Na tarde do dia 10 de março, Dilma estava inquieta. As últimas semanas não lhe traziam menos do que pesadelos. De um lado, sua base de apoio parlamentar esfarelava. Acabara o dinheiro. Ele fora, até bem pouco, a argamassa que lhe dava solidez. De outro, o apoio popular que o partido poderia buscar não significava grande coisa. Movia-se a grana. Grana para o transporte, para gratificar os que aderissem e para o tradicional sanduba de mortadela, isca e energético das massas de manobra que seu governo dizia privilegiar.
Os ventos de Curitiba sinalizavam borrasca e a atmosfera lhe parecia sinistra, como se impregnada de um cheiro de pólvora que ela não sentia desde quando usava codinome e sua cama escondia um arsenal. O inesperado estava acontecendo. Nem mesmo os torreões formados por quatro dezenas de ministérios, na maior parte criados só para isso, garantiam seu bastião do assédio que estava por vir. Certo, certo, fizera o diabo durante a campanha de 2014, mas o capeta estava cobrando alto demais. Enquanto pensava, Dilma ia de vez em quando até a janela, mas não havia sinal daqueles por quem aguardava.
O chá fora solicitado para quando chegassem e até um bolo de milho, na melhor receita mineira, reservado para a ocasião. Três dias mais tarde haveria imensa mobilização popular contra ela, seu governo e seu partido. As instituições da República, os congressistas e os ministros do STF atribuíam incontornável significado ao que estava por acontecer. E todas as informações davam conta de que, desta vez, ainda mais do que antes, a nação iria rugir. Seria, seu segundo mandato, como um implante em irreversível processo de rejeição? Ameaças de violência emitidas por seus aliados nos movimentos sociais não pareciam atenuar as motivações que levariam milhões de pessoas às ruas. Apoiadores tradicionais, como a OAB, voltavam-se contra ela. Os movimentos sociais eram demasiadamente carimbados pelos coletes da CUT e bonés do MST para serem confundidos com "nosso povo na rua". Povo não se veste assim. João Santana já os havia alertado a esse respeito.
No ano passado, três dias antes das manifestações de 15 de março, a cúpula da CNBB fora visitá-la levando seu apoio e proclamara com firmeza não reconhecer motivo para impeachment. Quantos católicos foram desmobilizados por causa daquela visita? E agora? Não apareceriam novamente para lhe levar apoio? O chá esfriava. O bolo perdia a fragrância do recém feito.
Não, leitor, a CNBB não apareceu. Naquele exato dia em que Dilma deveria estar avaliando a situação em seu gabinete, onde o chá e o bolo foram elaborados pela mera imaginação deste cronista, seu Conselho Permanente emitiu uma "Nota sobre o momento atual do Brasil" que pode ser lida aqui. O que diz? Fala em crise, discernimento, serenidade, responsabilidade. Atribui ao Congresso e aos partidos o dever de "fortalecer a governabilidade"... Fala em "suspeitas de corrupção" (arre!), que devem ser investigadas e "julgadas nas instâncias competentes". Afirma a prevalência das necessidades dos mais pobres em relação à "lógica do mercado" e aos interesses partidários. Por aí vai, com mais rodeios que festa campeira. E o que não diz? Pasmem. A nota sequer menciona a palavra governo! Silencia sobre a organização criminosa que saqueou a nação em detrimento dos mais desvalidos, para benefício de uma parcela corruptora do empresariado nacional mancomunada com agentes públicos da estrita confiança dos governantes. Sobre essa conduta hedionda e delinquente não há no texto uma palavra sequer.
