Percival Puggina
29/09/2015Martha Beatriz Roque é uma estimada amiga, católica, economista, com quem tive oportunidade de conversar nas vezes que fui a Havana. Ela estava entre os 75 presos de consciência condenados durante a Primavera Negra de 2003. Às vésperas de completar 60 anos de idade, Martha foi sentenciada à internação por duas décadas nas masmorras de Fidel. Um ano mais tarde, as precárias condições do cubículo onde ficava agravaram seu estado de saúde e ela foi libertada. Quando a reencontrei, em outubro de 2012, ouvi dela que, por vezes, não sabia o que era pior, se estar presa, ou livre no grande presídio da ilha, onde recebia maus tratos de vizinhos permanentemente empenhados em agredi-la para agradar o regime. É a função das Brigadas de Resposta Rápida (BPRs), formada por civis que se prestam à vilania de acossar e intimidar dissidentes.
Às vésperas da chegada do Papa, Martha realizou dezenas de postagens em sua conta no Twitter informando, nominalmente, sobre pessoas que estavam sendo, no interior do país, advertidas para não se dirigirem a Havana. Depois, postou sobre pessoas que haviam sido presas e sobre outras, cujas casas estavam sitiadas “pela turba”. Em uma dessas notas, ela conta ter sido visitada pelo secretário do núncio apostólico que a convidou para ir à nunciatura falar com o Papa. Por fim, no dia 20, ela e mais duas dezenas de damas de branco foram detidas e impedidas de comparecer à missa papal. Os acontecimentos que narrou, as prisões de dissidentes, bem como a exigência de que os católicos se reunissem em grupos para serem acompanhados por agentes de segurança ao local da missa, foram noticiados por outras fontes.
Qualquer pessoa minimamente informada sobre a realidade cubana poderia antever tais acontecimentos. O regime, por ser como é – violento, intransigente e opressivo – pode fazer ligeiras concessões para se safar da falência. Mas nada cede nas condições indispensáveis à sua sobrevivência. Por isso, o Papa devia estar bem advertido sobre a “conveniência” de não tocar em assuntos da política interna.
Não se diga que manter distância desses temas fosse indispensável cortesia. O Papa não é apenas chefe de Estado. É, principalmente, o líder espiritual dos católicos que naquele momento estavam sendo perseguidos, presos e vigiados. Impunha-se ir além das esplêndidas exortações pastorais. Permanece bem presente na memória da Igreja cubana o martírio de tantos jovens que, nos primeiros anos da Revolução, foram vítimas da faxina espiritual e morreram fuzilados clamando: “Abaixo o comunismo! Viva Cristo Rei!”. Mereciam mais.
ZERO HORA, 27 de setembro de 2015
Percival Puggina
28/09/2015
Não se surpreenda com o título. Ele não é uma opinião, mas simples expressão de algo facilmente constatável. O PT, como partido ou como base do governo, apesar de todas as tropelias, tem sua ação contida por certos limites. Tais restrições são impostas, ora por conveniências políticas, ora por ações da oposição, ora por reações da parceria, ora pela possibilidade de que a lei, um dia, valha para todos. Já o STF não se submete a limites. No exercício do poder, seus onze membros podem tudo. Não estão submetidos sequer à Constituição. Substituem-se aos parlamentares para legislar e para deslegislar. A opinião da maioria é a própria lei. O que seis decidem é irrecorrível. Pouco se lhes dá o que as pessoas pensam deles.
Dei-me conta dessa realidade ao ler, na Folha, a opinião do ex-Procurador Regional da República, Rogério Tadeu Romano, sobre o “fatiamento” da operação Lava Jato. Na teoria e na prática tal decisão deve retirar das mãos do juiz Sérgio Moro e entregar ao ministro Dias Toffoli os processos não relacionados com os escândalos da Petrobrás, sob a alegação de que apenas sobre estes incide a competência do juiz. Graças a tão surpreendente quanto conveniente justificativa, a fatia do processo referente à senadora Gleisi Hoffmann foi cortada das mãos de Moro por envolver lavagem de dinheiro. Com lucidez, o ex-Procurador refuta o argumento esclarecendo que, ao fixar a competência, se deveria levar em conta o crime principal, o crime de corrupção, a origem do dinheiro desviado, e não o secundário, lavagem de dinheiro, que só surge porque havia o principal. Por que será que os advogados dos réus festejaram tanto a decisão do STF? Ah, pois é.
