Sentado para não cair, em meio a um turbilhão de emoções, assisti às declarações e respostas de Emílio Odebrecht ao juiz Sérgio Moro. Misturavam-se em mim a inquietação, a insegurança, a tristeza cívica, o constrangimento e um duplo sentimento de vergonha. Sentia vergonha pessoal, porque aquilo afetava a imagem do Brasil, e vergonha alheia, ante o que tal ato dizia do dono da maior construtora nacional e de boa parte de nossa elite política. Envergonhava-me deles e por eles. Emílio, bem ao contrário, espargia bonomia, doçura de ânimo e complacência. Era como se sua presença ali fosse uma dessas cortesias que os príncipes por vezes concedem aos súditos, algo tipo - "Fique à vontade, meritíssimo, aproveite que vim".
Foi então que me veio à lembrança John Milton. O terrível John Milton. Para quem não lembra, ele é o personagem representado por Al Pacino em O Advogado do Diabo, naquela que, indiscutivelmente, constitui sua mais soberba atuação nas telas. John é o dono do escritório de advocacia onde vai trabalhar Kevin Lomax (Keanu Reaves), um bastante ingênuo advogado interiorano a quem o chefe sedutor, pouco a pouco, revela sua total ausência de senso moral. É claro que falta a Emílio Odebrecht a capacidade de interpretação. Aliás, essa falta agrava sua situação. Em momento algum tentou ele interpretar certo papel ou seguir determinado roteiro. Satisfez-se com se apresentar, tal como é, confiante e sorridente. O que o separa de John Milton, a sofisticada encarnação do demônio em O Advogado do Diabo? Apenas a distância que medeia entre a ficção e a realidade. Estamos, porém, diante da mesma potência maligna, da mesma capacidade de perverter e da mesma irrestrita falta de consciência. É ela que lhe permite afirmar perante a justiça e a nação, confortável perante os fatos, que lhe tomou bilhões, a riso largo e mão grande.
Era inevitável seu encontro com Lula. Nascidos um para o outro. Essencialmente diferentes e essencialmente semelhantes. Diferentes na forma, semelhantes no conteúdo. Daí reservar-lhe o mais gentil apelido - "Amigo". Daí a falta de cerimônia deste, tornando-o capaz de pedir à maior empreiteira do país para lhe reformar um pequeno sítio em Atibaia (algo como solicitar carona a um porta-aviões - "Me leva até ali e depois vai para lá"). Daí pagar fortunas por palestras para assegurar ao amigo uma vida de nababo. Daí as franquias com que o ex-presidente foi agraciado. Qualquer um dos dois poderia repetir, sem qualquer constrangimento, a frase atribuída a Homer Simpson - "A culpa é minha e eu a ponho em quem quiser".
Não é o que ambos fazem?
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* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Emilio Costa - 03/05/2017 16:06:44
Ainda que em atuando em áreas distintas (empresarial e política), entre os indivíduos moralmente desvestidos Emílio Odebrecht e Luiz Ignácio da Silva há um elemento comum que se sobrepõe sobre todo o resto digno de avaliação, seja ela jurídica, sociológica, filosófica, antropológica, econômica, criminal, religiosa e o escambau. Esse denominador comum se chama comunismo. Foi nessa “falta de cerimônia” dos delatores que deu substituir o nome do comunismo para esquerdismo (seja lá o que isso signifique), e tratar essa vigarice profissional como caso de política, não como um gravíssimo caso de segurança mundial.VITORIO PEROZZO - 02/05/2017 12:25:03
Querido amigo PUGGINA. Eu também não aguento mais ouvir tantas falcatruas e tantas mentiras sendo aceitas pelo nosso poder JUDICIÁRIO com tanta indiferença. Estou pensando até em sair deste maravilhoso pais pois acho muito difícil a sua recuperação a curto prazo. O povo realmente está dividido, os que mamão não querem largar a CHUPETA,não pensam no futuro de seus filhos. PARABÉNS.Gilnei Castro Müller - 29/04/2017 17:45:12
Parabéns pela sua lucidez de análise, o artigo está correto. Nasci em 1950. e não imaginava em minha atual trajetória terrena(vida) passar por tantas injustiças e contradições na política e economia de nosso querido Brasil. Os brasileiros estão divididos em dois grupos, os que querem o bem e o progresso de nossa pátria e os defensores do PT que querem arrebentar com tudo que ainda resta e tem alguma possibilidade de vir a dar certo. Pela inversão de valores morais e cívicos (ideológicos) me incutiram em nossos jovens o estrago será difícil de concertar e colocar as coisas nos devidos eixos novamente. Saúde e força mental (espiritual) Sr. PERCIVAL para continuar nos brindando como seus lúcidos artigos que tem escrito e publicado até agora. Fraternal abraço do seu leitor GILNEI MÜLLER (GCM)Adilson Minossi - 29/04/2017 14:37:38
Caro Percival, você é um dos gaúchos que tenho orgulho de ser conterrâneo. Sou um ano mais velho do que você e acompanho tudo o que escreves há muitos anos. Parabéns, você definiu bem quem são esses dois, corruptor e corrupto. Teu colega, o escritor Josê Nêumane também definiu bem o Lula como "O grande pelego".... Aguardamos agora que ele pegue uma cana faceira e que fique mutos anos porque ele é o único que não tem como delatar ninguém.Paulo Damassceno - 28/04/2017 06:47:57
Absolutamente certeiras as observações do afiado mestre Puggina. Os textos precisos do mestre são sempre grandes lições!Odilon Rocha - 27/04/2017 23:44:29
Caro Professor Também assisti. Quem não viu, perdeu! O senhor conseguiu traduzir exatamente o que vi , ouvi e, em decorrência, senti. A descrição é perfeita e legítima. Mas, aprendi com essa gente, e determinadas situações profissionais, a ficar frio diante de atos espúrios que fariam corar o pior dos canalhas. Que pingo de respeito e consideração tem um homem assim por si? Que dirá pelos outros! Que é impressionante, é.Louis Assis - 27/04/2017 22:21:45
Excelente artigo, primorosa comparação! Parabéns!