Percival Puggina
29/05/2016
Explicar a um europeu, por exemplo, o que está acontecendo no Brasil é tarefa quase impossível. Imagine a dificuldade de passar a lista de informações abaixo para um sujeito que esteja sentado ao seu lado no aeroporto e que demonstre curiosidade sobre a situação nacional.
1) O Partido dos Trabalhadores, entre sua fundação e a posse de Lula em 2003, foi recordista mundial de pedidos de impeachment contra governantes aos quais se opôs.
2) O referido partido venceu três eleições presidenciais (duas com Lula e uma com Dilma) e, apesar das constantes denúncias de corrupção, não foi alvo de qualquer procedimento dessa natureza. Tal fato derruba a tese de que “a oposição não sabe perder” e mostra o contrário: ela deixou de cumprir seu papel.
3) O atual processo de acusação à presidente começou a ser discutido nas manifestações de rua e nas redes sociais somente após a quarta vitória petista, porque alcançada em escandaloso estelionato eleitoral.
4) A presidente Dilma, para vencer a eleição de 2014, ocultou a situação nacional, incorreu em crime de responsabilidade, ampliou o gasto público, criou indecente déficit, derrubou a confiança externa no país, duplicou o desemprego, ampliou a inflação e produziu assustadora recessão.
5) A Operação Lava-Jato e uma série de outras expuseram à nação a existência de imensa organização criminosa atuando no seio do governo e em empresas estatais.
6) O procurador-geral da República, indicado à elevada função pela própria presidente Dilma, usou a mesma expressão – “organização criminosa” – para se referir aos altos escalões empresariais e políticos em que se enquadra a multidão de envolvidos nos atos de corrupção que estão sendo investigados.
7) A presidente teve amplo direito de defesa em todas as fases do processo. E os crimes de responsabilidade foram: a) apontados unanimemente pelo TCU; b) identificados na comissão especial da Câmara; c) admitidos como tal por quase 75% dos deputados federais; e d) reconhecidos por ampla maioria da comissão especial do Senado e por dois terços dos senadores. Foi essa mais recente decisão que, na forma da Constituição, segundo rito determinado pelo STF, afastou a presidente em caráter provisório, dando posse a seu vice.
8) Inicia-se, agora, o julgamento propriamente dito, conduzido pelo presidente do Supremo (um dos indicados de Lula). Esta etapa pode se prolongar por até seis meses. Se o processo durar mais do que isso, ou se, ocorrendo o julgamento, Dilma for considerada inocente por mais de 27 dos 81 senadores, ela retorna ao cargo. Dito isso, pode-se então perguntar: de que golpe a presidente afastada e seus parceiros falam?
Eis aí, caros leitores, um exemplo bem atual e local de uma das muitas complexidades do discurso político. A verdade sempre exige reta intenção, boa informação e empenho da mente à luz da razão. Já para propagar falsidade, basta escrever num cartaz que “há um golpe de Estado no Brasil” e solicitar aos camaradas que repitam isso mundo afora. E a verdade, quem a reproduz? Quantos a querem afirmar? Quantos a querem ouvir?
(Por contrato com ZH, o restante deste artigo deve ser lido no site do jornal, por assinantes)
Percival Puggina
26/05/2016
Um personagem de Molière, Monsieur Jourdain, descobriu certa feita, de estalo, que ao longo de toda sua vida falara em prosa sem perceber. Da mesma forma, muitos brasileiros são marxistas sem saber, hobbesianos sem saber, e muitos, sem saber, são responsáveis pelo aumento dos impostos que pagam. De fato, toda vez que alguém atribui a ele, o Estado, o dever de dar um jeito em algo, está pressionando no sentido de que se forme um novo centro de custos, que vai exigir uma nova receita e ela se tornará permanete. Se o custo for criado e a receita não, a conta que surgirá não pode ficar pendurada na parede por um prego.
