Percival Puggina

18/03/2016

 

 Pois é, Excelências. Passei estes últimos dias nas ruas, nas mobilizações populares, nos carros de som, nas redes sociais, e acompanhando o noticiário. Andei de taxi. Falei com vendedores de água, pipoca, sorvete. Falei com taxistas e garçons. Cheguei a uma conclusão: a coisa está feia para o lado dos senhores. Junto com a responsabilidade inerente às funções que exercem, caiu-lhes no colo a decisão sobre o processo de impeachment. E as perguntas são inevitáveis: V. Exª será cúmplice da organização criminosa que saqueou o país? Concederá aval para que continue atuando? Parece-lhe pouco tudo que já é de seu conhecimento? Se sim, quanto mais seria necessário subtrair à nação para chegar a um valor que o impressione? Quantas lixeiras mais será preciso destapar?

 É possível que o tenham sensibilizado alguns argumentos da corte pirata e seus cortejadores. Mencionarei os mais insistentemente repetidos: 1) impeachment é golpe; 2) a oposição perdeu a eleição e quer derrubar o governo; 3) a oposição ataca o PT porque não gosta de pobres. Examinemos, um a um, esses supostos argumentos.

1. Impeachment é procedimento previsto na Constituição, segue rito jurídico e político que, no presente caso, acaba de ser regulamentado pelo Supremo Tribunal Federal. Como pode ser "golpe" um processo e um julgamento que percorre a trilha definida na Constituição e que, em seus atos de natureza judicial penal, junto ao Senado, será dirigido pelo presidente do Supremo?

2. A oposição não quer "derrubar o governo porque perdeu a eleição". A oposição, Excelências, perdeu três eleições consecutivas para o mesmo partido! Em nenhuma delas protestou. Em nenhuma agiu para "derrubar" o governo eleito. Só agora, no quarto pleito, motivada pela inquestionável, confessa, testemunhada e documentada natureza criminosa dos atos praticados dentro do governo, a oposição parlamentar, ouvindo inigualáveis mobilizações populares, dá suporte político institucional ao processo de impeachment. Não fossem os achados criminais da operação Lava Jato, não haveria povo nas ruas, nem processo de impeachment.

3. Espalhar a ideia de que a oposição quer o mal dos pobres e, por isso, deseja tirar o PT do governo é um outro aspecto do grave problema moral que afeta o partido dirigente: desonestidade intelectual. Afirmar que os adversários do governo "não gostam de pobres e não querem que os pobres melhorem de vida", é uma sofisma barato, uma falsidade esférica, torpe desde qualquer ponto de vista. Como poderia convir à imensa maioria da nação a pobreza dos pobres? Quem quer viver numa sociedade profundamente desigual, como essa que temos após 15 anos de petismo reinante? O governo petista, este sim, enriqueceu seus integrantes (quem é pobre sob seu guarda-chuva?) e enriqueceu ainda mais os setores endinheirados do planeta, pagando-lhes os juros mais sedutores do mundo. A Brasília petista tem muito de Wall Street e muito de Chicago na década de 30.

É forçoso reconhecer, então, que o PT se atribui uma falsa preferência pelos mais pobres para esconder os resultados da própria ganância e os privilégios que concede a grandes e desonestos empresários. Tal conduta faz lembrar a dos traficantes de drogas que escondem sua riqueza na pobreza dos morros onde distribuem migalhas aos mais necessitados.

Acostumem-se à idéia, excelências. Quem segurar a alça desse caixão será, perante a opinião pública, cúmplice de uma organização criminosa. Será pegar ou largar.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

16/03/2016

Há alguns anos, nossa presidente chegou a apreciar o título de "faxineira". Iria limpar o governo dos ratos de ofício. Agora, inverteu o ciclo do aspirador e resolveu importar o lixo para dentro de casa. Promoveu uma renúncia branca, entregou o bastão a Lula e foi para a área de serviço do próprio governo. Melhor, saiu da despensa e foi para a dispensa. A chefe do Estado e do governo brasileiro reeleita em 2014 não é mais, sequer, uma sombra no posto. É um hectoplasma político. Não teve sequer, por respeito próprio, a dignidade da renúncia, conduta que lhe daria reconhecimento pela grandeza do gesto. Entre as atitudes que poderia tomar, adotou a pior possível. Trouxe a Lava Jato para o 4º andar do Palácio do Planalto.

