Em algum ponto de observação, o barão de Montesquieu deve estar prestando muita atenção na movimentação dos poderes em Brasília. Afinal, como inventor de sua tripartição, talvez levasse para o túmulo algum sentimento de culpa por não encontrar, em vida, a solução definitiva da charada jurídica da “independência, mas com harmonia”. Quer dizer, como não pisar nos calos dos outros para impor sua vontade, ou não recuar e manter a pose quando o outro fizer cara feia. Sentiu-se aliviado, é certo, quando o pragmatismo dos ingleses afrouxou um pouco o nó do sistema com o tal “checks and balances”. Mas fica preocupado cada vez que numa democracia latina procura-se, em vão, a solução para o que foi traduzido como “freios e contrapesos”. Porque, entre outras tantas situações embaraçosas que enfrentamos – e para que não se perca a piada – por aqui ora falta freio, caso do atropelamento tentado pelo ministro Marco Aurélio, ora tromba-se no excesso de peso do poder do senador Renan Calheiros. Pois esse episódio, e sua jeitosa acomodação pelos envolvidos, é paradigma para demonstrar que a nossas instituições republicanas se dão bem, obrigado. E seus agentes, melhor ainda, que sabem exatamente quando meter o pé no freio ou aprumar os pesos. Mas quem vai mal são os representados por eles, quer dizer, o povo de quem emanam - ou deveriam emanar - todos os poderes que a elas delegou (art. 1º. parágr. único da CF).
Então, se devemos proteger as instituições democráticas, porque colocá-las em risco é ameaça à República - observação que Alexis de Tocqueville fez há mais de 200 anos - , não é menos verdade que o maior dos seus inimigos não é o totalitarismo que possa atacá-las de fora, mas os agentes políticos que as deslegitimam por dentro. E isso ocorre quando se obrigam a violar a lei e a Constituição para acomodar interesses pessoais, mas alegam fazê-lo em benefício da harmonia dos poderes da República. É quando tem-se a impressão de o tal “poder que emana do povo” não passa de uma pegadinha constitucional, e de que existe aqui fora uma outra “república”. Idéia que aliás definitivamente se reforça quando se ouve, a cada prisão de um suspeito ilustre, o correligionário tomar-se de espanto: “...caiu a República!”. Pois se não caiu, está a balançar, daí a suspeita de que a alma do barão de Montesquieu viva em desassossego. Não estava em seus planos que, para harmonizar suas conveniências pessoais e institucionais, poderes de Estado tivessem que trabalhar fora de seus limites constitucionais. Ele acha paradoxal...
* O autor é ex-subprocurador-geral da República
Seria o processo judicial o lugar adequado para praticar ativismo político? A sentença judicial, essa que precisa possuir requisitos fundamentados na lei, deveria ser objeto de negativas desta própria lei face a ideologias, lutas difusas e modas progressistas do direito? Haveria um tempo, já dizia G.K. Chesterton, em que deveríamos reiterar novamente que a grama é verde, e esse tempo aparenta ser o nosso.
A lei em si, segundo as ideologias, já é demasiadamente conservadora e passível, portanto, de ser combatida e confrontada por ter o fim específico de manter a ordem visando o respeito ao contrato social, traduzido pela Constituição da nação. A lei existe para que essa ordem se mantenha; quando ela é respeitada e a sociedade é espelho da mais ampla liberdade exercida, os maus não encontram mais lugar nessa sociedade, justamente porque essa lei torna-se o limite das suas violações.
Por outro lado, a criação de um precedente com o intuito de dar negativa às normas do Código Penal que criminalizam o aborto, deixando assim de se aplicar a letra da lei e punir donos de clínicas onde o crime contra a vida é praticado silenciosamente, choca a nação. Não obstante, ver que a fundamentação foi originada da decisão de um ministro do STF – a quem é demandado defender o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º, III, da Constituição), mas que, ignorando este aspecto, decidiu com a finalidade “de que se criem políticas públicas” – revela-nos a mais retumbante tentativa de não somente legislar sem um mandato parlamentar e sem a vontade popular, mas de o fenômeno minoritário tentar também ganhar uma nova função: a de governo.