Estamos todos assistindo, nestes dias, verdadeira aula prática sobre as consequências de se deixar o Estado crescer. Todo mundo sabe que o Brasil precisa reduzir custos. Note-se: quando digo todo mundo estou falando mesmo de uma percepção nacional e mundial. Um déficit de R$ 170 bilhões não se resolve sem dor. O desemprego gerado pelas baixas expectativas e elevados encargos é apenas um dos muitos artefatos instalados nessa sala de tortura em que se transformou o Estado brasileiro. E extinguir um simples centro de custo tem sido uma encrenca dos diabos.
Vou dar um exemplo. Nem o Itamaraty escapou ao laboratório de fracassos que foi o governo da presidente Dilma. José Serra se deparou com um rombo de R$ 3,2 bilhões nas contas da nossa chancelaria. Uma vergonha. Aluguéis atrasados, contas de fornecedores vencidas, compromissos regulares referentes à participação em órgãos internacionais não pagos, e por aí vai. Mais de três bi. Solução? Fechar alguns centros de custo, certo? Serra propôs fechar cinco embaixadas na África. Legal, mas não tem jeito, ao que parece. Não dá para fechar nem Serra Leoa e Libéria.
E isso vale para tudo. No setor público todos concordam com a necessidade de reduzir despesas, contanto que os cortes ocorram noutro lugar, bem longe de onde cada um esteja atuando. Na original história de Spencer Johnson – Quem mexeu no meu queijo? – falta um terceiro ratinho que represente os que, no Brasil, passam a vida gritando “No meu queijo ninguém mexe!”. Esses são os mais onerosos. A começar pelos poderes de Estado, onde o Judiciário cuida do seu lado e de qualquer um que alegue direitos sobre seu queijo federal, estadual ou municipal.
Se essa mentalidade não for superada, se a gritaria que está se formando encontrar respaldo político, se nada for feito para reduzir o custo do Brasil sobre os brasileiros, caminhamos para uma situação hobbesiana, uma guerra de todos contra todos em que todos perdem. Quem ganha o quê, quando o dinheiro acaba?
Percival Puggina
25/05/2016
Não vou puxar aqui o rosário das más notícias que desfilam cotidianamente nos meios de comunicação. A muitos de nós, elas chegam assim, como informação. A milhões de outros, como causas de tragédias pessoais e familiares. Alguns veem as estatísticas. Outros vivem as estatísticas em seu dia a dia. Ao governo que assume, o noticiário expressa a emergência e a urgência de medidas para afirmação de um rumo ascendente. Aos afastados do governo, essas notícias são desconforto político que deve, rapidamente, ser debitado ao "mercado", à CIA, ao Cunha, ao FHC, ao Moro, às "zelites", à direita, aos coxinhas e aos "golpistas". Jamais a si mesmos nem ao exercício rapineiro, irresponsável e incompetente das tarefas de gestão. Nunca à ideologia que abraçam. Profissionais da falácia, nem por acaso batem no próprio peito! O partido que pretendeu ter descoberto o Brasil em 2003 nos fez regredir no tempo e perder, inteiramente, os últimos 13 anos.
Tudo que aconteceu era previsível e deu causa à maior parte dos meus textos durante esse período. Simplesmente não havia motivo para que não acontecesse aqui, no andar dessa carroça, o mesmo que ocorreu em todos os países onde germinaram as ideias inspiradoras dos governos petistas. Dezenas de vezes, ao longo desses anos, participei de debates com destacadas lideranças e personalidades vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, discutindo os projetos políticos em curso nos países ligados ao Foro de São Paulo. Sem exceção, sustentavam que Cuba era um modelo de justiça. Rararamente falavam de Fidel sem que a veneração os exaltasse. Enchiam-se de ira quando contestados. Na Venezuela, diziam, havia democracia até demais. Ali, onde o setor público trabalha dois dias por semana para economizar energia, proclamavam estar em curso um exitoso modelo de governo socialista. Para que a Venezuela fosse incluída no Mercosul, expulsaram o Paraguai, cujo Senado vetava o ingresso do chavismo no Bloco. Quando? Quando Lugo foi constitucionalmente deposto do cargo.