Até o PT, envolvido à náusea num emaranhado de escândalos sem precedentes na história universal, se preocupa com parecer menos pior. Ao STF pouco se lhe dá se for tido e havido como um “tribunal bolivariano”, na expressão usada pelo ministro Gilmar Mendes. E me sinto igualmente respaldado para o título deste artigo quando lembro as palavras de Joaquim Barbosa no final da sessão em que oito réus do mensalão foram absolvidos (pasmem!) do crime de formação de quadrilha. Disse ele: "Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que este é apenas o primeiro passo. Esta maioria de circunstância tem todo tempo a seu favor para continuar nessa sua sanha reformadora. (...) Essa maioria de circunstância foi formada sob medida para lançar por terra todo um trabalho primoroso, levado a cabo por esta corte no segundo semestre de 2012".
Sem tirar nem pôr, é o que estamos presenciando.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia a utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
25/09/2015
Em 2002, quando se desenhava a vitória de Lula nas eleições de outubro, a economia brasileira levou um solavanco. O dólar bateu em quatro reais, os investidores externos se retiraram e os internos se retraíram. A atriz Regina Duarte expressou esse sentimento de insegurança num vídeo gravado para a campanha de José Serra. Sua primeira frase foi - “Tenho medo”. Era uma peça muito forte e suscitou reação imediata das hostes petistas que responderam afirmando que a esperança haveria de vencer o medo.
Já naquela época, quem acompanhava a atividade do Partido dos Trabalhadores sabia. Sabia que a democracia direta defendida por ele e por seus parceiros internacionais sempre descambou em totalitarismo. Quem repelia a violência e a ruptura da ordem que o PT promovia através de seus movimentos sociais sabia. Quem era capaz de reconhecer a corrupção moral em suas várias formas (mentira, mistificação, assassinato de reputações, desonestidade intelectual, etc.) também sabia. E todos nós, que sabíamos, podíamos antever para onde estávamos sendo levados. Era de ter medo, sim. O que não podíamos imaginar era o nível de degradação a que as instituições políticas seriam deliberadamente conduzidas.
O tempo, como senhor da verdade, veio mostrar que Regina Duarte tinha razão. Seria muito melhor para o país se ela estivesse errada. Se nós estivéssemos errados. Os muitos males produzidos pelo petismo – e eu não os vou desfiar aqui porque agora estão bem visíveis aos olhos do mundo – nos fazem regredir muitos anos. E a sociedade convive com o medo em proporções inimagináveis em 2002: é o medo da criminalidade, é o medo de não haver instituição política em que confiar, é o medo da inflação, do desemprego, da fuga de capitais, da depreciação do real e de uma crise de muitas faces, com proporções inimagináveis. E o dólar, treze anos depois, volta aos patamares para onde disparou naquele ano em que Regina Duarte expressou o sentimento de tantos brasileiros. O medo, agora, não é de que o PT chegue ao poder, mas o de que ele prossiga atravessando nossa história como o cavalo de Átila, após o qual nem a grama nasce.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
23/09/2015
O país tornou-se um espectro do que já foi. Há mais de duas décadas as expectativas em torno da economia nacional não andavam tão baixas. Foi tanta coisa errada ao longo dos últimos 13 anos, tanto abuso praticado com os recursos dos contribuintes, tanta corrupção, que cresce no país a ideia segundo a qual está em curso um plano maligno, ainda mais maligno do que o resultado obtido até aqui. Quem sustenta essa opinião está convencido (e tem bons motivos para estar) que tamanho desastre exige cuidadoso planejamento e primorosa execução.
A frase que dá título a este artigo sustenta a tese. Bem entendida, vale por uma confissão. Se a presidente nada fez de errado, então fez tudo certo e as ações de seu governo, de seus auxiliares diretos e de seu partido levaram o país deliberadamente ao caos (e ainda há quem afirme que “golpe” é propor seu impeachment!). Na outra hipótese, ela não tem ideia do que diz nem do que fez e supôs que o Brasil fosse uma lojinha de tudo por R$ 1,99. Nesse caso, quem a indicou para presidir a república tinha que estar enfiado em camisa-de-força. Dilma desmente a tese segundo a qual cada povo tem o governo que merece. Eu sei, o povo brasileiro elegeu quatro governos petistas, de corrida, um atrás do outro. Mas nem por isso merece tamanho castigo.
