(Publicado originalmente no Estadão)
Despertam curiosidade popular as listas de bilionários. Gente que se deu bem, pelos muitos milhões que amealhou no caminho da vida, quer por talento excepcional no esporte, nas artes, nos negócios, nas ciências (aqui, raramente), ou por pura esperteza e, no limite, por banditismo em nível corporativo, como são exemplos "El Chapo" e seu mestre, Pablo Escobar. Santos ou pecadores, são indivíduos fazedores, com grande poder de realização e liderança. O ponto comum entre todos é a enorme capacidade de criar e acumular ativos. São "realizadores", para o bem ou para o mal.
Pouco se ouve falar, contudo, de outra lista, semelhante à primeira, só que com sinal trocado. Em vez de serem acumuladores de ativos, há também os acumuladores de passivos ?" referência aos indivíduos produtores de guerras, de moléstias ou, simplesmente, detonadores de riqueza, aqueles capazes de agir só para erodir, derrubar, solapar e deletar a riqueza e a capacidade de crescer de uma empresa, comunidade ou país. Alguns desses seres especiais têm custado caro à humanidade inteira. Outros, ao seu próprio país.
Em recente artigo, Monica de Bolle levantou a pergunta incômoda, mas necessária: quanto nos custou Dilma? E deu números ao debate: "? o Brasil perdeu R$ 300 bilhões de renda e de riqueza nos últimos quatro anos?". Economistas podem fazer essa conta de "prejuízo bruto" de várias maneiras, todas válidas. Monica optou por olhar pelo lado da poupança, parcialmente destruída no período Dilma Rousseff. A poupança de famílias e empresas teria recuado ?" como ocorreu de fato ?" do patamar de 20% para 15% de um produto interno bruto (PIB) anual de cerca de R$ 6 trilhões. Perdemos, assim, cinco pontos porcentuais do PIB. Daí a conta de uma dilapidação de riqueza da ordem de 5% de R$ 6 trilhões, igual a R$ 300 bilhões. Será mesmo?
Estou disposto a colocar Dilma no Livro Guinness dos Recordes. Acho que Monica fez cálculo conservador da contribuição da nossa presidente para a destruição da riqueza nacional. Dilma seria a senhora de um trilhão de reais! Negativos, é verdade, mas ninguém pode ameaçar-lhe o troféu.
E por que um trilhão?
Pensem no quanto o Brasil teria crescido, a mais, se Dilma não tivesse feito nada (grande contribuição já seria!). A poupança referida por Monica ficaria nos 20% desde 2011, acarretando correspondentes investimentos, palavra-chave sem a qual não criamos riqueza nova alguma. Com 20% do PIB aplicado em investimentos (quem se lembra do PAC?) o país teria exibido um crescimento mais próximo do seu potencial, com ou sem a tal "crise mundial". O "potencial" do PIB é conceito usado pelos economistas para calcular quanto um país é capaz de fazer, ano a ano. No Brasil, tal potencial já foi de 7% ao ano (que saudade!); caiu para 5% no fim dos anos 1970, depois para 3% nas décadas perdidas de 1980 e 1990; ameaçou pequena melhora para 3,5% com o milagreiro Lula e, finalmente, recuou para 2,5% na era Dilma. Se ela nada houvesse feito para atrapalhar, ainda assim o país do juro alto e da carga tributária de manicômio poderia ter crescido uns 2,5% ao ano.
Dilma conseguiu, no entanto, perpetrar um estrago sobre o qual falarão para sempre nossos livros de História. Estimando as perdas de PIB, ano a ano, desde que Dilma se aboletou na cadeira presidencial, e supondo que a ela seja concedido completar a façanha, teremos esbanjado uns 15% do PIB ao longo do octênio dilmista, que, em valores de hoje, correspondem à estonteante marca de um trilhão de reais!
Mas tem gente querendo impedir Dilma de atingir seu recorde. Quanta maldade!
