Percival Puggina
02/05/2016
Quando o ministro Marco Aurélio Mello, entrevistado no programa Roda Viva, fortemente pressionado por José Nêumanne, indagou-lhe se não confiava no STF, desde minha poltrona respondi com o jornalista: "Não, não confio!"
E por que não? Porque muito mais vezes do que minha tolerância se dispõe a aceitar, assisti o STF legislar contra a Constituição e invadir competência do Congresso Nacional. Sempre que isso aconteceu, a maioria que se formou despendeu boa parte de seu tempo afirmando não estar fazendo o que à vista de todos fazia. Ademais, como conceder a confiança que o ministro esperava colher depois de o STF, na ação penal referente ao mensalão, haver decidido que nele não ocorreu crime de formação de quadrilha? Vinte e cinco condenações envolvendo três núcleos interconectados não compunham uma quadrilha? Como cortejar um ponto tão fora da curva?
Como esquecer o ministro Joaquim Barbosa, com seu linguajar ríspido, reprovando o que via acontecer nas sessões finais daquele julgamento? Recordo sua advertência sobre a "maioria de circunstância" e "sanha reformadora". Pergunto: não ficam nítidos, em certas entrevistas concedidas por alguns senhores ministros, os desapreços internos? Nêumanne não está só.
Ao estabelecer que o provimento das cadeiras da Suprema Corte se dê por nomeação da presidência da República após aprovação da escolha pelo Senado, nossos constituintes confiaram em que o natural rodízio das tendências nas eleições presidenciais permitiria um equilíbrio das orientações jurídicas e sensibilidades políticas dentro do STF. Tal presunção foi rompida com a sequência de quatro governos petistas, que indicaram oito dos 11 ministros. Numa democracia, seria muito saudável que o Supremo, em sua composição, exprimisse equilibradamente o espectro dessas sensibilidades presentes e atuantes na vida social. Não parece razoável que na prática, a posição conservadora ou liberal ali só se manifeste no microfone de onde, suplicantes, falam advogados e amigos da corte. Nunca no plenário. Nunca com direito a voto.
Não bastasse isso, nos últimos meses, relevantes figuras da República têm manifestado dispor de uma intimidade, que vai além de todo limite, com membros do poder situado no outro lado da praça. O governo contabiliza votos na corte como se fossem seus. Ministros opinam sobre assuntos em deliberação no Congresso Nacional. Divergem publicamente sobre questões cruciais do momento político. Onde buscar razões para a ambicionada confiança?
Há mais. A nação tem imensa dificuldade de entender como podem tantos processos dormir, tirar férias, entrar em remanso e envelhecer nas prateleiras do STF. Num país com tão angustiante necessidade de combater a corrupção não é aceitável que políticos corruptos sejam agraciados com o sigilo sobre seus crimes, a dormição de seus processos e, não raro, a prescrição dos crimes praticados. De que vale a lei da ficha limpa quando a ficha suja encontra abrigo numa gaveta do tribunal e criminosos seguem influenciando a vida do país?
Por fim, uma questão institucional. O ministro Marco Aurélio ora tem afirmado que o STF se encaminha para ser o Poder Moderador da República...
(Por exigência contratual de exclusividade com o veículo para este conteúdo, o restante do artigo deve ser lido em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/ultimas-noticias/).
Percival Puggina
01/05/2016Sou um leitor interessado no que escrevem colunistas, articulistas e editorialistas. Interessa-me menos o que as pessoas falam do que aquilo que escrevem. Verba volant, scripta manent, diziam os latinos. As palavras voam, o que se escreve fica. Por experiência sei, também, que quem escreve, pensa cada palavra, pesa seu efeito, verifica sua adequação ao conteúdo e à forma do texto.
