• Antônio Augusto Mayer dos Santos
  • 06 Janeiro 2016

(Publicado originalmente em Zero Hora)

Uma causa histórica do limbo presidencialista é a concentração da chefia de governo com a de Estado, agravada por promessas de campanha não realizadas. O caráter nocivo de tantos e quase ilimitados poderes constitucionais pelo chefe do Executivo confrontado com a frustração popular pelas expectativas eleitorais revela o óbvio: na atualidade, mostra- se pouco lógico que uma pessoa satisfaça eficazmente os partidos que lhe dão sustentação, supervisione setores complexos da administração pública, decida os rumos econômicos e concilie as crises entre os poderes, correligionários e outros interesses.

É impossível desconsiderar que a subordinação partidária do presidente compromete a magistratura, que deve pairar acima das disputas para garantir a unidade nacional. Ao contrário disso, o sistema parlamentarista está mais próximo da realidade. Reúne maiores chances de acerto perante os obstáculos. Reveste a democracia de mais qualidade. Absorve as crises de funcionamento do governo sem comprometer o desempenho e a legitimidade do regime e de suas instituições. Viabiliza a participação igualitária de homens e mulheres no poder. Permite uma intervenção concreta do parlamento no processo governamental.

Quando os seus adversários mais passionais argumentam que a queda do gabinete leva à convocação de novas eleições e que isso é sinônimo de crise, negligenciam no quesito elementar: trata-se exatamente do contrário. A destituição do gabinete é que vai evitá-la ou então prolongá-la. Queda de gabinete não é trauma, é solução. É troca sem estagnação. A par disso, é incorreto e contrário à ciência política negar virtudes ao presidencialismo. Ocorre que o modelo brasileiro, mal copiado do norte-americano, caracteriza-se por instigar a rivalidade entre poderes.

Tudo indica que a introdução do sistema parlamentarista teria largo alcance. Seria uma transformação institucional na base democrática do país. Um alento para a renovação de vários conceitos. Uma possibilidade de catapultar o Brasil de democracia eleitoral a social. Em suma: um impulso para a estabilidade e para o progresso.

*Advogado e consultor

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  • José Casado
  • 06 Janeiro 2016

(Publicado originalmente em O Globo)

Numa noite de outubro, dois anos atrás, ela convocou uma cadeia nacional de rádio e televisão para comunicar: “Passamos a garantir, para o futuro, uma massa de recursos jamais imaginada para a Educação e para a Saúde.”

Enlevada num tom de realismo mágico, anunciou a alquimia: “A fabulosa riqueza que jazia nas profundezas dos nossos mares, agora descoberta, começa a despertar. Desperta trazendo mais recursos, mais emprego, mais tecnologia, mais soberania e, sobretudo, mais futuro para o Brasil.”

Arrematou, com esmero ilusionista: “Começamos a transformar uma riqueza finita, que é o petróleo, em um tesouro indestrutível, que é a Educação de alta qualidade. Estamos transformando o pré-sal no nosso passaporte para uma sociedade mais justa.”

Para gerenciar a riqueza submersa a mais de quatro mil metros no Atlântico, Dilma Rousseff criou a estatal Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A.(PPSA). Deu-lhe amplos poderes para defender os interesses da União, o que inclui a gestão dos contratos de partilha, controle dos custos e das operações de exploração e produção de todo petróleo extraído da camada pré-sal.

Não é pouco. A combalida Petrobras, que nesses campos já produz mais de um milhão de barris, planeja concentrar investimentos numa área de tamanho equivalente a 150 mil campos de futebol, a 170 quilômetros de distância do litoral do Estado do Rio. Libra, como é conhecida nos mapas marítimos, é uma das maiores áreas do planeta reservada à exploração de petróleo. Foi leiloada a uma sociedade composta pela Petrobras, a anglo-holandesa Shell, a francesa Total e as chinesas CNPC e CNOOC.