Malgrado o caos que se instalou no país, o completo desacerto do governo em relação ao modo de enfrentar a situação, a presidente agarra-se ao cargo como se sua permanência fosse mais importante do que o bem do país. O afastamento voluntário, pelo qual a nação anseia, torna-se impensável por exigir grandeza moral que não encontra medida na régua petista.
Diante de tudo que se sabe, parece inadmissível não haver previsão legal para fundamentar um processo político de impeachment contra quem deteve e detém poder de mando e função de controle sobre o corpo e o espírito do governo. Como pode não ser crime de responsabilidade comandar uma administração onde a probidade era a exceção? Como pode não ser crime de responsabilidade atentar contra a lei orçamentária? São perguntas que se faz todo cidadão medianamente informado. Então vale a informação: tudo isso é crime, sim, em todas as leis que tratam da matéria, como muito bem está salientado no pedido de impeachment formulado pelos juristas Hélio Bicudo e Miguel Reale Jr.
Volto, então, à frase do título. Ou a presidente tem responsabilidade, ou é irresponsável. Em nenhum dos dois casos deve permanecer no cargo por sobradas razões jurídicas e políticas. Isso para não mencionar a dignidade nacional nem as urgências sociais e econômicas.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
21/09/2015
Outro dia, querendo confrontar-me, um interlocutor exclamou: "Ah, já vi que o senhor defende o Estado mínimo!". Retruquei: "Não sei de que você está falando. Eu só conheço Estado grande, enorme, mastodôntico. E, cá entre nós, ele não precisa que você o defenda porque faz isso muito bem com sua força, leis, regulações, monopólios e mais uma lista inesgotável de meios através dos quais intervém na nossa liberdade e toma nosso dinheiro. Não se aborreça comigo por tentar defendê-lo desse Estado espremedor".
Diferentemente do que possa estar supondo o leitor destas linhas, não me conto entre os que esperam do mercado todas as soluções e as soluções para tudo. Não, não é isso que penso. Há tarefas que são típicas de Estado e a definição sobre quais sejam é polêmica. Independentemente desse debate necessário, tenho como certo que nós, brasileiros, somos tolerantes com o fato de que o Estado vai à contramão da modernidade, ampliando suas atribuições, seu poder e seus custos. Ele, que deveria estar se retraindo a meia dúzia de funções, se expande sem cessar. Para isso, nos trata como se fôssemos limões a espremer e descartar. Não satisfeito, quando os limões acabam, passa a espremer a safra futura, e a outra, e a outra, garantindo que os limões do porvir já cheguem devidamente amassados.
Tal compreensão da realidade não implica considerar o livre mercado como símbolo da perfeição. Não, o mercado não é perfeito. Frequentemente surgem nele distorções cuja correção, pelo próprio mercado, demanda tempo. Mas afirmo, sem qualquer dúvida, que intromissões reguladoras do Estado sobre o mercado nunca são mais eficientes do que as decisões dos consumidores.
Por exemplo: 90% do serviço de TV por assinatura, no Brasil, está em mãos de duas empresas e ambas adotam, além de preços excessivamente elevados, a respeito dos quais é impossível negociar (o que convenhamos, é uma prática antimercadológica, pois não há motivo pelo qual eu possa negociar na loja o preço de um sofá e não possa negociar o preço dos programas de TV que irei assistir sentado nele). Recentemente, não tendo interesse no "pacote HBO" da NET, solicitei cancelamento. Enquanto conversava com o atendente, tentei compor um menú contendo apenas aquilo que eu realmente gostaria de ter à disposição. Impossível. No cardápio do restaurante da TV por assinatura o consumidor não pode dar palpite. Não é permitido, sequer, trocar arroz à grega por batata suíça. A consequência é que todos, sem exceção, pagamos pelos serviços de TV por assinatura muito mais do que consumimos. Pagamos pelo muito que não vemos e o preço final resulta extorsivo.