É bem abastecido o repertório de fracassos dessa referência ideológica que liderou o Brasil nos últimos anos. O que vemos é o resultado inevitável de uma forma de conceber o Estado e a Política, a pessoa humana e a sociedade, a Economia e a História. Não há acerto possível onde tudo está mal pensado. Nem todo o desastre brasileiro é produto da organização criminosa que se instalou no poder. Tampouco é só irresponsabilidade e incompetência. Tem muito, mas muito mesmo, de erro de script, tipo "vamos fazer com o marxismo, o que os europeus não souberam".
Nos últimos dias, intensificou-se a articulação da esquerda mundial em torno das denúncias de um suposto golpe de Estado que estaria em curso no Brasil. Nada disso é espontâneo. Bem ao contrário. Através de meios de comunicação ideologicamente alinhados, e para um público sensível, o PT transforma em notícia internacional as palavras-chaves e os lugares-comuns da linguagem revolucionária, que não começa nem termina no Brasil. É um fenômeno comum a todo o Ocidente. Não, não é o mundo que reprova o impeachment da presidente. São os parceiros externos dos que saíram deixando-nos a esperança de que jamais voltem.
Seu principal interesse é e sempre foi o exercício de um poder revolucionário. Por isso, suas afinidades e zelos não são para com os cubanos, venezuelanos, nicaraguenses, equatorianos, bolivianos ou brasileiros. Tais empatias se estabelecem com os respectivos governos, em benefício da causa revolucionária comum. Danem-se os povos, dane-se o Brasil e seus desempregados, contanto que a revolução prossiga!
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
22/05/2016
Desculpem o título, mas é para ser ambíguo mesmo. Ouvir os inimigos e deixar-se conduzir por ele é suicídio político. E o vice-presidente em exercício está exercitando nossa paciência enquanto caminha rumo ao descrédito com suas irresoluções.
Farei uma afirmação que vai incomodar alguns. Assim: “O Brasil do bem não está empenhado no impeachment da presidente Dilma para ser conduzido segundo a gritaria dos que nos levaram ao atual despenhadeiro moral, social, cultural, político e econômico”. Quem ficará incomodado com essa frase? Ora, os felizes com Dilma, com Lula, com o PT e seus métodos. Portanto, em nada me perturba o incômodo deles. Há o Brasil do bem, sim, e há o que nada de braçada em mar de lama.
Por sua larga experiência e formação acadêmica, poder-se-ia afirmar que Michel Temer sabia tudo de política. Mas vê-se agora que algumas aulas ele andou perdendo. Felizmente, a área econômica, as relações exteriores e a gestão das grandes estatais firmaram um compromisso que as deixa blindadas às marchas e contramarchas que até aqui têm marcado o governo Temer. Só esse núcleo duro, leitor, já é uma enorme vantagem em relação à situação anterior. Mas um técnico não pode se deixar influenciar e, menos ainda orientar, pela gritaria da torcida adversária. Não agradará os adversários e desagradará os parceiros. Mais alguns passos e estaremos nos reunindo com o Foro de São Paulo e com a UNASUL para protestar contra nós mesmos?
Atribui-se a Bill Cosby, comediante norte-americano, esta brilhante afirmação: “Eu não sei qual o segredo do sucesso, mas o segredo do fracasso é tentar agradar todo mundo”.
Alguém precisa alertar o presidente em exercício sobre para onde o está levando sua irresolução.
Percival Puggina
20/05/2016
Nunca se falou e se escreveu tanto sobre cultura em nosso país. Até parece que saímos de um recital de canto para um concerto e daí para o teatro. Afinal, o governo Temer decidiu fundir num único MEC os ministérios até agora existentes para cuidar dessas duas áreas de ação governamental. O motivo da gritaria não é propriamente a fusão, mas o receio de que a Cultura, perdendo status de ministério, perca, também, parte da grana que paga o caviar dos companheiros do meio artístico, sempre prontos para assinar manifestos e notas de apoio ao PT. Contra a fusão das duas pastas, ergueu-se multidão de artistas, gerando protestos políticos de repercussão. Entende-se: muitos foram para a Cultura sem terem passado pela Educação.