 O retorno de Lula a funções de governo traz à mente a má história de outros retornos. Não costumam ser bem sucedidos os líderes que, após deixarem o poder, buscam voltar, seja pela força, como Napoleão, seja pelos braços do povo, como Getúlio. A História não os beneficia em seus julgamentos.

 Lula que assume a chefia da Casa Civil chega como foragido. Quer distância da 13º Vara Federal de Curitiba. Logo a 13ª! É portador de uma espécie de tornozeleira auto-imposta. É um homem que não pode andar em espaços públicos. Só pode circular livremente em ambiente fechado, perante auditório selecionado e em espaço privado. Vem para ser um "negociador" que tentará explicar os negócios do governo e negaceia explicar os próprios negócios perante a Justiça. O Lula que volta ao Palácio do Planalto para promover suposta ressurreição dos mortos é publicamente conhecido por não saber de coisa alguma. Suas frases preferidas são "Não sei, não vi, me traíram". Suas especialidades são a ignorância de tudo que importa e a sabedoria dos chavões exitosos para mentes estreitas.

 Falando a essas mentes, o PT passou os últimos 12 meses gritando - "Não vai ter golpe!" - tentando impedir o constitucional processo de impeachment. Anteontem, mais de seis milhões de brasileiros foram às ruas e gritavam "Fora Dilma!, Fora Lula!, Fora PT!". Quarenta e oito horas depois, com demonstração de total insensibilidade, o partido governante reúne-os e os oculta dentro do Palácio do Planalto. No interior nebuloso dessa casamata, por ato próprio, o partido derruba a rainha e entrega o poder diretamente a Rasputin, para consolo de seus já pouco fervorosos fiéis.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

15/03/2016

 

 Só um país governado pelo petismo pode levar às manchetes de seus jornais notícia tão desonrosa: um ex-presidente da República, investigado pela Justiça Federal, medindo a curta distância que o separa da porta da cadeia, cogita aceitar, de seu partido, refúgio num cargo de ministro. Bastaria um miligrama de senso ético por litro de sangue desse corpo político chamado Partido dos Trabalhadores para que a medida causasse vermelhidão no rosto e fotofobia, tornando obrigatório a todos o uso de óculos bem escuros e boné de aba baixa.

 Escandaloso? E quando foi que os escândalos voltaram a escandalizar o país? Note-se: essa é uma decisão praticamente consensual entre a elite partidária. Que se pode esperar da militância, menos dada a operar com relações de causa e efeito? O idioma inglês disponibiliza para situações moralmente repugnantes uma expressão muito forte: "Shame on you!", que se pode traduzir por "Caia vergonha sobre você!". Funciona como acusativo e como indicativo de repulsa social a um ato infame. Shame on you, Lula! Shame on you, PT! Lula refugiado num ministério para escapar às barras da Justiça é o último degrau de um escabroso poleiro moral. 

Mas não é só isso. A ida de Lula para um cargo no Planalto é, também, a última tábua de salvação proporcionada ao governo que naufraga. Não há mais um sarrafo sequer no oceano de "marolinhas" em que afunda para mergulho abissal. Logo a militância petista tentará vender a situação ao país como se Lula fosse o príncipe que chega, montado num cavalo branco, para salvar a princesa de casaquinho vermelho. E decretarão um ano de festas e felicidade geral. Sim, sim, têm conversa para tudo, mesmo com João Santana preso.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

14/03/2016

 

 Há muitos meses, o governo petista, os dirigentes dos partidos da base e suas lideranças no Congresso Nacional parecem haver tomado Baygon de canudinho. Andam de um lado para o outro, desarvorados, em busca de uma saída que não existe para os males que sua desonestidade e presunção produziram. Não me refiro à multiplicidade de desastres que fizeram desabar sobre o país. Qual o quê! O que os preocupa são as consequências pessoais e legais do que fizeram. Muitos medem a distância entre a porta da rua e a porta da cadeia. Brasil? Que Brasil?

