• Juan Koffler
  • 27 Abril 2016


Usando como marco temporal o período 1960-2016, o declínio educativo familiar é deprimente.

Não se pode pensar a educação sem considerar-se a formação do indivíduo a partir do seio familiar. Os princípios e valores éticos, morais e comportamentais assumem concretude durante o convívio familiar, mediante uma relação de troca de experiências, transmitidas de pais para filhos ao longo da primeira década de vida.

Nos idos das décadas de 60 e 70 do século passado, o comportamento dos filhos era alimentado por uma rigorosa rotina diuturna dos progenitores na formação do novo indivíduo. Os castigos (a começar pelos físicos, da palmada ao puxar de orelha e à restrição do livre arbítrio) eram compartilhados por pai e mãe, não raro com intervenções rígidas de avôs e avós, irmãos adultos, e, em época já escolar, professores em sentido lato. O indivíduo em formação aprendia que não eram atitudes corretas e civilizadas: brigar, proferir palavrões, desobedecer os mais velhos, chorar por qualquer motivo, cuspir em outrem como ato ofensivo, et cetera.

O castigo mais doloroso, sem dúvida, era a reclusão dentro dos limites da residência. Era uma verdadeira "tortura" não poder brincar com os amiguinhos, jogar bola, ir ao cinema, se inter-relacionar socialmente, em suma. Tais limites comportamentais serviam como rigorosas balizas que, no decorrer desses primeiros anos, iam moldando o caráter e a personalidade de novo indivíduo.

Durante o decurso de pouco mais de meio século, todos esses princípios e valores comportamentais foram sendo fluidificados (o que levou o festejado sociólogo polaco contemporâneo, Zygmunt Bauman, a classificar a sociedade pós-moderna como "líquida" ou "liquefeita", acertadamente, diga-se de passo). Com a crescente desagregação do lar em decorrência das relações cada vez mais efêmeras, da necessidade do trabalho feminino, da desestruturação do núcleo familiar, dentre outros fatores, as sociedades foram assumindo um ritmo frenético que muito pouco tempo deixa para a educação parental.

A própria normatização legal passou a ser mais rígida em relação aos castigos físicos das crianças, abrindo espaço para denúncias contra "maus tratos" - embora muitos destes fossem meros tapas, puxadas de orelha, reclusão penitente, etc. Imagine o leitor/a leitora a seguinte equação que rege a educação hodierna: pais/mães super-atarefados, trabalhando fora, exaustos e/ou mal-humorados nos fins de semana; códigos legais que retiram do casal a autoridade que antes possuíam; liberdade pouco ou nada controlada das crianças em suas inter-relações sociais; apenas estes fatores já seriam suficientes para fundamentar o gravíssimo problema educacional nos dias correntes.

Mas a questão não para por aí. Os expressivos avanços das tecnologias da informação e da comunicação (TIC), tendo à frente a dupla "explosiva" do computador e do celular - hoje inocentes "brinquedos" ao alcance de crianças impúberes -, conformam uma ameaçadora equação vivencial, que já acendeu, há bastante tempo, uma luz vermelha de alerta. O descontrole é quase total, a desagregação (como já dito) é crescente condenando filhos e filhas a conviver com a separação dos pais, litigiosa ou consensual.

A televisão desandou em desabalada corrida rumo a uma deletéria e inadequada programação, que mais destrói do que constrói. O novo ser, em suma, sente-se abandonado em seus apoios parentais, ficando a mercê dos perigos que lhe trazem amigos, professores mal-intencionados, relações instáveis e efêmeras, e por aí vai. Em suma, não há educação, mas sim adequação aos moldes que a dinâmica social hoje demanda, e que não é nada alvissareira. Os números da marginalidade e dos usuários de drogas estão aí para comprovar o afirmado.

Soluções? Há e não são poucas. Mas, para implementá-las, haveria que desconstruir a sociedade atual e reconstruí-la à moda antiga, o que, sem dúvida, é uma grosseira falácia. Assim, é esperar e torcer para ver aonde se chegará... Se é que há um patamar definido como destino desta verdadeira Torre de Babel.
 

