Penso que nada prova melhor a extensão da encrenca em que estamos metidos do que o assíduo comparecimento da expressão "só isso não resolve" em todos os discursos e análises de conjuntura. E não importa se estamos falando de problemas sociais, políticos ou econômicos. Não faz diferença, tampouco, se o que está em discussão é projeto singelo ou pacote de espectro mais amplo, como o anunciado na última segunda-feira pelo governador Sartori. Tudo que se proponha no Brasil peca pela insuficiência.
O Estado é um ente gastador. Dotado de apetite voraz, consome todo o dinheiro que lhe seja proporcionado. Se, milagrosamente, revertêssemos o quadro atual e dona Receita se tornasse superior à dona Despesa, esta imediatamente dispararia em busca daquela, puxando-a pelos cabelos. São duas irmãs que não se dão bem, como a gente sabe, mas Despesa, em definitivo, não gosta de se sentir menor do que Receita. O Rio de Janeiro faz prova disso. Durante anos, foi um Estado privilegiado por acrescentar robustos royalties de petróleo às suas receitas tributárias. Resultado: o Rio nivelou sua despesa corrente num patamar ainda mais elevado. E agora soma às perdas advindas da recessão uma grande redução dos royalties que recebe. Quebrou mais do que os outros.
Em fins de 2005, Antonio Palocci estava alinhavando um plano para atingir e manter elevado superávit nos anos por vir. Jornais da época ajudam a lembrar o fato. O superávit primário já fora 4,5%, beirava os 5%, e o ministro queria manter a pressão sobre o gasto público. Dilma Rousseff, porém, como chefe da Casa Civil, fuzilou as intenções de longo prazo com uma frase que entrou para a história: "... despesa corrente é vida: ou você proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesas correntes". Em dose errada, essa receita mata. A partir de então, o Brasil traçou seu rumo para um lugar de destaque no quadro de fracassos keynesianos e desenvolvimentistas. A economia afundou e o superávit virou déficit de 2,8% do PIB neste já histórico 2016.
O PIB real brasileiro está 7% abaixo do que era em 2013! Se somarmos a isso o que deveríamos ter crescido, caso mantivéssemos a média das últimas décadas (parcos 2,5% ao ano), constataremos que a perda efetiva se eleva a algo como 15% nesses três anos. Mas as despesas correntes, aquela peculiar "forma de vida", continuaram crescendo. É o número que falta hoje, a grosso modo, no caixa de todos os governantes. Buraco dessa fundura não se preenche sequer em médio prazo. Precisaríamos prover condições que não temos para um crescimento padrão chinês.
Governos perdulários atendem demandas, colhem afetos e sorrisos. São vistos como benevolentes e amorosos. Mas é um amor bandido. Dá com uma das mãos o que, ali adiante, tomará com as duas, levando empregos, destroçando esperanças, comprometendo o futuro e incapacitando o Estado para o cumprimento de funções essenciais. Aprender dos próprios erros, pela pedagogia do desastre, é a mais sofrida aprendizagem. Mas sinto que está sendo bem-sucedida. Se Sartori dispusesse de tempo e submetesse seu pacote a um referendo, receberia amplo respaldo popular. A sociedade entendeu a lição na sala de aula da realidade.
O amor bandido faz da irresponsabilidade fiscal instrumento de sedução. Pulsa coraçõezinhos com ambas as mãos. Coleciona gratidões passageiras. E semeia tempestades cujos maiores danos incidem sobre os mais miseráveis dentre os pagadores de impostos. Quando um avião entra em zona de turbulência não podem os passageiros da 1ª classe pretender que sua cabine não sacoleje. (A íntegra do artigo deve ser lida em http://zh.clicrbs.com.br/rs/opiniao/ultimas-noticias/tag/percival-puggina/)
Genaro Faria - 28/11/2016 02:10:45
Será que estamos falando de um país que há dois anos realizou a mais cara copa do mundo de futebol de todos os tempos e de uma cidade que neste ano patrocinou uma das mais caras olimpíadas da história? É isso mesmo ou eu estou delirando?