Percival Puggina
10/03/2016
Em outro artigo, que será publicado na edição de Zero Hora deste próximo final de semana, escrevi sobre a anomia que acometeu o Brasil neste inicio de século, relegando a nação a uma condição selvagem em pleno ambiente urbano. Tal condição se caracteriza pela insegurança, pelo medo, pela decadência do respeito à lei e aos poderes constituídos, e pela quase inutilidade do setor público, incapaz de dar solução adequada às mais rudimentares de suas atribuições.
Na política, repete-se como axioma que ela não convive com vácuos. Em tese, todo vazio é rapidamente preenchido. Pois a anomia se instalou no Brasil muito gradualmente já no segundo mandato de Lula, quando o presidente, para efeitos públicos, assumiu-se como mito. E mitos não governam. Mitos são taumaturgos, anunciam quimeras. Governar é para os mortais. Depois, quando Dilma foi eleita e reeleita, o vazio do poder instalou-se de vez. A presidente da República é aquilo que a ciência define como perfeito e impossível - o vácuo absoluto, a total ausência de conteúdo. Quando se instala algo assim no espaço intergaláctico, forma-se o fenômeno conhecido como buraco negro, capaz de devorar galáxias inteiras. No Brasil, não. Fica vazio e pronto.
Não bastasse uma governança politicamente oca, verdadeiro infortúnio, produziu-se entre nós, simetricamente, um outro vazio tão ou mais surpreendente na oposição política. O tucanato, apresentado pelo petismo como seu arqui-inimigo, não corresponde à ideia comum que se tenha de um partido de oposição. Não é possível olhar para o PSDB e achar que ali está o Batman do Coringa petista. O PSDB é apenas o maior partido fora do governo. Não é sensato tomar como conduta de partido de oposição aquilo que, na ordem dos fatos, são apenas manifestações desconexas de divergência em relação ao governo.
Temos, portanto, dois fenômenos que, em tese, não poderiam existir. E que talvez só possam ocorrer exatamente por serem simétricos e equivalentes. Dois vácuos políticos aguardando provimento, no governo e na oposição. Não será difícil encontrar na situação descrita uma das causas determinantes da crise multiforme que, como nação, estamos enfrentando.
No dia 13 ocorrerá no Brasil a maior manifestação popular de nossa história. É diante desse cenário que ela vai acontecer. O povo irá às ruas não para substituir-se às instituições, mas para sacudi-las de sua letargia. Vai às ruas por uma questão de saneamento moral básico, de honra nacional, para recuperar valores que foram pisoteados pelos cavaleiros do Átila de Guarujá. Ainda assim continuaremos precisando de algo tão parecido quanto possível com um governo e uma oposição.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
07/03/2016
A tarefa de fazer com que muitos creiam não é apenas missão religiosa. É, também, essência da política como arte de conquistar apoios para alcançar e manter o poder. Há sistemas políticos nos quais as pessoas creem em partidos e suas ideias, visões de mundo, perspectivas históricas, valores e em como isso se projeta nos anos por vir. E há sistemas, como o nosso presidencialismo, em que a crença dos eleitores recai sobre as pessoas dos candidatos. É fácil compreender que isso nos faz mais vulneráveis à mentira como forma de angariar apoios. Quanto mais ingênuo o eleitor, quanto mais carente do benefício pessoal que lhe possa advir do poder público, mais sensível ele se torna a mentiras e mistificações. Nas nossas disputas políticas, a verdade é mais inoportuna do que a mentira.
Em Irmãos Karamazov, Dostoievski ensina: "O homem que mente para si mesmo e escuta as próprias mentiras chega a um ponto em que não pode distinguir a verdade e a mentira dentro de si ou ao redor de si, e assim perde todo o respeito por si mesmo e pelos outros".
Após seu depoimento nas instalações da PF em Congonhas, durante a entrevista que virou discurso, o ex-presidente era imagem viva e falante do desastre exposto por Dostoievski. Lula apelou para todo o seu repertório de artimanhas. Quero destacar a que é mais repetida, ao longo dessa infinita série de escândalos. Segundo o governo, a promissora condução petista dos negócios nacionais seria antagonizada por uma elite que não tolera a prosperidade dos mais pobres.
