Percival Puggina

16/11/2015

 

 O marxismo cultural não existiria sem o conhecimento teórico e o domínio do papel estratégico dos símbolos e da linguagem. Por isso, ele cria e difunde expressões que se tornam instrumentos eficientes de intervenção no ambiente sócio-político. Essas palavras, com o significado que lhes é atribuído, servem, entre outros fins, para danificar a imagem daquilo que os manipuladores da linguagem querem destruir e, também, para apresentar como bom algo que a sociedade habitualmente rejeita.

É o que acontece, de um lado, entre muitas outras, com enrolações tipo direito de decidir, educação cidadã, criminalização dos movimentos sociais, e com as contraposições "incluído-excluído" e "oprimido-opressor". De outro com os vocábulos neoliberal, conservador, mercado, capital, e por aí vai.

Outro caso típico de manipulação da linguagem é o que vem ocorrendo com o substantivo "fobia". Como se sabe, esse é um termo da psicopatologia. No entanto, de uns tempos para cá, qualquer objeção a teses esquerdistas vem sendo apontada como "fóbica". Outro exemplo, de impressionante eficácia, é a imposição de conteúdos empacotados com o rótulo de "politicamente corretos". Na maior parte das vezes, o rótulo encobre, de modo fraudulento, graves incorreções políticas.

Exagero? Não. O objetivo essencial do politicamente correto é o regramento da opinião pública, certo? Então, pergunto: como pode ser correta a pretensão de submeter a uma geometria, como se fossem rodas de automóvel, os pensamentos e as palavras alheias? O politicamente correto é o pensamento único marxista, cheio de si.

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O Ocidente é o alvo comum. O fundamentalismo e o terrorismo islâmico almejam sua destruição. O marxismo cultural quer abolir da vida sociopolítica ocidental os resistentes princípios e valores que, sustentando sua civilização, impedem-no de se propagar. É o sonho de Gramsci e da Escola de Frankfurt. Eis aí o motivo pelo qual, diante dos atentados de Paris, ficaram tão nítidos os esforços da esquerda mundial no sentido de retificar as reações da sociedade mediante imposições do "politicamente correto". Assim, surgem de toda parte opiniões que, traduzidas em linguagem comum, despidas das sutilezas de que se revestem, estão a nos advertir como fazem em relação aos crimes do cotidiano: a culpa é da vítima. E acrescentam: "Condene os atentados, senhor, se o aborrecem, mas não a matriz que os promove". Quem a condenar, quem insuflar o peito nos ares da liberdade de dizer o que pensa diante do que vê, expõe-se a execração que acompanha os "fóbicos", sujeito a ser retaliado e retalhado pelos pedagogos da opinião alheia.

Esperar que a sociedade, diante do que tem acontecido nas últimas décadas, e na extensão em que isso ocorre, reaja com ponderações benevolentes é insidiosa pretensão. Como reduzir a gravidade do momento? Devemos encobrir os ouvidos com potentes headphones para não escutar as ameaças feitas ao Ocidente por uma dúzia ou mais de organizações terroristas? Não é sensato alimentar com alienação e imprudência os genocídios de amanhã.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

13/11/2015

 

 O Congresso Nacional aprovou e a presidente Dilma sancionou um projeto de lei que, nas circunstâncias atuais do país, parece ter sido concebido em reunião conjunta com o cubano PCC e com o PSUV (partido da ditadura venezuelana). A legislação brasileira já regula e penaliza, como deve, a calúnia, a injúria e a difamação. A nova lei acrescenta uma extraordinária facilidade para a obtenção do direito de resposta, por determinação judicial, já nas primeiras 24 horas da solicitação, tenha ou não havido tempo para contraditório ou ampla defesa.

Parece desnecessário explicar que a nova lei, com data de anteontem, 11 de novembro, não foi pensada, redigida e rapidamente aprovada tendo em vista a proteção do cidadão comum ou das instituições privadas. Quem, em primeiríssimo lugar, buscava resguardo de imagem eram os próprios legisladores que aprovaram o projeto e a chefia do governo que sancionou a lei. Na perspectiva de uns e outros, o que está a exigir providências não é o insignificante e pouco digno papel que desempenham perante a crise moral, política, econômica e social do país, mas a rejeição nacional a esse tipo de protagonismo.

