Percival Puggina
14/06/2016
Marcelo Odebrecht foi insuperável no financiamento e nas cortesias dispensadas ao partido que governou o Brasil de janeiro de 2003 a maio de 2016. Consolidou longa e sólida parceria irrigando contas, tapando buracos, emprestando aeronaves, arrumando negócios, fazendo corretagem de palestras para Lula e pavimentando com pedrinhas de brilhantes o caminho para seu PT passar. Durante mais de dez anos, uma mão lavou a outra.
Mas as impressões digitais ficaram. O homem cuja prisão, nas palavras do próprio pai, acabaria com a República num fim de semana, cravou o facão no toco e resistiu, como poucos, um ano inteiro na humilhante rotina do xilindró. Só então, começou a cantar o verso e o reverso.
Ele é o número 1 entre os benfeitores do PT. O número dois vai para Eduardo Cunha. Sim, leitor, o proclamado inimigo número 1 é, na verdade, o amigo número 2. O PT jura que não, mas é falso. Acompanhe o raciocínio. Ele foi eleito para comandar a Câmara em fevereiro do ano passado e, logo no mês seguinte, desabaram sobre sua mesa cerca de três dezenas de pedidos de impeachment da presidente Dilma. Que fez então, desatento à maledicência que o acusava das piores intenções em relação a esses requerimentos? Nada. O PT falava mal dele e ele cuidava do PT. A nação ia para a rua, pedia impeachment e o Cunha se mantinha impassível. Era como se não fosse com ele. Tanta demora, ao longo dos meses, foi esfriando a motivação nacional, silenciando as redes sociais e, claro, reduzindo o público das manifestações.
A mídia amiga do governo e os militantes assalariados deitavam e rolavam ante a debandada dos coxinhas. Lembram? Obra exclusiva do Cunha, leitores! E assim terminou o verão de 2015. E assim passaram, também, o outono, o inverno e quase toda a primavera. Quanto mais requerimentos pedindo impeachment chegavam, mais Cunha permanecia imperturbável, dando inutilmente ao PT o ano inteiro para livrar a pele, escusar-se ante Nação, adotar medidas para superar a crise, reconstruir credibilidade e o que mais a astúcia e a malícia pudessem conceber.
Quando se sentiu perdido, abandonado pelo oposição que lhe negou apoio na Comissão de Ética e, por fim, pelo próprio PT, Cunha mergulhou na pilha dos pedidos de impeachment para escolher um. Esse mergulho ainda precisa ser bem contado. Havia dezenas de processos fundamentados, listando os crimes praticados pela presidente e pelo governo sob seu comando. Havia a penca de denúncias da Lava Jato, a negociata da refinaria de Pasadena, as irregularidades na arrecadação de recursos de campanha, a falsidade ideológica na ocultação da realidade nacional durante a disputa eleitoral de 2014. Dentre tantos, qual o requerimento escolhido por Cunha? Pois é. Cunha escolheu o das pedaladas fiscais, crime real, grave, mas politicamente estéril, ruim de explicar, incompreensível ao povão. Por fim, pego com a boca na botija, apresentou a si mesmo para o papel de inimigo, sem o qual o PT não sabe fazer política. Amigo é para essas coisas.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
11/06/2016
Não preciso buscar autor cristão para encontrar observações importantes sobre os antagonismos acima. Até um marxista da Escola de Frankfurt percebeu o vigor presente nesses sentimentos e atitudes. Mirando o nazismo e não o conjunto das experiências totalitárias de seu tempo, Erich Fromm entendeu que odiar e destruir também eram formas de transcendência. Mas eram inferiores a amar e construir.
"Se for necessária a violência, que venha a violência!", esbravejou certa vez um professor durante debate do qual participei sentado a cautelosa distância no outro lado da mesa. O moço queria transcender à realidade que via e o caminho arrebatado, rompante, tão pouco civilizado, parecia lhe servir. No chamado à turbulência existem conteúdos explícitos e implícitos. Há o voluntarismo dos que só se subordinam a leis próprias. Há uma atitude perante a vida que não vê limites ao querer. Há boa dose do desejo de transcendência pelo viés negativo mencionado por Fromm. E há a enfermidade psíquica que se compraz com a sensação de poder advinda da brutalidade: bateu, quebrou, causou dor, gerou perda, ferrou com tudo? Êxtase!