Lula, Dilma, o governo e seus partidos prestariam enorme serviço à saúde pública se apontassem quais brasileiros desejam que os pobres continuem pobres e morram na miséria. Essas pessoas, certamente pouquíssimas caso existam, deveriam ser identificadas e tratadas porque portadoras de um desejo anormal, desumano e masoquista. Ninguém mentalmente sadio quer viver sitiado pela miséria e suas vexatórias consequências que o governo sequer minimamente conseguiu abrandar.
A esse respeito, o senso comum grita contra a algaravia de Lula: nada é tão honestamente benéfico ao bem de cada um do que o bem de todos! Nada é mais conveniente à prosperidade de cada um do que a prosperidade de todos! São dois axiomas que dispensam provas. Eis por que o desastre ético e técnico da gestão petista nos leva a sonhar com educação promovendo o desenvolvimento das potencialidades da juventude, população ativa ganhando a vida e gerando riqueza, produção, consumo, empregos, PIB crescendo, inflação caindo e as pessoas podendo cuidar bem de si mesmas. Quem não quiser isso é doido. E quem acusa 90% da população ser contra isso é o quê, Dostoievski?
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
04/03/2016
Enquanto um punhado de militantes petistas protestava contra a ação da Polícia Federal que conduzira Lula ao aeroporto de Congonhas, veio-me à mente imagem com a qual me deparei ontem no Google. Retrata um evento da campanha eleitoral de 2002. Lula, Genoíno, Mercadante, Berzoini e Alencar formam um abre-alas e marcham portando faixa, devidamente estrelada, com os dizeres "Quero um Brasil decente". Fácil compreender a decepção de quantos creram que a faixa expressasse um sentimento real.
Os fundadores do PT viam-se como agentes de um processo revolucionário. Frei Betto, em artigo de 2007, assim descreve os anseios dos vitoriosos de 2002: "A lua seria o nosso troféu. Haveríamos de escalar suas montanhas e, lá em cima, desfraldar as bandeiras da socialização compulsória". O nome disso é revolução. E nenhuma causa revolucionária consegue ser compatível com o Estado de Direito. A revolução por dentro do regime democrático, sem sangue, como sonhou o PT, é uma lavoura que, entre outros requisitos, precisa ser irrigada com dinheiro. Dinheiro para as campanhas eleitorais, para a militância e para os movimentos sociais controlados pelo partido, para manter operante um exército de jornalistas e formadores de opinião. É preciso ter e manter multidão de agentes que começam no sanduíche de mortadela, mas miram o topo da cadeia alimentar revolucionária, onde estão a lagosta ao thermidor e o Romanée-Conti. O sanduíche é meio e não fim de toda jornada socialista. Não conheço um só revolucionário que queira o comunismo para continuar batendo cartão e operando a mesma máquina.
Numa democracia, o poder é buscado dentro da regra do jogo, dentro da lei. No entanto, se o objetivo é revolucionário, pertence à própria natureza do processo que seus agentes se considerem acima da lei. A causa vem antes e lhe é superior. A lei que não convém à causa é iníqua e não merece respeito. Na primeira etapa, então, se instala esse sentimento de superioridade em relação à ordem jurídica. Face bem visível do que descrevo pode ser observada nos assim chamados "movimentos sociais". Quem se opõe às suas ações é acusado de criminalizá-los. Por quê? Porque quem está acima da lei não comete crimes.
É aí que se começa a explicar o incomparável desastre moral que acometeu o PT. A mentira vira argumento. Calúnia, difamação e injúria ganham utilidade política. Fatos são substituídos por versões. A verdade perde interesse e utilidade. E por aí vai a decência para o brejo.