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  • Gilberto Simões Pires
  • 27 Abril 2016

(Publicado originalmente em www.pontocritico.com - 25/04/2016)


PENSAR+
O Pensar+, grupo fundado em 2009, o qual já aludi em editoriais anteriores, tem como propósito informar e/ou esclarecer a opinião pública sobre o -CUSTO- das decisões constantemente tomadas pelos nossos governantes e que tipo de BENEFÍCIOS as mesmas produzem para a sociedade.

ESPÍRITO VOLUNTÁRIO
Munidos com espírito totalmente -voluntário- os PENSADORES que integram o PENSAR+, entre os quais me incluo, se comprometem com a produção de conteúdos que visem esclarecer, a todo momento, até que ponto as medidas governamentais tomadas atacam as CAUSAS dos problemas públicos ou, como acontece na maioria das vezes, apenas se voltam para as CONSEQUÊNCIAS.

SEM RANÇO IDEOLÓGICO
Esta pronta vontade/necessidade de informar e esclarecer, tecnicamente, ou seja, desprovida de ranço ideológico, nasceu através da clara constatação do erro que a maioria do povo brasileiro comete ao atacar -CONSEQUÊNCIAS-, deixando intactas as CAUSAS dos problemas.

ESTUDOS CONFIRMAM TUDO
Portanto, desde 2009 venho publicando estudos produzidos pelo Pensar+ mostrando o quanto as decisões governamentais tem colaborado para o caos econômico-financeiro dos Estados.
Pois, recentemente, para confirmar o quanto os nossos conteúdos estavam corretos, o Ministério da Fazenda divulgou que os gastos com a folha dos 26 Estados e do Distrito Federal registraram alta média de 96,6% entre 2009 e 2015. Detalhe: neste mesmo período (sete anos), a folha de salários da União teve uma alta de 56%.

IRRESPONSABILIDADE FISCAL
Atenção: enquanto a INFLAÇÃO no período (2009/2015) foi de 40%, a folha dos servidores do RJ cresceu 146,62%, ficando em primeiro lugar no quesito IRRESPONSABILIDADE FISCAL. A seguir vem: SC (139,56%), Roraima (127,4%), Tocantins (+126,7%), Piauí (+121,9%), MG ( 112,73%), RS (102,78%) e SP (72,83%). Que tal?

SOLUÇÃO PELA ESTUPIDEZ
Perceberam a clara relação CAUSA/ EFEITO dessas barbaridades cometidas pelos governos Federal e Estaduais? Pois é. Na hora de conceder BENEFÍCIOS os privilegiados fizeram uma grande festa. Depois, como sempre acontece, o CUSTO das intensas e contínuas IRREPONSABILIDADES FISCAIS fica, como sempre, para os PAGADORES DE IMPOSTOS.

ESTADOS QUEBRADOS
Esta é a triste realidade. Enquanto o setor privado precisou dispensar mais de 10 milhões de trabalhadores nos últimos doze meses, o setor público, que nada produz mas se apropria do produto, não dispensou uma viva alma.
Mais: como os aposentados do setor público são beneficiados pela integralidade dos salários, mesmo sem levantar uma palha fizeram jus aos estúpidos aumentos dos salários concedidos pelos governantes irresponsáveis. Resultado: ESTADOS LITERALMENTE QUEBRADOS.

 

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  • Fernanda Barth
  • 26 Abril 2016

(Publicado originalmente em fernandabarth.com.br)
A obra A Democracia na América do francês Alexis de Tocqueville estabelece os principais fundamentos do sistema democrático, aponta as características do povo americano que ajudaram a consolidar o modelo e traça os caminhos possíveis da evolução de uma democracia, com seus prós e contras.

A Democracia na América é uma obra visionária, que antecipa cenários ao alertar sobre a “tirania da maioria” e o “despotismo democrático”, ambos consequências do fim do “homem político”. Cunha o termo socialdemocracia, expõe o lado escravizante do Estado de Bem-Estar Social e antevê a chegada da moderna sociedade de massas, com a formação da opinião pública, a indústria cultural, a espiral do silêncio e o agenda-setting, estando indiretamente presente em todo o debate moderno sobre comunicação de massa e sobre marketing político.