Não deveria ser necessária uma crise fiscal mastodôntica como esta a que fomos conduzidos pela irresponsabilidade do governo afastado para que os gestores públicos fossem parcimoniosos, zelosos e criteriosos na concessão de incentivos fiscais. Incentivos fiscais são recursos provenientes de impostos que todos pagamos e que, sob certos parâmetros legais, são fatiados do bolo para atender demandas específicas. Entre elas, as originárias no mundo da cultura. É aí que as manipulações políticas começam a produzir seus inevitáveis absurdos. Há poucos dias, o Coral das Meninas de Petrópolis encerrou suas atividades após 40 anos, por falta de patrocínio. Mas na outra ponta da elite "cultural" brasileira, Luan Santana levou R$ 4 milhões para "democratizar a cultura" numa turnê em diversas cidades do país, Claudia Leite pegou um troco de R$ 1,2 milhão para o mesmo fim, Maria Bethânia coletou R$ 1,3 milhão para um blog de poesia, uma turnê da peça Shrek foi autorizada a captar quase 18 milhões. E por aí vai a lista. E por aí vão nossos milhões que poderiam estar destinados a atividades de maior interesse público, nas funções essenciais do Estado.
Sim, é verdade que a arte precisa de mecenas. Mas essa afirmação envolve a combinação de dois elementos: o mecenas com seu dinheiro e o artista com sua arte. Falo de mecenas que o sejam com recursos próprios e de arte que mereça o nome. No entanto, o que temos no Brasil é um mecenato com recursos do erário, subsidiando projetos de qualidade e utilidade mais do que duvidosa, repassando vultosas quantias a quem não precisa. Não estou propondo a extinção das leis de incentivo à cultura. Estou dizendo que a urgência é outra. Precisamos criar no Brasil um ambiente que valorize o bem e o belo, o saber e a verdade, mas tudo isso parece muito improvável com a atual distribuição dos recursos para a produção cultural e artística e com as hegemonias que, há muito, se instalaram no mundo da Educação e da Política.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/05/2016
A cena apresentada pela Globo News era inacreditável. Uma dessas que a gente costuma ver no YouTube, filmada por celular, em posição vertical e tela estreita, estava sendo exibida ao país por uma emissora de grande audiência, em tela grande e HD. O ato, transcorrido no palco do auditório de uma escola estadual do Rio, tinha certa imponência. Casa cheia. À mesa diretora dos trabalhos, um grupo de adolescentes comunicava ao mundo sua soberana decisão de encerrar a "ocupação" que já levava 56 dias. Sentado entre eles, o chefe de gabinete do secretário de Educação do Rio de Janeiro. Imagino que até a Unesco festejou a notícia. Ufa!
Aquela escola era uma das centenas que, em articulada sequência, vêm sendo invadidas no país. O ato mostrado pela TV fazia lembrar esses comunicados formais de autoridades sobre temas palpitantes. O chefe de gabinete, ao se manifestar, teve a audácia de expressar sua desaprovação à atitude dos invasores. Prá quê! Os ágeis neurônios da audiência entraram em rebelde polvorosa: "Como é? Esse sujeito está nos criticando? Afirma que não deveríamos ter ocupado o colégio? Fascista!". E a gritos de "Fascista!" o infeliz chefe de gabinete foi varrido para fora do auditório.
A Globo News a tudo filmava como coisa relevante para exibir ao país. A tais alturas, seria conveniente ouvir algum professor. Não sei se havia outros disponíveis no local, mas uma professora de Sociologia apresentou-se para defender seus pupilos destacando o caráter altamente educativo dos acontecimentos ali transcorridos. Cidadania pura.