As reações que surgem nestas horas às ações da PF, do MPF e do juiz Sérgio Moro são motivadas pelo mesmo fenômeno. Ou seja, o petismo ainda não caiu em si. Na fala do presidente Rui Falcão, na gritaria dos militantes no aeroporto de Guarulhos, no posterior discurso de Lula à claque petista, percebe-se a mesma convicção: todos supõem ser devida a seus líderes e ao partido uma reverência que os tornaria inatingíveis pela Justiça. E à sombra dessa reverência deveriam ficar resguardadas as condutas mais suspeitas e a vertiginosa prosperidade pessoal e familiar de tantos. A infinita sucessão de escândalos não é entendida como conduta fora da lei, mas situação normal para quem está acima dela.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
01/03/2016
Gostemos ou não, o tema persiste. O governo padece de rejeição generalizada e irreversível, suficiente para aconselhar respeitosa renúncia. Seria um glorioso, histórico e democrático "Dia do Não Fico". Fosse o governo atento à soberania popular, à voz das ruas e ao som das panelas, não insistiria em permanecer sabendo-se reprovado, há 12 meses, por imensa maioria dos eleitores. Quanto ao impeachment, as opiniões se dividem sobre os motivos e a conveniência. O que segue é uma resenha do que considero principal sobre o tema.
Há os que desejam o impeachment por motivos ligados ao mau desempenho do governo, que acumula inédita galeria de fracassos éticos e técnicos. Até seus feitos foram malfeitos. "Subtraída em tenebrosas transações", a nação descobre que perdeu 13 anos em 13. Muitos indicadores regridem aos anos 1990. Todos os setores de atividade naturalmente afetos ou usurpados pelo Estado brasileiro estão em visível decadência. Há um grupo governante responsável por tudo isso. Perante seus descomunais escândalos e desacertos, são insustentáveis as teses dos companheiros. Para eles, o governo é bom. Ruins seriam os fatos da vida, as agências de risco, os ianques, as forças da direita, o neoliberalismo, sem os quais o Brasil estaria bombando.
Há os que querem o impeachment em virtude do caos social. Ser brasileiro tornou-se cansativo e perigoso. O governo perdeu feio todas as guerras que pretendeu travar. Perdeu para o crime, para as drogas, para as epidemias. A queda do PIB, a recessão, a inflação, o desemprego, tendem a compor um ambiente favorável ao agravamento do caos social. Arrecadando 36% de tudo o que a nação produz, o Estado brasileiro cobra passagem de primeira classe e embarca seus passageiros em carro de boi.
Há os que querem o impeachment por motivos ideológicos. Nossos governantes abraçaram uma ideologia que nunca deu certo. O ufanismo de Lula com o Foro de São Paulo e seus parceiros da esquerda bananeira travou na garganta. O neocomunismo bolivariano foi mais um Muro de Berlim que caiu em desgraça. Além disso, o petismo transformou as diferenças existentes na sociedade brasileira em tema de casa, para serem aprofundadas e convertidas em conflito.
Há, finalmente, os que não querem o impeachment por considerar preferível que o governo carregue sozinho os próprios fardos e culpas até 2018. Concordo com todos esses fundamentos e posições. Mas acrescento: quero o impeachment por imposição moral. Como questão de saneamento básico. É vergonhoso ser cidadão de um país que tolere, bovinamente, saber o que sabemos, ver o que vemos, passar pelo que passamos.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
29/02/2016
Fui e continuo sendo fã de Millôr Fernandes, que abria suas festejadas páginas afirmando - "Livre pensar é só pensar". Por vezes, essa frase me vem à mente clamando por um adicional: "Mas quem não for capaz disso, não me faça perder tempo".
Foi o que senti ao saber da polêmica sobre o supostamente inalienável direito humano ao uso dos shortinhos pelas alunas do Colégio Anchieta. Analistas de reconhecido pêlo ideológico alinharam-se com as jovens e não duvido de que, em breve, o STF esteja decidindo sobre o direito que as pessoas têm de se vestir como bem entenderem. No ato de protesto, as alunas portavam cartazes e, num deles, se lia: "O machismo não decide a minha roupa".
Não conheço macho da espécie que se sinta aborrecido ou ultrajado diante de uma jovem de shortinho. Bem ao contrário. Portanto, essas alunas estão deliciosamente a serviço do machismo! Será necessário desenhar? E estão se prestando, também, ingenuamente, a uma causa que menospreza a liberdade individual. A linha política e ideológica que veio em socorro dos shortinhos é a mesma que, alguns metros adiante, estará tachando de burguesas tais modinhas e grifes. A pauta supostamente feminista em que estão envolvidas é uma pauta internacional, de natureza política, velha há mais de meio século. Tem por método dissociar a liberdade dos devidos parâmetros de responsabilidade e autoridade. E tem por finalidade, destruir a autoridade e a responsabilidade. Não, não é para assegurar a liberdade que o faz, mas para combater a civilização que produz esses shortinhos pelos quais as referidas alunas inflamadamente lutam.