Tocqueville vê na América uma democracia pura, baseada na liberdade e no livre associativismo, sem herança aristocrática, sem legado absolutista e sem revoluções, ao contrário da França pós Terror, onde, para ele, “a virtude pública tornou-se incerta e a moralidade privada, vacilante.” Para ele, as bases para a construção da democracia são a liberdade e a igualdade e o ponto central para sua manutenção são as raízes, os costumes e hábitos de um povo: “os povos guardam sempre as marcas da sua origem. As circunstâncias que acompanham o seu nascimento e serviram ao seu desenvolvimento influem sobre todo o resto da sua existência”.

Neste sentido, percebeu que as características encontradas no povo americano, como o senso de soberania (empoderamento), o amor à pátria (patriotismo), o associativismo, o civismo, o empreendedorismo, o respeito às leis, aos costumes e à religião, o senso de igualdade e o espírito de liberdade, favoreceram a instalação de um regime democrático. No Novo Mundo chegaram homens livres, em busca de uma vida melhor, contando apenas com seu próprio esforço para construir um futuro. Homens que tinham no apreço aos costumes, às leis e à religião (puritanismo) a sua base homogeneizadora, tornando-os iguais em princípios morais e valores. Esta igualdade foi condição indispensável para que a democracia fosse consolidada na nova nação.

O autor descreveu o sentimento de empoderamento existente, onde os americanos participavam na formulação das leis, na escolha dos legisladores, na pressão pelas demandas, como uma verdadeira democracia participativa: “O povo reina sobre o mundo político americano como Deus sobre o universo. É ele a causa e o fim de todas as coisas; tudo sai de seu seio, e tudo se absorve nele”. Para ele, cada americano se sentia parte do Estado e desenvolvia meios alternativos de discussão e participação populares que impediam a constituição de um governo centralizador e autoritário. Na América todo poder emanava do povo, sob o qual as leis e os governantes se subordinavam.

We, the people

A democracia nos Estados precedeu a formação do Estado, existindo já desde as 13 colônias. O Acordo de May-Flower (1620) foi seu documento fundador, um verdadeiro pacto social entre os colonos ingleses, ao estilo de Rousseau. Uma vez criado, o Estado americano passa a ser uma federação que realmente funciona, com cada estado componente sendo como uma pequena nação soberana e onde todos os homens dedicam-se a busca do bem comum, pela sua própria sobrevivência. Para ele um Estado verdadeiramente democrático só é possível com esta participação direta do conjunto dos cidadãos nas decisões do governo e na constante criação de espaços e canais para que isto aconteça.

Tocqueville também percebeu a crença dos pioneiros no poder do indivíduo como alguém capaz de prosperar através do trabalho, de empreender e de conquistar seu bem-estar e segurança (fundamentos do american dream). “Desde seu nascimento, aprende o habitante dos Estados Unidos que precisa apoiar-se sobre si mesmo para lutar contra os males e os embaraços da vida”. Via a autoridade governante com desconfiança e recorria da sua ajuda apenas quando era incapaz de prescindir dela. Percebemos que espírito de livre iniciativa também é a mola propulsora do associativismo, do empreendedorismo e da cooperação social em torno de causas comuns.

A obra também destaca o gosto pelo associativismo dos americanos. A busca de benefícios para a comunidade, de melhorias na infraestrura, de proteção contra inimigos, da organização da produção e do comércio eram parte da vida diária dos emigrantes. O surpreendia o fato de que em uma nação recém constituída, onde ainda não havia passado ou história comuns, o interesse coletivo (espírito público) e o senso cívico fossem tão fortes e se questionava: “como se explica que todos se mostrem interessados pelos negócios de sua comuna, de seu cantão, e do Estado inteiro como se fossem deles próprios?”. (CONTINUA…)

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  • Luiz Felipe Ponde
  • 26 Abril 2016


(Publicado originalmente na Folha de São Paulo, 18/04/2016)

A "batalha do impeachment" é a ponta do iceberg de um problema maior, problema este que transcende em muito o cenário mais imediato da crise política brasileira e que independe do destino do impeachment e de sua personagem tragicômica Dilma.

Mesmo após o teatro do impeachment, a história do Brasil narrada pelo PT continuará a ser escrita e ensinada em sala de aula. Seus filhos e netos continuarão a ser educados por professores que ensinarão esta história. Esta história foi criada pelo PT e pelos grupos que orbitaram ao redor do processo que criou o PT ao longo e após a ditadura. Este processo continuará a existir.

