Luís Roberto, Luiz Edson e Rosa Maria são colegas de turma. De uma das duas turmas de ministros do STF. Eles se reúnem, periodicamente, para determinadas tarefas. Quem os vir, dirá, que são pessoas comuns. Não são. A nação lhes atribui um grande poder. E eles não se constrangem em aumentá-lo ao ponto de decidirem sobre temas como o início da vida humana. Te mete! Dia 29 de novembro, numa dessas reuniões, o assunto sobre a mesa tratava da prisão de cinco pessoas com atividade empresarial numa clínica de aborto clandestina fechada pela polícia, em março de 2013, no Rio de Janeiro.
Coube a Luís Roberto liderar a apresentação do tema. Ele é uma pessoa de modos brandos, fala suave e fisionomia quase inexpressiva. Até seu sotaque carioca parece submetido a uma cuidadosa modulação. Na exposição que fez, sustentou a tese de que o aborto praticado antes dos três meses não é aquele aborto capitulado como crime no artigo 126 do Código Penal. O que teria levado Luís Roberto à inédita conclusão? Afinal, o tipo penal não faz essa distinção. O bem jurídico tutelado é a vida humana do feto. É o seu direito de nascer com vida. Perante os olhos da genética, os olhos da razão e os olhos de quem os tem para ver, o feto não é algo, mas alguém.
Luís Roberto, porém, ia cuidando de justificar sua opinião alinhando alguns dos argumentos usualmente apresentados pelos defensores do aborto. Um deles, levou à fixação dos tais três meses como tempo limite para criar a excludente de criminalidade: antes da formação do córtex cerebral não haveria, no seu dizer, "vida em sentido pleno". A Fundação Perseu Abramo poderia encomendar-lhe a tese: "A trimestralidade da vida humana em sentido pleno, segundo Luís Roberto". Não se dirá algo semelhante sobre a vida plena de um ovo de tartaruga marinha sem ouvir consistentes protestos do IBAMA.
Tudo indica que, enquanto falava, Luís Roberto ia cativando as opiniões dos colegas de turma, Luiz Edson e Rosa Maria. Empilhavam-se sobre a mesa as ideias da moda: direitos reprodutivos (pretendem o oposto, mas vá lá), amontoados de células, direitos sexuais, autonomia da mulher, etc.. Tais argumentos, bem se vê, nada têm a ver com trimestre ou semestre, mas com "abortion on demand" (aborto por solicitação, uma espécie de delivery de fetos inconvenientes). Entre um cafezinho e outro, a deliberação ia se encaminhando no sentido de assegurar a licitude e a prosperidade dos negócios da clínica de aborto. Mas a chave de ouro, a cereja do bolo argumentativo ainda estava por vir. Atente, leitor, para o ineditismo da afirmação: "A criminalização é incompatível com (...) a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria".
Ou seja, as mulheres devem ter o direito de abortar por uma questão de igualdade (!) porque os homens não engravidam. O Criador, a natureza, os amontoados de células, seja lá quem for que você escolha para o start up da humanidade, acabaram criando uma tal desigualdade com essa história de dois sexos que só cirurgicamente se pode resolver. Por outro lado, se os homens engravidassem, seria necessário acionar outros argumentos.
No final, como os três - Luís Roberto, Luiz Edson e Rosa Maria - compuseram maioria entre os cinco de sua turma (no STF), o habeas corpus foi acolhido e está iniciada a jurisprudência abortiva no Brasil. Veio-me à mente a fábula do lobo e do cordeiro. Com esse perfil do STF, o indefeso cordeiro não tem a menor chance. Ao lobo abortista bastam até mesmo os piores argumentos. Ou argumento algum.