Outra maneira de garantir o recorde é pelo método da acumulação de passivos. É aquela roubada coletiva que ocorre quando metem a mão grande no nosso bolso enquanto cantamos marchinhas carnavalescas sem ira nem birra. É preciso, às vezes, um rio inteiro de lama ?" no sentido literal ?" para despertar o raquítico instinto de interesse coletivo do nosso povo. Acumulação de prejuízos, entretanto, não figura no Direito brasileiro como responsabilidade direta de um mau gestor público. A imputação se atém a atos administrativos, como apontados no "Relatório Nardes" sobre as pedaladas de R$ 40 bilhões, que Dilma se apressou a "pagar".
Mas pagar o quê, se a perda de riqueza permaneceu, como bem mostrou Monica? A omissão do dever de bem administrar gerou acumulação de passivos também pelo lado financeiro, pelos juros anormais que o Brasil vem pagando, e que pagará, pelo despautério da gestão dilmista ?" outro modo de se chegar ao mesmo trilhão de reais.
É o governo que nos avisou, na semana passada, quanto custou o encargo de rolar a dívida pública de R$ 3,9 trilhões: a bagatela de R$ 502 bilhões, apenas em 2015, entre juros e prejuízos de câmbio, os famigerados swaps inventados para segurar o câmbio antes do pleito de 2014. Este ano, mesmo com o Banco Central mantendo a taxa Selic onde está, a absurda conta do juro deve se repetir. Então, pelo lado do custo financeiro, Dilma também é a senhora de um trilhão de reais.
Os encargos dantescos elevaram a dívida pública de 51% do PIB, em 2011, para 66% ao final do ano passado. Bingo! São 15 pontos porcentuais do PIB acrescidos ao nosso passivo financeiro, portanto, mais um trilhão de reais acumulado à dívida dos brasileiros, pedágio ruinoso que todos pagamos para o mercado continuar "confiando" nas autoridades econômicas.
Um trilhão, essa é a conta. Juros a mais, PIB a menos, empregos eliminados, capital evaporado, confiança desfeita, futuro destroçado. Para tal crime, espantosamente, não parece haver remédio legal em nosso Direito positivo. Por isso a década "esbanjada" será concluída com êxito! Ninguém, afinal, conseguirá roubar essa Olimpíada de Dilma.
JOSÉ AFONSO PINHEIRO
Ontem, enquanto lia na revista Veja a afirmação feita por José Afonso Pinheiro, porteiro-zelador do Edifício Solaris, no Guarujá, sustentando, com absoluta firmeza, que foi orientado a dizer que o ex-presidente Lula não era dono do Tríplex, me veio a lembrança a afirmação feita, em 2006, pelo caseiro Francenildo Santos Costa.
Para quem não lembra, Francenildo divulgou ter visto Antonio Palocci, então ministro da Fazenda do governo Lula, frequentando a mansão para reuniões de lobistas acusados de interferir em negócios de seu interesse para partilhar dinheiro e abrigar festas animadas por garotas de programa.
FRANCENILDO SANTOS COSTA
O escândalo da quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo se deu na crise do Mensalão, quando Lula era presidente. No dia 27 de março de 2006, Antonio Palocci foi demitido (por Lula) do cargo de Ministro da Fazenda.
SILENCIADO
Lembro, também, que o depoimento de Francenildo Santos Costa, na CPI do Mensalão, foi silenciado por uma liminar expedida pelo STF. E quem fez o pedido, não por acaso, foi o então senador Tião Viana, obviamente do PT. Que tal?
NOVO SILÊNCIO DEVE SER REQUERIDO
Faço estes registros históricos, para que os leitores não se surpreendam caso os petistas resolvam partir para a desqualificação da afirmação feita pelo porteiro-zelador, José Afonso Pinheiro, que sabe, perfeitamente, quem visitou e quem trabalhou no Tríplex do Solaris.
Assim como o PT conseguiu junto ao STF silenciar Francenildo, não pode ser descartado que o mesmo venha a acontecer com José Afonso. Ainda mais hoje, onde o STF, na sua maioria, é sabidamente petista.