Tenho lido muito sobre os meses por vir. Há autores aparentemente convencidos de que o Brasil deve resolver seus problemas mantendo o que está em curso, sem retificar estratégias. Sair da crise, contanto que nada mude. Mudar o destino mantendo a rota. Mais, se Temer alterar políticas sociais, desabarão sobre ele não apenas as setes pragas do Egito. Também seus dentes cairão, a artrite o deformará e se fará merecedor da malquerença divina no Juízo Final. Estará ferrado aqui e na eternidade. Escrevo este artigo no Dia do Trabalho. De alguns textos que li se deduz que se Temer promover flexibilizações na legislação trabalhista, em vez de facilidades, estará criando dificuldades para os 11 milhões oficialmente desempregados do país! Até parece que essa multidão não está amargando a fila do SINE, mas olhando as páginas de economia dos jornais, selecionando seu futuro emprego segundo o desempenho, no mercado acionário, das empresas que oferecem vagas. Afinal, aquelas cujas ações estão bem cotadas provavelmente proporcionam bons planos de saúde, aposentadoria complementar e participação nos resultados. "Mamãe me acode!", como diria o senador Magno Malta.
Na Constituição de 1988, o Brasil decidiu constituir um Estado de Bem Estar Social onde, "passar desta para uma melhor" significa, principalmente, elevar o padrão de vida por conta do Erário, com o mínimo ou nenhum esforço pessoal. É claro que há um custo, mas como é um custo do Estado, supõe-se que ele não tenha um pagador efetivo, ao menos nesta vida. É o que se chama "pedalar a conta de uma geração para a próxima", com reembolso a juros simples, claro, que sai mais barato, segundo os entendidos.
Por incrível que pareça, o que acontece na vida real dos desempregados não entra nas cogitações de sindicatos e centrais sindicais, partidos de esquerda e, tudo indica, Justiça do Trabalho. Ninguém é mais realista do que quem está na pior. Ninguém é mais idealista do que quem se sente seguro. Aquele que bate calçada no olho da rua atrás de vaga, com família para sustentar, está mais interessado no trabalho do que nas férias, no salário do que no horário, no prato do que no sindicato, na hortaliça e no pirão do que na justiça e na convenção. Pode doer, mas é verdade. E foi o governo que criou essa situação.
A pantomima fica ainda maior quando se compreende que o Estado de Bem Estar Social - se isso existir e se sustentar - só pode ocorrer onde riqueza, investimento e poupança sejam gerados de modo permanente. Antes disso produz endividamento, inflação e desemprego. Em horas de crise, insistir em formalidades relativas às relações de trabalho muito dificulta a vida de quem está sob a regra da urgência, atrás de uma ocupação em que possa ganhar sustento.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
29/04/2016
É de autoria da jovem escritora norte-americana Veronica Roth a observação, tão interessante quanto significativa, que determinou o título deste artigo: a mentira exige compromisso. De fato, quem mente faz um pacto com essa falsidade, agravando de modo crescente seus efeitos e a corrupção da própria consciência. O que descrevi ganha enorme significado no campo político. Neste caso, a mentira pode fraudar a democracia e determinar as mãos para onde vai o poder; pode frear e inibir a Justiça; pode promover a injustiça e pode causar severos danos aos indivíduos e ao interesse público.
Imagine agora, leitor, quanto mal pode advir quando a mentira, corrupção da verdade, é repetida milhões de vezes por multidões que, deliberada ou iludidamente, a reproduzem sem cessar como papagaios de barbearia. Temos visto muito disso por aqui. Impeachment é um instrumento constitucional da democracia, de rito lento e severo definido pelo STF, que exige quorum elevadíssimo em sucessivas deliberações nas duas casas do Congresso. No entanto, sua legitimidade vem sendo contestada através de uma mentira que me recuso a reproduzir aqui em respeito ao leitor cujos ouvidos, certamente, já doem de tanto a escutar.
