Percival Puggina

03/10/2016

 

 O partido que comandou a política brasileira neste início do século XXI contempla seu naufrágio. Os ventos sopram, as águas batem e rebatem sobre o convés enquanto a esperança some com o vento, em busca de outro norte. Atacado pela direita e pelo centro, por conservadores e liberais, com seus principais líderes presos ou a caminho do cárcere, o partido afundou em todo o país. Salvou-se no Acre. Os avanços das investigações tornaram inevitável a catástrofe petista. E nada mais fidedigno do que uma eleição municipal para diagnosticar essa catástrofe. Eleições municipais são minuciosas. Com a intensidade das tensões locais, elas envolvem centenas de milhares de campanhas e transcorrem em 5,5 mil municípios. É a maior de todas as pesquisas políticas que se pode fazer. E o Brasil, simbolicamente, mandou o PT para o Acre.

 O orgulho é um veneno de efeito lento, mas devastador. O orgulho impediu o partido de Lula de reconhecer suas faltas, expurgar seus malfeitores, bater no próprio peito. Eleitores ocasionais e mesmo os de carteirinha não entendem algo que não pode ser compreendido fora de um divã de analista. Como pôde o partido nada dizer ou fazer sobre tudo que se tornava conhecido? Como pôde considerar suficiente desqualificar a polícia, o juiz, o promotor e o Cunha enquanto bilhões sob sua guarda sumiam na voragem da corrupção? E como pode tratar de si mesmo com tanta condescendência?

A eleição de domingo foi, também, um instantâneo das tropas em trânsito do PT para o PSOL. Ela identifica um movimento, um fluxo que não encontra motivos para cessar. Vai ampliar-se. O PSOL é o PT com certidão negativa. É o PT de segunda geração. É o filho de Átila, o flagelo de Deus, que volta para atacar os descendentes de Grécia e Roma. Aprendeu com seu genitor que não se faz política sem inimigos. Ora, o mostruário de inimigos disponíveis para compor um discurso político não é tão grande assim. Como resultado, o PSOL alugou os inimigos do PT. Não foi dito, mas deu para notar algo assim tipo mexeu com o PT mexeu comigo. Entrando, inteligentemente, no coro contra Cunha e contra Temer, abriu as porteiras para acolher o eleitor petista de narinas mais sensíveis.

Com o assento sobre a janela e sem um discurso que possa chamar de seu, o PT não conseguirá, tão cedo ao menos, fazer com que o sangue e o oxigênio se encontrem nas proporções devidas. Recolhe-se à tenda de oxigênio. E ao Acre.

O atraso está sob nova direção. O populismo troca a razão social. As últimas greves, especialmente as greves estudantis secundaristas, a resistência ao projeto da Escola sem Partido, a identificação com a esquerda ibero-americana, o apoio aos delirantes comunistas bolivarianos, saem desta eleição guarnecidos pela agenda do PSOL. O perigo ronda as salas de aula do país. 

Agora só falta a moçada do PSOL dizer que "lutamos contra a ditadura".
 

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

01/10/2016

 A campanha de 2014 foi das mais disputadas e requintadas que tive oportunidade de assistir. Há tempos essas contendas vinham avançando em magnitude, tornando-se mais e mais caras e sofisticadas. Um número significativo surpreendia pela densidade. Peças publicitárias de alguns candidatos a deputado, suas viaturas e cabos eleitorais cobriam e operavam em todo o Estado. Incalculável dinheirama irrigava verdadeiras máquinas de fazer votos. Passado o pleito, ficamos sabendo, pelas investigações da Lava Jato, que, em certos casos (logo saberemos quais), o dinheiro não era dos próprios disputantes nem provinha de legítimas doações privadas. Era nosso mesmo, era dos pagadores de impostos. Milhões desviados dos serviços públicos, das obras públicas e das empresas estatais haviam sido canalizados para custear eleições e compor bem apadrinhadas e numerosas bancadas.