Nos Estados Unidos, há bom tempo, jovens da mesma idade portavam cartazes dizendo: "I dress up for myself!. Seria mesmo? Será mesmo? Duvido. É muito improvável que alguém se vista apenas para si. Vivemos em sociedade, como seres individuais e sociais. Estamos, fisicamente, em sociedade, com os outros. A menos que seja um ambiente deserto, sempre haverá outras pessoas onde estivermos. O que denominamos de nossa imagem é algo que transmitimos aos demais. É por isso que as diferentes instituições estabelecem normas sobre vestuário e insubordinar-se ante elas não é um serviço a coisa alguma. Aliás, quase podemos dizer que nossa imagem não é nossa, tão relacionada é com o modo como somos vistos. É por esse fato singelo da vida que existem roupas adequadas a cada situação de convívio social.
Penso estar tratando de algo que nosso país exibe e grita ao mais desatento observador. O Brasil vale por um workshop sobre como a liberdade sem limites acaba com a liberdade de todos. Ademais, convenhamos: com o país do jeito que está, despender energia e mobilização protestando por shortinhos é o cúmulo da alienação!
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
25/02/2016
Estranhe não. Preferir a versão ao fato e a mentira à verdade não é opção incomum. Muitas vezes é o mais conveniente para quem faz a escolha. Negar verdade conhecida e desprezar fatos pode ser colo protetor onde consciências em conflito são acalentadas.
Por isso, entendo perfeitamente a atitude de quem, sem ser pago para tanto, prefere afirmar que nunca como nestes anos, o Brasil foi governado por seres tão generosos e movidos por tão virtuosas intenções. “Generosos que enriqueceram? Virtuosos que ocultaram suas reais intenções?”, perguntará o leitor já perdendo a paciência. E se fizer tais perguntas prepare-se para receber os rótulos de coxinha, golpista, fascista e inimigo dos pobres. Quem senta no colo da ilusão não está ali só pelo aconchego.
Escrevo estas linhas pensando no João Santana, publicitário do PT que acaba de ser preso. Existem publicitários que atuam em área protegida pelo direito do consumidor, cuja liberdade de criação está confinada pelos limites do que seja verdadeiro a respeito daquilo que promovem. Outros, porém, atuam na política, segmento de mercado não alcançado pelo direito à informação honesta. Mesmo assim, todos os profissionais sérios, que reconhecem ser a política mais importante do que o marketing eleitoral, têm como parte relevante de sua tarefa trabalhar o cliente para que ele faça o melhor de si mesmo.
Há publicitários assim, eu os conheço. E há o João Santana, marqueteiro do PT, muito bem sucedido na arte de vender lebre e entregar bichano. Em 2006, depois que a oposição optou por deixar o “Lula sangrar” até a eleição, o João estancou a hemorragia, suturou os cortes, refez a imagem e entregou Lula ao eleitor, puro como cristal da Boêmia. Em 2010, João (contando não se acredita!), convenceu a maioria dos eleitores de que Dilma era uma grande gestora, braço direito de Lula, estadista qualificada, mãe do PAC, padroeira do pré-sal. Em 2014, quando poucos ainda levavam a sério essa descrição, fez tudo de novo. Foi a simbiose instalada entre o marqueteiro João e o PT, a grande vitoriosa das três últimas eleições presidenciais brasileiras.
Estamos falando, aqui, de um talento a serviço do desastre nacional. E também falamos de um partido político que, ao montar um discurso, ao elaborar uma peça publicitária, como vimos há poucos dias, deixa de lado a verdade, os fatos, aponta para todos os lados e jamais – jamais! – em circunstância alguma, aponta para o próprio e comprometido peito. Perigoso, muito perigoso!