Uma sociedade que pune com o rigor que a lei prevê e que evidencia sucessivamente ser espelho de ordem é uma sociedade livre. Uma sociedade que ignora a própria lei para deter-se em tendências difusas – como, por exemplo, de que o bem social está na arrecadação tributária (posições pró-fazendárias), na exacerbada garantia de criminosos (garantismo penal), de que a literalidade da lei pode ser “vista sob formas e significados diferentes” (pós-positivismo) ou, as mais perversas, de que a lei é objeto de reconstrução social e superação da desigualdade econômica (gramscismo, marxismo e “direito alternativo”) – só produz um sentimento ainda maior de extrema insegurança, seja diante dos bandidos, seja no meio onde é gerado o emprego e a riqueza. Neste último caso, há uma verdadeira evasão em massa de investimentos estrangeiros e mesmo de empreendimentos aqui nascidos, em razão do alto nível de incerteza jurídica que se evidencia nos nossos tempos e que constrange diretamente o desenvolvimento dessas atividades.
Contudo, quem pode parar um fenômeno que a cada ano impede bilhões de investimentos no país? A imposição de uma fiscalização dos poderes é necessária, não buscando desmoralizar uma classe, mas retornar o que Montesquieu visava com a separação de poderes, que é um sistema de pesos e contrapesos no qual cada poder limita o outro. Antes de ser um poder que julga a própria lei, a função jurisdicional é uma função que deve aplicar a lei. É impossível mudar o mundo através de uma sentença, mas os que tentarem ao arrepio da lei certamente não estarão mudando nada para melhor.
Bruno Dornelles é advogado tributarista e mestrando em Direito do Estado.
(Publicado no Estadão)
O desespero dos políticos após a traumática experiência de financiamento eleitoral com a proibição da doação de empresas, acrescida da maior rigidez na fiscalização das contas de campanha pela Justiça Eleitoral, com suporte do Tribunal de Contas da União (TCU), é evidente. Sem poder captar como faziam antes e menosprezando a fiscalização mais rígida, políticos de todo o País praticaram ao menos seis tipos de irregularidades detectadas pelo pente-fino da Justiça: doações feitas por beneficiários de programas sociais; doações feitas por desempregados; doações feitas por pessoas que constam como mortas nos registros oficiais; doações em valores incompatíveis com a renda declarada do doador; concentração de doadores numa mesma empresa; doadores responsáveis por empresas e instituições que recebem repasses de dinheiro público.
Segundo levantamento do TCU, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, o montante arrecadado sob suspeição chega a R$ 1,041 bilhão, valor que corresponde a quase 50% do total arrecadado por candidatos e partidos em todo o País, que atingiu R$ 2,615 bilhões.
Nem bem fechadas as urnas, os políticos pautaram a revisão da legislação eleitoral atirando para dois lados: aumento do Fundo Partidário dos atuais R$ 800 milhões para R$ 3 bilhões por ano e volta do financiamento empresarial com nova embalagem.
Democracia tem custos e seu financiamento é questão central para a saúde das instituições. É inegável a necessidade de aperfeiçoar a legislação após esta primeira experiência. Para isso, então, convém retomarmos a análise da questão desde suas origens.
No auge da retomada democrática de 1946, a Assembleia Constituinte instalada inovou a ordem constitucional ao introduzir uma nova espécie de imunidades tributárias. O artigo 31 estabelecia que era vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios lançar impostos sobre templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas fossem aplicadas integralmente no País para os respectivos fins.