Fico a me perguntar o que esperam os ilustres cavalheiros e as distintas damas que a sociedade faça? Que os corteje com aplausos e reconhecimentos? Que exclamemos - "Como vai bem o ilustre parlamentar quando defende o governo! Que gestos! Que eloquência!". Ou então: "Os 81 senhores senadores receberam carros novos. Que atenções e medidas lhes poderão exigir as remotas províncias enquanto desfrutam o fugaz odor da novidade?". Ou ainda: "Que mais pode fazer um governo em hora de crise, além de zelar por si mesmo?". O país? Ora, o país! O que é ele, diante dos cargos e recursos do poder?

Por questão de formação, cuido de ser civilizado nas minhas críticas, que raramente são pessoais. Por isso, não temo incorrer nas vedações da lei. Mas é forçoso reconhecer que ela inibe a crítica política. Decisões a esse respeito dependerão exclusivamente do entendimento imediato dos juízes a quem couberem (a lei exige urgência nas decisões relativas à matéria). Os julgadores podem considerar que não há distinção entre honra objetiva e subjetiva, ou seja, o reclamante pode ser um canalha condenado e preso, mas tem o direito de não ser chamado de canalha ou (como li num artigo jurídico) "não ser totalmente canalha".

Doravante, desonrados lutarão bravamente em defesa da própria honra, em breves e exitosos duelos jurídicos, apadrinhados pela nova lei.


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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
 

 

 

Percival Puggina

11/11/2015

 

 No tempo em que com prazer se viajava de carro pelo Brasil, houve um período em que não era incomum cruzar-se por postos ocupados por bonecos de madeira, com a farda da PRF. Na posição ereta e atenta, o boneco transmitia a quem se aproximasse a sensação de estar sob vigilância da autoridade policial. Eram todos gêmeos idênticos e, na imagem que me ficou, usavam bigode. Com o tempo, tornavam-se fisionomias conhecidas dos viajantes. Tenho me lembrado muito de tais bonecos nestes meses em que contemplo severa inatividade em instituições da República.

Considero-me dispensado de apresentar números porque a realidade é mais expressiva do que qualquer indicador registrado em numerais. As pessoas sentem. As pessoas sabem. No dia 9 deste mês, o jornalista Gilberto Simões Pires, em sua coluna no blog pontocritico.com, chamou a atenção para o fato de que no corrente ano, até este momento, segundo dados do próprio governo, foram fechados 1,3 milhão de postos de trabalho. Nenhum no setor público. Encolhe o setor produtivo, mas o outro, por ele mantido, não toma conhecimento. Fica evidente a existência de enorme dissintonia entre ambos. Um deles situa-se fora do Brasil real. Diante da crise econômica, política e moral instalada no país, os mais elevados estamentos das instituições de Estado parecem povoados por bonecos de madeira, de terno e gravata, em atitude solene, dedicados à tarefa de fazer de conta. Ressalvadas as dignas, devidas e insuficientes exceções, o mundo oficial transmite à sociedade essa sensação de teatro de fantoches fora de temporada.

O governo - é o que se lê - está mais preocupado com a imagem da oposição do que com o país. Seus mastins de guarda e fabricantes de versões decidiram que 93% da população brasileira é formada por "golpistas" inglorious. E ingratos. De fato, a imensa maioria dos brasileiros quer ver pelas costas um governo que não tem coragem de olhá-los de frente. Segundo o governo, que bem sabe como chegou lá, esta nação esqueceu as supostas grandes realizações levadas a cabo no início do século, exatamente para onde seus desacertos, nos últimos anos, fazem recuar a atividade econômica, a inflação, o desemprego e a imagem externa do país.

"E as instituições? E o mundo oficial?", perguntará o leitor atento a estas entristecidas linhas. Pois feitas as escassas exceções mencionadas acima, comportam-se como bonecos de madeira, com rosto do mesmo material.