Os xingamentos lançados sobre o audacioso chefe de gabinete foram mais do que suficientes para evidenciar o mal inoculado nos jovens. Ele volta a se revelar sempre que alguém quiser entrar para estudar ou lecionar nas escolas invadidas: "Fora, fascistas!".
Por um lado, bem feito. Bem feito para a Rede Globo que se presta para dar cobertura a uma traquinice daquelas e, depois, se sujeita a ser acusada, também ela, de fascista e de golpista quando cobre algum evento onde haja petistas. Por outro lado, muito válido o episódio para revelar a origem política e ideológica de tais invasões e sua coincidência com o processo de impeachment. Só fechando os olhos para não perceber. Assim como o idioma de quem fala, na maior parte das vezes serve para identificar sua origem, o vocabulário empregado na política vale como carteirinha de filiação, indicando devoção e militância. Você já sabe: "Chame-os do que você é, acuse-os do que você faz.".
Há exceções nessa agitação estudantil? Claro que deve haver. Mas causa tristeza saber o quanto a educação brasileira está desfocada. Multidão de professores entra diariamente nas salas de aula com o intuito de capturar corações e mentes para a ideologia do atraso. Reproduzindo conduta histórica da KGB, dos partidos comunistas e da União Soviética, ensina seu auditório cativo, entre outras maledicências, a qualificar como fascista quem não segue sua cartilha. Que contribuição se pode esperar dessa miserável atividade pedagógica para o desenvolvimento social, econômico e cultural do país? Mal sabem tais professores que, quanto mais o país for levado na direção que pretendem, menos recursos haverá numa economia despida dos "odiosos" critérios de conhecimento, estudo, trabalho, mérito, competitividade e produtividade para lhes pagar o que gostariam de receber como remuneração de sua insidiosa tarefa.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/05/2016
Sempre em busca de alguma palavra de ordem com jeito de pedra para ser colocada no bodoque, ou de sofismas que pareçam argumentos para vencer discussões sem ter razão, a militância petista está usando as investigações que cercam membros do governo Michel Temer para atacar os defensores do impeachment. É como proclamar empate num jogo de 7 a 1.
Alto lá! Temer errou ao escalar ministros sob investigação? Claro que sim! Podemos nos dar por satisfeitos com a declaração formal de inocência que eles prestaram ao presidente em exercício? Obviamente não. O Presídio Central tem um número muito pequeno de réus confessos. A grande maioria é formada por bandidos que se dizem inocentes injustiçados. Não podemos, no entanto, incorrer na armadilha que a retórica petista, sempre ardilosa, pretende armar.
Como afirmou recente editorial de O Estado de São Paulo, para o PT só o PT é legítimo. Do STF ao TCU, passando pelas duas casas do Congresso Nacional, tudo mais deixou de ser legítimo quando seu governo perdeu a maioria. Boa parte, talvez a maior, da população que saiu às ruas em favor do impeachment não votou na chapa Dilma e Temer. Essa chapa foi uma escolha petista. Entre 2010 e 2015, se não eram exatamente unha e carne, Dilma e Temer não eram água e azeite. Ambos, com seus partidos, PT e PMDB, somaram votos e esforços para terem e manterem o poder. Os 54 milhões de eleitores que Dilma diz serem seus como moeda de cofrinho, somavam sufrágios dos dois maiores partidos brasileiros à época. Os votos estritamente pessoais dos personagens da chapa eram pouco significativos no pleito. Bastaria que o PMDB de um Estado de porte médio mudasse de lado na eleição de 2014 para que a dupla vencedora perdesse a eleição. Ao dizer que os 54 milhões de votos lhe pertencem, Dilma: 1) volta a mentir; 2) pratica um furto eleitoral retórico contra o PMDB e contra Michel Temer; e 3) esquece que já perdeu quase todos esses votos.
