usava: Impeachment! A desaprovação da presidente, em março, segundo levantamento da Datafolha, chegou a 62%. Em fevereiro, o mesmo instituto dizia que para 52% dos brasileiros Dilma é falsa, para 47% é desonesta e para 46%, mentirosa. Nada surpreendente quando esses números se referem a quem disse que "a gente faz o diabo em época de eleição".

Num sistema de governo bem concebido, do tipo parlamentarista, tal situação levaria ao voto de desconfiança. O governo cairia. No presidencialismo, tem-se o que está aí: uma crise institucional. Então, era preciso contra-atacar. Qual o conselho do diabo numa hora dessas? "Diz que teus opositores não gostam de pobre!", recomendaria o Maligno. Foi o que fez Lula, num discurso à porta do hospital onde a Petrobras, por culpa dele e de seus companheiros, respira por meio de aparelhos.

Disse o ex-presidente: “O que estamos vendo é a criminalização da ascensão social de uma parte da sociedade brasileira. (...) A elite não se conforma com a ascensão social dos pobres que está acontecendo neste país”. Por toda parte, o realejo da mistificação, da enganação, da sordidez intelectual passou a ser acionado por gente que se faz de séria. Colunistas chapa-branca, artistas subsidiados pelo governo, intelectuais psicologicamente enfermos se alternam na manivela do realejo, a repetir essa tese.

O líder do MST, João Pedro (quebra-quebra) Stédile, falando ao lado de Dilma no RS, enquanto eu escrevia este artigo, rodou a manivela: "A classe média não aceita assinar a carteira da sua empregada doméstica. A classe média não aceita que o filho de um agricultor esteja na universidade. A classe média não aceita que os negros andem de avião. A classe média não aceita que o povo tenha um pouco mais de dinheiro”. Suponho que na opinião dele, os patrocinadores do MST são santos cujas meias deveriam ser guardadas para fazer relíquias, apesar de esfolarem a nação e encherem os próprios bolsos e os bolsos dos ricos. Quão tolo é preciso ser para se deixar convencer de que o povo sai às ruas porque pobres e pretos andam de avião e não por estar sob um governo que se dedicou a fazer o diabo? Como pode a mente humana entrar em convulsões e a alma afundar em indignidades de tais proporções?

Leonardo Boff, foi outro. Perdeu boa parte de sua fé católica, mas não a fé em Lula, a cujo alto clero não se constrange de pertencer. Dia 16, em Montevidéu, declarou: "No Brasil há uma raiva generalizada contra o PT, que é mais induzida pelos meios de comunicação, mas não é ódio contra o PT, é ódio contra os 40 milhões (de pobres) que foram incluídos e que ocupam os espaços que eram reservados às classes poderosas". É assim que o petismo age. Deve haver um lugar bem quente no inferno para quem se dedica a esse tipo de vigarice intelectual.

Vigarice, sim. E tripla vigarice. Primeiro, porque transmite a ideia equivocada de que o PT acabou com a pobreza, quando o partido está empobrecendo a todos, a cada dia que passa. Segundo, porque a nada o petismo serviu mais do que à prosperidade material de sua alta nomenklatura e a dos muitos novos bilionários que, há 12 anos, servem e se servem do petismo. Terceiro, porque só o PT se beneficia da pobreza dos pobres, aos quais submete por dependência.O desenvolvimento econômico e social harmônico é generoso. A ascensão dos pobres, quando ocorre de fato e não por doação ou endividamento, beneficia a todos. Isso até o diabo sabe.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

19/03/2015

Frequentes indagações têm sido dirigidas ao governo estadual gaúcho sobre a solução a ser dada ao problema das finanças. O cenário é de cobertor velho, surrado e, principalmente, curto. Para o verão ainda deu, mas a partir do outono e, principalmente, no inverno, a coisa vai ficar feia. Até dezembro faltarão cerca de R$ 5 bilhões para cobrir os pés.

 Nos últimos dois ou três anos, ZH publicou, seguramente, mais de uma dúzia de artigos do economista Darcy Francisco Carvalho dos Santos advertindo para o abismo a que estavam sendo conduzidas as contas do Estado. As despesas de custeio cresciam mais rapidamente do que a receita, assumiam-se encargos para muito além do mandato então em curso e as perspectivas da economia negavam cobertura a qualquer otimismo quanto ao aumento da arrecadação. A preocupação levou aquele autor a escrever um livro - "O Rio Grande tem saída?" - lançado em tempo de ser lido e estudado durante a campanha eleitoral. Quem leu, leu. Quem não leu...