O objetivo dessa norma era proteger o pluralismo partidário contra as incursões de um governo presidencial forte ou mesmo autoritário. A experiência com o Estado Novo getulista era ainda muito presente. A forte concentração do poder político nas mãos de um governante e de um partido devia ser combatida. O modelo político utilizado, de inspiração fascista e corporativista, não impedia diretamente a organização partidária e a liberdade de imprensa, antes a sufocava por meio de privilégios partidários e de bloqueios indiretos. Um dos casos mais notórios era o uso da tributação como forma de estrangulamento financeiro da oposição.
Com base nesse histórico, o texto de 1946 insculpiu uma regra que se manteve em todos os textos constitucionais posteriores, inclusive na Carta de 1967 e no Ato Institucional n.º 1, de 1969, até chegar à Carta de 1988. A sua recepção foi saudada, inicialmente, como uma prova de solidez partidária, como barreira pétrea aos abusos contra a liberdade de consciência, como limite absoluto ao poder de corromper do Estado.
O STF cuidou esmeradamente de proteger o dispositivo, consagrando-o em modo amplo, estendendo a imunidade a praticamente todos os aspectos da renda, do patrimônio ou dos serviços prestados pelos partidos, desde que sem fins lucrativos. Decisão após decisão, a imunidade foi fortalecida, robustecida, estendida e, inadiavelmente, deturpada.
O texto que era para proteger passou paulatinamente a fomentar. Tornou-se um mecanismo de financiamento indireto a se somar a outros de financiamento direto dos partidos políticos, tal como o obeso Fundo Partidário. Os vultosos recursos arrecadados a fórceps dos pagadores de impostos foram desviados dos serviços-fim e entregues ao financiamento da máquina partidária, turbinada por um sem-número de mecanismos indiretos de financiamento. A imunidade de cláusula de proteção virou mecanismo de promoção. Estes mecanismos proliferam em siglas sem conteúdo programático claro. O cidadão dificilmente consegue identificar verdadeiras estruturas partidárias, de estruturas empresariais com verniz partidário.
É o momento de rever o financiamento dos partidos políticos no País. Somos um dos poucos países do mundo que combinam um regime tributário especial com outros mecanismos de financiamento direto. Trata-se de uma deturpação que ofende a democracia, desmoraliza a vida partidária e permite a proliferação do oportunismo. O financiamento partidário deve ser realizado de forma direta, pelos indivíduos apoiadores da ideologia e do programa do partido com o qual se identificam, e não pelo conjunto da sociedade; muito menos sob intermediação do Estado, via imposto.
Ora, dirão os críticos, mas os brasileiros não têm esse hábito e com a imagem atual da classe política não vão botar a mão no bolso para financiar esses partidos e os candidatos que oferecem aos eleitores. Ora, pergunta-se então: o problema é o financiamento individual por livre adesão dos cidadãos ou é a péssima qualidade dos nossos partidos e seus candidatos?
O modelo inaugurado no pleito de 2016 é perfeito? O autofinanciamento de candidatos milionários garante a isonomia dos competidores? A vantagem dos candidatos que concorrem à reeleição no exercício de mandatos é democrática e isonômica? O financiamento empresarial por empresas sem negócios com o Estado, a partir de um teto definido e destinado só a um único partido é aceitável e coerente com o princípio do financiamento direto individual? Uma regra de transição com prazo definido, prevendo a evolução gradual do modelo vigente para o novo, amparado no financiamento individual exclusivo, é admissível e necessária? Quem está disposto a fazer a coisa certa?
*Paulo Caliendo. Doutor em Direito Tributário PUC/SP e Professor do PPGD PUC/RS - caliendo@cedadvogados.com.br
*Paulo G. M. de Moura. Mestre em Ciência Política UFRGS e Doutor em Comunicação PUC/RS - professorpaulomoura@gmail.com
O ditador Fidel Castro, maior déspota da América Latina, finalmente morreu, com 90 anos de idade. Durante mais da metade desse tempo, foi o chefe de um regime cruel, responsável pela morte de milhares de cubanos que se opuseram à sua ditadura de esquerda.
