• Percival Puggina
  • 27/12/2016
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LULA, LARANJAS E A QUINTA PONTA DO TAPETE

 

 Lá pelo final dos anos 80, tempo de fugazes trombadinhas e corruptos de pouca monta, os escândalos sob investigação desembocavam, quase sempre, em um sujeito qualquer, desprovido de poder, recursos e notoriedade. "Mas esse sujeito aí, humilde Zé Ninguém, é o pivô do cambalacho?", perguntavam-se os primeiros repórteres ou investigadores a chegar até ele. Claro que não. O sujeito era, apenas o laranja da história. O figurão estava sempre um ou dois passos além.

Já vivemos períodos assim, em que os corruptos, envergonhados, se escondiam atrás de seus laranjas. Com o tempo, inclusive, começaram a aparecer os profissionais, dotados de raras e bem remuneradas habilidades. Ser laranja exigia simultânea combinação de discrição e audácia. E lealdade. E comprometimento. Um bom conjunto, como se vê, de virtudes indispensáveis ao sucesso e à sobrevivência pessoal. Laranja safado, ou que andasse com o umbigo de fora, perdia o emprego. Laranja de amostra não era um bom profissional.

Narrou-me certa feita uma professora que ao formular aos alunos a clássica pergunta - “O que vocês pretendem ser quando forem grandes?” – as respostas “Laranja, professora”, ou, simplesmente, "Corrupto professora", quase empatavam com a resposta “Jogador de futebol, professora”. A gurizada já sabia onde se decidiam os grandes negócios. O laranja exercia uma atividade quase metafísica. Num mundo onde a maior parte parecia não ser, mas era, o laranja parecia ser, mas não era. Ele agia pelo cós das evidências. Quando uma CPI deitava a mão sobre o laranja do caso, e começava a espremê-lo, surgia imediatamente um problema de classificação das espécies que nem o velho Spencer conseguiria resolver. Esse laranja é um laranja de primeira, segunda ou terceira geração? Ele tem o seu próprio laranja ou é laranja de alguém?

Foi assim por bom tempo, até que a vergonha sumiu de vez e os laranjas perderam seus empregos, sendo substituídos por simples e bem-humorados apelidos nos cadernos dos corruptores: Amigo, Todo Feio, Caju, Índio, Angorá, Italiano, Campari, Velhinho e por vai. Anonimato guardado a sete chaves na cabeça de quem só procederia às decodificações após um aprendizado de boa vontade e colaboração na carceragem da PF de Curitiba.

Eis que surge, agora, uma nova série de apelidos, suscitando especulações e exigindo deciframento. Um acordo de colaboração entre as autoridades brasileiras, norte-americanas e suíças descreve as atividades criminosas de nove "Brazilian Officials" identificados em investigação promovida pelo Departamento de Justiça dos EUA nos negócios da Odebrecht e da Braskem. Quando a gente pensava que a Lava Jato já tivesse arrancado todo o tapete que encobria o submundo financeiro da política brasileira, surge uma quinta ponta desvelando seus desdobramentos internacionais. E dele emerge, grafado em inglês como "brazilian official", um certo cavalheiro também conhecido como Amigo e amigo do peito de generosos laranjas dos quais jamais abriu mão.

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* Percival Puggina (71), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.

 


Áureo Ramos de Souza -   31/12/2016 23:48:11

Ai tá certo veio a continuidade, mais faltou os MARQUETEIROS, onde fica João Santana? será que tem outros ou são estes estrangeiros?

oscar -   30/12/2016 11:11:09

faltou citar o inefável boca-mole!

Odilon Rocha -   28/12/2016 01:01:30

Quanto trabalho e dedicação desses homens da PF, Procuradores e, em especial, do Juiz Moro! Firmeza, persistência, controle emocional e paciência fora do comum. Absolutamente, uma investigação sem paralelo na nossa História. Os gângsters não contavam com isso. Mas não só eles, pois há gângsters dos mais diversos matizes. Belo artigo, caro Professor, que demole obscuras intenções de articulistas e espaços midiáticos que precipitadamente tentaram esvaziar e desacreditar a Operação. Cada vez mais os fatos levantados por ela vem nos mostrando as inúmeras camadas de podridão que há muito vinham conduzindo os destinos desse pobre país.

Brenda Fernandes Aprigliano -   27/12/2016 16:31:20

Que no ano de 2017 a carceragem da PF em Curitiba possa albergar todos os "bem-humorados apelidos e os Brazilian Officials", de preferência com uma justiça mais decente que acabe com essa vergonha de um sexto da pena, das saidinhas de indulto de festas e visitas íntimas. Cometem crimes e recebem prêmios da sociedade que sofreu a violência!

Genaro Faria -   27/12/2016 15:15:48

Lembro-me do saudoso Joelmir Beting: "O PT é mesmo um partido diferente. Começou com presos políticos e vai acabar com políticos presos". Os "guerreiros do povo" perderam os codinomes da luta clandestina e agora adotam apelidos da militância meliante. Nenhuma novidade no front mundial. O comunismo sempre foi e será uma apologia ao crime, à libertinagem e à degradação humana.

VITOR SANT'ANNA PARAGUASSÚ -   27/12/2016 13:12:47

GENIAL CRÔNICA POLÍTICA!!!!!