Nossa democracia foi acometida por essa enfermidade. Se alguém anda por aí com lupa, bancando Sherlock a procura de um golpe, pode começar por este que aponto: o golpe proporcionado pela gigantesca ilicitude eleitoral que, penosamente, foi se descortinando ante nossos olhos. Ao longo de sucessivos pleitos, ele drenou recursos ilícitos para eleger candidatos e bancadas que por outros meios não seriam vitoriosos. Quantos acumularam mandatos que não mereciam e deformaram a representação política da sociedade? Nada melhor do que a campanha agora finda para mostrar a diferença. Pode-se atravessar Porto Alegre, por exemplo, em várias direções, sem saber que centenas de candidatos somam trocados e tentam comunicar aos eleitores sua presença na disputa. Quando some o dinheiro fácil, a vida fica difícil.

Passamos, porém, de um extremo a outro. A regra hoje vigente concede enorme privilégio a quem já tem mandato e busca uma reeleição para a qual, bem ou mal, trabalhou ao longo de quatro anos. Quem entrou na disputa como aspirante novato dispôs de dois meses para cochichar sua campanha nas redes sociais. Ainda assim, pensando nas assimetrias a que estávamos habituados, considero preferível uma refrega em que o dinheiro é curto para todos. Competição política de baixo custo, útil e efetiva, só teremos com a distritalização do voto. Sem ela, andaremos da casa arrombada à tranca de ferro. Com ela, teremos menos candidatos em confronto num espaço geográfico limitado onde todos fiscalizam todos.

Reflitamos mais detidamente sobre estas horas em que a democracia abre a janela. O voto é um momento de participação ao qual todos são chamados. Mas cuidado! A participação socialmente benéfica é a esclarecida, do bom cidadão. Essa condição independe de viés político ou ideológico, terrenos onde se configuram as disputas. E quem é o bom eleitor? É o que reconhece a importância da política. É o capaz de fazer renúncias em favor do bem de todos. É o que sabe ser, o parlamentar, um representante de opinião e, por isso, confia seu voto a alguém cuja vida, critérios, princípios e valores conhece e aprecia. De fato, embora descurada por muitos, a função mais nobre do parlamentar é a de expressar sua convicção nas matérias que propõe ou naquelas que aprova ou rejeita durante as deliberações. E são aquelas afinidades as que de fato importam na hora de eleger um vereador, ou deputado ou senador. Se a escolha corresponder a um "impeachment" no atraso, na demagogia e na mentira, melhor ainda.

Todos os demais, a saber, a multidão dos desinteressados, dos venais, dos que só cuidam de si mesmos, dos que se deixam conduzir pelo nariz por demagogos e corruptos, dos que sujam a cidade e dos fora da lei fariam grande bem se ficassem longe dos locais de votação ou se votassem branco ou nulo. As urnas dispensam o voto em "qualquer um", a má intenção, o desinteresse e a ignorância política colhida da omissão. Aos bons cidadãos que, por desanimados e enojados, recusam todos os candidatos, em pacote, lembro que é aos piores políticos que essa omissão favorece. A ideia de que são todos iguais é falsa. Há os melhores e há os piores. Todos sabemos isso. Escolha os melhores e faça um bem ao município. Vote.

Especial para ZERO HORA
1º de outubro de 2016
 

Percival Puggina

27/09/2016

 

 Minutos após as tenebrosas revelações da força-tarefa da Lava Jato sobre as atividades do companheiro Antônio Palocci, o PT descobriu que escandaloso, mesmo, é o ministro Alexandre de Moraes que mostrara, na véspera, saber que havia uma operação prevista para a semana que iniciava.

 Literalmente, o país ficou mais abandalhado ante as provas de que o ex-prefeito de Ribeirão Preto tinha conta corrente no setor de propinas da Odebrecht. Os números são de deixar Donald Trump de cabelo em pé. O "italiano" titular da conta movimentou R$ 216 milhões no caixa subterrâneo da empresa! Note-se que Palocci não era sócio da Odebrecht recebendo dividendos. Por sua autoridade, até prova em contrário, operava como representante do PT, recebendo dividendos societários auferidos pela sigla na condição de sócia do governo. Ou propina, como afirmaram, de modo mais tosco, os policiais federais e os procuradores da república atuantes na operação.

