Percival Puggina
08/01/2016
As lágrimas de Obama emocionaram o mundo. Não consigo sequer imaginar, como pretenderam alguns, que elas tenham sido produto de talento teatral. Não! Ele não é ator tão competente nem faltam ao massacre de Sandy Hook motivos para uma verdadeira torrente de lágrimas.
No entanto, é abusivo valer-se das lágrimas de Obama para combater, no Brasil, propostas que buscam proporcionar ao cidadão condições de defender a si e à sua família. Obama chorou mesmo, sem qualquer mistificação. Mistificadores, estes sim, são os defensores de bandidos que enchem as páginas de nossos jornais usando expressões tipo "bancada da bala" e "turma do bangue-bangue" para se referirem aos que, como eu, querem ver assegurado aos cidadãos de bem o direito de defesa num país que se entregou para os criminosos.
Os adversários do direito de defesa nos querem totalmente desprotegidos, em quaisquer circunstâncias. Para eles, as armas devem ser privilégio da escassa e acuada autoridade policial e da multidão de criminosos que, em imensa superioridade numérica, infesta nossas ruas. Se jornalistas, apressam-se a exigir que a polícia trate facínoras como se cavalheiros fossem. Se governantes, não constroem presídios e descuidam dos recursos materiais e humanos da segurança pública. Se membros do Poder Judiciário, são "garantistas" e se comprazem em soltar bandidos, ainda que presos em inquestionável flagrante. Se políticos e integrantes do mundo acadêmico, vêm a criminalidade como evidência da luta de classes e não da eterna luta do bem contra o mal.
É assim que pensam e agem, meu caro leitor, sob influência ideológica do partido governante, o Estado brasileiro, o governo e a administração pública. É assim que se orientam, majoritariamente os meios de comunicação, a Justiça e os educandários, em especial o mundo acadêmico. A Nação está confiada a quem assim pensa e decide. E isso nos deixa praticamente sem saída se a população não desacomodar sua opinião do sofá e sair com ela às ruas.
Inegável dado proporcionado pelos fatos: somos conduzidos por pessoas que romperam seus vínculos com o mundo real. Mudaram-se para a utopia e em seu conforto habitam. Basta ouvi-los para perceber que ocultam tudo, menos isso. Com raras, raríssimas exceções, querem a continuidade de tudo, com Dilma e o PT. Creem ser disso que necessitamos para sair da pavorosa crise em que "o mundo" e a "oposição raivosa" nos meteram. O desarmamento das pessoas de bem é parte imprescindível desse projeto de malucos.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
06/01/2016
Leis e instituições devem estar ordenadas pela razão, a serviço do bem comum. Há problema grave quando as instituições operam para si mesmas, ou quando a lei determina práticas que entram em contradição com o bem comum. Não hesito em afirmar que a legislação trabalhista brasileira, os mecanismos criados para regular as relações laborais e os critérios dominantes na Justiça do Trabalho produzem tal efeito. Gerar empregos, no Brasil, não é bom. É péssimo. São tantas e de tal monta os encargos incidentes sobre as folhas de pagamento que os trabalhadores recebem menos do que deveriam e os empregadores pagam mais do que poderiam.
Um amigo meu, dono de construtora, precisava, há alguns anos, concluir uma obra em ritmo acelerado. Seus operários faziam hora-extra na satisfação de quem, trabalhando mais, ganharia mais para sustento de sua família. A fiscalização chegou ao local e constatou que dois deles haviam excedido o número de horas permitido. Esse fato gerou uma multa em montante escandaloso. Danem-se, perante a fria norma, os interesses comuns de empresários e trabalhadores.
Certo construtor contratou os serviços de remoção em caminhão do entulho gerado em sua obra. Encerrados os serviços e pagos os valores ajustados, foi demandado em juízo pelo caminhoneiro e condenado a pagar, para o caminhão, férias, fundo de garantia, 13% salário e tudo mais.
José, mau patrão, despede seus funcionários como forma de não pagar o que lhes é devido e empurra para frente, em longos processos, o cumprimento de obrigações patronais irrecusáveis. Diz José que mediante acordos acaba pagando menos do que deve. “Já que todos vão para a justiça, faço meus acertos lá, de uma vez só”, conclui ele.