A "inteligência" brasileira é escrava da esquerda e nada disso vai mudar em breve. Quem ousar nesse mundo da "inteligência" romper com a esquerda, perde "networking".

Ao afirmar que a "história não perdoa as violências contra a democracia", José Eduardo Cardozo tem razão num sentido muito preciso.

O sentido verdadeiro da fala dos petistas sobre a história não perdoar os golpes contra a democracia é que quem escreve os livros de história no Brasil, e quem ensina História em sala de aula, e quem discorre sobre política e sociedade em sala de aula, contará a história que o PT está escrevendo.

Se você não acredita no que digo é porque você é mal informado.

O PT e associados são os únicos agentes na construção de uma cultura sobre o Brasil. Só a esquerda tem uma "teoria do Brasil" e uma historiografia.

Esta construção passa por uma sólida rede de pesquisadores (as vezes, mesmo financiada por grandes bancos nacionais), professores universitários, professores e coordenadores de escolas, psicanalistas, funcionários públicos qualificados, agentes culturais, artistas, jornalistas, cineastas, produtores de audiovisual, diretores e atores de teatro, sindicatos, padres, afora, claro, os jovens que no futuro exercerão essas profissões. O domínio cultural absoluto da esquerda no Brasil deverá durar, no mínimo, mais 50 anos.

Erra quem pensa que o PT desaparecerá.

O do Lula, provavelmente, sim, mas o PT como "agenda socialista do Brasil" só cresce. O materialismo dialético marxista, mesmo que aguado e vagabundo, com pitadas de Adorno, Foucault e Bourdieu, continuará formando aqueles que produzem educação, arte e cultura no país.

Basta ver a adesão da camada "letrada" do país ao combate ao impeachment ao longo dos últimos meses.

Ao lado dessa articulada rede de agentes produtores de pensamento e ação política organizada, que caracteriza a esquerda brasileira, inexiste praticamente opção "liberal" (não vou entrar muito no mérito do conceito aqui, nem usar termos malditos como "direita" que deixam a esquerda com água na boca).

Nos últimos meses apareceram movimentos como o Vem Pra Rua e o MBL que parecem mais próximos de uma opção liberal, a favor de um Brasil menos estatal e vitimista.

Ser liberal significa crer mais no mercado (sem ter que achá-lo um "deus") e menos em agentes públicos.

Significa investir mais na autonomia econômica do sujeito e menos na dependência dele para com paternalismos estatais.

Iniciativas como fóruns da liberdade, todas muitos importantes para quem acha o socialismo um atraso, são essencialmente incipientes.

E a elite econômica brasileira é mesquinha quando se trata de financiar o trabalho das ideias. Pensa como "merceeiro", como diria Marx. Quer que a esquerda acabe por um passe de mágica.

O pensamento liberal no Brasil não tem raiz na camada intelectual, artística ou acadêmica. E sem essa raiz, ele será uma coisa de domingo a tarde.

A única saída é se as forças econômicas produtivas que acreditam na opção liberal financiarem jovens dispostos a produzir uma teoria e uma historiografia do Brasil que rompa com a matriz marxista, absolutamente hegemônica entre nós. Institutos liberais devem pagar jovens para que eles dediquem suas vidas a pensar o país. Sem isso, nada feito.

Sem essa ação, não importa quantas Dilmas destruírem o Brasil, pois elas serão produzidas em série.

A nova Dilma está sentada ao lado da sua filha na escolinha

Clique no link abaixo para ler o texto completo:

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/luizfelipeponde/2016/04/1761876-a-historia-do-brasil-do-pt.shtml
 

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  • Olavo de Carvalho
  • 25 Abril 2016


(Publicado originalmente no Diário do Comércio, em 8 de junho de 2012)

No artigo anterior, mencionei alguns termos da “língua de pau” que domina hoje o debate público no Brasil, inclusive e sobretudo entre intelectuais que teriam como obrigação primeira analisar a linguagem usual, libertando-a do poder hipnótico dos chavões e restaurando o trânsito normal entre língua, percepção e realidade.

Mas estou longe de pensar que os chavões são inúteis. Para o demagogo e charlatão, eles servem para despertar na platéia, por força do mero automatismo semântico decorrente do uso repetitivo, as emoções e reações desejadas. Para o estudioso, são a pedra-de-toque para distinguir entre o discurso da demagogia e o discurso do conhecimento. Sem essa distinção, qualquer análise científica da sociedade e da política seria impossível.