SÍTIO EM ATIBAIA
Caso o STF entenda que Lula não é MENTIROSO e, portanto nada tenha a ver com o Tríplex do Guarujá, o que seria lamentável, ainda assim vai precisar se pronunciar sobre o envolvimento do ex-presidente com o Sítio de Atibaia. Segundo documento revelado pela revista Época, Lula (e sua família) foi ao sítio 111 vezes e lá passou 283 noites. Mais: não raro o ex-presidente afirmou que era de sua propriedade.
NOJO DE MAR E SERRA
Diante da insistente negação, quanto à propriedade do Tríplex de Guarujá e do Sitio de Atibaia, Lula, por enquanto, só não disse que tem NOJO DE PRAIA E NÃO SUPORTA O AR DA SERRA. Entretanto, se não emplacarem os argumentos mentirosos que já utilizou, não descarto que o STF venha a apreciar esta eventual sugestão.
(Publicado originalmente em https://politicareformada.wordpress.com/)
Até o século 19, o socialismo era a utopia de pequenos grupos de “sonhadores” dentro das igrejas cristãs, muito minoritários, marginais e um tanto excêntricos na corrente principal do cristianismo, que até então sempre havia defendido o modelo bíblico e realista de governo limitado. Ser “socialista” era como ser um cristão meio pirado, ainda que simpático e de “bom coração”.
Porém, no século 19, a utopia socialista foi ganhando a adesão de líderes e da massa, dentro e fora do cristianismo. Começou a ser publicado na Inglaterra o periódico Christian Socialist (“Socialista cristão”), impulsionado por líderes anglicanos encantados com a pregação anterior do ex-sacerdote católico francês Robert Lamennais (1772-1854), precursor do “catolicismo social”, do também francês Charles Fourier (1772-1837), e do inglês Robert Owen (1771-1858), promotores de cooperativas (falanstérios) como alternativa ao capitalismo e à “luta de classes”. Apoiado pelo evolucionismo darwinista, que foi aceito por muitos cristãos, o socialismo se tornou respeitável, até mesmo “culto” em certos ambientes.
Marx e Engels fundaram a “Liga dos Comunistas”, em 1847, e publicaram seu “Manifesto Comunista” em 1848, expressão “científica” da esquerda “revolucionária”, com farta crítica ao “socialismo utópico”, e um programa “transicional” de dez pontos. Não recebeu eco em sua publicação, como teve a “Sociedade Fabiana” fundada em 1884. Esse nome foi tomado do general Quinto Fabio, militar romano que venceu Cartago com uma estratégia indireta. Os “fabianos” criam em mudanças e reformas graduais que levariam pouco a pouco ao socialismo. Em 1889 publicaram-se os “Ensaios Fabianos”, incluindo seu Programa, uma lista de medidas não muito diferente dos dez pontos marxistas de 1848.
Século 20
Até aqui o socialismo do século 19, que foi chamado de “século do capitalismo”. As coisas mudaram muito drasticamente no seguinte, que poderia chamar-se de “século do socialismo”. As revoluções na Rússia (1905 e 1917), no México (1910-1911), na China (1912 e 1949), e em quase toda a Europa (1917-1918) causaram forte impacto na opinião pública, e foram inclinando a balança ideológica em favor do socialismo e contra o capitalismo na imprensa, no rádio e no cinema, na política e nos partidos, nos parlamentos e em suas leis. Ao longo do século 20, as medidas coletivistas foram todas aplicadas, umas primeiro e outras depois, de um modo mais radical e com extrema violência em certos países, e em outros de maneira menos brutal e mais negociada.
Porém, se você fizer uma leitura detida das medidas do Manifesto Comunista e/ou dos Ensaios Fabianos, verá que em seu país, qualquer que seja, elas foram e são consideradas como “políticas públicas” normais e correntes. E desde há muitas décadas. Por isso todos os países do mundo são “socialistas” hoje em dia, com poucas exceções, muito relativas, e que nem chegam a ser completamente capitalistas.