Dilma continua com o seu discurso surrealista, com toques de absolutismo groucho-marxista: “Eu represento a soberania nacional, do pré-sal, a defesa dos 30%, a defesa do conteúdo nacional... Esse golpe (o processo de impeachment) não é contra mim, é contra o que eu represento, contra a soberania, contra o modelo de partilha do pré-sal”— disse semanas atrás a uma plateia de sindicalistas aliados do governo.

Longe do espelho d’água do Palácio do Planalto, sobram certezas sobre o desgoverno na condução dos negócios do pré-sal. A empresa estatal (PPSA) criada para recolher a “massa de recursos jamais imaginada” para Saúde e Educação mal começou e já está sucateada.

Tem 15 empregados, acumula prejuízos e patrimônio líquido negativo. Sem dinheiro, atravessou 2015 sobrevivendo da caridade privada. Fornecedores cederam-lhe licenças temporárias gratuitas de software.

Perplexos, auditores do Tribunal de Contas da União registraram: “Há sérios riscos de se comprometer ou até inviabilizar a realização de importantes tarefas técnicas, tais como: a) interpretação sísmica e modelagem geológica; b) construção de modelos estáticos e dinâmicos para simulação de fluxo em reservatórios petrolíferos; c) análise de dados de perfuração de poços e de desempenho petrofísica; d) testes de modelagem de escoamento.”

É real a ameaça aos resultados econômicos para a União, adverte o tribunal.

Com 28 meses de existência, a estatal do pré-sal pode ser vista como novo símbolo do governo Dilma. Parecia que ainda era construção, mas já é ruína.

*Jornalista
 

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  • Guilherme Fiuza
  • 31 Dezembro 2015

(Publicado originalmente em O Globo)


Os bonzinhos de plantão que morrem de saudade da ditadura militar – não se fazem mais vilões como antigamente – estão radiantes com o surgimento de Eduardo Cunha. O atual presidente da Câmara dos Deputados resolveu o problema da esquerda brasileira, que andava desnorteada sem um Lobo Mau convincente para seu conto de fadas. Pronto, aí está ele. E o melhor da festa: o impeachment de Dilma Rousseff virou golpe de Eduardo Cunha. Como se vê, a criatividade não tem limites.

Talvez seja esse o mais dramático de todos os capítulos da epopeia petista que rebaixou o Brasil antes do Vasco da Gama – cujas caravelas também foram tomadas pelos corsários. Até então, o país estava apenas diante do maior escândalo de corrupção de sua história e da hipocrisia dos companheiros que não sabiam de nada. Normal. Os brasileiros já tinham se acostumado com a convivência harmônica entre o governo do PT e seus próprios delitos, inclusive com a constante exaltação aos políticos presos, convertidos em presos políticos. Agora é diferente. O Brasil está sendo chamado pelos bravos guerreiros de Lula e Dilma a barrar um golpe contra a democracia – e, como efeito colateral, salvar seus pescoços.

Vamos tentar acordar o gigante com jeitinho: o impeachment não foi proposto pelo deputado Eduardo Cunha, o monstro das trevas, mas pelo jurista Hélio Bicudo, fundador do PT. Não é Cunha quem está apontando os crimes de responsabilidade cometidos por Dilma Rousseff. É Bicudo. Neste particular, vale registrar que a proposta de impeachment assinada pelo jurista, com Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal, contempla apenas um dos possíveis crimes cometidos pela presidente. Toda a corrupção engendrada por titulares de cargos públicos subordinados e politicamente ligados à presidente e a seu partido – inclusive com evidente propósito de financiar a campanha eleitoral da própria presidente –só não levou Dilma à condição de investigada e possível ré por obra e graça dos amigos de fé no STF. Ou seja: o Congresso e o país têm muito mais elementos de suspeição para averiguar num processo de impeachment do que as famigeradas pedaladas fiscais.