Agora, um novo mantra está em fase de propagação. É o tema deste artigo. Ouvi-o pela primeira vez há poucos dias: "Se Temer assumir vai acabar com a Lava Jato". Ué! Em seguida ouvi novamente. E de novo, e de novo. A mentira passou a ser difundida por uma nuvem de papagaios. Em bem pouco tempo, como era de se prever, de tão repetida a mentira virou assunto de entrevistas e comentários em rádio e TV. Ora, quem ouviu a mentira várias vezes proferida por repetidores comprometidos, viva voz ou nas redes sociais, e logo vê o tema sendo abordado em meios de comunicação, aos poucos passa a entender como informação aquilo que repetidamente ouviu. É gigantesca a disparidade de forças entre a verdade e a mentira incansavelmente proferida!
Vamos à verdade. Quem tentou controlar a operação Lava Jato foi o governo. Quem manifestamente odeia o juiz Sérgio Moro são: a presidente Dilma, o ex-presidente Lula, seu partido, seu governo e seus seguidores. Eram os parlamentares do governo que assediavam José Eduardo Cardozo enquanto foi ministro da Justiça para que contivesse as ações da Polícia Federal. Foi por pressão partidária, especialmente de Lula, que ele deixou o ministério onde seu sucessor, o ministro Aragão, já no dia da posse, começou a ameaçar a Polícia Federal. Ou não? Num país onde os absurdos se sucedem abundantes, em cascata e por dispersão, as pessoas esquecem essas coisas e abre-se o campo para quem mantenha relação descomprometida e inamistosa com a verdade.
Ninguém pode deter a operação Lava Jato. Ainda que alguns parlamentares investigados por ela tenham se mudado do governo para a oposição, a operação funciona numa esfera que não pode ser alcançada por cordéis acessíveis aos comandos políticos. O governo, que descobriu ser inútil sonhar com isso, também sabe que pode se valer da ideia para propagar uma falsidade que lhe convém.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
26/04/2016
Transcrevo resposta a uma mensagem que recebi de leitora (1) com críticas ao meu anterior artigo sobre reações feministas à matéria em que a revista Veja ocupou-se da esposa do vice-presidente da República.
Prezada senhora. Agradeço sua mensagem. Devo dizer que o artigo que escrevi sobre o assunto foi curtido por quase 500 pessoas. Quarenta e oito por cento, mulheres. Portanto, a leitura que a senhora faz dos fatos não é mais do que uma opinião em torno da qual há divergências substanciais.
Detalho um pouco mais, aqui, meu entendimento. A matéria da Veja é irrelevante, de interesse apenas para quem tem curiosidade sobre a vida das celebridades. Não me parece que, ao finalizar dizendo que Temer é um homem de sorte, a revista ou a jornalista Juliana Linhares estejam sinalizando o estilo de vida que dona Marcela escolheu como algo a ser afirmado como padrão. Até porque, sendo a autora jornalista da Veja, estaria, ela mesma, se excluindo do suposto padrão que a senhora e outros quiseram encontrar nas entrelinhas de seu texto.
Quanto ao mais, o estilo de vida que dona Marcela escolheu para si é algo que diz respeito a ela e à família dela. Fazê-la objeto de uma saraivada de críticas como percebi, consultando posts aqui e ali (e foram ignoradas no seu comentário), é uma coisa sem sentido que me parece não encontrar de parte dela conduta correspondente. Muitas feministas querem o direito de viver como bem entendem e se escandalizam com a vida que Marcela escolheu... Paradoxo! E esse paradoxo foi um dos pontos que sublinhei em meu artigo.
Por outro lado, quando feministas criam movimentos e promovem ações públicas, sujeitam-se ao crivo da opinião alheia. Ações externas, manifestações de rua, conteúdos publicados nas redes sociais, perdem o caráter privado e íntimo que impediria outras pessoas de expressar suas próprias compreensões sobre tais pautas. Foi no uso desse direito que escrevi o artigo que a desagradou. E seu desagrado é tão legítimo quanto a discordância que expressei. Sem pretender uma erudição que não tenho, cito a conhecida frase de Terêncio: "Nada humano me é estranho". Um dos equívocos do feminismo é esse que a senhora comete quando pretende que apenas as mulheres possam opinar sobre questões femininas.