E por isso todos os países têm muitas calamidades, que são mais graves quanto mais tenham “avançado” na fatídica rota em direção ao socialismo. E menos graves quanto menos tenham “progredido” nesse mau caminho, ou se conseguiram fazer reformas no caminho de retorno ao capitalismo, que tampouco puderam ser levadas a fundo ou muito longe, porque a grande massa da opinião ainda é socialista, conquanto muitos não o saibam.
Século 21
Cem anos e cem milhões de mortos depois (vide “O livro negro do comunismo, de 1997, editado por Stéphane Courtois), e após o fim do Muro de Berlim e do modelo soviético, o vírus ideológico fez outra “mutação” drástica: passamos ao “Socialismo do século 21”. Há sete mudanças notáveis e muitas delas nos lembram do socialismo do século 19; por isso em tais aspectos a mudança se apresenta como um enorme retrocesso civilizacional:
Começou a perceber, ou ainda não?
* Advogado e cientista político.
Tradução: Márcio Santana Sobrinho
Não há nada tão ruim que não possa ser pior. E a maior prova histórica desse fato nós encontraremos nos países que aplicaram na política as ideias de Marx. Quanto maior a aplicação, maior o sofrimento e a desgraça. Eles foram especialistas em demolir purgatórios para construir infernos. Quando não transformaram verdadeiros paraísos em geenas incandescentes.
Tudo começa com a crítica. Desde o Éden que tudo começa com a crítica, sutil ou aberta. Depois vem a promessa de algo melhor. Depois a propaganda em cima de umas poucas melhorias que fizeram. Não importa se foi só um enxerto, uma plástica que melhorou o rosto retirando da perna um naco de carne considerável. Ninguém tão cedo vai reparar na perna, mas o rosto servirá de argumento. Até que a perna infeccione e tenha que ser amputada. E até que o próprio rosto tenha de pagar seu preço. Aí já é tarde demais. O poder está nas mãos deles. Então, não apenas com o suor do seu rosto você comerá do seu pão. Eles comerão o pão deles com muito, mas muito suor do seu rosto e a você deixarão as migalhas. A não ser que já tenha se tornado um deles.
O czarismo na Rússia não era o céu, mas com certeza o comunismo fez da Rússia o inferno. A China não era um hotel cinco estrelas quando Mao assumiu o poder. E ele a transformou em uma grande masmorra. A próspera Coreia do Norte virou campo de concentração. Cuba é a senzala dos irmãos Castros, reinando em sua Casa Grande. Não há espaço e nem tempo, mas basta conhecer um pouco da história do Vietnam, do Camboja, da Albânia e do Leste Europeu para começar a desfrutar de uma saudável “marxismofobia”. Esta doença pode salvar a humanidade!
Sua primeira crítica é contra as elites. Na verdade o problema dos marxistas não é a existência de uma elite. O que os incomoda é que os membros dessa elite não são eles. O que os incomoda não é a pobreza em si. É a pobreza deles mesmos. Como podem eles, os conhecedores das leis da história não desfrutarem do poder absoluto? Eles já decifraram o enigma da existência, sabem onde está o paraíso futuro. Basta lhes dar poder e eles guiarão o mundo na direção certa.
Uma coisa se aprende na vida: muitas vezes, como Absalão, filho do rei Davi, o crítico apenas almeja o lugar do criticado. Não é o bem da sociedade o alvo final do marxista. É o seu próprio bem. A esquerda caviar [1]que o diga.
Eles querem ser a elite e a criticarão até tomar seu lugar. Claro que há sempre fatos ruins sobre o governo, a liderança, a elite. Sempre há. Lembre-se apenas que não há governo tão ruim que não possa ser pior. Já tivemos na história muitas Revoluções dos Bichos [2] para provar isso! Se não quer parábolas, conheça oRegime do Terror, fruto inevitável da Revolução Francesa.