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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; e A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

08/11/2015

 

 Se você procurar no YouTube por "Lula confessa estelionato eleitoral", vai encontrar um vídeo de pouco mais de um minuto no qual o ex-presidente afirma: "Nós tivemos um problema político sério, que nós ganhamos as eleições, sabe, com um discurso e, depois das eleições, nós tivemos, sabe, que mudar o nosso discurso e fazer aquilo que a gente dizia que não ia fazer...". Essa irretratável confissão foi proferida ao Diretório Nacional do PT, no último dia 30. Depois de haver mentido à beça, brincado de Alice no Brasil das maravilhas, raspado os cofres para sustentar farsas e feito o país regredir para indicadores de 2003 num mundo cuja economia crescerá 3% neste ano, o governo entrou em síndrome de autocomiseração. De culpado a vítima. Em deprê, só falta chorar pelos cantos.

Longe de mim apresentar o parlamentarismo como solução para a crise em curso. A razão, a racionalidade, não podem entrar pela saída de emergência para resolver crises de uma irracionalidade reiteradamente convidada pela porta dianteira. Resolvam, as instituições, essa tempestade de desgraças produzidas por um governo que tudo fez para ativá-la. Mas resolvam! Decidam até mesmo não decidir coisa alguma. Mas decidam!

Depois, por favor, desliguem os aparelhos que mantêm vivo esse modelo político moribundo e ficha suja. Ele vai na contramão de tudo que a mínima e a máxima racionalidade, em comum acordo, devem almejar. A quem serve colocar sob comando de uma só pessoa e seu partido o Estado, o governo e a administração pública? Governos partidários são normais nas democracias, mas - por favor! - partidarização do Estado? Da máquina burocrática? Graças a esse sistema ruinoso, quem comanda a política externa brasileira é a Secretaria de Relações Internacionais do PT. Faz sentido? Graças à partidarização do estamento burocrático, pela inserção de dezenas de milhares de militantes em cargos de confiança, funcionários transitórios podem inutilizar deliberações do Congresso Nacional. Podem colocar todo o material didático produzido para as escolas do país à serviço da ideologia do partido governante. Podem regulamentar para tornar má uma lei boa. Podem torcer informações, lubrificar as correias para pedaladas e podem se prestar para fins ainda mais escusos.

Quando cessar a tempestade, aconteça o que acontecer, tratemos de saber por que 95% das democracias estáveis separam Estado de governo e de administração, e têm mecanismos institucionais para substituição não traumática de maus governos. Reflitamos sobre o que o presidencialismo faz nesta pobre e autofágica América Ibérica, recordista da demência institucional.


Zero Hora, 04 de novembro de 2015

 

 

Percival Puggina

06/11/2015

 

 Imigrantes do mundo islâmico desembarcam na Europa em proporções demográficas dando causa a interpretações antagônicas. De um lado, a defesa dos deveres humanitários pondera, com razões, a terrível situação capaz de jogar ao mar multidões em fuga, para travessias que já causaram a morte de dezenas de milhares de pessoas. De outro, as contrariedades têm dois motivos principais: a) uma dúzia ou mais de grupos terroristas, jihadistas, sediados nos países islâmicos, infiltram-se no Ocidente movidos por obstinada determinação de o destruir e submeter seus "infiéis"; b) nenhum país tem condições de acolher grandes fluxos migratórios sem traumas à ordem interna.

Alegadamente, todos fogem de algum conflito. Ou de guerras internas do Islã, onde grupos combatem entre si, ou de ataques a comunidades cristãs por motivos políticos e religiosos. No entanto, a condição de refugiados sob perseguição ou tragédia nos países de origem não é verdadeira em todos os casos. Se assim fosse, seria maior o número de famílias completas e menor o número de jovens do sexo masculino adultos e solteiros. Em 16 de abril deste ano, o Estadão noticiou que imigrantes provenientes de Costa do Marfim, Senegal, Mali e Guiné Bissau haviam jogado ao mar 12 passageiros que seriam cristãos oriundos de Nigéria e Gana. Ao desembarcarem, remanescentes do grupo sacrificado denunciaram o crime e as autoridades de Palermo prenderam seus autores.