 Mário Sabino, do blog O Antagonista, em texto de ontem (26/09), lembrou que o COAF, em 2015, havia localizado operações financeiras extraordinárias nas contas de algumas lideranças do então partido governista, a saber:

Lula movimentara 52,3 milhões de reais; Antonio Palocci, 216 milhões de reais; Fernando Pimentel, 3,1 milhões de reais; Erenice Guerra; 26,3 milhões de reais. Ou seja, um total de quase 300 milhões de reais.

 Qual a atitude dos líderes petistas, no ano passado ou agora, face a tais revelações? Deram alguma explicação? Escandalizaram-se? Solicitaram investigação interna para esclarecer os fatos e o destino dos milionários créditos? Eximiram o partido de qualquer responsabilidade? Emitiram sinal de constrangimento? Não. Arregaçaram as mangas, gargarejaram mel com limão e foram aos microfones atacar o boquirroto e infeliz ministro da Justiça.

Os deputados federais petistas Paulo Teixeira e Paulo Pimenta não precisaram contar até dez antes de proporem à CCJ da Câmara a convocação do ministro fanfarrão para as necessárias explicações. Vanessa Grazziotin fez o mesmo no Senado. Dilma Rousseff, desde a constelação Alfa Centauro, usou as redes sociais para diagnosticar que o país vive uma "situação grave" e que "estamos caminhando para o Estado de Exceção" (ZH de 27/09). 

Passaram-se as horas, virou o dia, e até este momento, o único a dar explicações foi o ministro Alexandre de Moraes, já com o pé na soleira da porta de saída. Não sei por que razão me vieram à mente estas palavras de Josué Montello ao descrever a decadência de uma cidade em Noite sobre Alcântara: 

"De repente, já longe, teve a sensação nítida de que ia andando pela alameda de um cemitério. As casas fechadas eram sepulcros e ali jaziam condes, barões, viscondes, senadores do Império, deputados, comendadores, sinhás-donas, sinhás-moças, soldados, mucamas, juízes, vereadores, sacerdotes. Somente ele, assim desperto dentro da noite, estaria vivo na cidade de mortos. E uma impressão instantânea de frio gelou-lhe as mãos e os pés, com a ideia de que, também ele, ia permanecer em Alcântara para sempre, encerrado no mausoléu de seu sobrado."


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
 

Percival Puggina

25/09/2016

 

 Quem nunca disse bobagem que atire a primeira pedra. Por prudência, e em benefício das minhas, só me disponho a fazê-lo quando as bobagens passam a ser insistentemente repetidas, tais como o petismo parece prescrever a seus discípulos. É nessa toada de repetir frases sem nexo com a realidade, em busca de um efeito político, que Lula conseguiu a proeza de dizer e repetir três tolices numa única e bem conhecida frase. Ei-las: 1ª) graças aos governos petistas, pobres viajam de avião, 2ª) os ricos a bordo não gostam dessa companhia e 3ª) por coisas assim, os ricos são contra o PT.

Quem dera fosse verdadeira a afirmação de que pobres viajam de avião! Nossas companhias aéreas seriam blue ships na bolsa de valores, beneficiadas pelo ingresso, em seu mercado, de 60% da população nacional! Chega a ser cruel essa afirmação num país em que os pobres têm dificuldades para custear a tarifa dos ônibus. Quem viaja de avião comprando o próprio bilhete não pode ser considerado pobre. Essa possibilidade é ainda menor se levarmos em conta os autoindulgentes parâmetros socioeconômicos desenvolvidos pelo marketing petista que criou uma classe média a partir de R$ 300. Pobre, então, seria alguém com renda inferior a essa.

Por outro lado, a ideia de que a presença de pobres a bordo das aeronaves comerciais seja incômoda aos outros passageiros é um agravo gratuito tanto a uns quanto a outros. Na minha experiência, a bordo só são incômodos os bêbados, os mal-educados e os malcheirosos. Lula, então, estaria confundindo pobreza com isso e riqueza com esnobismo. Finalmente, afirmar que a suposta ascensão social dos miseráveis teria sido a causa do antagonismo que o PT enfrenta é a maior das três leviandades contidas na tal frase. A ascensão social de todos a todos beneficiaria, ora essa!