Assim que souberam de sua morte, no bairro de Miami chamado de Pequena Havana, onde moram milhares de refugiados cubanos, teve início uma grande comemoração, com todos nas ruas com bandeiras de Cuba, batendo panelas e gritando “Viva Cuba livre”.
Cuba está em festa, embora oficialmente todos tenham que aparentar tristeza pela morte do ditador, pois a ilha é governada por Raul Castro, outro ditador, irmão de Fidel. No fundo, muitos esperam que, um dia, os irmãos se encontrem no inferno. A irmã de Fidel, Juanita Castro, fugiu de Cuba há 52 anos e não foi ao enterro. Em Miami, ela disse fazer votos para que todos os cubanos possam encontrar um melhor caminho, após a morte de seu irmão.
Como grande parte dos comunistas, Fidel adorava o comunismo e o socialismo, desde que fosse para os outros, pois para ele, só queria as benesses que o capitalismo podia oferecer. Enquanto levou a ilha à miséria, com um médico ganhando míseros US$ 41,00 por mês e quase todos vivendo às custas de bolsas-família do governo, ele mesmo acumulou uma fortuna estimada em US$ 900 milhões, segundo a revista especializada Forbes. Essa fortuna se deve a negócios controlados pelo governo que, na verdade, são da família Castro. Enquanto Cuba mergulhava na miséria e no medo, a família Castro enriquecia.
Apesar de todos esses fatos, existe uma parte da mídia comunista e socialista, que se recusa a tratar essa figura hedionda como Ditador, Corrupto, Assassino e ficam chamando Fidel de Comandante, Presidente, Líder da revolução e outros títulos.
Lula e Dilma foram ao enterro e lamentaram a sua morte. Lula o chamou de “o maior de todos os latino-americanos” e Dilma declarou que Fidel foi “um visionário que acreditou na construção de uma sociedade fraterna e justa, sem fome nem exploração, numa América Latina unida e forte”.
O fato é que, para milhões de cubanos que sofreram e sofrem na ilha, morreu o ditador e eles festejam felizes a sua morte.
*Célio Pezza é colunista, escritor e autor de diversos livros, entre eles: As Sete Portas, Ariane, A Palavra Perdida e o seu mais recente A Tumba do Apóstolo. Saiba mais em www.facebook.com/celio.pezza
(Publicado originalmente na Folha de Londrina)
Na vida do militante esquerdista, há quase sempre um momento decisivo: o momento em que exigem que ele deixe de ser apenas um bocó para se tornar um canalha. Para o escritor americano David Horowitz, um dos expoentes da chamada "Nova Esquerda" nos anos 60, esse ponto fulcral foi o assassinato de sua amiga Betty van Patter, em 1974. Indicada por Horowitz para ser guarda-livros do movimento radical Panteras Negras, Betty entrou em conflito com o grupo e seu corpo apareceu boiando na baía de São Francisco. Todas as evidências colocavam os Panteras Negras em primeiríssimo lugar entre os suspeitos do crime, mas os militantes radicais conseguiram abafar o caso.
David Horowitz decidiu não ser um canalha. Inconformado com a morte da amiga, passou a questionar o movimento radical e a cumplicidade da esquerda com uma série de crimes, dentro e fora dos Estados Unidos. Apontado como "traidor da causa" e "vira-casaca", abandonado por quase todos os antigos companheiros, Horowitz tornou-se um dos principais nomes do conservadorismo americano. Sua trajetória pode ser conhecida na autobiografia "O Filho Radical — A Odisseia de uma Geração". Há excelentes vídeos de suas palestras na Internet, os quais recomendo fortemente aos sete leitores desta coluna.