Retornando ao primeiro parágrafo. Entre os milhões que se empenharam pelo impeachment nas ruas e praças do Brasil, muitos foram eleitores de Dilma e Temer e outros tantos, não. Os que sempre souberam onde tudo ia parar e os que ficaram sabendo no andar da carroça uniram-se em torno da mesma causa. Ao cabo de 13 anos, o desastre saíra do horizonte previsível e podia ser observado na soleira da porta. Não havia múltiplas escolhas. Era Dilma ou Temer. Desalento consumado ou fio de esperança. Era respeitar a Constituição com o correto processo de impeachment ou transformar o país numa casa de tolerância, terra sem lei de um povo invertebrado.
A escolha entre Dilma e Temer, tornada possível no contexto da ordem jurídica, se enquadra num princípio moral universal, enunciado por Aristóteles em Ética a Nicômaco: "O mal menor, em relação a um mal maior, está situado na categoria de bem. Pois um mal menor é preferível a um mal maior. E aquilo que é preferível sempre é um bem, e quanto o mais preferível este seja, maior bem é". Escolher o bem, desnecessário dizê-lo, é um dever moral. Escolher o mal ou rejeitar o bem por desapreço ou interesse próprio é boa parte do problema que acabou levando a presidente ao impeachment e muitos líderes políticos às barras dos tribunais. Que para lá vão todos quantos tenham feito por merecer.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
12/05/2016
Ouvindo os dois pronunciamentos da presidente Dilma, tive a clara percepção de que, de fato, estávamos sendo governados por uma pessoa que derrubou limites na sua relação com a realidade. Era algo que já se identificava durante a campanha eleitoral. À época, essa conduta foi inteiramente atribuída a um esforço para esconder do eleitorado a crise já em curso. Certamente havia bastante disso, sim, na publicidade eleitoral e nas orientações que, a peso de ouro, produzia João Santana. Mas evidenciou-se nos últimos meses que algo mais grave envolvia pessoalmente a presidente. Para todos os efeitos práticos, Dilma presidia um país diferente. Exercia um outro governo.
Mesmo diante de indicadores gravíssimos, que diagnosticavam a maior crise nacional em oito décadas, a presidente jamais lhe dedicou a atenção necessária. Erro imperdoável! Quem não se acautela ante um inimigo desse porte será implacavelmente abatido por ele. Essa é uma crise cujo enfrentamento cobra ações sérias e responsáveis. Dilma desconsiderou as mais prudentes advertências, desdenhou as reações das agências de risco. Condenou os críticos da política econômica. O navio afundava e ela ouvia a orquestra dos companheiros.
A corrupção grassava no governo. Fortunas se acumulavam no seu entorno. É bom lembrar: esses escândalos não foram "descobertos" pela Lava Jato. Eles já enchiam as páginas das revistas semanais bem antes de caírem nas mãos diligentes da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba. E o que fazia a presidente? Estimulava a reação de sua militância contra as publicações, sem enfrentar os fatos escabrosos que eram denunciados.
Quantas matérias foram produzidas sobre os negócios de seu anjo da guarda, Luís Inácio Lula da Silva, com empreiteiras nacionais em arranjos bolivarianos e africanos envolvendo o BNDES? Quantas denúncias sobre o enriquecimento da família Lula da Silva? Quantas informações circularam no país, durante anos, sobre os desmandos da Petrobrás? Ela sempre ocupando postos, caneta e cadeira de mando. E quanta prosperidade ao seu redor! Não, não me impressionam as alegações da presidente afastada sobre a própria honestidade. Não há mérito em não furtar. Os crimes que se gaba de não ter praticado aconteceram com o que estava sob seu zelo! Ademais, mentir não é honesto. Ocultar a verdade, tampouco. Já a tolerância, a imprudência, a omissão, a negligência e a vista grossa compõem gravíssimos deméritos.