Eis uma descrição exata da técnica de domínio comunista. Assim foi e assim tem sido:
“A técnica comunista de se insinuar numa sociedade consiste em isolar um segmento das classes média e baixa, geralmente a classe média baixa e a classe baixa alta. Nesse segmento é comum haver um pequeno grupo de intelectuais frustrados de classe média, os quais podem ter sido impedidos em suas tentativas de ascensão social ou representar a minoria incapaz. Esses intelectuais se unem aos elementos da classe baixa, estes bastante sofridos nos aspectos econômicos, social e político, e assumem a liderança da revolução. A ex-classe alta tem de ser então liquidada, ou por meio do confisco, a fim de destruir seu poder econômico, ou pela destruição física, ou pela lavagem cerebral.
Tendo assumido a liderança, a nova classe alta, composta pelos membros do partido por determinados técnicos, estabelece então uma pesada barreira entre ela e a classe média. A liderança não é recrutada na classe média (...); as decisões e controle da comunicação continuam sendo exercidos por uma elite (...).
Por exemplo, na Alemanha Oriental, durante os últimos anos, os alunos mais brilhantes, filhos de profissionais da classe média, eram discriminados na obtenção de oportunidades para progredir nos estudos, enquanto os filhos menos inteligentes dos operários recebiam tratamento preferencial. As pessoas selecionadas de acordo com esse sistema e que, por serem membros do partido pularam da condição de classe baixa para a mais elevada possível, naturalmente devem tudo o que possuem ao partido, não a realizações ou antecedentes pessoais. Por isso, são muito mais obedientes ao partido do que seria de esperar, pois a expulsão do partido significa não um movimento mais ou menos horizontal, como em nossa sociedade, mas uma dura perda de privilégios e posição social.”[3]
Temos que relembrar Alan Besançon. Nunca é o proletariado (a classe baixa) que exerce o poder. A ditadura do proletariado sempre foi uma ditadura no sentido mais cruel da palavra, mas nunca foi do proletariado. O poder é exercido pela seita ideológica que fala em nome do proletariado sem lhes dar chances de ser ouvido: a elite do mal.
Não devemos estranhar que na Bíblia a história humana comece com a serpente criticando as determinações divinas, prometendo algo melhor em seguida, e no fim temos o desastre apocalíptico, com um governo totalitário exigindo para si obediência absoluta sob pena de morte.
Nem toda crítica é construtiva. Principalmente quando sua intenção não é corrigir o erro e sim se apossar do poder para tentar criar um mundo à imagem e semelhança de uma ideologia demente, que tantas desgraças já fez.
Notas:
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[1] Expressão de origem francesa que descreve a hipocrisia socialista que prega a igualdade e distribuição de riquezas, mas vive no luxo e na ostentação.
[2] Referência ao clássico Revolução dos Bichos, de George Orwell, onde os animais expulsam os donos da fazenda sob a liderança dos porcos, para em seguida ver os porcos estabelecerem um governo muito mais tirânico.
[3] NIDA Eugene A. Comunicação e estrutura social. Artigo publicado na obra Perspectivas, editora Vida Nova, 2011, p. 456.
(Publicado originalmente no DC de 24/10/2010)
O aborto só é uma questão moral porque ninguém conseguiu jamais provar, com certeza absoluta, que um feto é mera extensão do corpo da mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência mesma da discussão interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar. Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na escolha entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de chances de ser uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou de ser, em vez disso, um homicídio premeditado. Nessas condições, a única opção moralmente justificada é, com toda a evidência, abster-se de praticá-lo. À luz da razão, nenhum ser humano pode arrogar-se o direito de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe dizer, com segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência que evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o ônus da prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa. Jamais tendo havido um abortista capaz de provar com razões cabais a inumanidade dos fetos, seus adversários têm todo o direito, e até o dever indeclinável, de exigir que ele se abstenha de praticar uma ação cuja inocência é matéria de incerteza até para ele próprio.
Se esse argumento é evidente por si mesmo, é também manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes hoje em dia não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção pelo aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade criminosa – de apreender a noção de "espécie". Espécie é um conjunto de traços comuns, inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um indivíduo, de uma vez para sempre, numa natureza que ele compartilha com outros tantos indivíduos. Pertencem à mesma espécie, eternamente, até mesmo os seus membros ainda não nascidos, inclusive os não gerados, que quando gerados e nascidos vierem a portar os mesmos traços comuns. Não é difícil compreender que os gatos do século XXIII, quando nascerem, serão gatos e não tomates.