O mal-estar causado pela matéria da Veja só pode ter três motivos: 1) má interpretação do sentido geral do texto, algo que uma releitura talvez retifique; 2) rejeição política à revista e ao marido da senhora em questão; e 3) teimosa recusa à obviedade expressa na frase final da matéria: "Temer é um homem de sorte". Ora, negar isso é negar uma evidência. Temer é um homem de sorte, sim senhora. Quem dirá que não, sem avançar em devaneios despidos de comprovação sobre a vida íntima do casal?
Quem escreve se vale do que aprendeu e eu aprendi, vendo e lendo, que há um projeto em curso no Ocidente, atacando, por todos os flancos, os valores da civilização. O projeto revolucionário ganhou multiplicidade de formas e se concentrou em atacar a resistência cultural que o Cristianismo lhe opunha. Entre incontáveis manifestações desse fenômeno sociológico e político contemporâneo, sublinho: os ataques frontais ao cristianismo e à instituição familiar, a vulgarização da sexualidade, o tipo de ensino ideologizado que é levado aos jovens, a manipulação da história, as políticas de gênero e excessos da agenda gay, a supressão dos símbolos religiosos em espaços públicos, aberrações como a promovida para afrontar a Jornada Mundial da Juventude e a levada a efeito por alunas do ICH da UFPel em outubro passado, a vulgarização do uso de drogas, o desrespeito à propriedade privada, as rupturas da ordem e o emprego da violência em atos públicos, a tolerância para com a criminalidade, e, claro, os excessos do feminismo que, de um salto, vai da justa defesa da igualdade para o total desvario das condutas.
Tudo isso serve a um mesmo objetivo - fragilizar os valores cristãos, apagar a sã filosofia, criar um novo Direito para um projeto social e político revolucionário que, sem exceção, fracassou em todas as suas experiências históricas. Não estou vendo fantasmas. Simplesmente estou vendo.
Assim, se a senhora encontra nos seus círculos de relações dissensos em relação às posições que defendo, nada há de surpreendente: essas pautas são, mesmo, controversas. No entanto, como afirmei acima, eu sei que há, entre todas, um traço comum. Há o ataque e há a defesa de valores que muito prezo, para o bem de meus filhos, sobrinhos e netos. Como a senhora bem diz, é perfeitamente possível ser isso e não ser aquilo. A provocação que fiz na parte final do meu artigo, mencionando o impeachment, teve um objetivo para mim importante: eu quis lembrar o conjunto da obra a ser protegida. Muitas vezes, as pessoas não se dão conta de que ao perderem de vista o conjunto servem muito bem a quem tem péssimas intenções sobre o todo, vale dizer, a quem tem intenções totalitárias. E o mal que apontei nesta carta infiltra-se e se serve de todas essas pautas.
Cordialmente
Percival Puggina
(1) Bom dia! lamento muito que sua visão de mundo seja ou isso ou aquilo. Informo que tem muitos aquilos e muitos issos. Escrevo sobre sua coluna a respeito da bela, recatada e do lar.... São tantas as mulheres, tantas as trabalhadoras, tantas as provedoras. Qual o interesse da Veja em retratar essa senhora com esses adjetivos? Provavelmente essa senhora tem inúmeras outras qualidades também.... Por que reforçar esses? Você fala na condição de homem. Deixe falar quem sabe do que está falando. Deixe as mulheres falarem. Se feminista ou não, é a nossa opção. Politicamente, temos direito de nos posicionar. Se sim ou não ao impechment, se sim ou não a considerá-lo golpe. Não empacote as pessoas, nem as mulheres. As pessoas não pensam por blocos. Há muitas nuances. A moça tem o direito de ser como quiser... assim como todas as mulheres.... o problema está em empacotar, rotular, enaltecer algumas qualidades..... qual o interesse.... Se você se ofende com a reação da mulheres, é porque é homem. Só uma mulher sabe o que vive, o que sofre e o que precisa enfrentar diariamente.