Felizmente, a tecnologia que associa TV à internet proporcionou o surgimento da Netflix, serviço no qual, por menos de 20 reais/mês, se dispõe de vasto elenco de filmes e séries à livre escolha do cliente. Viva! O mercado está encontrando uma saída para os abusos das gigantes do setor, que passa a lutar contra esse inesperado intruso em mesa onde davam as cartas e jogavam de mão. A quem apelam, para conservar seus anéis nos dedos? Apelam ao Estado, meu amigo! Querem a ajuda do Estado para coibir a Netflix, forçando-a, por via tributária, a elevar seus custos e preços. Alguém tem dúvidas sobre o que fará a respeito o Estado máximo?
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/09/2015Há poucos dias, em seu roteiro por países bolivarianos, o Papa Francisco recebeu das mãos do cocaleiro Evo Morales aquele horroroso crucifixo de madeira que se compunha com uma foice de modo a formar, no conjunto, o símbolo do comunismo. Foi uma sucessão de indelicadezas do mandatário boliviano, de quem não se pode esperar algo melhor. Só para recordar, poucos dias depois, deu-se o direito de ameaçar o Brasil com suas poderosas forças armadas caso Dilma e o Partido dos Trabalhadores fossem afastados do poder. Como não há o mais tênue movimento nos quartéis (se acenderem uma vela a chama não se mexerá), o recado foi dirigido ao Congresso Nacional e ao Poder Judiciário do Brasil. A turma do Foro de São Paulo se tem em altíssima conta...
Voltando ao encontro do mal-educado presidente boliviano e o Papa Francisco. Evo começou aquela cerimônia pendurando correntes e mais correntes no pescoço de Sua Santidade. Dir-se-ia que ele estava chegando a uma festa de Mardis Gras em New Orleans ou descendo no aeroporto de Oahu. E para arrematar a recepção, uma foice e martelo, metida a crucifixo, de muito mau gosto, que parecia ter sido feita assim mesmo, com uma foice e um martelo. Diante do objeto, Francisco sussurrou constrangida exclamação: "No está bien eso". Os vídeos que registram o episódio mostram Evo Morales com um sorriso irônico que não se desfaz nem mesmo diante da observação do Papa. Na sequência, sempre sorrindo, explicou que o presente era uma réplica de outro, esculpido por Lucho Espinal, um padre militante contra a ditadura de García Meza, sob cujo governo acabou sendo assassinado. A menção ao colega jesuíta, que o Pontífice homenageara horas antes em Las Nieves, aparentemente desfez o mal-estar que se criara.
Pois amanhã, dia 19, o Papa desembarcará em Havana, no aeroporto José Martí, que está sendo ampliado pela Odebrecht, claro. Com financiamento a juros privilegiados, claro. Concedido pelo BNDES, claro (mas a ideia original é que fosse tudo secreto, claro). A questão que me vem à mente é se, diante de um regime abertamente ditatorial, marxista-leninista, que submete o povo da ilha à servidão e que não admite quaisquer mudanças nas estruturas totalitárias do poder, o papa igualmente afirmará, como deveria: "No está bien eso!"
Não, não está bem. Armando Valladares, escritor cubano exilado, que cumpriu 22 anos nas masmorras do regime, em artigo do dia 12 de maio deste ano, refere o tom de sentido escândalo com que o então arcebispo de Santiago de Cuba, D. Pedro Meurice, se referiu ao processo de adaptação ao comunismo e suas metas adotado por seus irmãos do episcopado, desde 1986: "Nos consideravam uma Igreja de mártires e, agora, dizem que somos uma Igreja de traidores". Valladares se pergunta, no referido artigo: "quais as intenções de fundo da ostpolitik vaticana com relação ao comunismo cubano, seus objetivos e suas metas? (...) Quais as consequências para a fé e a doutrina católica dessas atitudes tão diferentes do ensino tradicional da Igreja sobre o comunismo 'satânico' e 'intrinsecamente perverso?'".
Muito pior do que um crucifixo em forma de foice e martelo é um povo inteiro sujeito às perversidades e crimes do regime que esse símbolo representa. A cruz de Cristo foi tisnada com Seu sacratíssimo sangue. Os regimes da foice e do martelo fizeram sangrar milhões de mártires. Muitos na prisão de La Cabaña, exclamando "Viva Cristo Rey!".