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
22/02/2016
Ontem à noite assisti a um vídeo exibido há pouco mais de um ano, durante a última campanha eleitoral. Nele, Lula e Dilma conversam, em um jardim, sobre as maravilhas do país que ambos estão construindo. Lula afirma não haver no mundo lugar de oportunidades tão esplêndidas quanto o Brasil. Dilma se exclama ante a conduta da oposição, descrente, pessimista e incapaz de reconhecer tudo que o pré-sal, já no curto prazo, significaria para o desenvolvimento social e econômico do país. Postei o vídeo no meu site (www.puggina.org/videos).
O caráter dos dois mandatários que o PT vendeu como bons à carente e inculta sociedade brasileira já é objeto de uma certificação histórica. Dá para levar a ficha ao cartório, receber carimbo e colocar um selo. Nada que digam merece credibilidade porque todos os seus atos funcionam como jogo de cena ou cortina de fumaça. Visam a iludir ou a dissimular. Têm uma utopia para vender e uma realidade, bem diferente, para ocultar. Têm malfeitos a refutar, adversários a quem os atribuir e delatores a delatar.
O Brasil foi ingerido e metabolizado - talvez devesse dizer colonizado - pelo Partido dos Trabalhadores, que o vê como coisa sua. A organização considera nosso país uma espécie de sítio em Atibaia, onde outros pagam para que os seus se regalem. Não importa que o Brasil se dê mal, contanto que os companheiros se deem bem. Um dia, sabe-se lá quando, nossa pátria será apenas um osso roído e sugado para quem dele ainda quiser se ocupar. Como não lidamos com um governo, no conceito político dessa palavra, os ocupantes só cuidam de seus próprios interesses, de suas defesas, de lidar com seus advogados e, como sempre, de comprar apoios. Tudo para manter a posse e a pose. E os brasileiros? Ora, os brasileiros que se danem.
São duras estas palavras? Minha pergunta é outra: quais seriam então as palavras, diante do que vemos? Vocábulos gentis seriam compatíveis com a realidade nacional? O partido governante acabou com a política! Promoveu mutretas e agora apela às tretas, às milícias, com o objetivo de atemorizar a nação. Lembra, leitor, do "espetáculo do crescimento"? Estamos pagando a conta do roteirista, da iluminação, do som, dos fogos de artifício, da publicidade e dos efeitos visuais. Os atores do desastrado espetáculo, para não serem vaiados, só aparecem em ambiente cercado, para distribuir algum presente e dar a mão a beijar.
Em 1967, no III Festival da MPB, o cantor Sérgio Ricardo, após vários minutos de ininterruptas vaias, quebrou o violão e jogou-o ao público (ou no público). E foi embora. O governo brasileiro vive o apogeu do fracasso. Vaia sobre vaia. Tudo deu errado na Economia, na Educação, na Segurança, na Saúde. Em muitos indicadores, estamos recuando aos anos 90. Perdemos 13 anos em 13. E já não resta ao governo sequer aquele fragmento de dignidade que lhe imporia o dever moral de pedir desculpas, pegar o boné e tomar o rumo da porta.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
20/02/2016A pergunta que me ocorre, nesse cenário em que uma luzidia presunção coletiva projeta as sombras de profundas insatisfações pessoais, é a seguinte: por que tantos e tantos renunciam à santidade, relegando-a ao patamar das coisas inatingíveis? Se somos tão aperfeiçoáveis em tudo, por que abdicamos à busca do Bem e da perfeição moral e espiritual? Quando se trata dessas dimensões do ser, apesar de sermos cobradores permanentes da perfeição alheia, costumamos afirmar que “somos como somos” e que “devemos aceitar nossa imperfeição”.
Vivemos num cenário de generalizada presunção. Ordenam-se, para o compor, vários fatores: as eficientes técnicas de marketing - demonstrando que a exaltação da qualidade de produtos e serviços gera dividendos empresariais - acabam induzindo todo mundo a fazer a mesma coisa; a velocíssima multiplicação das informações e do conhecimento que, saindo da escala humana e entregue ao ritmo de máquinas sofisticadas, nos acena com a possibilidade de sermos usufrutuários de todo esse manancial de dados; os métodos de auto-ajuda, que convertem em sucesso editorial qualquer livro cujo título proponha transformar em sofisticada porcelana a argila vulgar de que fomos feitos; a evidente qualificação dos instrumentos e da possibilidade de formação necessários para que se possa fazer de modo certo o que se tenha para fazer; a vertiginosa evolução da tecnologia de ponta e da quantidade de pontas da tecnologia, produzindo um crescente otimismo quanto à excelência das futuras condições da vida humana.