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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina - 14/12/2016 00:44:22
Vou repetir algo que tantas vezes tenho escrito por aqui: tenho um imenso orgulho da qualidade moral e intelectual dos meus leitores. Muito obrigado a cada um de vocês.Luis Gonzaga de Paulo - 13/12/2016 21:58:22
"A criminalização é incompatível com (...) a igualdade da mulher, já que homens não engravidam e, portanto, a equiparação plena de gênero depende de se respeitar a vontade da mulher nessa matéria". Usando o mesmo argumento jumêntico de V. Excrecência, homens não engravidam, portanto não abortam, então para as mulheres os igualarem, não deveriam abortar também. Causa náuseas ler tamanho disparate... E ainda mais sabendo que veio de um ocupante do Supremo!!! Nojo!Afonso Pires Faria - 12/12/2016 22:47:19
A comparação com o ovo de tartaruga e o Ibama, é irrefutável. Se um dos votantes lesse este artigo, coraria de vergonha. Ou não, eles não são possuidor desta sensibilidade.Clarissa - 11/12/2016 12:29:26
Caro Puggina, bom dia! Do alto da sua experiência com o tema e depois de já ter lido e visto vídeos seus sobre as articulações da esquerda nesse país, incluindo o papel da CNBB para eleger o 'ninefingers' com campanha ferrenha em todas as suas reuniões no período pré-eleitoral (2002), quero colocar aqui uma reflexão que faço há algum tempo, há muito tempo: esses senhores, parecem que são casados e já devem ter filhos em idade para 'fazer' descendentes, então, a minha questão é, caso um filho deles queira tomar essa decisão, abortar, eles falarão assim (?): pode, a legislação permite, aquele carrinho, aquele sapatinho etc que compramos outro dia pensando nessa criança pode esperar a próxima gestação, pois essa não seria adequada para agora, para o momento? É assim que eles pensam quando fazem as leis ou eles não se veem iguais como pessoas atingidas por essa lei, do tipo iguais, mas superiores?! A grosso modo, essa a minha colocação/reflexão!Plinio Mioranza - 10/12/2016 21:06:20
O supremo da iniquidade. Autorizar a aniquilação da vida de um ser para igualar a mulher ao homem já que este não engravida é prova da nulidade do argumento. O barroso tem a fleuma do bondoso mas é mau no argumento sofismático e também um sobrevivente da mãe que não abortou. Supremo não legisla, não é função dele. Ouviremos mais barbaridades dessa turminha de pouco saber e dignidade.MARIO SERGIO M DA SILVA - 10/12/2016 17:41:29
Desculpe-me, você comenta o stf (minúsculo mesmo) como se fosse algo a considerar. A única coisa passível a ser considerada é que o stf, atual, acabou. O resto é esperar por uma revolução, porque nesse país vale a máxima: do caos sempre surge uma nova ordem.Joma Bastos - 10/12/2016 15:57:17
Em primeiro ligar, ao STF não lhe é permitida a função de legislar porque não tem autoridade para tal, e a única competência que lhe assiste para o caso, é a de interpretar as leis que são aprovadas no Poder Legislativo. Embora infelizmente o nosso atual Congresso não tenha conhecimento, aptidão e cultura para legislar, esse Poder Legislativo pertence-lhe unicamente. Para alterar uma lei como a do aborto, é necessária uma ampla e séria discussão nacional sobre esta matéria, a qual também pode ser apoiada em princípios e regulamentos já existentes para este tópico em países desenvolvidos. Atentamente, Joma Bastos.Paulo Onofre - 09/12/2016 21:24:48
Prezado Sr. Puggina. É muito fácil aos acovardados falar grosso, legislar e condenar à morte seres humanos indefesos. Difícil, é mandar o Renan Calheiros para a cadeia. Aí, os nossos ministros falam fininho, fininho.Dalton C. Rocha - 09/12/2016 18:03:08