Antônio, mau empregado, foi despedido. Seu patrão pagou tudo que lhe era devido e ainda assim precisou enfrentar uma ação trabalhista cujo montante superou todos os salários recebidos pelo trabalhador durante os meses em que serviu à empresa.
Que sistema é esse que beneficia o mau empregado e o mau empregador? Serve ao bem comum uma situação que inibe e penaliza a decisão de empregar e faz com que todo empresário anseie por operar com um quadro de pessoal inferior até mesmo ao mínimo indispensável (e que se ergue sobre sua cabeça como uma espada de Dâmocles)? Será assim que vamos gerar trabalho para os desempregados do país?
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
03/01/2016
A frase vem sendo pronunciada por muita boca bem falante e mal pensante: "Está tudo sob controle, a democracia consolidada e as instituições funcionando". Sim, sim, claro. E eu quero saber onde caiu a minha chupeta que está na hora de nanar.
Não somos crianças. Falem sério! Está tudo sob controle de quem? Como ousam chamar democracia o ambiente onde agem essas pessoas que se acumpliciaram para dirigir a República? A única ideia correta na citação acima é a que se refere às instituições. Elas estão funcionando, mesmo. O Brasil que temos, vemos e padecemos é produto legítimo e acabado do seu funcionamento. Acionadas, produzem isso aí. Sem tirar nem pôr.
Eis o motivo pelo qual os figurões do governo frequentemente sacam de sua sacola de argumentos a afirmação de que as coisas sempre foram assim. De fato, embora não no grau superlativo alcançado nos últimos 13 anos, o modelo institucional republicano tornou crônicos os mesmos males. Em palestras, refiro-me a isso mediante uma analogia. Instituições, digo, são como sementes. Uma vez plantadas, germinam, ou seja, funcionam e produzem conforme determinado pela natureza da semente. É o nosso caso. À medida que a urbanização nos tornou sociedade de massa e o Estado empalmou o poder (vejam só!) de definir os valores, a verdade e o bem, decaiu o padrão cultural e moral médio, inclusive, claro, dos membros dos poderes de Estado. Eu assisti isso. Mas a sedução do modelo aos piores vícios, a destreza com que gera crises e a inaptidão para resolvê-las é exatamente a mesma ao longo do período republicano.
A ordem juspolítica engasgada pretende, agora, obrigar-nos a arrastar por mais três anos esse peso governamental insepulto como se fosse honorabilíssimo dever cívico. Graças a ele, o ministro Toffoli proclama que o STF, cada vez mais, se afirma como Poder Moderador. Credo, ministro! O topo do Poder Judiciário, sem voto e sem legitimidade, pretende usurpar vaga no topo do Poder Político? Bem, foi isso que se viu na deliberação sobre do rito do impeachment.
Precisamos, sim, de um Poder Moderador, que não se legitima com mero querer de um grupo bem suspeito de pessoas, mas com a separação consolidada na quase totalidade das democracias estáveis: o chefe de Estado (Poder Moderador) é uma pessoa e o chefe de governo é outra (que cai por mera perda de confiança). O impeachment, lembrava Brossard, nasceu na Inglaterra medieval e sumiu, substituído pelo voto de desconfiança dado pelo parlamento. Mas nós gostamos, mesmo, é de pagar caro por esse sistema travado e encrenqueiro que aí está.
Zero Hora, 3 de janeiro de 2016
Percival Puggina
31/12/2015
Já fizemos desastrosas experiências com líderes carismáticos. Fomos do empresário bem acabado e milionário Collor ao operário mal acabado e pobretão Lula. Hoje não se sabe qual o mais abastado. Exceto pelos dois beneficiários, foi tudo em vão porque líderes carismáticos são causa de instabilidade e insegurança política. Embora tantos preguem diferente, a política pode passar muito bem sem pessoas assim. Ela precisa é de líderes capazes de conduzir competentemente o barco nacional. Nós temos Dilma Rousseff.
Entre honrosas exceções, a maioria dos políticos brasileiros cuidam do próprio barquinho. Essa condução, quando envolve interesse nacional, decide seu rumo sentindo para onde aponta o vento da opinião pública. Não são líderes, mas seres erráticos liderados por orientações mutáveis como as brisas, os ventos e os redemoinhos. Observem o PMDB e depois me digam se estou errado. Quantos deputados têm tutano para subir à tribuna e enfrentar a ira das galerias?
