• Percival Puggina
  • 04/12/2016
  • Compartilhe:

O FILHO DO MEDO

 

 No último dia 30, naquele horário em que se apagam luzes e televisores e se intensifica a atividade dos cabarés, saqueadores do Brasil transformaram um pacote de medidas contra a corrupção no oposto daquilo para o que foi concebido. Aves de rapina! Fizeram de um colibri algo à sua imagem e semelhança.

É fácil entendê-los. Quatro perguntas ao leitor destas linhas ajudam a esclarecer tudo. Você, leitor, tem medo da Lava Jato, do juiz Sérgio Moro, de passar uma temporada em Curitiba? Você está preocupado com a delação da Odebrecht? Não? Pois é. Eles sim. Eu os vi esganiçados aos microfones naquela sessão da Câmara dos Deputados. Destilavam ódio e vingança. Comportavam-se como membros da Camorra, da Cosa Nostra, da Máfia italiana. Sua conduta e seus discursos faziam lembrar animais encurralados. O pacote pró-corrupção foi um apavorado filho do medo.

Não é diferente a situação no poder vizinho. Mal raiara o sol, na manhã daquele mesmo dia, Renan Calheiros já cobrava a urgente remessa da encomenda para o protocolo do Senado. Queria votar tudo em regime de urgência e agasalhar-se com o mesmo cobertor legislativo. Aprovado em modo simbólico, o pacote só não foi adiante porque alguém cobrou que o voto fosse nominal. Nominal? Imediatamente abaixaram-se os braços e o plenário optou pela rejeição. Ouvido, Renan, o hipócrita, afirmou que a decisão fora muito boa e que a matéria não tinha, realmente, urgência.

Após o impeachment da presidente Dilma, esse foi, certamente, o episódio político de maior consequência para o futuro do Brasil. Ele noticiou à opinião pública dois fatos que, antes, seria impossível conhecer em toda extensão:

• A Orcrim, que constitui, no Congresso, verdadeira e atuante Frente Parlamentar do Crime, tem ampla maioria da Câmara dos Deputados, onde aprova o que quer;
• Os mesmos deputados, que tanto clamam contra os "vazamentos" de informações que os comprometem, vazaram a si mesmos, tornando conhecido seu desejo pessoal de conter as investigações, atacar os investigadores, acabar com as colaborações premiadas, preservar anéis e dedos. Entregaram-se, todos, ao juízo dos eleitores para o tribunal das urnas de 2018.

Agora podemos dizer a suas excelências que sabemos quem são e estamos vendo o que fazem. Agir assim numa crise como a que enfrentamos? Convenhamos. Depois da crise, vem o caos. E ninguém sabe o que há depois do caos. A Venezuela ainda não nos mostrou. 

Escrevo este artigo durante as manifestações populares deste 4 de dezembro. Enquanto isso, os poderes de Estado, em suas poltronas, assistem a manifestação do Brasil cuja indignação não é postiça nem indigna. Os cidadãos que lotam avenidas e praças em verde e amarelo, falando com seus cartazes e alto-falantes, são, em seu conjunto, a voz do dono. São a manifestação visível e audível da soberania popular.

 

_____________________________
* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 

 


vitorio perozzo -   12/12/2016 20:23:37

Parabéns amigo PUGGINA.Leio todos os seus comentário e procuro partilhá-los. A minha opinião é que tanto o nosso JUDICIÁRIO como os nossos PARLAMENTARES não são dignos dos cargos que ocupam e nem do papel que representam e muito menos dos absurdos salarios e vantagens que recebem. Só nos resta REZAR.

Genaro Faria -   06/12/2016 14:46:22

Se houve algum golpe na troca de Dilma por Temer, ele foi aplicado contra a ingênua esperança de que o PMDB faria um governo sintonizado com a visão de mundo da imensa maioria da população brasileira, que é a mesma em todos os países, estejam eles ou não sob o tacão das botas do totalitarismo. CONCURSO NA UFRJ VIROU ‘FILTRO IDEOLÓGICO’ PETISTA - é o título da Imagem Comentada.Não se vence na política sem que se opere a sua substituição por outra. O PMDB está fazendo o que fez o PT, só que de um jeito mais dissimulado. Afinal, ao partido coube cobrar a conta da bacanal do PT. E não convém que o cobrador seja arrogante com um devedor que não participou da orgia.