Percival Puggina
24/04/2016
" A Constituição determina que, para que o impeachment aconteça, é preciso ter crime de responsabilidade. E não tem, contra mim, nenhuma acusação de corrupção." (Dilma Rousseff, em NY, dia 22 de abril)
Não sei se resta algum degrau na escada da dignidade do cargo presidencial para Dilma descer e macular ainda mais a própria imagem e a imagem do Brasil. A presidente afirma que não é corrupta, como se a distância entre isso e a santidade fosse vencida numa pedalada de cinco minutos.
Nossa dirigente máxima já cometeu crimes gravíssimos, que hoje habitam, apenas, a zona sombria de sua consciência. Foram anistiados. Ela os cometeu quando pegou em armas para implantar uma ditadura comunista no Brasil. Cometeu-os sabendo que a nação nada queria com sua organização, métodos e ideias. O desrespeito de Dilma ao Brasil e seu povo é, portanto, uma história antiga, só superada mediante robustas mistificações e maquilagem publicitária. O modelo que seguiu na juventude foi proporcionado, patrocinado e orientado pelas tiranias soviética e cubana. Era o que ela pretendia e nunca deixou de pretender, como fica patente cada vez que vai a Havana beijar as mãos sanguinárias dos Castro. Dela nunca se ouviu palavra de arrependimento.
Hoje, ao afirmar que não é corrupta, a presidente objetiva, de um lado, transmitir a falsa ideia de que apenas a corrupção pessoal pode motivar um processo como o que enfrenta. Ora, ainda que não tenha auferido recursos da corrupção, esses crimes, praticados dentro do seu governo, pela equipe sob seu comando e supervisão, ao longo de mais de uma década, proporcionaram a ela e a seu partido a manutenção do poder. Mas Dilma, a exemplo de Lula, nada soube e nada viu. Tudo lhe caiu do céu. Se a corrupção é o crime por excelência no teatro da política, por que tanto desmazelo? Por que tantos corruptos notórios no seu entorno? Por que agasalhar Lula com o cobertor de um ministério, para "usar em caso de necessidade"?
Por outro lado, quanto ao impeachment, Dilma e os seus parecem considerar irrelevante o controle parlamentar sobre a despesa pública. Tal desprezo é próprio de pessoas acostumadas a usarem nosso dinheiro para proveito pessoal ou político! Ignorância pura e simples é que não há de ser. Refresquemos a memória: não foi para estabelecer esse controle que nasceram os parlamentos deliberativos? Não foi principalmente por ele que, em 1215, se revoltaram os barões ingleses redigindo a Magna Carta Libertatum e exigindo do rei João que a assinasse? Estamos falando de um princípio constitucional com oito séculos de vigência! Sua ruptura é grave ofensa ao parlamento e à nação.
Nossa presidente mentiu desbragadamente aos eleitores em 2014; afundou as contas públicas, a economia privada e grandes estatais; fez disparar o desemprego; furou os tetos a respeitar e os pisos a não transpor. Transformou o Palácio em pavilhão de comício e comitê central de seu partido. Vive encapsulada para escapar de vaias e panelaços. Esfarelou seu apoio parlamentar e, em desmedida soberba, quer permanecer assim até 2018.
Acontece que o amor próprio de Dilma contrasta com seu desamor ao Brasil. Ele estava presente nos tempos da clandestinidade, no internacionalismo inerente ao comunismo, no desapreço às nossas raízes e à nossa história, na sempre ardilosa construção da luta de classes e no conceito da Pátria Grande, falsamente bolivariana e verdadeiramente comunista, urdida nos conluios do FSP e da Unasul.