Escrevo estas linhas pensando nos vândalos que escolheram a rua mais charmosa do bairro mais elegante da cidade para suas pichações políticas e manifestações de ira em favor da continuidade do mandato da presidente Dilma. Era prazerosa, apesar de malsã, a tarefa de entrar por aquela específica rua expressando uma forma de poder que ultrapassava os limites dos códigos de conduta dos frequentadores, antagonizando-os politicamente. Não se diga que "até aí nada de mais". O que estou descrevendo é a opção real por uma política que construiu assim seu caminho para o poder. Assim a ele chegou. E assim fez acontecer com a ordem pública e com a lei o mesmo que acontece com o elástico da cueca. Esgarçou. Foi tanta cizânia, tanta história mal contada, tanto divisionismo para conquistar que o elástico não resistiu.
Não ouvimos da boca da presidente afastada, há bem poucos dias, que o ministério de Temer era formado por velhos, brancos e ricos? Expondo-me ao risco de extrair intuito de onde não costuma haver intuito algum, eu diria que Dilma rezou pela cartilha que manda fatiar a sociedade para conquistá-la; suscitar o conflito para debilitar e intimidar conflitantes; mobilizar sentimentos vis para que a vilania seja consentida. Brasileiros com menos de 30 anos talvez não lembrem do que aconteceu no Brasil nas festividades que deveriam ter marcado os 500 anos do Descobrimento. Você lembra, leitor? O PT, seus movimentos sociais e a esquerda bagunçaram tudo durante meses e acabaram com a festa! Odiar e destruir. Odiar e destruir. O resultado está aí em dimensão nacional. Onde foi diferente?
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Nossa esperança não está nem poderia estar no bom caráter da nova maioria parlamentar formada, em grande parte, pela velha maioria parlamentar. Não existe bom caráter em quantidade suficiente no Congresso Nacional. Aliás, antes mesmo dessa obviedade: o que seria "caráter" para quem sempre afirmou que gente de bem, como se diz por aqui, ou "homem bom", como dizia Aristóteles há 2300 anos, é papo de tolos conservadores? Toda tentativa de desqualificar o novo governo substituto com base no caráter de muitos de seus membros, migrados da base do governo petista, é esperteza de falso malandro. É surto de moralidade em casa de tolerância. Nossa melhor esperança, repito, só pode estar no povo que foi às ruas! (Por contrato com ZH, a totalidade deste artigo deve ser lido no site do jornal).
Especial para Zero Hora, 11 de junho de 2016.
Percival Puggina
09/06/2016
Quem já passou pela experiência de encolher seu padrão de vida, apertar o cinto, mudar-se para imóvel menor, em bairro pior, vender o carro novo para comprar um usado, entenderá bem o que vou escrever. Nos últimos dias tenho conversado com muita gente vivendo concretamente essas experiências. Muitos deles eram jovens com bons postos de trabalho, colhidos pela tesoura determinada pela recessão. Profissionais bem sucedidos em diversas áreas, assumiram a direção de seus carros e se tornaram motoristas do Uber, por exemplo. Tenho ouvido suas histórias e seu esforço de adaptação a uma nova realidade. Tenho lhes conferido, principalmente pelas histórias de vida, a desejada nota cinco que os credencia a continuar no serviço. É nota dada ao cidadão, ao chefe de família, ao estudante bolsista no exterior, que precisou retornar porque o programa secou. Era um programa para crescer até a eleição e minguar depois, sabe como é. O mandato presidencial de Dilma tinha que ser "legitimamente conquistado".