Acordei nesta segunda-feira em ressaca cívica. Milhões de brasileiros proporcionaram com o 13 de Março, nas mobilizações de ontem, um dia para entrar na História. Nas semanas anteriores, o PT e seus sequazes batiam tambores mentais pedindo chuvas no Rio de Janeiro, enxurradas em São Paulo, vendavais no Rio Grande do Sul. Mas São Pedro mostrou quem manda. Aqui em Porto Alegre, onde escrevo, 140 mil pessoas promoveram a maior manifestação da história da cidade. Homenageavam gente respeitável, patriotas de valor, como Sérgio Moro, os promotores da Lava Jato e policiais da PF naquela força-tarefa. Noutra praça da cidade, pequeno grupo de militantes a soldo reverenciava criminosos condenados e outros cidadãos em vias de. São pessoas que odeiam a dignidade de Sérgio Moro e amam Ricardo Lewandowsky, Roberto Barroso, Dias Toffoli, entre outros daquele puxadinho do PT em que foi transformado o STF.

Cada um de nós, tendo participado dessas manifestações, dirá um dia a seus filhos e netos, lendo as páginas da História: "Eu estive lá! Eu não me omiti! Eu cumpri meu dever de cidadão para com meu país e seu povo! Eu não me acovardei ante o falso rugido dos autênticos gatos!"

Enquanto participava da manifestação aqui em Porto Alegre, tive a clara percepção de que o grito das ruas produzia movimentos nas encruadas instituições. Rangiam velhas tábuas, estalavam dobradiças. Algo está para acontecer. O marasmo chega ao fim.

Vi nascer o grito por impeachment no dia 15 de novembro de 2014, na primeira manifestação nacional. Éramos poucos, mas sabíamos para onde girava inexoravelmente a roda dos maus fados do governo que reassumiria dias depois. Sua podridão já era conhecida, tanto que Dilma foi apresentada como faxineira do próprio governo. Nos meses seguintes novas manifestações se repetiram a partir do dia 15 de março (até então a maior de todas na história do país). Em duas semanas, três dezenas de requerimentos pedindo o impeachment da presidente se acumulavam na mesa de um até então pouco conhecido pilantra de nome Eduardo Cunha que, de março a dezembro, jogou água fria e gelo picado na fervura nacional. Mas na versão petista virou "dono do impeachment".

Até isso nos quis roubar o governo! O grito da nossa garganta. O clamor do nosso peito. As lágrimas de emoção cívica que deixamos nas avenidas de todo o país. Sinto que chega ao fim o domínio daqueles se julgavam-se capazes de conduzir o povo pelo nariz. Já podem contemplar a porta da rua e avaliar a distância entre esta e a porta da cadeia, lugar de todos que tenham esfolado a nação, sejam de que partidos forem.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

13/03/2016

 

 Dentro de meio século, os livros de História estudarão estes últimos 14 anos num capítulo intitulado "Início do século - A ruptura com o processo civilizador". Na perspectiva possibilitada pelo transcurso das décadas, resultará evidente que o Brasil destes tempos sombrios rompeu vínculos com referências essenciais à vida civilizada.

 A mais recente face dessa cisão ficou nítida na entrevista do ex-presidente Lula após seu depoimento à Polícia Federal. Falou ali o autor do desastre brasileiro, com todas as suas consequências sociais, políticas, econômicas, éticas e culturais. Já em 2005, um país que não estivesse cabresteado rumo à barbárie por lideranças nisso interessadas teria desembarcado o governante no primeiro porto que a Constituição permitisse. Malgrado tudo, os verbos ser, estar, permanecer e ficar vêm sendo corrosivamente conjugados por ele e pelos seus ao longo de 14 anos. A nação foi levada à barbárie e em muitos aspectos reproduzimos, no ambiente urbano, a anomia selvagem do nosso século XVI.