Agora, a presidente Dilma. O governo petista, desde 2003, deu continuidade àquilo que o PT sempre foi - uma escola da mentira. Mentiam sobre si mesmos, sobre a História, sobre os outros destruindo injustamente muitas reputações, mentiam sobre suas reais intenções, sobre a conduta de suas referências internacionais. Mentiram tanto que convenceram a maioria da sociedade que as demagógicas bandeiras e propostas com que atacavam todos os governos ao longo de seu caminho trariam a prosperidade e a paz social. No entanto, às vésperas da eleição de 2002, rasgaram toda a parolagem num picador de papel e redigiram a famosa "Carta ao povo brasileiro". Nela, desmentiram-se publicamente. Quatro anos mais tarde passaram a desmentir a própria carta e, gradualmente, foram quebrando o país. Para esconder a quebradeira mentiram como nunca em 2014.
Melancólico final de ano vivido pelo Brasil! Somos objeto de escárnio e do descrédito internacional. Somos vistos como um país onde governantes roubam e deixam roubar. Ou você já viu algum alto dirigente do partido, ou gestor no governo, tomar a iniciativa de denunciar pixulecos e falcatruas ocorridos sob seus olhos? Nosso governo enfrenta indizível rejeição popular e não renuncia. Apenas silencia.
O silêncio de Dilma no Natal, por exemplo, deve ter sido muito apreciado por sua fiel devota, a CNBB. Sobre a reunião e confraternização das famílias e o espírito natalino, nenhuma palavra sequer da pessoa que deveria liderar o país. Nem mesmo genéricos votos de uma Noite Feliz. De Jesus, nem se fale. Agora, ao encerrar-se 2015, a presidente limitará sua fala à Nação, assim foi dito, a um artigo na Folha de São Paulo. Todo esse silêncio resulta de simples adição, cujas parcelas são: falta do que dizer, sentimento de rejeição, orgulho ferido, incompetência para o desempenho de suas funções. Se falar antes dos foguetes, leva panelaço. Se falar durante os foguetes, ninguém a ouvirá. Então, total silêncio desde o topo do poste.
Vamos enfrentar as dificuldades de 2016 com as instituições engasgadas, sob o comando de quem produziu o caos, tendo na presidência uma pessoa que confunde grosseria com autoridade, mau humor com seriedade, impeachment com golpe, mentira com verdade e verdade com mentira. É a receita certa para o fracasso.
Por tudo isso, o silêncio de Dilma é muito preferível à sua fala. Sua ausência desejada e sua presença incômoda.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
26/12/2015
Em julho de 2007 eclodiu nos Estados Unidos a "Crise do subprime", que se derramou em cascata sobre as economias livres. Aqui no Brasil, porém, marxistas dos mais variados tons espocaram rojões. Tempos de festa! Comemoravam o fim do capitalismo.
Era compreensível. Ninguém pode ser comunista se não tiver fé irrestrita no profeta do Das Kapital e em suas escrituras. A festejada catástrofe haveria de mostrar aos infiéis que Marx tinha razão. Surgira a hora do Juízo Final para a economia de mercado. Lembro-me bem de Lula e seus companheiros, Brasil afora, vangloriando-se de que entre nós, sob comando de um governo de esquerda, aquele tsunami não passava de marolinha. De lá para cá, as economias livres foram buscando suas soluções, retomaram fôlego, e o Brasil se arrasta, na contramão e no acostamento, numa recessão de extensão imprevisível.
Além da corrupção, da proverbial e bem motivada incompetência dos governos petistas para quaisquer ações na área da economia, a crise de muitas faces vivida pelo país é causada, também, pela irresponsabilidade fiscal. O petismo sempre foi contra leis de responsabilidade fiscal. Sempre jogou os piores adjetivos sobre quem exigisse dos governantes uso parcimonioso dos recursos públicos. E sempre foi predador de quantos, no exercício das funções de Estado, seguissem critérios de responsabilidade fiscal. O partido se opôs à lei federal que disciplinou a matéria e, no poder, violou-a de um modo que ela define como criminoso. O PT, contra tudo e contra todos, vê mérito no que faz.