Mas essa incrível máquina da carochinha está trabalhando a pleno vapor – com a ajuda de sempre dos inocentes úteis e dos patriotas de aluguel – para transformar o mar de lama petista em golpe de Estado do Eduardo Cunha. Eles são bons nisso. Ou nem tão bons assim – mas a plateia não é exigente. Exemplo: no dia seguinte à autorização do presidente da Câmara ao processo de impeachment, a assessoria da presidente chamou o vice, Michel Temer, para uma reunião no Palácio. Temer avisou que não ia. Insistiram, e o vice aceitou visitar Dilma, mas não para a longa reunião que aconteceria à tarde. Ficou meia hora no Palácio. No início da tarde, a Presidência divulgou que Temer tinha passado a manhã com Dilma, que prestaria assessoria jurídica a ela e que, como advogado constitucionalista, não via base legal para o impeachment. Tudo mentira.

Deu para acompanhar? O ministro da Secretaria de Comunicação da Presidência (por acaso, acusado de pedir propina na Lava Jato) divulga oficialmente – repetindo: oficialmente – uma penca de mentiras sobre uma reunião entre presidente e vice-presidente da República que acabara de acontecer no Palácio do Planalto (não no interior de Portugal), obviamente negadas de imediato, publicamente, pelo próprio Michel Temer. Não é que seja um governo irresponsável. É um governo viciado na delinquência.

Alguns dias depois, a assessoria do Palácio divulga uma foto de governadores apoiando a presidente contra o impeachment, com a presença do tucano Geraldo Alckmin – traficando a imagem de outra solenidade. Esse é o governo que defende a democracia contra o golpe? O PT inventou um tipo muito especial de democracia particular, em que a verdade é o valor supremo – desde que não fira a integridade das boquinhas companheiras, que ninguém é de ferro.

O vilão Eduardo Cunha acatou o impeachment. O vilão Roberto Jefferson denunciou o mensalão. É melhor os heróis da moralidade interromperem logo suas férias e fazerem seu trabalho direito, senão vão ter de sobreviver de Bolsa Mortadela. E o Lobo Mau vai exigir direito de resposta.

*Jornalista e escritor.
 

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  • Ricardo Bergamini
  • 30 Dezembro 2015


O capitalismo nasce da acumulação de capitais, sobretudo dos valores mobiliários. As grandes fortunas constituem excedentes de riqueza, isto é, capitais que podem ser aplicados em atividades lucrativas. A atual sociedade capitalista caracteriza-se por três formas de capitalismo: comercial, financeiro e industrial.

O capitalismo já existia na Antigüidade – Oriente, Grécia e Roma – porém em forma incipiente. No mundo antigo, a riqueza estava representada, sobretudo, pela propriedade imobiliária (terras, casas), os instrumentos de produção, as mercadorias e os escravos. A riqueza se achava em mãos de duas classes: nobres e sacerdotes. Não existia uma grande indústria: a economia era doméstica.

No Império Romano, as classes ricas moravam nas suas propriedades rurais, que – com a escravatura – desempenhavam o papel preponderante nesta economia natural. Havia manifestações capitalistas (sociedades financeiras, bancos, cambistas de moedas), mas em pequeno grau. A vida urbana tinha pouca importância; e são as cidades, justamente, as que vão permitir, mais tarde, o desenvolvimento do grande capitalismo.

Durante a Idade Média, a riqueza esteve em poder dos senhores feudais (grande nobreza e alto clero). A igreja se opunha ao empréstimo com juros, ao comércio do dinheiro, à especulação sobre câmbio e títulos de valores. (Estes pontos de vista serão alterados pelo individualismo econômico do século XVI e pela Reforma, sobretudo de Calvino).