 O que me interessa aqui, aliás, não é a pergunta, mas a contestação errada que davam às advertências. E ela é habitual, quando se fala sobre despesa pública com governantes estrelados. Trata-se de uma dessas frases cujo único efeito é seduzir a parcela do eleitorado que prefere acreditar numa mentira saborosa do que numa verdade amarga. Já a sabemos de cor: "Não nos submetemos à essa lógica neoliberal!". Há quem aplauda tais bobagens e, depois, pranteie o leite derramado. Carpideiras da própria vítima! O calor da bravata não faz aumentar o leite dentro da leiteira. Não faz, mesmo. O que denominam lógica neoliberal tem tanta ideologia quanto as quatro operações.

 Dá pena saber que o esforço fiscal levado a efeito nos governos Rigotto e Yeda se perdeu em quatro anos. Saímos de um apertado mas efetivo equilíbrio entre receita e despesa para uma explosão do endividamento e para o buraco negro de 2015. Nada diferente do que vem acontecendo com o Brasil desde a metade do segundo mandato do presidente Lula. Aumentar o tamanho e o peso do Estado, ser incontinente com o gasto, tomar sempre um pouco mais da sociedade, fazer dívidas para pagar o custeio, são manifestações de prodigalidade que deveriam ser objeto de interdição legal.

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 A crise política tem gerado preciosidades à arte de sofismar, de tentar convencer sem ter razão. A técnica empregada nasceu na Grécia (sec. 5º a.C.) e se denomina erística. Aliás, erística é outra senhora idosa. Recentemente ela vem inspirando manifestações e textos que fariam a estátua de ouro de Górgias, seu expoente máximo, corar de vergonha.


ZERO HORA, 29 de março de 2015
 

Percival Puggina

19/03/2015

 

 Quem rouba, mente. Quem mente e rouba, quando surpreendido, acusa outros daquilo que fez. Pessoas com essas características se unem por afinidade. Nascem, assim, as quadrilhas. Quadrilhas precisam de proteção. No crime organizado, essa tarefa é atribuída a outros malfeitores, recrutados e remunerados pelos chefes.

 Na política, a proteção às quadrilhas é disponibilizada por bases parlamentares compradas, mídia chapa-branca e massas de manobras, ou seja, milícias mobilizadas com recursos públicos, como são os exércitos de Stédile, postos em prontidão, a pedido de Lula, no evento da ABI em "defesa" da Petrobras. Pode-se incluir nesse círculo de ferro outras práticas comuns e conhecidas, como o sistemático assassinato de reputações. Nas quadrilhas do crime comum, o adversário vira "presunto" e é desovado numa valeta. Nas quadrilhas da política, com falsos dossiês e calúnias, mata-se a reputação do adversário, embora não faltem exemplos de eliminação total dos arquivos, como aconteceu no caso Celso Daniel.

Nos casos de corrupção sistêmica, como está acontecendo no Brasil, percebe-se que a inclinação ao mal se manifesta de inúmeras formas. Há uma imensa deformidade moral em pleno funcionamento. A apropriação de recursos públicos é apenas uma das formas de corrupção, e não sobrevive sem as demais. É isso que torna desprovida de sentido a tese oficial que pretende resolver a presente crise institucional com "uma boa lei anticorrupção e uma boa reforma política". Falem sério! Milhões de brasileiros foram às ruas no dia 15 de março, indignados com a completa perda de credibilidade do governo, aí incluída a presidente da República, sua equipe de trabalho, seu partido e demais apoiadores, e a própria mídia chapa-branca. Os brasileiros compreenderam a extensão do problema moral que afeta irremediavelmente o governo, sua respeitabilidade interna e externa, e a indispensável probidade dos atos de Estado. O governo brasileiro virou objeto de lágrimas aqui e de risos no exterior.

Por fim, entre as muitas formas de corrupção, inclui-se a do intelecto. Não me refiro a qualquer problema mental, neurológico. Não, a corrupção do intelecto, ou desonestidade intelectual, é uma forma de vilania. O indivíduo intelectualmente desonesto utiliza-se de dois meios para favorecer a causa que sustenta. Ou ele mente, a exemplo daqueles a quem concede ou vende seu apoio, ou, se mais capacitado, usa da erística, que é a "arte" de convencer por meios ilícitos, com saltos acrobáticos sobre a lógica, no deliberado e fraudulento intuito de iludir o interlocutor.