Com três tolices em uma única afirmação, Lula e aqueles que as repetem expressam a patologia ideológica que os faz necessitar do conflito (no caso, do conflito de classes) tanto quanto um intelecto livre necessita da verdade. E sobre a relação de Lula com a verdade ninguém pode falar com mais conhecimento de caso e causa do que dona Marisa Letícia.

Aliás, se há transporte onde pobre não embarca é nesses jatinhos a que Lula e Dilma se afreguesaram. Imagino que já levem mais de uma década sem enfrentar as filas, os apertos e os pacotinhos de bolacha dos aviões de carreira. Essas viagens seriam muito valiosas para ambos aferirem sua popularidade.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

21/09/2016

                       Mais importante do que conhecer é reconhecer.

 Sim, os fatos narrados na longa dissertação do procurador Deltan Dallagnol são ofensivos, são impróprios, são intoleráveis por toda consciência bem formada. Sim, foram duras aquelas palavras e podemos dizer como os discípulos a Jesus: "Quem as pode ouvir?". Ora, se o cidadão comum se sente assim ao ver desvelada com crueza substantiva e adjetiva a ampla organização criminosa que saqueava o país, imagino o desconforto que as denúncias causam a quem vê exibida em público a face hedionda do objeto de sua devoção.

 A entrevista ainda estava em curso e já começavam os protestos. "Essas coisas não são feitas assim!", clamavam uns. "O Ministério Público foi longe demais!", exaltavam-se outros. "A acusação deve simplesmente anunciar que encaminhou a denúncia e jamais produzir libelos públicos!", professoravam certos escolados. Mesmo entre os que concordavam com a narrativa da acusação, havia quem reprovasse a contundência do discurso.

No entanto, quanta lógica na decisão que os procuradores da operação Lava Jato tomaram! E com quanta admiração ouvi e acolhi sua iniciativa! Há mais de dois anos, pondo em risco a própria segurança, no torvelinho da maior investigação criminal da história do país, eles combatem os poderes das trevas que atuam no topo da nossa ordem política, econômica e judiciária. Contrariam interesses hegemônicos. Seus investigados têm, ao estalo dos dedos, todo o dinheiro de que possam necessitar para quanto lhes convenha e todas as facilidades para agir fora e acima da lei. Não bastasse isso, Dallagnol e seus colegas enfrentam, também, o carisma de Lula, as milícias de João Pedro Stédile, Guilherme Boulos e Vagner Freitas, e o escudo protetor que a prerrogativa de foro proporciona aos principais indiciados da operação.

Eles ouviram centenas de testemunhas. Setenta indiciados relataram seus crimes e informaram o que sabiam. Empilharam dezenas de milhares de provas, relatórios e documentos. A repetição das fórmulas evidenciou rotinas consolidadas ao longo dos anos. Os crimes eram revelados e confessados pelos beneficiários, pelos autores e por seus operadores. Bilhões de reais estão sendo devolvidos e reavidos.

O Brasil que não é comprado com depósitos na Suíça nem com pratos rasos de lentilha, louva a ação da Lava Jato e aplaude Sérgio Moro. Mas sabemos todos e sabem ainda melhor os procuradores que, assim como na italiana operação Mãos Limpas, o Congresso Nacional pode aprovar projetos que já tramitam e tornam inócuas suas apurações e denúncias. Sabem que seus inimigos agem no entorno e no interior do STF, dentro e fora do governo. Se o leitor entendeu, há de ter visto que estão aí, devidamente alinhadas, grossas fatias do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. E se entendeu completamente reconhecerá o imenso serviço que aquela coletiva prestou à Nação, com sacrifício e risco pessoal dos procuradores federais.

Não sei o que acontecerá nos próximos dias, mas quis escrever este artigo antes de o sabermos.


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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.


 

Percival Puggina

20/09/2016

 


 A sentença que dá título a este artigo tem permanência e não tem ideologia. Um dia a casa cai. Eduardo Cunha viu a sua tombar na última segunda-feira. Só ele não via que sua cassação era dessas verdades anunciadas até frente os mictórios do Congresso. Ela não decorreu de qualquer convicção moral majoritária. Bem ao contrário. Como sua numerosa bancada fora construída mediante distribuição de favores e corretagem de benefícios, extinto o poder com o afastamento, ruíram os alicerces, os ratos sentiram o chão tremer e o telhado desabou.