Segundo Werner Sombart, a acumulação dos capitais começou a ser realizada, freqüentemente, por pessoas que arrecadavam os impostos, as taxas eclesiásticas e as rendas dos grandes proprietários. Mas a organização capitalista, na Idade Média, é ainda esporádica e embrionária. Durante séculos, sobretudo desde a época de Carlos Magno, a economia é quase unicamente rural; as cidades não passam de refúgios e fortalezas, e as corporações impedem a existência do capitalismo industrial, no sentido moderno. Por outra parte, o comércio medieval – afirma Sombart – tem lucros pequenos.

As Cruzadas e as diversas guerras (dos Cem Anos, das Duas Rosas) arruinaram grande número de senhores feudais, o que facilitou a emancipação dos servos. Muitos destes passaram a viver em “burgos”, onde se dedicaram à pequena indústria e contribuíram para a formação da burguesia.

A expansão do comércio internacional – sobretudo desde o século XIII, após as Cruzadas – deu início à formação do Capitalismo Comercial. O capitalismo comercial surgiu principalmente na Itália (Gênova, Pisa, Veneza) e nos Países Baixos. O comércio marítimo com o Oriente permitiu às repúblicas italianas a acumulação de grandes capitais. Por sua vez, os Países Baixos constituíram o principal empório entre o Oriente e o Norte da Europa.

Prosperaram, então, as famosas feiras internacionais (onde apareceu a ”letra de feira” e, mais tarde, a “letra de câmbio”). As feiras acabaram sendo substituídas pelas “Bolsas”, onde os novos valores mobiliários (os “papéis”) adquiriram a supremacia econômica.

Este novo capitalismo, os descobrimentos marítimos de portugueses e espanhóis (afluxo de mercadorias e de metais preciosos), os progressos do crédito público, o câmbio (indispensável, por causa da diversidade de moedas), o desenvolvimento dos bancos – provocaram o aparecimento do Capitalismo Financeiro.

Intensificaram-se, então, as especulações financeiras: empréstimos a juros, prática do câmbio, compra de bens prediais, hipotecas lucrativas. Os comerciantes e capitalistas eram, sobretudo, burgueses. Foram eles que financiaram as viagens dos descobrimentos, conquistas e colonizações. Surgiu, assim, o poderio econômico da burguesia, o qual foi emparelhado com a da nobreza (aristocracia rural) e tornou-se dominante após a Revolução Francesa.


* Economista
www.ricardobergamini.com.br
 

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  • Pedro Henrique Mancini de Azevedo
  • 29 Dezembro 2015

"A primeira lição da economia é a escassez: nunca há o bastante de algo para satisfazer todos aqueles que o querem. A primeira lição da política é ignorar a primeira lição da economia." (Thomas Sowell)

A notícia não é recente, mas não valeu nem a pena se apressar para ser mais um a dizer "eu falei". Falo da saída de Joaquim Levy do Ministério da Fazenda – algo que estava mais claro do que cristal que iria acontecer cedo ou tarde.

Levy aceitou a oferta após nomes como Luiz Carlos Trabuco e Henrique Meirelles terem rejeitado a mesma. Na época das negociações, o que se noticiou foi que Trabuco e Meirelles não chegaram a um acordo com o governo por não concordar como o ajuste fiscal seria feito. Ambos entendiam que o ajuste deveria ser feito reduzindo gastos, e não aumentando receitas (impostos) como o PT queria. Levy por outro lado, tentou ser pragmático, e aceitou a oferta para fazer um ajuste fiscal aos moldes petistas, pois segundo Levy, era melhor um ajuste fiscal torto do que nenhum ajuste. Grande erro.

Levy deveria ter percebido que Dilma não queria ajuste nenhum; ela só queria um nome que o mercado gostasse, achando que bastava colocar um economista ortodoxo sentado na cadeira de Ministro da Fazenda para que a crise fosse resolvida. Essa é a visão de Dilma sobre o mercado - ela acha que o mercado é uma invenção do capitalismo burguês e que basta uma ação política para que ele se acalme. Ora, se vontade política fosse suficiente para resolver os problemas de um país não existiria mais pobreza no mundo.