A decisão do STF imita a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que na decisão Roe v. Wade legalizou plenamente, o aborto nos Estados Unidos, em 1973. E vendo o site https://en.wikipedia.org/wiki/Abortion_statistics_in_the_United_States , eu percebi que de 1970 a 1984, o número de abortos lá aumentou, cerca de dez mais. Quem vai pagar pelos milhões de abortos a serem feitos aqui, todos os anos? Não será a fundação Ford, o PT ou uma entidade feminista. Quem pagará pelos milhões de abortos todos os anos, será o povo brasileiro. E para quem acha que está mesmo sobrando bilhões de reais do orçamento da saúde, para pagar estes abortos todos, que veja estes sites, para ver como "são abundantes" os recursos para saúde pública: 1- Veja um exemplo da "absoluta abundância" de recursos da saúde, para o tratamento de drogados: https://www.youtube.com/watch?v=qJIcv97rnWk&t=52s 2- Veja um exemplo da "absoluta abundância" de recursos da saúde, para tratamento de câncer no SUS: https://www.youtube.com/watch?v=7DLk5Th3agY 3- Veja um exemplo da "absoluta abundância" de recursos da saúde, para tratar crianças doentes: https://www.youtube.com/watch?v=LyFU5YAirKw 4- Veja um exemplo da "absoluta abundância" de recursos da saúde, para atendimento emergencial: https://www.youtube.com/watch?v=ZNb4yZd_Sdo 5- Veja um exemplo da "absoluta abundância" de recursos da saúde, para tratamento de AIDS: https://www.youtube.com/watch?v=gaLsCMwvwH8 6- Veja um exemplo da "absoluta abundância" de recursos da saúde, para conservação de hospitais públicos: https://www.youtube.com/watch?v=OtqUFHY1P_4 Nem preciso falar da absoluta falta de recursos, para eliminar ou sequer combater a dengue, chikungunha, zika, etc. Resumindo. A falta de recursos para a saúde vai piorar, não melhorar. Para quem não liga para a vida de embriões, que pelo menos ligue para o próprio bolso e, para a própria saúde. Dúzias de nações legalizaram o aborto, nas últimas décadas. Em nenhum caso, houve redução de gastos com saúde; ao contrário. Do ponto de vista econômico, legalização do aborto é um desastre. A então União Soviética, que legalizou o aborto já nos seus anos iniciais, bem prova isto. O mesmo nos casos de Cuba, Coreia do Norte, etc. Na Europa, nos últimos 70 anos, enquanto se foram erguendo clínicas de aborto, foram surgindo mesquitas, nos mesmos países, na mesma proporção. E o STF diz que são direitos constitucionais da Constituição de 1988, por uma interpretação para lá de distorcida, mas esta mesma constituição de 1988, garante de maneira clara acesso plena à saúde, pleno emprego, excelentes escolas públicas, ausência de corrupção, etc. Aos abortistas de plantão, eu cito um pensamento, em defesa do aborto: “Proteger os ovos de tartaruga e exterminar os fetos humanos faz sentido, sim. Afinal, um ovo de tartaruga é apenas uma futura tartaruga, e o feto humano pode ser um futuro juiz do STF." > http://www.midiasemmascara.org/artigos/cultura/16851-2016-12-03-23-34-33.htmlGenaro Faria - 09/12/2016 12:59:18
Registram as crônicas políticas do Velho Nordeste, essa região brasileira que equivale ao Velho Oeste americano, embora tenha sido a primeira e não a última a ser aqui colonizada, um despacho denegatório ao requerimento de licença formulado por uma professora primária, que foi exarado pelo interventor em Pernambuco, Etelvino Lins: "Nego provimento. Gravidez não é doença; pega quem quer". É que a professora era oposicionista . Logo, pela visão "progressista" do político, hoje banalizada, ela não tinha direito algum. O velho político do Estado Novo pode não ter sido rebuscado em seu sucinto despacho, aliás, curto e grosso, mas pelo menos não foi artificioso e presunçoso como os votos de suas excelências do STF, que não serão lembrados pelo folclore político, mas pela infâmia de uma era a ser esquecida pelos brasileiros.Verdade Seja Dita - 09/12/2016 10:28:47
Professor excelente texto! O pior de tudo é ver que STF só faz as leis para quem tem dinheiro, justamente a "bandeira" da esquerda! Mulheres sem dinheiro que fazem aborto não tem essa ampla defesa! Aliás, o aborto indiscriminado além de matar mulheres e fetos vai ser a "bandeira branca" pra ninguém usar mais camisinha nesse país! Essa história de "policamente correto" está levando o mundo para III guerra, só não ve quem não quer e infelizmente ela está para acontecer logo, logo e não será mais países contra países e sim estados contra estados e cidades contra cidades.