A operação-abafa no caso Betty van Patter guarda impressionantes semelhanças com o que se seguiu à morte de Celso Daniel, há 15 anos, naquele que considero o marco inicial da era petista. Mas hoje gostaria de destacar uma passagem de "O Filho Radical" em que Horowitz fala do aparelhamento ideológico das universidades americanas nos anos 90, por se tratar de um fenômeno muito semelhante ao que acontece hoje nas universidades brasileiras, sobretudo nos cursos de humanas:
"Os marxistas e socialistas que tiveram a credibilidade abalada pelos últimos acontecimentos na política mundial agora ocupavam cargos efetivos nas universidades. O marxismo produziu os regimes mais tirânicos e mais sangrentos da história da humanidade. Porém, depois da queda, havia mais marxistas nos departamentos das universidades americanas do que em todo o bloco comunista. (...) Os cursos são quase sempre descaradamente ideológicos. Vários professores de esquerda ensinam as matérias de maneira parcial, esperando que os alunos reproduzam essas mesmas opiniões nas provas e nos trabalhos. Os alunos recebem notas segundo parâmetros políticos. Além disso, estes são frequentemente intimidados para não manifestarem as suas próprias perspectivas."
É nosso dever lutar para que essa atmosfera de intimidação ideológica não acabe com as nossas escolas e universidades públicas. Se concordarmos em agir como bocós agora, estaremos, na melhor das hipóteses, sendo omissos; na pior, sendo canalhas. Lembrem-se das duras palavras de Horowitz: "Na nossa geração, ninguém refletiu sobre o apoio dado à quadrilha de bandidos que fizemos passar por vanguarda moral".
Talvez seja a hora de fazer como Silvio Santos e perguntar aos universitários.
Fale com o colunista: avenidaparana @ folhadelondrina.com.br
por Paulo Briguet
(Publicado no Estadão)
Ora, direis, a multidão que foi à rua manifestar-se, em plena ordem e sem quebra-quebra, não se compara em volume com as das jornadas de 2013, queixando-se da gestão pública em geral, ou as mais recentes, exigindo o impeachment de Dilma Rousseff. É útil constatá-lo, não apenas para ser realista, mas também para reconhecer que vai ser difícil mobilizar massas empenhadas em livrar-se de um atrapalho de vida pior do que aquela senhora que, para não perder o costume de mentir, atende ao telefone da própria casa dizendo ser uma tal de Janete. Por incrível que pareça, ainda há militantes nostálgicos da maré mansa dos tempos da adesão paga em moeda circulante ou sanduíches de mortadela, que tentam desmoralizar a vontade popular atribuindo-a a “golpismo”. E mais: nem esta mera constatação os convencerá do contrário.
Seja como for, será sempre útil lembrar que os cidadãos vestiram camisetas verdes e amarelas e saíram de casa só para cantar o Hino Nacional, gritar “Força Moro” e “Fora Réunan” (uma cedilha e uma vogal no meio fazendo a diferença). E para mostrar que a maioria silenciosa não perdeu a voz nem o juízo. Mas resolveu deixar a toca para falar. A consoante apoiando o juiz e negada ao nada nobre parlamentar diz respeito a uma cena específica que os manifestantes não admitem omitir ou relegar. Aquela em que o presidente do Congresso, ou seja, do Poder que legisla na República, expôs o agente da lei às contrariedades do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes. Tal fato se tornou ainda mais sintomático quando este deixou a cumbuca emborcada do Senado para proferir um dos três votos, vencidos por oito, da egrégia Corte. Esta, simultaneamente, tornou réu o presidente da sessão em que, em tese, se debatia uma lei de iniciativa dele para punir abuso de autoridade.
Nessa sessão, o ministro do STF reclamou do relatório aprovado por 450 votos a 1 e 3 abstenções por achar inadmissível reduzir os efeitos do habeas corpus, criar um informante profissional, exigir teste de probidade de servidores públicos e/ou admitir provas ilícitas produzidas de boa-fé (good will). Dessa forma, faltou com o dever de dizer a verdade: as quatro novidades impróprias citadas já haviam sido amputadas do relatório, quando este fora aprovado por unanimidade na Comissão Especial da lei batizada de “10 Medidas Contra a Corrupção”. E dele não constavam mais quando nove emendas o adaptaram à operação “Menas Lava Jato”.