Em outras palavras, a humanidade se considera, como mínimo, o máximo. E não são poucos aqueles que, comparando o que o homem tem conseguido fazer com aquilo que Deus deixou feito, chegam à conclusão de que caminhamos para o empate técnico e já confundem o homem com o próprio Deus. É verdade que resta sempre um resíduo de limite pois cada conhecimento adquirido descortina vários mistérios novos, de modo que cada explicação propõe uma série de perguntas adicionais; e é verdade, ainda mais amarga, que o homem não conseguiu se desvencilhar da fatalidade da morte (embora, ainda neste caso, muitos creiam, como diagnosticou alguém, que nosso contemporâneo se vê como imortal, considerando apenas uma questão de tempo dar-se solução aos injustificáveis embaraços dos velórios).
Mas entre o orgulhoso devaneio de alguns, o pessimismo de outros para os quais tudo é ilusão (sendo o homem uma toupeira incapaz de reconhecer qualquer verdade) e a objetiva percepção da realidade, resta uma sólida evidência: é quase inesgotável nossa capacidade de aprimorar aquilo que fazemos. Tal observação se relaciona, numa perspectiva cristã, com a própria natureza humana - imperfeita mas aperfeiçoável.
Nascemos com o pecado original, desdentados e com um sorriso de insuperável inocência, usamos fraldas e engatinhamos lenta e desajeitadamente para superar as pequenas distâncias que nos separam de nossos objetivos. Em pouco tempo estamos correndo, nosso sorriso exibe dentes, vamos dominando os esfíncteres e perdendo a ingenuidade. Um pouco mais e nos tornamos homens do mundo, freqüentamos o dentista, nossos objetivos se afastam de nós, andamos de avião e sorrimos por conveniência sensual, social ou comercial.
Somos imperfeitos, sim, mas somos aperfeiçoáveis. Toda nossa “evolução” se faz perseguindo um nível de perfeição no qual se contêm eficiência, eficácia, qualidade do que produzimos, elevado grau de formação e informação e, em muitos casos, uma busca por beleza plástica que passa pelo espelho e se estende nas circunstâncias materiais de que nos rodeamos. À medida em que percebemos e compreendemos as possibilidades materiais e de gozo sensorial que costumam andar associados ao aperfeiçoamento e à busca da qualidade, passamos a nos conduzir pela vida como adolescentes que descobrem a relação existente entre o tempo dedicado à vaidade e o impacto produzido sobre o sexo oposto.
De uns tempos para cá, como resultado da abertura das economias nacionais, abandonado o modelo da auto-suficiência, as prateleiras das livrarias se encheram de livros sobre Qualidade Total e Excelência Empresarial. Investimentos realizados para adequar empresas a exigentes padrões de qualidade vêm se revelando altamente rentáveis. Governos se aplicam em estimular, nesse sentido, o setor privado, e as entidades empresariais se jogam na tarefa, muito mais difícil, de obter do setor público um correspondente empenho em se qualificar a si mesmo. A busca de aprimoramento afeta, assim, até mesmo os governos e a administração pública o que, convenhamos, é bem mais do que estamos habituados a conceber como conduta setorial.
O conteúdo desses manuais endereçados ao setor privado tem alguns denominadores comuns. Entre eles a descoberta de algo que o pensamento cristão - sob outro título e com outras motivações, vem ensinando há séculos: “Assim como a parte e o todo são em certo modo a mesma coisa, assim o que pertence ao todo pertence de alguma sorte a cada parte” (Santo Tomás, Sum. Teol. II-II, q. 61 a.1 ad 2). Donde se conclui que a qualidade que pertença ao todo de uma empresa ou organização se faz da qualidade das pessoas que a compõem; em nenhuma organização humana haverá qualidade que não esteja fundada na qualificação de seus membros, em todos os seus níveis. Eureka! A moderna administração descobriu, na porta do estabelecimento e na gaveta do caixa, o valor da pessoa humana. Terá aberto a janela para vislumbrar sua verdadeira dignidade?