Pois eis que a tesoura, uma outra tesoura, acabou atingindo a própria presidente. Ela foi afastada segundo o rito constitucional e aguarda o julgamento do Senado. Enquanto isso, salário integral, curte as comodidades do Palácio da Alvorada, com um séquito de fazer inveja à qualquer família real europeia. No entanto, para a Dilma, ela está nas masmorras de uma espécie de Coliseu, onde aguarda algumas semanas pela decisão final. Naquele dia precisará que mais de 27 entre os 81 senadores ergam o polegar e a restituam à vida antiga, que tão mal levava o Brasil e tanto bem lhe fazia viver.
Tivesse fé, Dilma deveria subir de joelhos as escadarias da Penha. Deveria lavar o átrio da Igreja de Nosso Senhor do Bom Fim. Foi-lhe dado o privilégio de presidir a república e ela fez mau uso dessa ventura conduzindo o país a uma situação que se torna desnecessário descrever porque seria falar sobre a vida de cada um. No entanto, em vez de agradecer e penitenciar-se, Dilma reclama. Reclama de tudo, como se estivesse nas masmorras do Coliseu Romano.
Reclama de não ter jato da FAB à disposição para viajar quando e para onde bem entenda. Reclama da reduzida equipe. Reclama do cartão de alimentação. E no entanto, de uma ponta a outra, a lista de suas efetivas disponibilidades é feita de privilégios! São regalias negadas aos trabalhadores. E ainda mais recusadas aos milhões de brasileiros desempregados por sua incompetente condução da política econômica. A estes, desempregados pela corrupção, desempregados pelos gastos durante o estelionato eleitoral de 2014 e pelo dinheiro despejado no totalitarismo dos camaradas bolivarianos, ela não dedica uma única palavra.
O dedo acusador de Dilma volta-se contra tudo e todos. Só não encontra o rumo do próprio peito.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
05/06/2016
É um dos confrontos mais decisivos da história do Brasil. E terrivelmente desigual. De um lado, atuam grupos sociais espontaneamente organizados, dependentes apenas do idealismo e do civismo de seus membros. Mobilizam-se contra o uso político, ideológico e partidário do sistema de ensino. De seu sucesso depende a possibilidade de que o Brasil, num horizonte de médio prazo, possa contar com a ação livre, criativa e produtiva de sua juventude para embarcar num padrão de desenvolvimento compatível com os países que já colhem os resultados de sua opção pela Educação.
No outro lado desse confronto estão os que, ao longo de sete décadas, numa continuada ação de pirataria intelectual, se foram apropriando dos instrumentos essenciais do ensino em nosso país. Nada concederam ao acaso. Escalaram a nave educacional pela popa e pela proa, ocuparam o convés, assumiram o leme, ergueram-se pelo cordame e hastearam uma bandeira vermelha no topo do mastro maior, para que todos saibam a que e a quem serve o imenso e malbaratado investimento nacional em Educação. É uma estrutura tão danosa quanto poderosa. Ela se vale do uso abusivo da sala de aula por professores que aparentemente aprenderam com os índios jivaros a técnica de encolher cabeças; da militância dos sindicatos profissionais dos docentes; da apropriação política do Ministério da Educação, de suas verbas e programas; do controle dos conteúdos dos livros didáticos; das provas e concursos públicos, do ENEM, e por aí vai. O que acontece no setor “cultural” é um nadinha, merreca, comparado com o que acontece no “educacional”.
Mas não só isso. Se você pensa que os controladores dessa agenda nos últimos 13 anos só roubaram o nosso dinheiro, o patrimônio público, a credibilidade do país, saiba que o magno malefício da corrupção é pequeno se comparado com o assalto ao sistema de ensino, que já abocanhou as potencialidades e o futuro de mais de uma geração de brasileiros, formatados para serem massa de manobra do movimento revolucionário em curso. De milhões de brasileiros, tomaram o intelecto e a honestidade! Como calcular o valor desse dano? Mentiram-lhes tanto que já não se importam com a diferença entre verdade e mentira. Trata-se de uma atividade que se conta em décadas e que, na prática, viabilizou a chegada ao poder, em 2003, do grupo que governou o Brasil nos últimos 13 anos. A tragédia social, política e econômica que se produziu no país compõe o inevitável refrão do fracasso que se sucede a cada cantoria de quem governa sob tais ideias e sob lideranças assim em qualquer parte do planeta. Nunca fizeram algo melhor do que isso.