 Foi dia de festa nacional. Até o PT, que andava encontrando pouco prazer na vida e ensaiava passar os próximos dois anos a fazer o que sempre fez e faz quando na oposição – gritando “Fora!” aos que estão em seu caminho – brindou à saída daquele a quem escalara como arqui-inimigo. Os milhões de brasileiros que, como eu, queriam o impeachment da presidente Dilma, idem. Nós sabíamos bem o quanto Cunha,com sua omissão,atrapalhou, retardou e procurou esfriar a mobilização popular pelo impeachment. Nós sabíamos que ele usou em seu próprio benefício a voz das ruas e o poder que tinha de decidir sobre encaminhar ou não um requerimento qualquer entre as dezenas que se empilhavam sobre sua mesa. Quando, com nove meses de atraso, decidiu decidir, escolheu provavelmente o único que deixava de lado o conjunto da obra, ou seja, a casa que um dia haveria de cair. Por que essa escolha? Porque do conjunto da obra ele fazia parte.

 Foi essa escolha que transformou as sessões do Congresso que deliberaram sobre o assunto numa repetitiva sequência de debates políticos sobre desgraciosa matéria técnica de contabilidade pública e Direito Constitucional. Foi graças à falta de atrativos desse conteúdo que o PT construiu a retórica do golpe. Os próximos dias possivelmente nos reservarão uma surpresa. Se Cunha formular as denúncias que anuncia, talvez venhamos a ver o petismo acreditando piamente em tudo que ele disser. E não duvide: Cunha pode estar a um passo de se transformar no próximo guerreiro, herói do povo brasileiro.

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Não tenho condição de opinar sobre a denúncia de 159 páginas encaminhada pelos procuradores da Lava Jato contra Lula, dona Mariza e outras seis pessoas. Percebo porém, ante o que li e ouvi, que as declarações da família Lula da Silva sobre o tríplex de Guarujá são inconsistentes. As alegações de Lula sobre não haver escritura em seu nome transforma o famoso imóvel numa versão praiana do argumento de Cunha, que também alegava não ter “conta na Suíça”, mas dinheiro num fundo trust. Idêntica situação, de resto, se repete em relação ao sítio de Atibaia.

O que impressiona a quem pôde dedicar algum tempo a ouvir o procurador Dallagnol e a ler ao menos as partes principais da denúncia formulada por ele na companhia de outros 12 procuradores é o rigoroso tratamento lógico dispensado ao que foi denominado conjunto da obra. Faz lembrar algo? Pois é. Pouco a pouco, a peça acusatória vai escrutinando as circunstâncias em que foram praticados crimes de corrupção. Mostra que o petrolão é continuidade do mensalão, sem José Dirceu. Prova que houve continuidade delitiva pelos mesmos agentes, tornando impossível, após a AP-470, qualquer posterior alegação de desconhecimento por parte de Lula. A operação Lava Jato já viu e ouviu o que nem o diabo sabe. Proporcionou 1,4 mil procedimentos, mais de 600 buscas e apreensões, 70 acordos de colaboração e 112 pedidos de cooperação internacional. Ofereceu acusações criminais contra 239 pessoas e já obteve 106 condenações. Pediu ressarcimento de R$ 38 bilhões, incluindo propinas que já alcançam o montante de R$ 6,6 bilhões!

É inconcebível que algo dessa magnitude se instale, opere, acesse semelhante volume de recursos e posicione operadores conforme a conveniência do esquema, sem que alguém com poder no governo e sobre os partidos ... (leia o artigo completo em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/ultimas-noticias/)

Especial para Zero Hora, 17 de setembro de 2016
 

Percival Puggina

19/09/2016

 

"Não tem neste país uma viva alma mais honesta do que eu. Nem mesmo na Polícia Federal. Nem mesmo no Ministério Público. Nem dentro da Igreja Católica, nem dentro da Igreja Evangélica, nem dentro dos sindicatos, nem no meio de vocês. Pode ter igual. Mais, eu duvido".