A situação que estou descrevendo pode ser percebida em toda parte. Não tem outra explicação a corrida aos cursos de especialização, o grande número de trabalhadores que enfrentam, à noite, longas jornadas de estudo, os cuidados com a alimentação, o êxito comercial das academias de ginástica, a prosperidade dos cirurgiões plásticos e o sucesso de qualquer produto anunciado como capaz de devolver o topete aos calvos. Todos querem “fazer o melhor” de si mesmos.
Ora, esse extraordinário empenho coletivo por “qualidade” e “excelência” parece apontar para um inusitado ciclo histórico de aperfeiçoamento humano. Será mesmo? Estamos, de fato, nos tornando melhores a cada dia? Atingimos elevados padrões de conduta? As pessoas não costumam dar respostas afirmativas ou expressar otimismo quando tais indagações lhes são formuladas. Ao contrário, o que se ouve são manifestações de insatisfação com os rumos da sociedade e de sua instituição fundadora - a família - , empregando-se nessas avaliações palavras e expressões como “desorientação”, “perda dos valores de referência”, “egoísmo”, “individualismo”, “loucura generalizada”, “falta noção de limites”, “violência” e assim por diante. Enquanto isso, nos consultórios dos terapeutas da mente humana o extravagante se converte em rotina. E num mundo de sofisticadas satisfações a felicidade é um devaneio buscado em várias e rentáveis formas químicas de agressão ao sistema nervoso central.
A pergunta que me ocorre, nesse cenário em que uma luzidia presunção coletiva projeta as sombras de profundas insatisfações pessoais, é a seguinte: por que tantos e tantos renunciam à santidade, relegando-a ao patamar das coisas inatingíveis? Se somos tão aperfeiçoáveis em tudo, por que abdicamos à busca do Bem e da perfeição moral e espiritual? Quando se trata dessas dimensões do ser, apesar de sermos cobradores permanentes da perfeição alheia, costumamos afirmar que “somos como somos” e que “devemos aceitar nossa imperfeição”.
A propósito - e poderia dizer paradoxalmente - ainda não encontrei alguém que proclamasse, a respeito de seu trabalho e de sua atividade profissional, coisa do tipo “eu sou incapaz”, “só consigo fazer malfeitas as tarefas que me são atribuídas”, ou “não me peçam nada melhor porque só sei fazer, mesmo, essa droga que aí está”. Ora, se como regra geral somos caprichosos, se nos empenhamos na qualidade do que materialmente fazemos, se nos ocupamos em projetos de Qualidade Total e de Excelência Empresarial, donde vem esse abandono coletivo da perfeição pessoal e da santidade?
Nada contra a qualificação técnica, o zelo pelo que seja material e o empenho em produzir bens e serviços de elevado padrão (aliás, tudo a favor), pois há nisso um conteúdo ético importante que se expressa no respeito ao próximo (consumidor, cliente, colaborador, etc). Mas não me parece coerente que, no contrapelo, as pessoas se satisfaçam com muito menos do que isso quando se trata de valores e das virtudes que os exaltam. Principalmente porque não há outro caminho para a felicidade de todos e de cada um. Deveria ser - e é! - tão possível buscar a santidade quanto perseguir a qualidade em tudo que materialmente fazemos. A santidade é a ISO 9000 da alma humana, certificada, não por alguma instituição externa mas por uma profunda e justificada felicidade interior.
Suponho que a estas alturas o leitor atento deve estar-se indagando sobre as razões da contradição cujas evidências aponto. Julgo que elas possam ser assim resumidas: a) sociedade contemporânea acentuou e agravou a milenar confusão que o agir humano tende a estabelecer entre satisfação e felicidade; e b) a Igreja Católica parece, a muitos, identificar santidade com “privação”, “mortificação”, “sacrifício”, “penitência” e outros desprazeres que a natureza humana tende a repelir veementemente.