Recentemente, aqui no Rio Grande do Sul, o governo Tarso Genro, após quatro anos de gestão, deixou o Estado em situação falimentar de tal proporção que a seu sucessor não restaram nem mesmo as batatas de Quincas Borba. E saiu cheio de razão! Nestes dias, quando o novo governo gaúcho envia à Assembleia Legislativa um projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal estadual, quem se insurge contra ele? Pois é, os mesmos de sempre.
A inevitável conclusão que se extrai de tais condutas é a seguinte: quem se põe contra a responsabilidade fiscal está avisando a todos que quer liberdade para usar desmioladamente os recursos públicos. A nação está constatando isso e pagando o prejuízo.
Convém lembrar que o consentimento sobre tributos, dado por quem os haveria de pagar, e o respectivo controle, estão na origem dos parlamentos e, portanto, do moderno constitucionalismo. No sentido inverso, o desvario gastador leva descrédito às instituições, sobrepeso ao Estado, atrofia e miséria à sociedade.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
24/12/2015
Não se sabe ao certo o dia, mês e ano em que Jesus nasceu. O Deus absconditus (escondido) não tinha carteira de identidade nem certidão de nascimento. O 25 de dezembro, que era uma festa pagã ligada ao solstício de inverno no Hemisfério Norte, foi definido como a data para celebrar o nascimento de Jesus apenas no ano 354, por ato do papa Libério. E como tal cruzou 16 séculos, enobrecendo o dia 25 com a perene lembrança do fato anunciado pelo anjo aos pastores, na narrativa de São Lucas: "Não tenhais medo. Eu vos anuncio uma grande alegria que será para todo povo. Hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós um salvador, que é o Cristo Senhor".
Há muito mais a comemorar quando, no 25 de dezembro, as famílias se reúnem, as cidades de enfeitam e trocam-se mensagens de amor e esperança em torno do Menino na manjedoura, do que quando se paganiza o Natal, celebrado em torno de nada, na desvalida substituição da fé por coisa alguma. Não estou dizendo que seja vã a reunião familiar e destituído de sentido o afeto que ali se expresse. Estou afirmando, apenas, que os adereços natalinos não fazem e não são o Natal da longa tradição cristã. Estou dizendo, também, que a descristianização em curso na cultura ocidental, a autofagia da nossa civilização, não poupa qualquer de seus fundamentos e manifestações. Metaboliza e excreta suas fontes. E por aí vai-se o belo, o bem, a verdade. Vai-se a fé e vão-se as virtudes.
Em várias ocasiões, ao longo destes últimos anos, falando a diferentes auditórios, tenho recolhido respostas a esta pergunta: "Quantas vezes, em sala de aula e em qualquer dos níveis de ensino, do fundamental ao superior, ouviram vocês referências ao extraordinário e positivo papel do cristianismo e da Igreja na história e na construção da nossa cultura e da nossa civilização?". Raramente, muito raramente, alguém responde de modo positivo a essa pergunta. E quando inverto a questão, indagando sobre menções pejorativas, as reações são unânimes. Sim, dizem, fala-se muito sobre Cruzadas, Inquisição, Galileu, Giordano Bruno... Isso não é apenas um erro. É escandalosa má fé e gigantesca omissão da verdade! Nas proporções demográficas em que acontece, está paganizando a sociedade, desinteressando os pais sobre o que é ensinado aos filhos e franqueando espaço às desmedidas ambições ditas educacionais do Estado.
Não há maior desperdício do que aquele a que é submetido o Deus que se dá como presente a quem parece preferi-lo ausente. Trocar o Natal cristão por uma festa pagã é tão mau negócio quanto trocar Jesus Cristo pelo Leviatã estatal. É preciso resistir. A todos, um Feliz Natal do Menino Jesus.
Especial para Zero Hora 20 de dezembro de 2015
Percival Puggina
22/12/2015
Diversas vezes ao longo deste ano lastimei o "conforto das instituições", ou seja, aquela atitude que deixa tudo como está para ver como fica porque o modo como está não perturba os poderes da República. Foi exatamente o que, no julgamento da ADPF 378, motivou a inominável decisão da "suprema cortesã" sobre o rito do impeachment. Inominável? Sim, inominável. O STF não apenas decidiu que o voto secreto, usado por ele mesmo quando escolhe seus dirigentes e representantes, não vale para o parlamento. Ele estabeleceu, também, que a Câmara (representação do povo, dos cidadãos), num impeachment, pesa menos que o palito da azeitona do Martini. Qualquer pessoa alfabetizada sabe não ser isso o que a Constituição diz. Então, cabe perguntar: fosse o governo majoritário na Câmara e minoritário no Senado, não teria, a decisão, sentido inverso?