Fato isolado? Impossível. Impossível admitir que tenham sido presos em Palermo, nessa explosão migratória, os únicos representantes de um fundamentalismo que despreza o direito a vida dos "infiéis" e é tão ativo na região. Prospera em tais grupos um ódio ao Ocidente que os leva a atacá-lo por inúmeros modos. Dão continuidade a uma sequência de ações que atravessam os séculos de modo intermitente desde 711, quando Tarik derrotou o visigodo Roderico e invadiu a península Ibérica.

A imigração é um fenômeno corrente na história. O continente americano é inteiramente povoado por imigrantes. Em toda parte, os imigrantes das mais variadas origens buscam integrar-se às comunidades que os acolhem, submetem-se às suas leis e não intervêm nos seus costumes. Com a imigração muçulmana, por vezes, não é bem assim. De alguns anos para cá, de modo esparso, mas recorrente, valem-se da tolerância ocidental para impor sua intolerância. Exigem do Ocidente o que, nas respectivas regiões de origem, não é concedido aos ocidentais. Declaram-se insubmissos à autoridade política do país que os acolheu. Desfilam afirmando a prevalência da sharia. Por indiscerníveis razões, países igualmente islâmicos, abastados e pacíficos, aos quais poderiam chegar por terra firme, lhes recusam a acolhida incondicionalmente cobrada dos europeus.

Ademais, esse fluxo, irrestrito e em proporções demográficas, ocorre num momento em que o fundamentalismo islâmico se afirma pelo terror e formula assustadoras ameaças ao Ocidente e seu futuro. Derrubam aeronaves, explodem edifícios e estações, promovem execuções públicas e agem, no mundo, através de um número crescente de organizações terroristas. Generosidade é virtude; imprudência, não.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

02/11/2015

 

 Faz parte da pior cinematografia brasileira a obra em que Flávio Barreto tentou filtrar e tornar cristalinas as águas turvas em que mergulha a figura de seu "Lula, o filho do Brasil". O filme conta a história de um menino de origem miserável, cujo caráter teria sido marcado pela figura amorosa de dona Lindu, mulher de grande valor, que criou sozinha a numerosa prole. Em meio às dificuldades do sertão e da cidade grande, ela impôs a todos uma firme determinação moral: "Nesta família ninguém vai ser ladrão nem prostituta".

O filme e a frase me vieram à lembrança ao ler que o presidente nacional do PT, Rui Falcão, informado da busca e apreensão de documentos na empresa de Luís Claudio Lula da Silva, filho do filho do Brasil, exclamou indignado: "Tem tubarão e vão atrás de peixinho!". Referia-se a quem? Não sabia que Rui Falcão fosse dado a sutilezas e ironias. Sobre o mesmo episódio, o noticiário do dia 27 relatou que Lula se queixou amargamente da presidente e do ministro José Eduardo Cardozo, que não teriam intervindo para estancar as investigações. "A situação passou dos limites", haveria dito Lula.

De fato, passou dos limites. Os filhos de Luiz Inácio - Luís Cláudio e Fábio Luís - incorporaram Lula ao próprio nome e, em poucos anos, a exemplo do pai, se tornaram empresários muito bem sucedidos. Receita, não única, mas segura, para o sucesso no mundo dos negócios brasileiros: acrescente Lula ao nome ou seja parente do homem. Rapidamente, milhões cairão do céu em suas contas bancárias.

Não sei se o leitor destas enojadas linhas já reparou que a megalomania de Lula, a mesma que o leva a afirmar que acabou com a pobreza no país, tem a melhor representação precisamente no entorno do presidente e de seu partido. Companheiros que, em 2003, desembarcaram em Brasília viajando de ônibus e calçando chinelo de dedo, hoje vestem Armani e voam em jatinhos públicos ou privados. Nada mais acelerado (nem celerado!), em matéria de desenvolvimento social.