 Com essas palavras, há alguns meses, conversando com blogueiros da mídia amiga, Lula escalou por conta própria o topo do pódio da honestidade. Entregou medalha de ouro para si mesmo. Não duvido que enquanto mentalmente mordia o disco dourado soassem em seus ouvidos os acordes do Hino Nacional. Está ficando difícil ser petista. Semana passada caiu Luis Fernando Veríssimo, imaginem só! Em entrevista para Sônia Racy, do Estadão, LFV confessou ser um esquerdista desiludido com o PT. E a Velhinha de Taubaté desertou com ele.

Os desiludidos formam dispersa e contraditória multidão. Uns poucos caem atirando nos companheiros, como aconteceu há bom tempo como Hélio Bicudo e Eduardo Jorge. Outros tombam de joelhos, penitentes, como certamente aconteceu com a Velhinha de Taubaté. Outros, por fim, caem atirando nos adversários. Têm a nostalgia de quando podiam atacar tudo que ficasse à sua direita com a mais imaculada, tantas vezes beata e benta, demagogia. Chegaram ao poder para deixar o país desse jeito.

De algum lugar, senhores da CNBB, Deus está vendo tudo isso. O esforço dos remanescentes no sentido de desacreditar as denúncias do Ministério Público Federal tromba contra os fatos. Praticamente todos os corruptos e corruptores já confessaram e houve mais de uma centena de condenações. Bilhões já foram reavidos. Todos os participantes da Orcrim contam as mesmas histórias e relatam os mesmos esquemas. Há testemunhas e evidências para as acusações que incidem sobre os dois governos petistas. Não há compatibilidade entre o discurso do medalhista de ouro em honestidade e os bilhões drenados pelos esquemas do PT, PMDB e PP. Os agentes da força-tarefa da Lava Jato produziram dezenas de milhares de páginas de documentos. Boa parte delas, por envolverem personagens com prerrogativa de foro, estão sob sigilo naquela trincheira da morosidade e da impunidade que atende pela sigla STF.

Atribuir excelsas virtudes a Lula, reconhecer-lhe a medalha (e transferi-la depois a Dilma), significa colocar a ideologia e o partido no topo da escala dos valores morais tornando bom tudo que a eles convém e mau tudo que os confronta. Quem quiser conduzir-se assim que o faça, mas não há como o mais honesto dos homens presidir o mais corrupto dos governos.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

16/09/2016

 “O que ele (Lula) diz não vou contestar. Não cabe a mim ficar fazendo comentário sobre o que ele disse ou deixou de dizer. É o momento de ele estar desabafando. Sempre é de se lamentar que uma pessoa com a trajetória do presidente Lula tenha chegado a esse momento de tanta dificuldade”.

Não serve para coisa alguma essa declaração de FHC, mas preserva os vínculos que, em 1993, de modo unívoco o uniram a Lula. O inverso, porém, jamais ganhou nitidez. O encontro dos dois líderes políticos brasileiros ficou conhecido como Pacto de Princeton e pretendeu traçar o intercâmbio de dois projetos internacionais de esquerda - o Diálogo Interamericano e o Foro de São Paulo.

Acontece que a história, no ano seguinte, acabou colocando FHC no caminho de Lula. E quando, em qualquer confronto político com petistas, se configura essa situação, começa uma guerra sempre assimétrica. No caso das relações entre FHC e Lula, salvo a exceção que apontarei adiante, tal guerra foi claramente unilateral. Lula atacava e FHC sequer se defendia. Lula rosnava e FHC sorria. Petistas fizeram dos tucanos seus adversários preferidos e o inverso nunca foi muito verdadeiro. Se examinarmos bem o ocorrido durante os mandatos de ambos, veremos que FHC, com Lula na oposição, prestava enorme atenção ao que o PT dizia. Quando a situação se inverteu, viu-se que Lula, diferentemente, se lixava para o próprio partido e para FHC. No caráter unívoco da relação entre ambos percebo esta solitária exceção: em seu primeiro mandato, Lula preservou e até ampliou por algum tempo as principais diretrizes econômicas e sociais do programa tucano.

FHC sempre via Lula e o petismo como subprodutos de seu próprio projeto para o Brasil e para o continente. Há diferenças, por certo, entre ambos. E a maior delas é de natureza psicológica. Lula gostaria de ter sido FHC e este gostaria de ter sido Lula. Aquele nutre indisfarçável sentimento de inferioridade em relação ao tucano. Este se constrange com a própria superioridade intelectual e gostaria de ter sido um líder popular. FHC trocaria tudo pela capacidade agitar as massas num comício de operários do ABC.