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/09/2015
De uns tempos para cá, a novilíngua gramscista encontrou no sufixo "fobia" um pé-de-cabra semântico muito útil ao seu trabalho desonesto no plano da cultura. Basta aplicar o sufixo a um determinado vocábulo para impor silêncio à divergência. Assim, por exemplo, a palavra xenofobia tem sido usada em relação a quem considere excessivamente permissivo o ingresso no Ocidente de imigrantes oriundos do mundo islâmico. Os mais exaltados chegam a identificar essa atitude com o nazismo, como se simples recomendações à prudência equivalessem à construção e uso extensivo de câmaras de gás. E não faltam papagaios para, desde seus poleiros nos meios de comunicação, correntinha ideológica presa à perna, repetirem incessantemente a mesma tolice: "Xenofobia! Xenofobia!".
Ora, o Islã político (dificilmente dissociável do ensino do Profeta) assusta o mundo, insistente e desabridamente. Ataca o Ocidente com ameaças, palavras e obras. É a jihad, que já conta 15 séculos. Não há paz onde ela se manifesta. Um enorme conjunto de organizações terroristas proclamam seu objetivo de acabar com os "infiéis" (ou seja, eu e vocês que me leem). O dito califado, do autodenominado "Estado" islâmico, explicita acima de qualquer dúvida intenções de espalhar pelo mundo seu poder e as monstruosidades que pratica na Síria e no Iraque. Não há limites à sua demoníaca malignidade. Então, a prudência não pode ser desprezada, como não a desprezaríamos em nossas casas ao acolher alguém.
Aqui no Brasil, setores da mídia ainda não decidiram se: 1) o capitalismo acabou, a Europa quebrou e viva o socialismo!, ou 2) o capitalismo é um sucesso e a Europa, rica, deve acolher com generosidade os infelizes da Terra. Para eles, porém, num caso ou noutro, em quaisquer circunstâncias, hoje e sempre, o Ocidente é culpado de tudo.
Não nego que a xenofobia pode se manifestar em qualquer sociedade. Inclusive entre os ocidentais que odeiam o Ocidente. Pode, mas não é essa a regra. Quem pôs fogo num imigrante senegalês em Santa Maria é indivíduo enfermo, portador de uma fobia que merece contenção e tratamento. Essas pessoas não são representativas de coisa alguma, exceto da própria enfermidade.
O que escrevo e descrevo não é difícil de entender, mas pode se tornar incompreensível se os conceitos forem espancados até formarem uma massa única e disforme, como pretendem os papagaios da ideologia. Se o mesmo viés fosse usado para todas as manifestações dessas mesmas pessoas, teríamos que criar os vocábulos e correspondentes execrações públicas para os "cristofóbicos", os "meritofóbicos", os "machofóbicos", os "brancofóbicos", os "milicofóbicos", "europofóbicos" e assim por diante.
Então, ativistas, dobrem a língua e a novilíngua. Saibam: o uso desonesto do vocabulário para difundir conceitos errados com fins políticos é apenas mais uma dentre as muitas formas em que a corrupção se manifesta.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/09/2015
Eu sei, eu sei. De repente a vida ficou pesarosa e irritante para quem viveu décadas surfando na utopia. Aquele discurso socialista tinha a leveza de um sonho erótico e excitava no contraste com a realidade, coitada - encardida, feia e banguela. Vendia-se utopia no vidro traseiro dos carros. Vendia-se em camisetas, bandeiras e alto-falantes. Nos microfones, púlpitos e salas de aula. Nas charges e colunas de jornal. Era fácil de anunciar e barata de comprar. Haveria, logo ali, um novo céu, uma nova terra e um homem novo. Onde? Como? Era tão simples! Tudo se resumia em Lula-lá!
Tenho bem presente a Constituinte de 1988, os anos 90 e, principalmente, os gozos cívicos que marcaram a chegada de Lula ao poder. Uns poucos, entre os quais eu, antevíamos o que estava por vir. Assim como era inevitável a vitória da utopia sobre a realidade, era inevitável o desastre que sobreveio devagar, incontornável. Desastre moral, institucional, fiscal, econômico, cultural. Desastre que atinge todos os objetivos permanentes de qualquer sociedade civilizada: ordem, justiça, liberdade, segurança e progresso. Nada simboliza melhor o colapso de um projeto impulsionado pela ingenuidade de uns e a vaidade de outros do que Lula assistindo a Copa de 2014 pela TV, e Dilma no Sete de Setembro de 2015, cercando-se com as autoridades numa espécie de campo de concentração às avessas. O governo se esconde do povo.