Em nosso país, quando se trata das questões políticas de fundo, vivemos sob eclipse da razão, convencidos de que "nossas instituições são boas mas não funcionam" e de que necessitamos de quem as faça funcionar. Mas é tudo ao contrário! Elas são péssimas e funcionam perfeitamente, obrigado. Mensaleiros, oportunistas, negocistas, corruptos e corruptores agradecem, de coração, o formato que demos ao modelo político em que eles se esbaldam. Não foi sem esforço organizacional que nos tornamos o 69º país mais corrupto do mundo, com nota 3,3 num máximo de 10, apenas um ponto e meio acima do pior da lista, e palco da maior bandalheira da história universal.
Sistemas políticos são como sementes. Postas na terra, germinam e brotam conforme o que foi plantado. Semeamos pimenteira e dela ninguém colherá morangos. O Brasil só começará a mudar se e quando compreendermos o quanto é vã a esperança de que um dia possamos obter frutos melhores desse modelo. O Brasil só mudará se e quando, de tanto “ver se agigantar o poder nas mãos dos maus” (como dizia Rui há quase um século), resolvermos promover uma correta reforma da ordem política.
Perdoe-me o leitor pelo desagradável resumo que farei de nossos males, mas ele é importante para compreensão do que escrevo. Tudo que se segue tem causa cultural, claro, e causa institucional que poderia ser evitada: a confusão entre coisas tão distintas entre si quanto Estado, Administração e Governo; a multiplicação dos cargos de confiança; o incessante aumento do Custo Brasil; a partidarização da Administração transformada em moeda de troca para manutenção da base parlamentar; o uso dos postos de mando como fonte de receita para as legendas; o fisiologismo; a infidelidade (dos partidos aos seus programas e dos políticos aos partidos); a escandalosa representação dos grupos de interesse no Congresso Nacional; a abusiva publicidade oficial; a decisiva importância da mentira e do populismo nos processos eleitorais; a partidarização dos tribunais superiores; os foros privilegiados; os labirintos recursais, as execuções penais misericordiosas. Arre! Tudo planta plantada produzindo os frutos que desaprovamos.
Reforma política tem que separar Estado, Governo e Administração e fazer com que a maioria parlamentar constitua o governo em vez de obrigar o governo a cooptar base de apoio. Precisa, também, adotar um sistema eleitoral que desestimule a representação política das corporações e grupos de interesse. Mas no Brasil, conforme ampla e longamente observado: está tudo errado, mas não mexe.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/12/2015
1. A NAÇÃO ABANDONADA
Com as decisões de ontem, o STF evidenciou à nação o estado de abandono em que se encontra perante os poderes de Estado. Rompeu-se o fio pelo qual pendia a esperança de que em algum canto da República houvesse instituição capaz de proteger a sociedade da incompetência e da rapinagem do governo.
O mesmo STF, que volta e meia, durante suas sessões públicas promove eleições secretas entre seus membros para postos de funções de administração e representação, exigiu comportamento inverso do poder legislativo em cuja autonomia interferiu.
Fez mais, determinou um bis in idem facultando ao Senado decidir, nos processos de impeachment, se aceita ou não a resolução da Câmara. Se o Senado (casa legislativa que representa os Estados) divergir da Câmara (casa legislativa que representa o povo), esta enfia a viola no saco e a própria decisão na lixeira. De nada terá valido.
Por fim, vedou a candidatura autônoma às cadeiras da comissão que analisará o processo de impeachment. Essa norma simplesmente dispensa a contagem de votos. A decisão sobre o andamento do processo fica transferida para os 23 líderes de bancadas. Até parece eleição cubana, que deixa o eleitor sem opção.
2. A MANIFESTAÇÃO DOS "TRABALHADORES" PRÓ-DILMA, ÀS NOSSAS CUSTAS
Abomináveis, sob todos os aspectos, as manifestações pró-Dilma na tarde da última quarta-feira. Sob forma de ato público, supostos trabalhadores, no meio da tarde, exibiram-se em diversas capitais brasileiras. Trajando seus fardamentos vermelhos, substituindo as cores e símbolos nacionais pelos símbolos e cores partidários e ideológicos, saíram ao asfalto para sustentar o governo. Assistimos, então, à notória defesa da mentira, da fraude, da dissimulação, da incompetência, da recessão, do desemprego, da inflação e da corrupção.