O filho do Brasil, pai dos pobres e padrinho dos ricos sem caráter, lida com tanta grana que se expôs a uma investigação da COAF. Enquanto isso, os netos do Brasil, os filhos do "filho", proporcionam lições de sucesso empresarial que deveriam ilustrar manuais em cursos de Administração. Fabio Barreto está devendo à nação um segundo filme, atualizando a biografia do filho de dona Lindu.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

30/10/2015


 Se você leu meu texto (http://www.puggina.org/fique-sabendo/ufpel---nudez-maconha-alcool-e-masturbacao-no/1212), e viu imagens do ocorrido (a maioria é impublicável, mas tem de tudo), você precisa ler, também, a nota oficial da reitoria da universidade (http://ccs2.ufpel.edu.br/wp/2015/10/29/nota-oficial-da-ufpel-sobre-a-manifestacao-no-ich/). Num texto desnecessariamente longo, a UFPel "vem a público esclarecer sobre o ocorrido" e informar sobre "as ações realizadas pela Instituição". O que você lerá, caso se dê o trabalho de clicar no link indicado, é uma confissão formal sobre a calamidade que expus na última frase do meu artigo mencionado acima:

Algumas [dessas moças] serão professoras de nossas crianças e adolescentes! E o que mais deve preocupar a comunidade: ninguém nasce assim. O veneno que as domina lhes foi ministrado gradualmente por gente de péssimo juízo e ainda pior leitura, como venho alertando há bom tempo.

Com efeito, a nota oficial dispensa qualquer lente para ver, ou qualquer investigação para identificar, onde e como estas condutas são geradas. A reitoria simplesmente passou a mão por cima de todo aquele despudor. O texto inicia (imagine só!) criticando um grupo do whatsapp constituído por alunos acusados de machismo. Segundo a nota, estaria ali, na intimidade vilã daquele grupo machista, o motivo da pornomanifestação pública do dia 26, evento que a universidade não aplaude, mas gasta praticamente todo o texto para explicar e compor coro com as manifestantes.

A da UFPel usou 23 das 670 palavras empregadas em sua nota oficial para anunciar que "a Administração está constituindo uma comissão especial para avaliar os fatos e propor os encaminhamentos devidos e cabíveis diante da importância da situação". Tudo mais foi redigido para alinhar-se com a pauta das manifestantes, jactar-se da criação de um Observatório de Gênero e Diversidade, afirmar-se como um espaço de diálogo, de convivência das diversidades, de multiplicidade de perspectivas, de interação das culturas e blá, blá, blá.

Com o que fica tudo perfeitamente explicado e, de minha parte, perfeitamente entendido. Sei, até, em quem votaram para presidente em 2014.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
 

 

Percival Puggina

27/10/2015

 

 Embora a palavra corrupção seja comumente empregada para designar ações ilícitas visando a ganhar dinheiro, estas não são as únicas condutas que se caracterizam como tais. Nem sempre os ganhos com a corrupção têm natureza monetária. Assim, por exemplo, é corrupção buscar benefício contra a verdade, ou seja, mentindo. É corrupção atribuir a outros as próprias culpas. O emprego de sofismas e falsidades para convencer sem ter razão preenche vasto catálogo de técnicas corruptas, concebidas para induzir ao erro e, disso, levar vantagem. Usar a estrutura do setor público gerando publicidade enganosa, enunciando meias verdades, negociando o inegociável, comprando apoios e produzindo desinformação também é corrupção.

 Haverá quem, adivinhando onde quero chegar, interrogue: "Nesse caso, quem atira a primeira pedra?". É uma pergunta esperta. Ela pretende induzir a uma recíproca absolvição geral, tipo indulgência plenária, da qual todos se tornam credores visto que praticaram os mesmos males. Restaure-se, assim, pelos deméritos alheios, a saúde daquela outra velha senhora, a impunidade. Ora, o crédito à primeira pedra (simbolicamente falando) cabe às instituições da república e à imensa maioria do povo brasileiro. Este, de modo ordeiro e cívico, já vem clamando pelo impeachment em memoráveis manifestações, nas ruas do país. São cidadãos que não endossam acordos velhacos, inconfessáveis, e não aceitam a retórica enganosa, o raciocínio fraudulento, a publicidade mentirosa.