Não se surpreenda então, leitor. As relações entre FHC e Lula produziriam excelente conteúdo para um drama recheado de conflitos shakespearianos. Ou para análise de caso num doutorado em psicologia. Por essas diferenças essenciais entre as duas personalidades os tucanos perderam quatro eleições consecutivas para o PT. E FHC jamais se empenhou por seu partido nem deixou de lado, a cada derrota, o sorriso e a bonomia. Agora, Dilma caiu e ele quase emprestou solidariedade. Lula enfrenta a espada da justiça e FHC se manifesta sinceramente penalizado. Se Lula sair da cena política, FHC se sentirá viúvo pela segunda vez.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

15/09/2016

 

 Alguém pode me citar um presidente com mandato posterior à fundação do PT que não tenha sido alvo de campanhas semelhantes à que presentemente se dirige contra Michel Temer? Parece-me que a infinita reiteração denuncia insubmissão a toda autoridade não alinhada ao partido. Não por acaso, essa é uma conduta radical muito semelhante à do Islã político, merecedor de persistente proteção da esquerda mundial.

Apenas para comparar, lembro que somente após 12 anos de sucessivos governos petistas a sociedade brasileira foi às ruas. E o fez com a intenção - perceba-se a diferença - de cobrar das instituições uma solução para a tragédia em moto contínuo e para os encordoados escândalos proporcionados pela organização criminosa que operava no governo e em sua base de apoio. É importante ter em vista essa diferença. Uma coisa é o direito popular de se manifestar às instituições. Outra é mobilizar milicianos e militantes para ações típicas de agitprop (agitação e propaganda, no melhor estilo da KGB) com a intenção de promover convulsão e prejudicar o país, interna e externamente. Flagrada numa pichação "Fora Temer", a deputada comunista Jandira Feghalli explicou que aquele era um ato subversivo. E, claro, "democrático". Em recente manifestação promovida pela CUT e pelo MTST, Luíza Erundina afirmou que "não sairemos das ruas até esse governo cair".

Cair como, dona Luíza? Tipo Tomada da Bastilha? Se estamos sob um governo constitucional, golpeá-lo reunindo milicianos, esbravejando bandeiras vermelhas, espatifando vidraças, queimando pneus e estimulando o caos, não é ... golpe?

No Estado de Direito existe um modo legal de fazer as coisas. Até para ir às ruas pode-se sair de casa dentro da lei e fora da lei. As manifestações contra o governo Dilma e contra a corrupção ocorreram com prévia notificação às autoridades da segurança pública indicando local e percurso, solicitando proteção e acompanhamento policial. Opiniões foram expressas e soluções reivindicadas dentro da ordem, com legitimidade formal. Fora do Estado de Direito, temos o que está sendo promovido pelos partidos de esquerda, com inequívoco intuito subversivo, na sincera expressão da candidata do PCdoB à prefeitura do Rio de Janeiro. Se querem destituir Temer, busquem fundamentos constitucionais e peçam seu impeachment.

Não entendo, mas admito como possível e legítimo que pessoas amem Dilma Rousseff, exaltem sua gestão, tenham e mantenham adoração religiosa pelo PT, desconheçam as manifestações das ruas pelo impeachment, considerem que a ex-presidente seja de uma correção sem par e que, para ela, a verdade se imponha como grande soberana das próprias manifestações. Acredito que existam pessoas convencidas de que seu impeachment ocorreu sem justa causa, fruto de tenebrosas maquinações da direita. Juro que acredito!

Creio, também, na possibilidade de que, para muitos, Lula seja outro modelo de virtudes. Admito que outros tantos não atribuam qualquer importância a seus desvios de conduta e ao vertiginoso enriquecimento de toda família Lula da Silva. Mas me permito, pelo viés oposto, não atribuir qualquer importância às suas opiniões, crendices e critérios de juízo moral. Na linha de tiro das minhas opiniões continuam todos os corruptos e corruptores, todos os fora da lei, todos os subversivos e todos os golpistas inglórios.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.