O que mais bem expressa esse confronto entre o Brasil que está concebido pelo sistema de ensino que temos e aquele pelo qual todo brasileiro anseia, é a atividade do movimento Escola Sem Partido. Há muitos anos, sob a liderança de Miguel Nagib, esse grupo vem denunciando a pirataria apátrida das bandeiras vermelhas, símbolos de uma revolução que nenhuma pessoa sensata poderia desejar. E se é algo que nenhum pai ou mãe há de querer para seus filhos, cabe, então, a pergunta: como conseguem, os piratas da Educação, mobilizar pessoas para algo que, em todas as suas experiências, só gerou miséria e opressão? Resposta simples: acabando com a sensatez. E é impossível acabar com a sensatez sem controlar os meios de ensino.
A UNE, União Nacional de Estudantes, há mais de meio século é comandada por jovens comunistas, estudantes profissionais, a serviço de uma agenda apátrida, de pirataria política, que nada tem a ver com o bem do Brasil. Em nome de qual interesse público a rapaziada da UNE recebe milhões de reais por ano do nosso dinheiro para queimarem em festas, bebidas e viagens e, claro, atenderem com docilidade aos estalos de dedo dos que lhes suprimiram mente e caráter?
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
02/06/2016
O sujeito estava indignado. Havia sido roubado, segundo me escreveu. Enquanto o lia, perguntava eu a mim mesmo: teria sido ele vítima de uma “saidinha de banco”? Levaram-lhe o carro? Comigo, aliás, já aconteceu isso e pior. Mas não era por aí o seu queixume. Imaginei que lhe tivessem tomado o posto de trabalho ou o poder de compra, na mão grande da recessão e da inflação. Sua ira tampouco provinha disso. O que o incomodava pessoalmente, a ponto de sentar-se para escrever-me, era a subtração de seu voto. “Roubaram-me o voto que dei na eleição de 2014”.
Parei para revirar os bolsos da minha própria cidadania. Percebi que graças a votos como esse, centenas de bilhões escoaram pelo ralo da irresponsabilidade fiscal. Outro tanto no petrolão e em obras de estatais. E a cada semana aumenta a lista de crimes e de criminosos nas confissões e delações da Lava Jato e congêneres.
Meu leitor era, pois, fã incondicional de dona Dilma. Um dos remanescentes. Daqueles que, mesmo diante de tudo que se sabe e do quanto mais se possa supor sem recorrer a trovoadas da imaginação, não sentem o menor remorso do que fizeram na última eleição presidencial. Seus neurônios e sua luta política esgrimam contra um dado inquestionável: para que a pior presidente da história da República volte ao poder basta que 28 (só isso!) entre os 81 senadores considerem que Dilma não cometeu crime de responsabilidade, ou entendam que ela deve continuar governando mesmo que tenha cometido esse gravoso crime. Por quê? Porque é o que está na Constituição, que vem sendo cumprida e continuará sendo cumprida até o final desse processo. Duela a quién duela.
Ele considera seu voto em Dilma mais valioso do que o bem do país, mais significativo do que todos os bilhões roubados. Seu voto paira acima dos sucessivos tombos do PIB e da inflação de dois dígitos. Sacode ombros ante os 11 milhões de desempregados, ante o presente e o futuro sonegado a tantos numa conta sinistra que não para de crescer.
Vá que o moço nunca tenha parado para pensar que presidencialismo sem impeachment é ditadura. Admito que ele ignore isso. Mas como pode considerar que seu voto sozinho arranca da Constituição o preceito do impeachment? Teria sido o caso de Fernando Collor uma pegadinha constitucional, para valer só uma vez?
Meu indignado leitor está irado, também, com algumas indicações políticas feitas por Temer. Nisso estamos de acordo, com duas enormes diferenças.
1a) Eu sempre estive indignado. Nunca chamei nenhum sacripanta de herói do povo brasileiro. Minha indignação moral não é seletiva.