Maxbel Corrêa Cabral -   06/12/2016 12:26:35

Os congressistas ficam em Brasília, longe de todos os brasileiros, mesmo dos de lá, zombando de nós, pois até a cidade foi feita pra isso, super espaçada, setorizada e inatingível, um Olimpo Socialista. Manifestações de encher ruas são legítimas, mas creio ser ingenuidade achar que se muda alguma coisa fazendo 'beicinho coletivo'. Do jeito que a coisa vai, daqui a pouco o próprio povo transforma a Lava Jato (LJ) em letra de samba, como aquele do casal sem vergonha. Os valorosos procuradores da LJ já deram a entender à população que se posicione firmemente ou eles passam a bola porque são mais sérios que ela própria que não para o país e só faz carnaval fora de época. A ORCRIM se cristalizou no poder do Brasil. Está nos Três Poderes, na imprensa, nos movimentos ditos populares pró e contra o governo e pior, no Estado Brasileiro. Ou o povo parte para uma atitude objetiva, porém pacífica, como a desobediência civil, que se vá as ruas pela dissolução definitiva do governo como um todo e sua classe política ou seremos comidos pelas beiradas com direito a malemolência e gingado de malandro otário.

Verdade Seja Dita -   05/12/2016 18:36:40

Isso só mostra como todos eles estão fazendo um "teatro" dizendo que um não concorda com o outro. Isso que eles fizeram era pra ter saído logo após as gravações do Lula vazarem e só não fizeram porque senão povo iria se exaltar. Eles não deram bola pras manifestações de ontem... Eles não tem medo do povo... Que falta faz um político como Enéas... Inteligentíssimo e estrategista, coisa que Bolsanaro só consegue ser no berro. Até Clodovil dava de 10 a zero nos que estão aí.

José Carlos Azambuja -   05/12/2016 17:19:42

Parabéns pelo artigo. Chegamos ao fundo do poço. Vejam as palavras do senador Requião do Paraná a respeito das manifestações. Os brasileiros honestos estão com vergonha... O povo trabalhador não pode frouxar agora... Chega!!!

Gustavo Pereira dos Santos -   05/12/2016 15:31:16

Isso mesmo, o bicho vai pegar. Dr. Percival, quero assistir sua participação no Congresso Paralelo 2016, de 7 a 11/12/2016.

Lígia Barros -   05/12/2016 13:52:35

Os "Reis", ficaram nus.

Genaro Faria -   05/12/2016 12:47:03

Infelizmente, seus argumentos são incontestáveis, meu caríssimo professor Puggina. No poder que legisla vive- se o signo do medo do povo e pavor da lei. Fosse eu um "progressista" - Deus me livre! - diria que a maioria dos parlamentares foi vítima da sociedade e por isso é que eles praticaram alguns malfeitos, conforme pontificava a desmiolada dama de vermelho. Tudo culpa da injustiça social. Mas como a justiça é cega uniram-se no dever de praticá-la defensores dos "excluídos" e abjetos aliados dos excludentes. Deram-se as mãos, na mais comovente e fraterna concórdia, petistas e tucanos. Sim, pensaram eles, unidos venceremos. Todavia, para maior desespero dos acossados pela justiça, para que os ventos populares estão mudando de direção... contra a sofrida e oprimida classe política.

antonio fernando saraiva moura -   04/12/2016 21:31:16

Uma vez escrevi que para se formar uma quadrilha bastam três: Executivo, Legislativo e Judiciário. Já estava com vontade de excluir o texto, mas nunca foi tão oportuno mantê-lo. Parabéns pelos brilhantes textos sobre a ORCRIM, que comanda um povo que começa a não aceitar esses morcegos sugadores.