Dilma não entende que o mercado vive de especulações, e que especulação é algo normal de qualquer ser humano. Especulamos se iremos nos casar, se iremos comprar uma casa, se iremos aceitar um emprego, etc. Os investidores fazem o mesmo – especulam se um país tem suas contas ajustadas para que eles possam investir.

Mas Levy não percebeu essa mentalidade de Dilma, e com isso ele foi duplamente ingênuo. Primeiro, por achar que o brasileiro que já está sufocado por altos impostos iria aceitar com passividade um ajuste que previa aumento de impostos. Segundo, por não perceber que o PT, a esquerda e os "economistas" como Belluzzo, iriam jogar nas costas do economista "neoliberal" a culpa da crise, culpando o "ajuste". (Haja aspas!) No final, esses canalhas conseguiram exatamente o que queriam - acharam os bodes expiatórios de sempre: o neoliberalismo, e o grande vilão de todos – o mercado financeiro.

Com os bodes expiatórios criados, Dilma e o PT acharam as justificativas perfeitas para voltarem a fazer o populismo desenvolvimentista que eles tanto gostam. E para colocar em prática a mesma receita que nos levou para o buraco, eles convocaram um autêntico desenvolvimentista que já estava no governo - o agora ex Ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Mas isso não é tudo. Antes de assumir a pasta do Planejamento, Barbosa foi secretário executivo do Ministério da Fazenda de 2011 a 2013 quando Guido Mantega estava no comando da Fazenda promovendo todas as bizarrices que vimos no primeiro governo Dilma. Ou seja, Barbosa estava lá; concorda com tudo que foi feito. Sendo assim, alguém acha que com ele teremos algum ajuste? Alguém acha que com ele teremos algo diferente?

Então, meu caros, aqui não estamos falando de possibilidades, estamos falando de fatos concretos. Voltaremos a mesma política econômica expansionista que nos levou a ruína. Dilma e sua trupe desenvolvimentista não estão satisfeitos; querem dobrar a aposta; querem curar a ressaca se embebedando mais. Infelizmente, quem acordará com dor de cabeça seremos nós. E será uma longa dor de cabeça. Que Deus nos proteja, pois rezar e pedir misericórdia é só o que nos resta.

*Economista MBA, PMP
 

 

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  • Carlos Newton
  • 29 Dezembro 2015

(Publicado originalmente na tribunadainternet.com.br)

Autor do voto que foi seguido pela maioria dos integrantes do Supremo Tribunal Federal, o ministro Luís Roberto Barroso enfim deu entrevista (somente ao Valor Econômico), para se defender das acusações que políticos e a mídia têm feito de sua postura no julgamento das liminares sobre o rito do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Segundo ele, o entendimento da corte 'não mudou uma linha sequer' do processo contra o ex-presidente Fernando Collor de Melo.

"Nós seguimos de ponta a ponta o rito do caso Collor. De modo que a reação de que o Supremo interveio é simplesmente não factual. O voto do relator originário [o ministro Edson Fachin] é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor. Seguimos o caso Collor da primeira à ultima linha, sem nenhum desvio. Agora o país está dividido, as paixões estão mais exacerbadas e com mais razão nós temos que seguir a jurisprudência e os ritos que já foram adotados, sem mudar nada. É o que nos liberta", afirmou Barroso ao Valor Econômico.

CHAPA AVULSA E VOTO SECRETO
O ministro tentou explicar por que o Supremo derrubou a comissão especial criada na Câmara para analisar o impeachment, a partir de chapa avulsa prevista no Regimento. Disse ele:
"O regimento da Câmara é expresso. Juridicamente funciona assim: o artigo 58, parágrafo 1º da Constituição diz que as comissões permanentes e temporárias serão constituídas na forma do regimento interno. E vem o regimento interno e prevê, de modo expresso, no artigo 33, parágrafo primeiro, que as comissões temporárias são compostas por membros indicados pelos líderes. Textual. A Constituição de 88 diz que é o regimento interno que cuida; o regimento interno diz que são os líderes que indicam".