A operação Lava Jato demonstrou, com abundante material probatório, confissões, devoluções de quantias e discriminação de fatos e datas, que algumas das maiores empreiteiras do país envolveram-se com o governo em negócios escandalosos e multibilionários, para benefício próprio e dos partidos da base. E Lula considera perfeitamente normal que essas mesmas empresas e indivíduos atendam demandas materiais, pessoais e familiares, segundo luxuosos padrões de qualidade, porque, conforme admitiu, tem amigos e gosta do que é bom. (Leia o texto inteiro em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/noticia/2016/03/pelo-brasil-e-por-sergio-moro-5096871.html

Percival Puggina

11/03/2016

 

 Existem diferentes tipos de prisão. O ex-presidente brasileiro está enquadrado num deles. É uma prisão diferente, restritiva de várias liberdades, que ele mesmo se impôs como decorrência do estrago causado, pela ambição, à sua imagem. A lista das coisas que nosso ex-presidente está impedido de fazer é significativa para alguém como ele.

 Primeiro, não pode mais virar mundo fazendo rentáveis palestras sobre as supostas maravilhas que seu partido e seu governo teriam realizado no Brasil. Não há maravilhas a mostrar. Como até os feitos do governo foram malfeitos, o país anda para trás mais rapidamente do que avançou. O exterior, bem antes do público interno, percebeu que caíra na conversa fiada do parlapatão de Garanhuns. As agências de avaliação de risco estão lá fora e sinalizaram ao mundo, passo a passo, as sucessivas explosões da bolha publicitária petista. Apenas em Cuba, Venezuela e na Coreia do Norte Lula será um visitante dispensado de responder perguntas que não quer ouvir. Acabaram-se, se de fato as fez, as palestras mais bem pagas do mundo. A fonte secou. Tony Blair, Nicholas Sarkozy e Kofi Annan já não lhe telefonam.

Periodicamente, dentro de uma garagem qualquer, Lula entra num automóvel blindado, com vidros escurecidos além do limite legal, e desembarca noutra garagem qualquer, longe dos olhos dos brasileiros de bem. Há bom tempo vive oculto do grande público, com hábitos furtivos, evitando ser detectado pela imprensa. Suas últimas fotos mostram um homem com ar assustado e abatido.

Lula tem um sítio que não pode mais frequentar, onde há pedalinhos que seus netos não podem usar, uma adega inacessível e uma esplêndida cozinha que traz saudades à sua esposa. Ele tem três andares do mais apurado requinte num apartamento com frente para o mar na praia de Guarujá. Mas não pode nem pensar em chegar perto do prédio. Que dizer-se da praia!

Claro, há o apartamento de São Bernardo do Campo, que ele pode chamar de minha casa, minha vida. É seu refúgio protetor. Até prova em contrário. E é, também, sua prisão domiciliar, onde, diariamente, o ex-presidente acorda e olha o relógio para saber se já são mais de seis.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

10/03/2016

 

 Em outro artigo, que será publicado na edição de Zero Hora deste próximo final de semana, escrevi sobre a anomia que acometeu o Brasil neste inicio de século, relegando a nação a uma condição selvagem em pleno ambiente urbano. Tal condição se caracteriza pela insegurança, pelo medo, pela decadência do respeito à lei e aos poderes constituídos, e pela quase inutilidade do setor público, incapaz de dar solução adequada às mais rudimentares de suas atribuições.