Quanto ao primeiro item recomendo a leitura da excelente obra de Paul Poupard, “Felicidade e Fé Cristã”, em boa hora editado pelo Instituto de Desenvolvimento Cultural. Há uma estreita relação entre os “goodfinders” de quem fala o autor (pessoas capazes de encontrar o bem noutras pessoas e situações da vida) e aqueles a quem eu, aventurando-me a um trocadilho em idioma estrangeiro, chamaria “godfinders” (pessoas pertinazes em buscar o Bem). Essa busca habitual e firme do Bem - que o Catecismo da Igreja Católica identifica como característica fundamental das virtudes humanas - é condição inafastável da felicidade e da santidade. E não é por coincidência! Fomos criados por Deus para as duas coisas, sendo impossível conceber, no Plano de Deus, uma Criação para a infelicidade e para o vício, ou que nela se possa encontrar a felicidade no vício ou, ainda, que nela coincidam a infelicidade e a virtude.
Tenho absoluta certeza de que essas últimas afirmações fazem absoluto sentido para qualquer leitor bem boa vontade. Como resulta difícil, mesmo assim, acionar os mecanismos internos que nos poderiam levar ao Reino “que já está entre nós”, desassociando felicidade de satisfação e compreendendo que a parafernália de confortos e prazeres de que nos podemos cercar são apenas “coisas boas” mas o Bem está noutra parte! Obviamente não basta entender que satisfação é o estado de espírito de quem encontrou ou usufruiu de alguma “coisa boa” (agradável aos sentidos) e que felicidade é o estado de espírito de quem encontrou o Bem; assim como não basta saber que nem tudo que é bom faz bem para que as pessoas passem, prudentemente, a evitar os males contidos em certos bens e a desfrutar com temperança dos prazeres da vida.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/02/2016A prática do aborto remonta à antiguidade e tem, portanto, longa história. O primeiro relato de técnica abortiva data de 1550 a.C. e se encontra no Papiro Ebers, um documento médico do antigo Egito. Na Grécia clássica praticavam-se abortos. Hipócrates fazia abortos. Aristóteles recomendava abortamento em certos casos. Abortava-se em Roma. Abortava-se na Índia. Há mais de 4 mil anos faziam-se abortos na China. Certas culturas antigas o criminalizavam. Outras não. A Igreja o considerava pecado grave já durante a Idade Média. Ainda hoje, índios brasileiros matam bebês com deficiência física.
É irrecusável, portanto, que a atual defesa do aborto retoma a insuficiente informação própria das antigas civilizações. Recua nos passos de evolução das ciências. Assume como não sabido o que se tornou conhecido, para acolher uma prática que a informação proporcionada pela ciência fez com que fosse rejeitada. É uma curiosa inversão! Quando nem se pensava na genética, quando os mecanismos da concepção e da gravidez ainda eram desconhecidos, o aborto não envolvia qualquer juízo moral. No entanto, à medida em que o saber avançou e a genética evidenciou a natureza humana do feto, o aborto passou a ser objeto de interdição moral e legal. Os abortistas, porém, querem mandar a Ciência às favas e retornar à antiguidade em nome da modernidade!
Recentemente, enquanto seus convidados trocavam ideias sobre vírus Zika, microcefalia e aborto, uma apresentadora da Globo News lançou esta convocação: "Vamos ver se agora o Brasil começa a debater com seriedade a questão do aborto". Para aquela cabecinha "politicamente correta", debater com seriedade a questão do aborto é assumir a atitude reacionária de dar marcha-ré na história e no conhecimento científico. Por isso, digo: Aborto? Francamente!
Agora, querem submeter o assunto ao STF - ao cada vez menos douto e mais abelhudo Supremo Tribunal Federal, àquele que diz não estar legislando exatamente quando passa por cima do parlamento. E os abortistas querem levar o caso ao STF por um motivo especialmente imoral, ou seja, por um problema de saneamento básico. Ora, se o governo e as autoridades sanitárias não conseguem proporcionar condições adequadas de saneamento ao país, se a população não zela pelo próprio quintal, se o Estado não cuida dos seus fundilhos, se o mosquito zune nos ouvidos e zomba das autoridades, sacrifiquem-se os inocentes, porque queremos uma humanidade fisicamente perfeita, como naquele projetinho de Hitler e do Dr. Mengele.
Outro dia, li sobre médicos escandalizados com relato de mulheres abandonadas pelos maridos após o nascimento de bebês com microcefalia. Quanta perversidade desses genitores! Quanta debilidade moral! E o aborto, então, é o meio digno de resolver esse embaraço? Francamente!
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.