A linguagem dos chavões caracteriza-se por três traços inconfundíveis:
1) Aposta no efeito emocional imediato das palavras, contornando o exame dos objetos e experiências correspondentes.

2) Procura dar a impressão de que as palavras são um traslado direto da realidade, escamoteando a história de como seus significados presentes se formaram pelo uso repetido, expressão de preferências e escolhas humanas. Confundindo propositadamente palavras e coisas, o agente político dissimula sua própria ação e induz a platéia a crer que decide livremente com base numa visão direta da realidade.

3) Confere a autoridade de verdades absolutas a afirmações que, na melhor das hipóteses, têm uma validade relativa.

Um exemplo é o uso que os nazistas faziam do termo “raça”. É um conceito complexo e ambíguo, onde se misturam elementos de anatomia, de antropologia física, de genética, de etnologia, de geografia humana, de política e até de religião. A eficácia do termo na propaganda dependia precisamente de que esses elementos permanecessem mesclados e indistintos, formando uma síntese confusa capaz de evocar um sentimento de identidade grupal. Eis por que a Gestapo mandou apreender o livro de Eric Voegelin, História da Idéia de Raça (1933), um estudo científico sem qualquer apelo político: para funcionar como símbolo motivador da união nacional, o termo tinha de aparecer como a tradução imediata de uma realidade visível, não como aquilo que realmente era – o produto histórico de uma longa acumulação de pressupostos altamente questionáveis.

Do mesmo modo, o termo “fascismo”, que cientificamente compreendido se aplica com bastante propriedade a muitos governos esquerdistas do Terceiro Mundo (v. A. James Gregor,The Ideology of Fascism, 1969, e Interpretations of Fascism, 1997), é usado pela esquerda como rótulo infamante para denegrir idéias tão estranhas ao fascismo como a liberdade de mercado, o anti-abortismo ou o ódio popular ao Mensalão. Certa vez, num debate, ouvi um ilustre professor da USP exclamar “Liberalismo é fascismo!” Gentilmente pedi que a criatura citasse um exemplo – unzinho só – de governo fascista que não praticasse um rígido controle estatal da economia. Não veio nenhum, é claro. A palavra “fascismo”, na boca do distinto, não era o signo de uma idéia ou coisa: era uma palavra-gatilho, fabricada para despertar reações automáticas.

Deveria ser evidente à primeira vista que os termos usados no debate político e cultural raramente denotam coisas, objetos do mundo exterior, mas sim um amálgama de conjeturas, expectativas e preferências humanas; que, portanto, nenhum deles tem qualquer significado além do feixe de contradições e dificuldades que encerra, através das quais, e só através das quais, chegam a designar algo do mundo real. Você pode saber o que é um gato simplesmente olhando para um gato, mas “democracia”, “liberdade”, “direitos humanos”, “igualdade”, “reacionário”, “preconceito”, “discriminação”, “extremismo” etc. são entidades que só existem na confrontação dialética de idéias, valores e atitudes. Quem quer que use essas palavras dando a impressão de que refletem realidades imediatas, improblemáticas, reconhecíveis à primeira vista, é um demagogo e charlatão. Aquele que assim escreve ou fala não quer despertar em você a consciência de como as coisas se passam, mas apenas uma reação emocional favorável à pessoa dele, ao partido dele, aos interesses dele. É um traficante de entorpecentes posando de intelectual e professor.

A freqüência com que as palavras-gatilho são usadas no debate nacional como símbolos de premissas autoprobantes, valores inquestionáveis e critérios infalíveis do certo e do errado já mostra que o mero conceito da atividade intelectual responsável desapareceu do horizonte mental das nossas “classes falantes”, sendo substituído por sua caricatura publicitária e demagógica.

Como chegamos a esse estado de coisas? Investigá-lo é trabalhoso, mas não substancialmente complicado. É só rastrear o processo da “ocupação de espaços” na mídia, no ensino e nas instituições de cultura, que foi, pelo uso obsessivamente repetitivo de chavões, uniformizando a linguagem dos debates públicos e imantando de valores positivos ou negativos, atraentes ou repulsivos, um certo repertório de palavras que então passaram a ser utilizadas como gatilhos de reações automatizadas, uniformes, completamente predizíveis.