A opção pelo abortismo exige, como condição prévia, a incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o abortista, a condição de "ser humano" não é uma qualidade inata definidora dos membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante, aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem decide se o feto em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso social, não a natureza das coisas.
O grau de confusão mental necessário para acreditar nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os abortistas alegam de maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus argumentos. Em geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios), porque pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de aplicação catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção social, nada impede que uma convenção posterior a revogue, negando a humanidade de retardados mentais, de aleijados, de homossexuais, de negros, de judeus, de ciganos ou de quem quer que, segundo os caprichos do momento, pareça inconveniente.
Com toda a clareza que se poderia exigir, a opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.
Não espanta que pessoas capazes de tamanho barbarismo mental sejam também imunes a outras imposições da consciência moral comum, como por exemplo o dever que um político tem de prestar contas dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da Silva e sua querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um partido que ama e venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a essa idéia, saem ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a proposta abortista.
Seria tolice esperar coerência moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não por uma generosa – e altamente revogável – concessão da sua parte.
Também não é de espantar que, na ânsia de impor sua vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de mulheres supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram milhões, baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora parece que fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que não passam de oito ou nove. É claro: se você não apreende ou não respeita nem mesmo a distinção entre espécies, como não seria também indiferente à exatidão das quantidades? Uma deformidade mental traz a outra embutida.
Aristóteles aconselhava evitar o debate com adversários incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras elementares da busca da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria de reconhecer que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no fundo, eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um crachá de sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade intrínseca, vivem de parecer que não o são.
Na história da democracia pós Grécia clássica, teve seu momento mais definidor na França do Iluminismo, do culto à racionalidade no pensamento de Voltaire, Diderot, Condorcet, os filósofos responsáveis pela queda da ditadura monárquica de Luiz XVI e a implantação da República. Foi Voltaire que imortalizou num dístico a essência da democracia. Sua expressão serviu de epígrafe do saudoso Jornal de Debates (1946) com a queda da ditadura Vargas. Um momento épico da imprensa brasileira. Dito tão conhecido que dispenso reescrevê-lo.
O conceito voltairiano me vem à memória toda vez que acontecimentos promovidos por agitadores truculentos, agridem a liberdade de expressão de pessoas que pensam diferente dos admiradores das ditaduras cubana, venezuelana ou norte coreana. Como conciliar o conceito democracia aos episódios sofridos pela jornalista cubana Yoni Sanchez em visita ao Brasil, aterrorizada por um grupelho de marmanjos atléticos e covardes contra a moça frágil no físico e forte na palavra? E os jovens mascarados nas ruas de São Paulo depredando patrimônio público e privado, armados com rojões e estilingues ferinos contra a polícia? Exigem transporte gratuito! Privilégio que lhes parece justo! Com que direito? Em que princípio democrático se apóia esta turba demolidora pra se arvorar em juiz absoluto e supremo da coletividade ou do indivíduo, para impor aos cidadãos o que devem pensar, falar e ouvir? Que direito lhes assegurava impedir uma platéia pacífica de ouvir o deputado Jair Bolsonaro ?
Seus apologistas na imprensa, explícitos e camuflados ainda não justificaram o vandalismo e terrorismo ideológico dessas hordas eufóricas em exibir-se com ”beijaços” para demonstrar sua importância diante da crise econômica e moral que sacrifica milhões de brasileiros pelo desemprego, a calamidade da saúde, a catástrofe do ensino público, a dívida governamental de 500 bilhões, a insolvência da Petrobras, cujo valor atual não paga sua dívida internacional. No vórtice da crise em 1770, Luiz XVI convocou a Assembléia dos Notáveis para salvar a monarquia; no Brasil de 2016, a presidente Dilma convocou o Conselhão para salvar o mandato.