Dia 22, em Nova Iorque, esse desvario chegou ao cúmulo de sugerir sanções do Mercosul e da Unasul ao Brasil caso seu impeachment avance. Nossa presidente repete Luís XV: "Depois de mim, o dilúvio!". Afoguemo-nos todos. As recentes manifestações de Dilma no palco internacional correspondem ao item 7 do art. 9º da Lei dos Crimes de Responsabilidade: "Proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo". Ou não?
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
21/04/2016
As mulheres são os seres mais admiráveis da criação, um nadinha assim abaixo dos anjos. Por esse motivo, aliás, chamar mulher de anjo talvez seja a mais comum das metáforas. Paradoxalmente, a reconhecida dificuldade de entendê-las ocupa bom lugar no repertório de encantos femininos. Mulheres são mesmo assim, não por que sejam menos racionais, mas porque não é apenas nas obras ficcionais que o mistério atrai. Não sem razão, Oscar Wilde escreveu que as mulheres não devem ser entendidas, mas amadas. Ponto, Oscar. Não precisa dizer mais nada.
Este breve preâmbulo tem a ver com dona Marcela. Para quem ainda não sabe do novo hit das redes sociais, a jovem senhora é a esposa do vice-presidente Michel Temer. "Bela, recatada e do lar", na expressão usada em matéria publicada no site da Veja, Marcela provocou ondas de indignação que se propagaram com aquela velocidade por vezes difícil de explicar, embora se entenda como funciona: o assunto faz a pauta, que faz o assunto e assim sucessivamente até que a energia se dissipa e tudo cai no esquecimento. Nesta semana, porém, Marcela - bela, recatada e do lar - é assunto. Não porque queira, mas porque as pessoas se interessam pela vida dos famosos. Muita gente ganha dinheiro e notoriedade dedicando-se a escrever e a falar sobre eles. O que turbinou o interesse pela mulher do vice-presidente foi se declarar "do lar". Marcela não trabalha! Dedica-se à casa, ao marido e ao filho! No pleno exercício de sua liberdade, escolheu essa vida para viver!
Escândalo! Bastou a informação para que as feministas se ouriçassem e não apenas fizessem cair sobre ela seu desprezo e seus anátemas, mas os propagassem como vírus na internet para que tal repulsa sirva de exemplo e nenhuma outra criatura se atreva a conferir celebridade a semelhante opção de vida.
Se já é difícil entender as mulheres, mais difícil ainda é entender as feministas. Valha-me Deus, no momento em que me ponho perante esse mistério. Pergunto: não é o feminismo uma espécie de libertarianismo do qual não escapa qualquer dimensão do ser mulher? Não é ela, senhora de si mesma? Seu poder e seus direitos não incidem até mesmo sobre a vida do filho em seu ventre? Não deve ela estar liberada de todas as amarras e opressões?
Sob tais conceitos, dos quais em parte divirjo, não consigo entender como milhares de mulheres e alguns homens alinhados com essas ideias possam pretender impor a Marcela - bela, recatada e do lar - o estilo de vida por eles prescrito para o tipo de mulher que idealizam. Como se essa idealização não fosse (e os textos nas redes sociais mostraram que é) uma forma de opressão e tirania. Marcela acaba de se descobrir "politicamente incorreta"...
Saiba, leitor: se você fizer uma enquete entre quantos palpitam sobre a vida da mulher do vice-presidente descobrirá que "todas e todos" acham que impeachment é golpe.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/04/2016
Assisti de ponta a ponta a sessão da Câmara dos Deputados que deliberou sobre a admissibilidade do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Foi uma experiência emocionante e muito instrutiva. Nos telões armados no Parque Moinhos de Vento (Parcão) em Porto Alegre, em uníssono com a multidão, vibrei a cada Sim e vaiei a cada Não. Devo ter calculado quase uma centena de regras de três tentando antecipar um sempre cambiante resultado final.