Trabalhadores? Sem mais o que fazer, no meio da tarde? Só podem ser "trabalhadores" sem patrão, sem compromisso laboral. Portanto, ou são servidores públicos cujos salários nós pagamos, ou são dirigentes sindicais, cujo ócio e improdutividade são incorporados aos preços dos bens e serviços que adquirimos. Ou seja, são pagos por nós...
3. A IRRESPONSABILIDADE FISCAL DO SENADO QUE VAI DECIDIR SOBRE A IRRESPONSABILIDADE FISCAL DA PRESIDENTE
Ontem, dia 17, o Senado Federal concluiu que as contas públicas estão em perfeita ordem e considerou compatível com a realidade nacional elevar os vencimentos de seus servidores efetivos no percentual de 21,3%, parcelado ao longo dos próximos 3 anos. A conta, para 2016, fica em R$ 174,6 milhões. Isso acontece num momento em que o governo, com extremo otimismo, prevê redução de 1,9% na atividade econômica do próximo ano, o que representará, inevitavelmente, queda na arrecadação. O relator do orçamento, aliás, promoveu cortes em praticamente todas as atividades do governo. E o Senado distribui favores aos seus! É essa Casa legislativa irresponsável, onde o governo é amplamente majoritário, que decidirá sobre os crimes de irresponsabilidade fiscal da presidente da República.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/12/2015
O crime de estelionato está assim definido no Código Penal Brasileiro: "Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento". É o famoso 171. Por analogia, aplica-se a designação aos casos em que o candidato ou candidata, após vitória eleitoral, passa a fazer o oposto do que afirmara em seus compromissos e promessas de campanha. O caso se torna ainda mais grave quando esse candidato ou candidata, durante a disputa, atribuiu a seu adversário a intenção oculta de aplicar essas mesmas políticas. Tem-se aqui, com toda clareza, a obtenção da vantagem ilícita (vitória eleitoral), em prejuízo de outrem (o adversário), mediante indução dos eleitores ao erro, através de persuasivo ardil.
Em janeiro deste ano, na eleição grega, o Syriza, partido de esquerda, obteve maioria parlamentar para formar governo com um discurso radicalmente avesso aos ajustes fiscais exigidos pelos credores. O líder partidário, Alexis Tsipras, como ocorre via de regra nos países que adotam o sistema parlamentar, assumiu o governo e durante meses tentou sustentar seu discurso. Por fim, rendeu-se aos fatos. Imediatamente após, numa atitude corretíssima, renunciou ao cargo e novas eleições foram convocadas. Seu partido voltou a vencer, e Tsipras retornou à chefia do governo com ainda maior força política e moral.
Deu para notar a diferença? Alguém alegará que o Brasil não é um país parlamentarista e que estelionato eleitoral não é crime no Brasil. Tem razão quem diz. Vender falso bilhete premiado dá prisão, mas não é crime enganar 45 milhões de eleitores (número a que se chega diminuindo dos 54 milhões de votos obtidos pela presidente os 9 milhões que ainda a apoiam). Contudo, mesmo não sendo crime, os artífices desse estelionato deveriam andar pelas ruas, pelos aeroportos, pelos restaurantes do país, com os olhos baixos, constrangidos de encararem a sociedade à qual, iludiram de modo ardiloso. Esta seria a atitude moralmente exigível e não a arrogância que ostentam quando exigem que a legitimidade do mandato assim conquistado possa valer, inclusive, como blindagem contra julgamento por posteriores crimes de responsabilidade fiscal. Aí estamos diante de uma indignidade que nem mesmo uma dúzia de adjetivos pesados são insuficientes para caracterizar.
Julgo que a atual crise brasileira geraria algum ganho se desse causa a uma reflexão nacional sobre a irracionalidade do nosso sistema de governo (que funciona como um amplificador de crises) e convencesse nossos legisladores da necessidade de separar Estado, governo e administração (causa principal do descontrole fiscal e da corrupção). A menos que queiramos continuar sendo enganados.
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* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil, integrante do grupo Pensar+.