2ª) Sob o governo Temer, uma certeza eu tenho e espero que seja suficientemente majoritária ao término do julgamento em curso no Senado: a área financeira de seu governo não dorme de touca nem faz que não vê quando bilhões somem do erário e das estatais.
Eles não precisam posar de gerentões ou faxineiros para promover a reconstrução que a nação - legítima soberana da democracia - exigiu nas ruas.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
01/06/2016
Contando não se acredita. O Partido dos Trabalhadores, esse mesmo cujo governo proporcionou os maiores escândalos da vida republicana, com dois tesoureiros presos e algumas de suas maiores lideranças encarceradas ou sob investigação, está muito impressionado com os desvios éticos do governo Temer. A angústia petista em preservar o bom nome das instituições brasileiras levou o partido a formalizar uma série de denúncias à Comissão de Ética da Presidência.
Assim, por exemplo, o ex-ministro José Eduardo Cardozo denunciou o atual Advogado -Geral da União, Medina Osório, por haver aberto uma sindicância contra ele, Cardozo, devido à sua atuação nitidamente partidária e de legalidade duvidosa na defesa da presidente Dilma Rousseff durante os atos iniciais de seu impeachment. O deputado petista Afonso Florence denunciou como antiético o fato de deputados e senadores que votaram a favor da tramitação do processo contra a presidente Dilma haverem assumido ministérios do governo imediatamente após seu afastamento. Essa lista envolve uma dúzia de ministros cuja conduta, ao assumirem posições no governo, feriu a sensibilidade moral do seu acusador.
A bancada petista, por sua vez, questiona a Comissão de Ética da Presidência a respeito do ministro José Serra. O PT considera reprovável o fato de o novo ministro haver instruído as representações do Brasil no exterior a tratarem do tema impeachment com base em crime de responsabilidade, sem falarem em “golpe”... Para a “ética” petista, o fato de sua presidente haver trombeteado ao mundo que estava sendo vítima de um golpe, atingindo, com isso, o Tribunal de Contas da União, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, não envolve deslize ético. Tampouco vê o PT crime de traição no fato de Dilma haver solicitado a organismos internacionais sanções contra o Brasil e, por decorrência, contra o povo brasileiro. Ao mesmo tempo, os rufiões do Tesouro Nacional, das estatais e dos fundos de pensão, consideram gravíssimo afirmar que sua "presidenta" foi afastada por crime de responsabilidade, em conformidade com a Constituição.
Percival Puggina
29/05/2016
Explicar a um europeu, por exemplo, o que está acontecendo no Brasil é tarefa quase impossível. Imagine a dificuldade de passar a lista de informações abaixo para um sujeito que esteja sentado ao seu lado no aeroporto e que demonstre curiosidade sobre a situação nacional.
1) O Partido dos Trabalhadores, entre sua fundação e a posse de Lula em 2003, foi recordista mundial de pedidos de impeachment contra governantes aos quais se opôs.
2) O referido partido venceu três eleições presidenciais (duas com Lula e uma com Dilma) e, apesar das constantes denúncias de corrupção, não foi alvo de qualquer procedimento dessa natureza. Tal fato derruba a tese de que “a oposição não sabe perder” e mostra o contrário: ela deixou de cumprir seu papel.
3) O atual processo de acusação à presidente começou a ser discutido nas manifestações de rua e nas redes sociais somente após a quarta vitória petista, porque alcançada em escandaloso estelionato eleitoral.
4) A presidente Dilma, para vencer a eleição de 2014, ocultou a situação nacional, incorreu em crime de responsabilidade, ampliou o gasto público, criou indecente déficit, derrubou a confiança externa no país, duplicou o desemprego, ampliou a inflação e produziu assustadora recessão.
5) A Operação Lava-Jato e uma série de outras expuseram à nação a existência de imensa organização criminosa atuando no seio do governo e em empresas estatais.