Nos dois pronunciamentos com que se despediu, Dilma Rousseff reincidiu nos mesmos equívocos. Buscou sacralizar um mandato conquistado no mais destapado estelionato eleitoral, tão escandaloso e tão rapidamente evidenciado que levou a nação às ruas já antes de sua posse. Atribuiu seu afastamento a um complô golpista e não a um justificado clamor popular e a um correto procedimento constitucional. Afirmou que seus adversários são inconformados com as "conquistas sociais" e com a "prosperidade dos mais pobres". Somente alguém destituído de juízo pode crer que investidores, empresários, profissionais liberais, por exemplo, se beneficiem da pobreza dos pobres. Fosse assim, o mundo dos negócios se mudaria para Serra Leoa e para a Somália. Quem não sabe disto? Ao contrário, o que de melhor aconteceu para a economia mundial neste século foi proporcionado por 400 milhões de chineses que começaram a produzir, consumir, e saíram da pobreza. Até o Brasil petista cresceu, mas a riqueza foi consumida pelos piores meios e fins, e seus benefícios, hoje, atendem pelo nome de desastre brasileiro.
No entanto, no cérebro da presidente afastada, não há esse tipo de registro. Ali só têm lugar meia dúzia de chavões ideológicos que compõem os mandamentos de seu grupo político. Então, é melhor suportá-los na oposição do que nos submetermos por mais tempo ao desastre que foi a gestão petista.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
10/05/2016
Esta terça-feira que antecede a votação do relatório da Comissão Especial do impeachment no Senado amanheceu com pneus ardendo em rodovias do país. Os jagunços do comandante João Pedro (quebra-quebra) Stédile vinham sendo, de viva voz, convocados como milícias do decadente governo. Com pneus velhos e foices mais luzidias do que baionetas de desfile, manifestam-se amuados com a decisão constitucional e soberana da Câmara dos Deputados e com a disposição do Senado Federal de afastar a presidente do atabalhoado exercício de suas funções. É bom, mesmo, que a Câmara Alta faça isso logo porque Sua Excelência dedicou os últimos dias à impatriótica tarefa de jogar "miguelitos" no caminho de seu substituto.
O que leva as forças de Stédile a bloquear estradas queimando pneus também move a quase-ex-presidente Dilma a despejar pacotes de medidas cujo efeito é ampliar as dificuldades fiscais que Temer terá de enfrentar no exercício do seu período de substituição. É o mesmo motivo, aliás, pelo qual o governo está caindo, pelo qual o país foi levado a uma crise descomunal e pelo qual o partido governante afunda em descrédito. O PT é animado por aquele egoísmo que só aceita sistema ou ordem em que tudo gravite em torno de si mesmo. Sob tal perspectiva, o país e seu povo pertencem à sua órbita e nela se deslocam. É assim que operam as mentes totalitárias.
Eis aí, também, o motivo pelo qual o partido se recusa a admitir que seu governo levou o país ao caos. Os dados à sua frente nada o informam a esse respeito. Ao contrário, para o PT tudo estava muito bem com o sistema gravitando em perfeita ordem. Caos, para o partido que ainda governa o país enquanto escrevo, é o que se instala quando se embaralham as forças em seu universo particular. E se isso ocorre, fogo nos pneus. "Miguelitos" na estrada do Temer. Histeria masculina e feminina nos plenários. "Manhas e artimanhas", para tumultuar a vida institucional. Manhas e artimanhas foram as palavras usadas pela presidente quando se referiu à patacoada promovida pelo presidente interino da Câmara dos Deputados no ato através do qual usurpou o papel de seu colega Tiririca. Manhas e artimanhas como aquela em que se degradou o ministro José Eduardo Cardozo ao organizar a farsa e arrastar os senadores da base para sua pantomima jurídica.
Estamos longe do fim. Por muito tempo ainda os veremos jogando pesado contra o interesse nacional, contra o bem do país e sua credibilidade. Por muito tempo ainda os veremos empenhados em causar o maior dano possível à sociedade brasileira, que conduziram a inédito nível de desemprego, perda do poder de compra, insegurança, criminalidade e desorientação. Afinal, como esperar algo mais republicano de um grupo político cuja militância queima pneus nas estradas e a quase-ex-presidente joga "miguelitos" no caminho do país?
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.