Na política, repete-se como axioma que ela não convive com vácuos. Em tese, todo vazio é rapidamente preenchido. Pois a anomia se instalou no Brasil muito gradualmente já no segundo mandato de Lula, quando o presidente, para efeitos públicos, assumiu-se como mito. E mitos não governam. Mitos são taumaturgos, anunciam quimeras. Governar é para os mortais. Depois, quando Dilma foi eleita e reeleita, o vazio do poder instalou-se de vez. A presidente da República é aquilo que a ciência define como perfeito e impossível - o vácuo absoluto, a total ausência de conteúdo. Quando se instala algo assim no espaço intergaláctico, forma-se o fenômeno conhecido como buraco negro, capaz de devorar galáxias inteiras. No Brasil, não. Fica vazio e pronto.

Não bastasse uma governança politicamente oca, verdadeiro infortúnio, produziu-se entre nós, simetricamente, um outro vazio tão ou mais surpreendente na oposição política. O tucanato, apresentado pelo petismo como seu arqui-inimigo, não corresponde à ideia comum que se tenha de um partido de oposição. Não é possível olhar para o PSDB e achar que ali está o Batman do Coringa petista. O PSDB é apenas o maior partido fora do governo. Não é sensato tomar como conduta de partido de oposição aquilo que, na ordem dos fatos, são apenas manifestações desconexas de divergência em relação ao governo.

Temos, portanto, dois fenômenos que, em tese, não poderiam existir. E que talvez só possam ocorrer exatamente por serem simétricos e equivalentes. Dois vácuos políticos aguardando provimento, no governo e na oposição. Não será difícil encontrar na situação descrita uma das causas determinantes da crise multiforme que, como nação, estamos enfrentando.

No dia 13 ocorrerá no Brasil a maior manifestação popular de nossa história. É diante desse cenário que ela vai acontecer. O povo irá às ruas não para substituir-se às instituições, mas para sacudi-las de sua letargia. Vai às ruas por uma questão de saneamento moral básico, de honra nacional, para recuperar valores que foram pisoteados pelos cavaleiros do Átila de Guarujá. Ainda assim continuaremos precisando de algo tão parecido quanto possível com um governo e uma oposição.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

07/03/2016

 

 A tarefa de fazer com que muitos creiam não é apenas missão religiosa. É, também, essência da política como arte de conquistar apoios para alcançar e manter o poder. Há sistemas políticos nos quais as pessoas creem em partidos e suas ideias, visões de mundo, perspectivas históricas, valores e em como isso se projeta nos anos por vir. E há sistemas, como o nosso presidencialismo, em que a crença dos eleitores recai sobre as pessoas dos candidatos. É fácil compreender que isso nos faz mais vulneráveis à mentira como forma de angariar apoios. Quanto mais ingênuo o eleitor, quanto mais carente do benefício pessoal que lhe possa advir do poder público, mais sensível ele se torna a mentiras e mistificações. Nas nossas disputas políticas, a verdade é mais inoportuna do que a mentira.

 Em Irmãos Karamazov, Dostoievski ensina: "O homem que mente para si mesmo e escuta as próprias mentiras chega a um ponto em que não pode distinguir a verdade e a mentira dentro de si ou ao redor de si, e assim perde todo o respeito por si mesmo e pelos outros".

Após seu depoimento nas instalações da PF em Congonhas, durante a entrevista que virou discurso, o ex-presidente era imagem viva e falante do desastre exposto por Dostoievski. Lula apelou para todo o seu repertório de artimanhas. Quero destacar a que é mais repetida, ao longo dessa infinita série de escândalos. Segundo o governo, a promissora condução petista dos negócios nacionais seria antagonizada por uma elite que não tolera a prosperidade dos mais pobres.

Lula, Dilma, o governo e seus partidos prestariam enorme serviço à saúde pública se apontassem quais brasileiros desejam que os pobres continuem pobres e morram na miséria. Essas pessoas, certamente pouquíssimas caso existam, deveriam ser identificadas e tratadas porque portadoras de um desejo anormal, desumano e masoquista. Ninguém mentalmente sadio quer viver sitiado pela miséria e suas vexatórias consequências que o governo sequer minimamente conseguiu abrandar.