6) O procurador-geral da República, indicado à elevada função pela própria presidente Dilma, usou a mesma expressão – “organização criminosa” – para se referir aos altos escalões empresariais e políticos em que se enquadra a multidão de envolvidos nos atos de corrupção que estão sendo investigados.
7) A presidente teve amplo direito de defesa em todas as fases do processo. E os crimes de responsabilidade foram: a) apontados unanimemente pelo TCU; b) identificados na comissão especial da Câmara; c) admitidos como tal por quase 75% dos deputados federais; e d) reconhecidos por ampla maioria da comissão especial do Senado e por dois terços dos senadores. Foi essa mais recente decisão que, na forma da Constituição, segundo rito determinado pelo STF, afastou a presidente em caráter provisório, dando posse a seu vice.
8) Inicia-se, agora, o julgamento propriamente dito, conduzido pelo presidente do Supremo (um dos indicados de Lula). Esta etapa pode se prolongar por até seis meses. Se o processo durar mais do que isso, ou se, ocorrendo o julgamento, Dilma for considerada inocente por mais de 27 dos 81 senadores, ela retorna ao cargo. Dito isso, pode-se então perguntar: de que golpe a presidente afastada e seus parceiros falam?
Eis aí, caros leitores, um exemplo bem atual e local de uma das muitas complexidades do discurso político. A verdade sempre exige reta intenção, boa informação e empenho da mente à luz da razão. Já para propagar falsidade, basta escrever num cartaz que “há um golpe de Estado no Brasil” e solicitar aos camaradas que repitam isso mundo afora. E a verdade, quem a reproduz? Quantos a querem afirmar? Quantos a querem ouvir?
(Por contrato com ZH, o restante deste artigo deve ser lido no site do jornal, por assinantes)
Percival Puggina
26/05/2016
Um personagem de Molière, Monsieur Jourdain, descobriu certa feita, de estalo, que ao longo de toda sua vida falara em prosa sem perceber. Da mesma forma, muitos brasileiros são marxistas sem saber, hobbesianos sem saber, e muitos, sem saber, são responsáveis pelo aumento dos impostos que pagam. De fato, toda vez que alguém atribui a ele, o Estado, o dever de dar um jeito em algo, está pressionando no sentido de que se forme um novo centro de custos, que vai exigir uma nova receita e ela se tornará permanete. Se o custo for criado e a receita não, a conta que surgirá não pode ficar pendurada na parede por um prego.
Estamos todos assistindo, nestes dias, verdadeira aula prática sobre as consequências de se deixar o Estado crescer. Todo mundo sabe que o Brasil precisa reduzir custos. Note-se: quando digo todo mundo estou falando mesmo de uma percepção nacional e mundial. Um déficit de R$ 170 bilhões não se resolve sem dor. O desemprego gerado pelas baixas expectativas e elevados encargos é apenas um dos muitos artefatos instalados nessa sala de tortura em que se transformou o Estado brasileiro. E extinguir um simples centro de custo tem sido uma encrenca dos diabos.
Vou dar um exemplo. Nem o Itamaraty escapou ao laboratório de fracassos que foi o governo da presidente Dilma. José Serra se deparou com um rombo de R$ 3,2 bilhões nas contas da nossa chancelaria. Uma vergonha. Aluguéis atrasados, contas de fornecedores vencidas, compromissos regulares referentes à participação em órgãos internacionais não pagos, e por aí vai. Mais de três bi. Solução? Fechar alguns centros de custo, certo? Serra propôs fechar cinco embaixadas na África. Legal, mas não tem jeito, ao que parece. Não dá para fechar nem Serra Leoa e Libéria.
E isso vale para tudo. No setor público todos concordam com a necessidade de reduzir despesas, contanto que os cortes ocorram noutro lugar, bem longe de onde cada um esteja atuando. Na original história de Spencer Johnson – Quem mexeu no meu queijo? – falta um terceiro ratinho que represente os que, no Brasil, passam a vida gritando “No meu queijo ninguém mexe!”. Esses são os mais onerosos. A começar pelos poderes de Estado, onde o Judiciário cuida do seu lado e de qualquer um que alegue direitos sobre seu queijo federal, estadual ou municipal.