"O voto para eleição da comissão especial tem que ser aberto, como foi no caso Collor, e indicação dos líderes [para integrar a comissão especial], como foi no caso Collor. Então nós seguimos de ponta a ponta o rito do caso Collor. De modo que a reação de que o Supremo interveio é simplesmente não factual. O voto do relator originário [o ministro do STF Edson Fachin] é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor", acrescentou Barroso.

ENTENDA AS MENTIRAS DE BARROSO

Para se defender, o ministro Luís Roberto Barroso arranjou uma entrevista tipo vôlei, em que o jornalista apenas levanta a bola para o entrevistado cortar, sem fazer a ele as perguntas mais pertinentes e embaraçosas.

O fato é que Barroso, no julgamento, mentiu nas argumentações de seu voto, conduzindo a erro outros ministros, e agora continua faltando com a verdade ao tentar se defender. Na questão da Comissão Especial, por exemplo, ele adota a tese de que o regimento da Câmara tem de ser obedecido, como determina a Constituição, e por isso os membros da Comissão teriam de ser indicados pelos líderes dos partidos.

Ou seja, citou o Regimento pela metade, esquecido de que, na Câmara, em nome da democracia, não há eleição de chapa única, nem mesmo para escolher o presidente da Casa. Ao contrário, o Regimento determina que pode haver chapa avulsa em qualquer eleição, o que inclui a Comissão Especial do Impeachment. Mas Barroso esqueceu esta parte do Regimento, assim como também esqueceu que a chapa avulsa foi formada pelos líderes dos blocos partidários, que têm mais representatividade do que os líderes dos partidos.

VOTO SECRETO
Neste caso da chapa avulsa, a manipulação do raciocínio de Barroso foi até amena, ao citar apenas as partes do Regimento que lhe interessavam. Mas no caso do voto secreto, por exemplo, ele teve de pegar pesado. Não existe justificativa para seu voto, porque o Regimento determina que toda eleição seja por voto secreto, justamente para evitar pressões indevidas do Executivo, como está ocorrendo agora.

E o que fez Barroso na entrevista-vôlei? Simplesmente, abordou o importante assunto "en passant", dizendo apenas: "O voto para eleição da comissão especial tem que ser aberto, como foi no caso Collor, e indicação dos líderes [para integrar a comissão especial], como foi no caso Collor", disse Barroso, acrescentando: "O voto do relator originário é que mudava muito o que foi feito no impeachment de Collor", insistiu Barroso em culpar Fachin.

Como se vê, para defender seu voto abjeto, Barroso não tem dúvida em criticar o ministro Edson Fachin, que simplesmente votou na forma da lei e não tentou mudar nada no Regimento da Câmara.

E acontece que Barroso mentiu de novo, porque a eleição da Comissão Especial que cassou Collor não foi pelo voto aberto. Na ocasião, não houve interesse em formar chapa avulsa, o voto foi por aclamação. Quer dizer, Barroso falseou a verdade, mais uma vez.

REPÓRTER DISTRAÍDO
Na entrevista-vôlei, o repórter do Valor esqueceu de perguntar por que Barroso omitiu no julgamento a expressão "e nas demais eleições", mudando todo o sentido do Regimento da Câmara. Não perguntou também por que Barroso, que tanto diz conhecer o Regimento da Câmara, não se importou de se equivocar no julgamento ao afirmar, peremptoriamente: - "Considero, portanto, que o voto secreto foi instituído por uma deliberação unipessoal e discricionária do presidente da Câmara no meio do jogo".
Aliás, foi esta frase vigorosa que convenceu outros ministros a acompanharem o ardiloso voto de Barroso, levando o Supremo a cometer um brutal erro judiciário, numa causa importantíssima que o ilustre ministro considera apenas um "jogo".

*Jornalista
 

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