A esse respeito, o senso comum grita contra a algaravia de Lula: nada é tão honestamente benéfico ao bem de cada um do que o bem de todos! Nada é mais conveniente à prosperidade de cada um do que a prosperidade de todos! São dois axiomas que dispensam provas. Eis por que o desastre ético e técnico da gestão petista nos leva a sonhar com educação promovendo o desenvolvimento das potencialidades da juventude, população ativa ganhando a vida e gerando riqueza, produção, consumo, empregos, PIB crescendo, inflação caindo e as pessoas podendo cuidar bem de si mesmas. Quem não quiser isso é doido. E quem acusa 90% da população ser contra isso é o quê, Dostoievski?

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

04/03/2016

 

 Enquanto um punhado de militantes petistas protestava contra a ação da Polícia Federal que conduzira Lula ao aeroporto de Congonhas, veio-me à mente imagem com a qual me deparei ontem no Google. Retrata um evento da campanha eleitoral de 2002. Lula, Genoíno, Mercadante, Berzoini e Alencar formam um abre-alas e marcham portando faixa, devidamente estrelada, com os dizeres "Quero um Brasil decente". Fácil compreender a decepção de quantos creram que a faixa expressasse um sentimento real.

Os fundadores do PT viam-se como agentes de um processo revolucionário. Frei Betto, em artigo de 2007, assim descreve os anseios dos vitoriosos de 2002: "A lua seria o nosso troféu. Haveríamos de escalar suas montanhas e, lá em cima, desfraldar as bandeiras da socialização compulsória". O nome disso é revolução. E nenhuma causa revolucionária consegue ser compatível com o Estado de Direito. A revolução por dentro do regime democrático, sem sangue, como sonhou o PT, é uma lavoura que, entre outros requisitos, precisa ser irrigada com dinheiro. Dinheiro para as campanhas eleitorais, para a militância e para os movimentos sociais controlados pelo partido, para manter operante um exército de jornalistas e formadores de opinião. É preciso ter e manter multidão de agentes que começam no sanduíche de mortadela, mas miram o topo da cadeia alimentar revolucionária, onde estão a lagosta ao thermidor e o Romanée-Conti. O sanduíche  é meio e não fim de toda jornada socialista. Não conheço um só revolucionário que queira o comunismo para continuar batendo cartão e operando a mesma máquina.

Numa democracia, o poder é buscado dentro da regra do jogo, dentro da lei. No entanto, se o objetivo é revolucionário, pertence à própria natureza do processo que seus agentes se considerem acima da lei. A causa vem antes e lhe é superior. A lei que não convém à causa é iníqua e não merece respeito. Na primeira etapa, então, se instala esse sentimento de superioridade em relação à ordem jurídica. Face bem visível do que descrevo pode ser observada nos assim chamados "movimentos sociais". Quem se opõe às suas ações é acusado de criminalizá-los. Por quê? Porque quem está acima da lei não comete crimes.

É aí que se começa a explicar o incomparável desastre moral que acometeu o PT. A mentira vira argumento. Calúnia, difamação e injúria ganham utilidade política. Fatos são substituídos por versões. A verdade perde interesse e utilidade. E por aí vai a decência para o brejo.

As reações que surgem nestas horas às ações da PF, do MPF e do juiz Sérgio Moro são motivadas pelo mesmo fenômeno. Ou seja, o petismo ainda não caiu em si. Na fala do presidente Rui Falcão, na gritaria dos militantes no aeroporto de Guarulhos, no posterior discurso de Lula à claque petista, percebe-se a mesma convicção: todos supõem ser devida a seus líderes e ao partido uma reverência que os tornaria inatingíveis pela Justiça. E à sombra dessa reverência deveriam ficar resguardadas as condutas mais suspeitas e a vertiginosa prosperidade pessoal e familiar de tantos. A infinita sucessão de escândalos não é entendida como conduta fora da lei, mas situação normal para quem está acima dela.


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.