Então, eu sei, a vida arruinou para quem, nos meios de comunicação, inflou um projeto político que agora se veste de pixuleco. Os propagandistas recolhem seus realejos. Não há mais público para defensores do governo. Fica chato fazê-lo e assinar embaixo. Isso só por muito dinheiro e boa parte dos antigos propagandistas da utopia eram voluntários, rodavam sua manivela por devoção. Vem-me à mente, então, o grande Carlos Drummond de Andrade: "E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José?". Agora, quando o sonho erótico virou desvario masoquista, ainda com o poeta digo a José: "O dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo fugiu e tudo mofou. E agora, José?".
José, coitado, cuida como pode de proteger o indefensável. Ele não mais se aligeira com os porta-estandartes da utopia que não veio. Repare bem nele. Furioso, xinga e ofende quem faz oposição num país que precisa, urgentemente, de rumo e prumo. É feio, mal educado, mas - que remédio? - se a utopia mofou e deu nisso que está aí?
Zero Hora, 13/09/2015
Percival Puggina
10/09/2015
1. O PAÍS PERDE TRINTA ANOS EM 13
Os responsáveis pela crise brasileira podem ser classificados em três grupos principais. O primeiro inclui políticos, governantes e formadores de opinião que, numa rara e fecunda combinação de ignorância, incompetência e desonestidade, jogaram o país no abismo. O segundo é formado pelos que se beneficiando do governo concederam sucessivos mandatos a quem, diligentemente, conduzia o país de volta aos anos 80. Uniram-se no palco para a grande mágica petista: o país perde trinta anos em 13! O terceiro é o dos tão descontentes quanto omissos. Refiro-me à turma que não sai do sofá. Quando a água bate nas canelas, pegam as velhas listas telefônicas e sentam em cima. Estes últimos incorrem no gravíssimo pecado de omissão. Eu ficaria feliz se os ônus do que vem por aí incidisse, direta e pessoalmente, sobre cada um desses três grupos em vez de se repartir de modo tão injusto sobre o conjunto da população
2. OMISSOS!
É gravíssimo o pecado dos omissos no atual momento histórico brasileiro! O sujeito lê uma pesquisa e fica sabendo que quase 70% da população quer o impeachment da presidente e que ela conta com a confiança de menos de 8% da sociedade. Diante desses dados, em seu comodismo, ele se considera contado e se dá por representado. Naquela cabeça de cidadão omisso, o dado da pesquisa fala por ele. Representa-o.
3. TERCEIRIZAM O PRÓPRIO DEVER
Pouco importa se seu congressista, ou o Congresso inteiro, não o fazem. Pouco lhe interessa se o único assunto das lideranças com poder de fogo no parlamento é a formação de um "acordão" que mantenha tudo como está. Não o perturba a inconfiabilidade dos tribunais superiores. Ele terceirizou todas as suas responsabilidades cívicas. Ou o fez para as Forças Armadas, que não podem e não devem intervir fora das previsões constitucionais. Ou o fez para o juiz Sérgio Moro, como se o bravo magistrado e a sala onde trabalha não estivesse situada no andar térreo do enorme e pouco confiável edifício judiciário. A pachorra dos processos criminais contra personalidades do mundo político é simétrica à pachorra dos cidadãos omissos. E esta serve àquela.
4. MOBILIZAÇÃO OU CAOS
No entanto, o fio pelo qual pende esse trágico governo, só poderá ser rompido quando a mobilização do povo, fonte legítima de todo poder, alcançar proporções multitudinárias, se dezenas de milhões (e não centenas de milhares) forem às ruas, pacífica e ordeiramente, rugir de modo reiterado e insistente sua inconformidade para desestabilizar a quietude das instituições.
Uma das páginas mais aviltantes da nossa história está sendo escrita no tempo presente com as tintas da ignorância, da incompetência, da desonestidade e da omissão.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões, integrante do grupo Pensar+.