Muito instrutiva a observação dos votantes, em especial a turma do Não. Marcharam para o cadafalso político uniformemente ensaiados. Repetiam os mesmos mantras que se revelaram inúteis ao longo dos últimos 15 meses! Levaram suas frases feitas até o alçapão da derrota. Traziam nos olhos um postiço furor cívico. Entre elas, o paradoxal estribilho sem verso "Impeachment é golpe" - uma contradição em termos porque o ato não pode ser as duas coisas: ou é impeachment ou é golpe. Ao final, temos que o povo, o TCU, boa parte da mídia, o STF, o Hélio Bicudo (quem diria?) e mais de 2/3 da Câmara são, todos, "golpistas". E se somam ao "golpista" magistrado Sérgio Moro, aos também "golpistas" promotores que atuam na Operação Lava Jato (outra conspiração) "golpista" e à notoriamente "golpista" Polícia Federal. Por quê? Porque diante do terremoto moral, econômico, fiscal e social que acometeu o governo e o pais, isso é tudo que o PT tem a dizer à nação. No meu modo de ver, em vista das proporções que tomou, o governo da República é o maior e mais danoso golpe impetrado num país democrático desde que Hitler chegou ao poder na Alemanha.
Um segundo mantra se repetiu ao longo da sessão. Refiro-me aos desaforos, em tom crescente, dirigidos a Eduardo Cunha. Entre os adjetivos de uma escala que começava com "patife" e chegava até "gangster", restaram poucos não utilizados pelos que pretenderam ser originais.
Não me surpreenderam os ataques ao presidente, que muito provavelmente os merecesse. O que me espantou foi constatar que partiam de bancadas empenhadas, ao último fio de voz, à última lufada de ar dos pulmões, na defesa de uma organização criminosa inteira. Organização que se apossou do poder central da República e ali praticou (no pouco que já se sabe com prova provada) o maior saque de que se tem notícia na história universal. Diante dela, Cunha entra na lista como mero trombadinha. Mas para o PT, enquanto Cunha é um bandido cuja presença na sessão deslegitima a deliberação do último domingo, o partido, com quanto pesa contra si, é um insubstituível modelo de virtudes, apto a dar lições de dignidade ao mundo.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/04/2016
O governo petista tem sido muito ingrato com Eduardo Cunha. De março até dezembro de 2015, os pedidos de impeachment oriundos dos mais variados cantos do país faziam fila no protocolo da Câmara. Enquanto a nação se alvoroçava, movida a estelionato eleitoral e Lava Jato, o presidente da Casa, como bom vendeiro, usou aquela munição para negociar proteção a si mesmo, em especial na Comissão de Ética. Houve um período - vejam só - em que os três deputados do PT naquele nobre colegiado ajudaram Cunha, ausentando-se para que as reuniões não tivessem quórum. Apenas quando se viu perdido, em 2 de dezembro, muito a contragosto, o deputado retirou da pilha o requerimento que hoje segue curso constitucional no Congresso.
Esse prazo proporcionado pelos cambalachos do presidente da Câmara deveria ter sido entendido como de fato era: uma dádiva em meio ao infortúnio. Bem usado, cada dia desses meses valia mais do que uma boca livre no Piantella para toda a bancada. De fato, a deliberada morosidade de Cunha proporcionou ao PT e ao governo tempo para mudar rumos, desculpar-se, curar-se e abandonar a arrogância tão presunçosa quanto vazia. O partido poderia emitir sinais de arrependimento, reconhecendo seus erros. Livrar-se dos corruptos expurgando as más companhias internas e externas. Admitir a má condução da política econômica e dar adeus definitivo à irresponsabilidade fiscal. Poderia entender que vitória eleitoral não é credencial para apropriação do Estado.