Como leigo católico, constranjo-me. Por isso, desabafo.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Genaro Faria - 31/03/2016 14:34:03
Retorno a este espaço não para comentar o texto, o que já fiz, mas para subscrever a Carta aberta à CNBB. Porém, com uma pequena mas significativa alteração. Onde se lê "clero progressista", leia-se, condescendentemente, clero ingênuo. E rogar aos bispos que deem uma resposta aos católicos deste país que não confundem o mistério da revelação do reino dos céus, com a arrogância materialista da promessa do paraíso terreno socialista.Gustavo Pereira dos Santos - 31/03/2016 06:53:30
"O capeta está cobrando um preço alto demais". A corja conseguiu "poupar" o suficientepara pagar a pizza mais cara da República em todos os tempos, desde Floriano?maria-maria - 30/03/2016 20:44:02
Puggina: desconfio de que o ministro marco aurélio é o novel participante da CNBB, pois acaba de fazer, na globo news, discurso compatível com o dos bispos vermelhos. Sua excelência, usando de direito divino, assimilou o discurso petista e considerou golpe o processo de impeachment. Ao final, o erudito elemento acenou com a informação de quee cabe recorrer ao judiciário...Leila Elston - 30/03/2016 19:44:11
Como sempre um perfeito e significativo texto. O chá há de ficar frio para sempre. Abraço!Odilon Rocha - 30/03/2016 00:40:20
Pois é, caro Professor Agora é tarde. Quem fez caca na lição tem de pagar. O pior dos governos da nossa História. No mundo da meritocracia, é assim. No mundo verdadeiramente democrático, é assim. O povo elege (será que elegeu, mesmo?), o povo tira. Embora tenhamos um caminho longo, de aprendizagem e discernimento. Chegaremos lá. São uns pobres diabos, coitados! Uns perseguidos, da vida! Estou sangrando de tristeza,...quase em depressão.Arnold - 29/03/2016 22:18:33
Muito bom seu artigo!Messias - 29/03/2016 19:45:11
O Sindicato dos Professores do DF quer que professores façam paralisação no dia 31 para ato da CUT a favor da Dilma. É importante mostrar que nem todas as escolas irão aderir, uma vez que o ato é puramente político-partidário e boa parte dos professores são contra a partidarização do sindicato. Eis os links da CUT, e do Sinpro DF: https://www.facebook.com/events/1765127953718082/ http://www.sinprodf.org.br/31-de-marco-e-dia-nacional-de-mobilizacao-vamos-participar/Dalton Catunda Rocha - 29/03/2016 19:15:43
Graças aos padres de passeata e às freiras de minissaia da CNBB, o Brasil tornou-se o país com o maior número de ex - católicos do mundo. O Bi$po Macedo e seus imitadores agradecem, pelas dezena de milhões de fiéis e seus dízimos, que a CNBB enxotou da Igreja Católica de 1964, para cá. Sai o patuá e entra o óleo santo de Israel. Sai o feitiço e entra a teologia da prosperidade. Sai o umbandismo e entra o pentecostalismo. Em suma. Sai o seis e entra o meia-dúzia. Fundado pelo gay, racista, picareta, etc. Charles Fox Parham (1873-1929), o pentecostalismo é um sucesso na América Latina, pelo fato de ser uma macumba, com uma fachada bíblica. Templo é dinheiro. E mentiras. Sobre as “curas” dos pa$tores, veja o site https://www.youtube.com/watch?v=fwoc6z6ymcY Se Jesus é o caminho, o Bi$po Macedo é dono do pedágio. Se o Bi$po Macedo é seu pa$tor, um dia, tudo te faltará.Ismael de Oliveira Façanha - 29/03/2016 15:26:08
Sou um livre pensador, pequeno nos pensamentos mas absoluto na liberdade de os articular. Sou conservador, mas não sou antediluviano. Observando a Presidente com um bom distanciamento crítico, me espanta o silencio das feministas diante da campanha montada contra a única mulher que chegou à presidência da República do Brasil. Que foi, ao que tudo indica, um retumbante fracasso.Genaro Faria - 29/03/2016 05:23:08
Se dependesse desse clube episcopal a fé católica , há muito eu estaria pagando dízimo à Igreja Universal, numa contrita peregrinação ao templo de Salomão, erguido em São Paulo. E se for um requisito do catolicismo seguir o Vigário de Roma incondicionalmente, eu prefiro cultuar Xangô e lançar, numa praia do Rio de Janeiro, oferendas a Iemanjá no Réveillon. Qualquer católico medianamente lúcido percebe que o papa Francisco é o chefe do estado do Vaticano. Um estadista. Um grande estadista, talvez. E talvez conceda que tal mister não se concilie com a cátedra de S. Pedro. Com o reino que não é deste mundo. Mas quando foi que o cristianismo primou pela diplomacia? Ao contrário, a história de nossa igreja sempre foi, e ainda é, escrita pelos mártires que se sacrificaram num testemunho do Crucificado que nos redimiu do pecado original. Ora, mas isso não seria irracional? Claro que sim. É mesmo. Como todo milagre. Como tudo que vai além do que pode a razão cingir em seus limites. Como o infinito, por exemplo, um mistério que representamos com uma cobra comendo o seu próprio rabo. O filósofo Albert Einstein, ofuscado pelo físico genial que foi, afirmou que só existem duas maneira de encarar a vida: ou tudo é um mistério ou nada é um mistério. E confessou que acreditava na primeira delas.