Se essa mentalidade não for superada, se a gritaria que está se formando encontrar respaldo político, se nada for feito para reduzir o custo do Brasil sobre os brasileiros, caminhamos para uma situação hobbesiana, uma guerra de todos contra todos em que todos perdem. Quem ganha o quê, quando o dinheiro acaba?
Percival Puggina
25/05/2016
Não vou puxar aqui o rosário das más notícias que desfilam cotidianamente nos meios de comunicação. A muitos de nós, elas chegam assim, como informação. A milhões de outros, como causas de tragédias pessoais e familiares. Alguns veem as estatísticas. Outros vivem as estatísticas em seu dia a dia. Ao governo que assume, o noticiário expressa a emergência e a urgência de medidas para afirmação de um rumo ascendente. Aos afastados do governo, essas notícias são desconforto político que deve, rapidamente, ser debitado ao "mercado", à CIA, ao Cunha, ao FHC, ao Moro, às "zelites", à direita, aos coxinhas e aos "golpistas". Jamais a si mesmos nem ao exercício rapineiro, irresponsável e incompetente das tarefas de gestão. Nunca à ideologia que abraçam. Profissionais da falácia, nem por acaso batem no próprio peito! O partido que pretendeu ter descoberto o Brasil em 2003 nos fez regredir no tempo e perder, inteiramente, os últimos 13 anos.
Tudo que aconteceu era previsível e deu causa à maior parte dos meus textos durante esse período. Simplesmente não havia motivo para que não acontecesse aqui, no andar dessa carroça, o mesmo que ocorreu em todos os países onde germinaram as ideias inspiradoras dos governos petistas. Dezenas de vezes, ao longo desses anos, participei de debates com destacadas lideranças e personalidades vinculadas ao Partido dos Trabalhadores, discutindo os projetos políticos em curso nos países ligados ao Foro de São Paulo. Sem exceção, sustentavam que Cuba era um modelo de justiça. Rararamente falavam de Fidel sem que a veneração os exaltasse. Enchiam-se de ira quando contestados. Na Venezuela, diziam, havia democracia até demais. Ali, onde o setor público trabalha dois dias por semana para economizar energia, proclamavam estar em curso um exitoso modelo de governo socialista. Para que a Venezuela fosse incluída no Mercosul, expulsaram o Paraguai, cujo Senado vetava o ingresso do chavismo no Bloco. Quando? Quando Lugo foi constitucionalmente deposto do cargo.
É bem abastecido o repertório de fracassos dessa referência ideológica que liderou o Brasil nos últimos anos. O que vemos é o resultado inevitável de uma forma de conceber o Estado e a Política, a pessoa humana e a sociedade, a Economia e a História. Não há acerto possível onde tudo está mal pensado. Nem todo o desastre brasileiro é produto da organização criminosa que se instalou no poder. Tampouco é só irresponsabilidade e incompetência. Tem muito, mas muito mesmo, de erro de script, tipo "vamos fazer com o marxismo, o que os europeus não souberam".
Nos últimos dias, intensificou-se a articulação da esquerda mundial em torno das denúncias de um suposto golpe de Estado que estaria em curso no Brasil. Nada disso é espontâneo. Bem ao contrário. Através de meios de comunicação ideologicamente alinhados, e para um público sensível, o PT transforma em notícia internacional as palavras-chaves e os lugares-comuns da linguagem revolucionária, que não começa nem termina no Brasil. É um fenômeno comum a todo o Ocidente. Não, não é o mundo que reprova o impeachment da presidente. São os parceiros externos dos que saíram deixando-nos a esperança de que jamais voltem.
Seu principal interesse é e sempre foi o exercício de um poder revolucionário. Por isso, suas afinidades e zelos não são para com os cubanos, venezuelanos, nicaraguenses, equatorianos, bolivianos ou brasileiros. Tais empatias se estabelecem com os respectivos governos, em benefício da causa revolucionária comum. Danem-se os povos, dane-se o Brasil e seus desempregados, contanto que a revolução prossiga!
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.