Todas essas condutas e atitudes implicam sofrimento moral. Mas todas são muito mais saudáveis e menos ofensivas à razão e ao eleitorado do que fazer de conta que os males não existiram e que os crimes não foram cometidos. Irrecuperavelmente danoso é chamar corruptos de heróis do povo brasileiro; é louvar criminosos e acusar o juiz; é condenar o vazamento e silenciar sobre o que vazou; é repetir sandices como a de que criticar o governo é coisa de quem não gosta de ver pobre dentro de avião; é afirmar, à exaustão de toda paciência, que partido e governo são vítimas de conspiração promovida por meia dúzia de golpistas; é excitar ânimos e conclamar milícias ao uso da violência; é comprar da freguesia apoio parlamentar por lote e cabeça; é esperar que sujeiras pretéritas encubram as atuais; é crer que denunciar o passado suscite mais interesse do que retificar o presente e o futuro.
Ambos, partido e governo escolheram persistir nos mesmos erros e usaram contra si mesmos o valioso tempo de que dispuseram. Quando perceberam ... (por exigência contratual de exclusive com o veículo, para este conteúdo, o restante do artigo deve ser lido em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/colunistas/percival-puggina/ultimas-noticias/).
Percival Puggina
15/04/2016
É muito comum que jovens com interesse na política, percebendo a necessidade de participarem mais efetivamente na vida local, regional e nacional, consultem minhas barbas brancas sobre o partido ao qual deveriam filiar-se. Eu me angustio diante dessa pergunta. Como dizer o que devo sem desestimular o idealismo daquela alma juvenil? Quem ingressa na política com ideais no coração, princípios e valores impressos na consciência e ideias na cabeça levará um imediato choque de realidade. A política não poupa esses sentimentos.
Obrigo-me, então, a uma longa explicação sobre o que leva os partidos a escavarem sem cessar o fundo do poço do descrédito. Levo em conta, ao dialogar com esses jovens, que o choque de realidade gerado por algumas palavras fortes é mais positivo do que o impacto que ela, a realidade, nua e crua, possa gerar sobre almas desavisadas. Já vi isso acontecer muitas vezes para desconsiderar seu significado nos indivíduos e na própria política. Esta é um espaço onde o mal conta com facilidades para sobrepujar o bem e onde, com muita frequência, as opções se fazem entre um mal maior e um mal menor. O bem não leva uma vida fácil na política. E, mesmo assim, há que escolher; e mesmo assim ela é uma atividade essencial à vida dos povos.
Vem-me à mente, enquanto escrevo, algumas palavras do meu amado papa João Paulo II na longa exortação que dirigiu aos leigos em 1988. Transcrevo-as:
"(...) todos e cada um têm o direito e o dever de participar na política, embora em diversidade e complementaridade de formas, níveis, funções e responsabilidades. As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente o ceticismo nem o absenteísmo dos cristãos pela coisa pública. Pelo contrário, é muito significativa a palavra do Concílio Vaticano II: «A Igreja louva e aprecia o trabalho de quantos se dedicam ao bem da nação e tomam sobre si o peso de tal cargo, ao serviço dos homens»".
Parece-me muito adequado esse facho de luz para esclarecer uma realidade como a brasileira nestes dias tormentosos em que a esperança voa errante sem lugar de pouso. É preciso compreender que a política continuará determinando destinos, mas o Estado será tão mais útil quanto mais empenhado em se tornar crescentemente desnecessário; que sempre haverá escolhas a fazer e que, por vezes, nada será melhor do que o mal menor; que a maior riqueza de uma nação repousa em seus jovens e que lhes proporcionar condições para uma vida produtiva pelo conhecimento e pelo trabalho é muito mais significativo a eles e à nação do que manipulá-los ideologicamente.
O saber, a cultura, o trabalho, a busca do mérito, a liberdade, o amor ao Bem (ainda que vago, mas verdadeiramente amado) não podem estar ausentes da Política e do Direito. E cabe a nós dar-lhes vida e vigência. Não teremos qualquer esperança se não formos, nós mesmos, a esperança.
________________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.