Sérgio Moro ainda teve de enfrentar o ataque histérico do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que o acusou de haver violado a lei ao mandar conduzir coercitivamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para depor em processo na Polícia Federal. Na sessão, o juiz federal cunhou a expressão “emendas da meia-noite” para definir as alterações que inverteram o sentido da proposta apresentada pelos procuradores federais com o aval de 2 milhões 400 mil assinaturas de cidadãos, tendo cinco delas sido patrocinadas pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Em que pesem as evidências de que nada que ingressa na Câmara é infenso a mudanças pelos deputados, talvez fosse o caso de acrescentar que a aprovação das modificações, embora tendo obtido maiorias significativas, não foi discutida previamente. O que vale é a votação, não a discussão, é claro. Mas será conveniente dispensar o debate?
É pouco provável que os embandeirados, mas não empoderados, das ruas tenham atentado para tantas firulas. Mas ninguém lhes pode negar razões para reclamarem alto e bom som, sem nada quebrar, mais protagonismo de representados em decisões dos soit-disant representantes. Daí, o ritmo das panelas à noite e o ronco nas ruas sob chuva ou sob sol.
De posse da sanidade mental e da pré-racionalidade das multidões, que o relator da lei do abuso de autoridade (apud Réunan), Roberto Requião, tentou negar-lhes, os cidadãos não consumiram alfafa, mamona (oleaginosa venenosa) nem Rivotril, como o grosseiro senador afirmou no Twitter. Nem precisaram do ranchinho da militância. Expuseram-se ao verão e manifestaram sua sensibilidade, ao contrário do parlamentar, notório pelo hábito de latir ante o computador, mas não morder ao relento.
Nisso ele empatou com seu correligionário de partido e adversário ideológico Michel Temer, investido da Presidência da República pela absoluta falta de predicados da titular da chapa com quem venceu dois pleitos seguidos. Enquanto, no sábado, seus antecessores Lula e Dilma homenageavam as cinzas do mais bárbaro e longevo tirano da travessia do século 20 para o 21 em Cuba, Temer prestou homenagens póstumas às vítimas da picaretagem da LaMia e da Conmebol em Chapecó. E expôs-se às vaias ao comparecer (sem falar) ao velório no estádio. Foi obsequiado pelo silêncio das arquibancadas, em que não se ouviu um pio, palma, berro ou apupo. E também saiu ileso dos protestos de domingo, em que, ao contrário do que seu grupo íntimo no Planalto previra, conforme noticiado no Estadão, ninguém se lembrou dele. Para o bem ou para o mal.
Como de hábito, a maioria silenciosa deu uma lição de sabedoria às elites incautas. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que havia chamado o governo Temer de “pinguela”, ainda desfrutando a condição de hóspede de um almoço em palácio, clamou por eleição direta no caso de o governo não sobreviver à pressão da crise econômica. E o povo na rua mostrou que sabe que o presidente não é o ideal para a angústia do momento. Mas é o viável. O príncipe dos sociólogos não atentou para o fato de a eleição direta para presidente só ser prevista na Constituição até o fim do mês. Depois do réveillon, ela terá de ser indireta, no Legislativo.
O silêncio dos enlutados na Arena Condá sob a chuva de sábado e a omissão dos embandeirados nas ruas do Brasil à sombra do domingo ensolarado na maior parte delas não absolveram Temer de suas hesitações, mancadas e fraquezas. Apenas reconheceram em suas eloquência e queixa pelo avesso que nada pode ser pior para o Brasil agora do que uma – aí, sim – ruptura institucional, qualquer que seja ela. Definitivamente, o povo não é golpista.