Se você é treinado para ter sempre as mesmas reações diante das mesmas palavras, acaba enxergando somente o que é capaz de dizer, e dificilmente consegue pensar diferente do que os donos do vocabulário o mandaram pensar. Esse foi um dos principais mecanismos pelos quais a festiva “democratização” do Brasil acabou extinguindo, na prática, a possibilidade de qualquer debate substantivo sobre o que quer que seja.
 

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  • Juan Koffler
  • 25 Abril 2016


Até que ponto a deseducação humana tem avançado sobre o todo social, destruindo-lhe seus fundamentos existenciais?

Uma pergunta que não quer calar: à medida em que as tecnologias (em sentido lato) avançam e rompem barreiras inimagináveis, antes pensadas como intransponíveis, a educação se tecnologiza em níveis incríveis e globalizados; a informação torna-se massiva, invadindo todos os rincões das classes sociais; a comunicação expande seus tentáculos e assume velocidade incrível, superando o lapso espaço-tempo; o ser humano passa a ser um frio conjunto de bits e bites; que avanços efetivos e claros houve para a inter-relação social?

Uma mirada superficial já parece ser suficiente para arriscar uma resposta: os conflitos intersubjetivos cresceram exponencialmente; a desagregação familiar foi potencializada; a alienação parental alcançou patamares nunca antes vistos; o ser humano, em suma, perdeu seu Norte, incentivado pela gana insana de querer sempre mais, não importando o custo desse seu desvairado sonho.

Nos contornos da política brasileira, ficaram cada vez mais claros os sintomas que caracterizam uma luta de classes sem quartel. Em apenas treze anos, o Brasil tornou-se um verdadeiro campo de batalha sem quartel, sem normas, sem ordem, sem progresso. Os conflitos bélicos em outros cantos do planeta, cresceram em seus tons ameaçadores. As "guerras santas" pós-modernas, ao som do extremismo islâmico, colocaram em cheque todo o globo. Os discursos politiqueiros inflamaram-se, embora nada de enriquecedor e de pacificador tenham carreado à conturbada sociedade nacional e mundial.

A educação é a base da sociedade
Como compreender o recrudescimento virulento do animus vivendi nacional e mundial, se aquelas tecnologias da informação e da comunicação (TIC), supracitadas, avançaram a passos gigantescos? Simples. Se em tempos de outrora as instituições de educação (lato sensu) já eram escassas, hoje, com sua multiplicação desordenada, geraram um universo educativo difuso e puramente mercantilista no qual o importante passou a ser arrecadar cada vez mais, com o mínimo de esforço empreendedor.

Tergiversaram-se entendimentos (como o da dicotomia clássica feminino x masculino), oficializando-se a opção pelo sexo ao bel-prazer do indivíduo. Algo como "assuma o sexo que lhe pareça melhor ou mais interessante" e, o que é ainda pior, já desde tenra idade. Um ilegítimo crime contra a natureza humana, o qual, quando aplicado a seres ainda em formação (crianças impúberes), podem (e provavelmente irão) confundir o frágil entendimento desses indivíduos.

Em relação à educação familiar, o distanciamento trazido pela pós-modernidade às relações parentais praticamente deixou o ser em formação à deriva, sem qualquer bússola comportamental. Fundou-se, assim, a auto-educação, sem castigos, sem limites, sem orientação, sem responsabilidade. Para tanto, colaborou ativamente a desagregação do núcleo familiar básico, agora transmutado em brilhantes telas de TV, de jogos eletrônicos, de artefatos portáteis de inter-comunicação.

A educação (informal-familiar e formal), em suma, foi despejada sobre a responsabilidade do próprio indivíduo, cru e nu ainda, para que se auto-moldasse ao sabor da sorte (ou do azar). E é este indivíduo que ingressará a uma universidade e à sociedade como mais um profissional, suportado por uma formação nada condizente com os níveis de competitividade crescentes; que poderá ser o professor do futuro; que assumirá um cargo político e os destinos de uma nação. Um estranho e bizarro paradoxo social.

Sem educação é uma característica semelhante à de um edifício cuja estrutura de concreto foi mal calculada, frágil e pouco ou nada duradoura. Assim é também o ser humano pós-moderno.

 

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