A corrupção também vive de tipos assim. Eles ajudam a sustentar seu círculo de ferro. A atualidade nacional permite reconhecê-los facilmente nas salas de aula, nos veículos onde atuam, a cada coluna que escrevem. Têm nomes conhecidos, claro, porque é indispensável, à eficiência da tarefa, que o operador do método, se atuando na grande mídia, conte com certo prestígio pessoal.

Fica demonstrado, assim, que a crise institucional brasileira não se resolve com leis, existentes ou futuras, mas com a ruptura, em conformidade com o Estado de Direito, desse círculo de ferro da corrupção. Ele é ainda mais sistêmico e devastador porque nosso modelo institucional centraliza Estado, governo e administração nas mãos de uma só pessoa, que nunca sabe coisa alguma do que acontece ao seu redor.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

17/03/2015

Quando a má intenção é excessiva, até os bobos percebem. Estive folheando alguns jornais em busca das matérias que registraram as ditas manifestações encomendadas pelo governo e que antecederam às de domingo. Elas registraram os eventos com coloridas estampas onde dominavam as bandeiras vermelhas, e informaram números estimativos de participantes. Esclareceram que as pautas principais eram a defesa da Petrobras, direitos trabalhistas e preservação do mandato da presidente Dilma. Corretamente, divulgaram que o público era formado, em sua totalidade, por gente da CUT, MST e assemelhados. Bastava olhar as bandeiras para saber isso.

 Havia, porém, outros fatos acontecendo simultaneamente. E o silêncio sobre eles se enquadra na situação a que aludi na primeira frase deste artigo: quando a má intenção é excessiva até os bobos percebem. Quem eram essas pessoas que não são capazes de identificar a contradição em que se meteram? Não foi a presidente cujo mandato defendiam quem detonou a Petrobras e agora quer lhes suprimir direitos? Quem eram essas pessoas que em plena tarde de sexta-feira estavam disponíveis para atender convocação de sua entidade e se deslocar para determinado ponto de concentração? Uma vida tão sem compromissos laborais em dia útil seria, no meu modo de ver, mais compatível com "coxinhas". Classes "trabalhadoras" dispensadas de trabalhar? Por quem, cara-pálida?

 Tem mais. O telefone celular e, em especial os iphones, conjugados com as redes sociais, parecem ainda não detectados por muitos profissionais da mídia. Hoje, cada cidadão, com um aparelho desses, é parte de uma agência de notícias onipresente. E enquanto os "do ramo" se atinham à ramagem dos fatos, pessoas comuns, de iphone em mãos, falavam com taxistas, conversavam com os atendentes de restaurantes e bares, registravam onde iam, como se alimentavam e quais as rotinas adotadas por aqueles a quem a mídia denominava manifestantes.

 Pelo Twitter, me informavam sobre os taxistas, a quem os portadores de bandeiras vermelhas pediam recibos das corridas (alguém, portanto, estava custeando aquela modorrenta espontaneidade). Pelo Face me mostravam fotos de grupos recebendo dinheiro e de grupos almoçando em restaurante caro de um shopping de Belo Horizonte. O que os "manifestantes" ali mais manifestaram foi bom apetite e bom gosto, consumindo três garrafas de vinho cujo preço unitário excederia R$ 100. E venha a bendita nota fiscal. Por e-mail, chegavam fotos mostrando filas nas sorveterias imperialistas do Mc Donalds. Via Face, relatos de atendentes de bares e restaurantes que gastaram canetas e talonários fornecendo recibos individuais para cada item consumido. Por e-mail, recebi short clips de "manifestantes" do MST marchando em filas paralelas de modo a parecerem muitos, sendo poucos, interrompendo o trânsito e criando confusão sem qualquer comunicação positiva com a sociedade (que eles, aliás, foram ensinados a rejeitar). Mas nada disso parece ter sido visto por quem, em tese, teria o dever profissional de estar observando, registrando e comunicando.

 Essa informação deficiente não foi despropositada. Ela queria transmitir a ideia de duas manifestações antagônicas e semelhantes, ainda que em quantitativos diversos (como teve que ser registrado no domingo). Com base nessas matérias, Cardozo e Rossetto puderam se referir às "reivindicações das duas manifestações". Contudo, foram eventos incomparáveis. Um foi manipulado, com participantes remunerados e pautas que se contradizem. O outro foi amplamente democrático, quem compareceu o fez por sentimento de dever, no uso de sua liberdade, por amor ao Brasil e com o desejo de dar um basta à sordidez que se apoderou de nossas instituições.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.