 Pois é exatamente esse tipo de manobra que os governistas puseram em curso. Procuram confundir os atos de repúdio ao governo, expressos nos pedidos de impeachment exigidos nas ruas e formalizados por cidadãos de bem, com o que há de mais desqualificado na oposição parlamentar. Tentam fazer de Eduardo Cunha o símbolo maior dessa oposição, obscurecendo o fato de que os negócios do senhor Cunha aconteceram dentro dos mesmos esquemas investigados na Lava Jato, ao tempo em que ele pertencia à base do governo. Tentam transformar o impeachment em um negócio do Cunha e buscam fazer desse lamentável cavalheiro uma espécie de dono do impeachment. Ora, se já é pouco digno agir assim, em inescrupulosa defesa do indefensável, sendo governista, muito menos digno é reproduzir tal conduta na condição de formador da opinião pública, orientando-a mediante sofismas e artifícios retóricos. São marujos do mar de lama!

 Não mudarão o curso da história com artes e manhas tão corrompidas quanto os corruptos que tentam proteger. Queiram ou não, sucessivas pesquisas mostram que o legítimo senhor do impeachment, a contragosto de quem ele jamais aconteceria, é o bom povo brasileiro. Se quiserem atacar o impeachment, ataquem o povo.

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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

25/10/2015

 

 Em junho deste ano, durante o 2º Congresso Nacional da CSP-Conlutas, um membro do comitê central do PCB fulminou os conservadores com o poema em que Brecht sentencia um homem dito bom à morrer num bom paredão, com uma boa espingarda, uma boa bala e com sepultura numa boa cova. Calorosos aplausos da plateia referendaram a fala. Alguém filmou, vazou e o vídeo prolifera nas redes sociais sob óbvias rejeições. O site do PCB atribui tais repulsas - ora vejam só! - a uma direita "fascista e raivosa".

Lembrei-me do livro Camaradas. Esse excelente trabalho de pesquisa e jornalismo, empreendido por William Waack sobre a Intentona Comunista de 1935, foi viabilizado quando a abertura dos arquivos de Moscou permitiu escrutinar com correção os fatos da época. O livro inicia com pequeno trecho de uma das peças teatrais didáticas produzidas por Brecht: "Quem luta pelo comunismo tem que poder lutar e não lutar, dizer a verdade e não dizer a verdade, (...) manter a palavra e não cumprir a palavra (...). Quem luta pelo comunismo tem de todas as virtudes apenas uma: a de lutar pelo comunismo".

 Nessa obra (procure "The measures taken" para lê-la em inglês), Brecht, que era militante comunista, relata certa missão de propaganda durante a qual um jovem militante concorda com ser executado por seus camaradas para segurança da tarefa revolucionária. O coro, como a plateia do sujeito do PCB, louva a terrível decisão. Às infames lições citadas acima, o drama brechtiano, acrescenta que a benevolência faz mal à causa, que o coletivo sabe mais que o individual, que a rígida disciplina é indispensável à tarefa revolucionária, e por aí vai. Tais princípios abastecem os coletivismos, motivaram os genocídios sem os quais não se imporiam e são as muletas retóricas do discurso mencionado no início deste texto. Paredão!

Portanto, quando lhe falarem no tal coletivo, se não for ônibus, desembarque! Você pode ser atropelado por uma terrível ideia: nos coletivismos, o indivíduo e sua vida valem nada, absolutamente nada. Opondo-nos a isso, devemos reconhecer que temos, por natureza, uma real e preciosa existência social. Essa existência, todavia, deve ser vivida sem prejuízo da nossa individualidade. Somos dotados de liberdade, vontade, razão, responsabilidade e dignidade natural. Somos indivíduos, pessoas humanas, desde a concepção. É como indivíduo, pessoa divina, que Cristo irrompe na História. Será como indivíduos que nos apresentaremos ao Altíssimo para um juízo pessoal, não coletivo. Desconhecer, minimizar ou desfazer essa grandeza num coletivismo é reabrir as páginas mais trágicas e escabrosas do século 20.


ZERO HORA, 25 de outubro de 2015