(Publicado originaçmentena Folha)
Há economistas no Brasil que se autointitulam "desenvolvimentistas", embora sejam mais bem descritos como keynesianos de quermesse. Dessa tribo, os que se designam "neodesenvolvimentistas" pretendem se diferenciar dos demais quermesseiros por uma suposta ênfase na necessidade de equilíbrio fiscal, "[rejeitando] a noção equivocada de crescimento sustentado pelo deficit público. (...) As contas públicas devem ser mantidas equilibradas".
No entanto, como se diz, o teste do macarrão consiste em colocá-lo na água e ver se amolece. E, no teste do macarrão, a vertente "neoquermesseira" amolece bonito. Apesar da retórica a favor do equilíbrio fiscal, quando colocados diante de um problema concreto, os neoquermesseiros imitam santo Agostinho: ajuste sim, claro, mas não, por favor, agora...
O exemplo mais recente (e não o único) foi cometido aqui mesmo, nas páginas da Folha, por Nelson Marconi e Marco Brancher, que se posicionaram contra a proposta que cria um teto para o gasto público no Brasil.
Começam argumentando que "a participação de despesas e receitas no PIB permaneceu relativamente estável entre 2010 e 2013 nos três níveis de governo", o que é a) falso; e b) irrelevante, dado o aumento recente.
De fato, no período o gasto público primário aumentou de 33,8% para 34,9% do PIB, lembrando que cada ponto percentual do PIB corresponde hoje a R$ 65 bilhões. Não mencionam, ademais, que nos 12 meses até junho deste ano esses mesmos gastos haviam pulado para 38% do PIB.
A propósito, se tivessem feito algum esforço para estimar, como eu fiz, o gasto do setor público nos últimos 20 anos, teriam chegado a números na casa de 29%-30% do PIB em 1997, o que dá uma ideia clara do aumento da despesa nos últimos 20 anos.
Isto dito, à parte repetir a ladainha do ajuste por 20 anos (falsa, dado que em dez anos a indexação do gasto poderá ser revista), criticam a proposta, afirmando que a reforma da Previdência teria que vir antes, como se passar meses discutindo esse tema para lá de complexo fosse algo absolutamente sem custo ante a crise pela qual passamos.
Mais curiosa ainda é sua proposta de reforma: aumentar impostos para financiar os gastos crescentes dessa rubrica. Como se jamais tivéssemos tentado esse truque, que, diga-se de passagem, foi exatamente o que nos trouxe à situação atual.
Não se engane: aumentar os impostos pode, no máximo, adiar mais um pouco o encontro com a realidade, que, ao acontecer, será ainda mais doloroso do que no presente momento.
Também na linha de curiosidades, os autores admitem que a evidência internacional sugere que o teto leva a maior eficiência na distribuição dos recursos e traz o debate orçamentário para o Parlamento, mas que não funcionaria no Brasil, talvez por nos encontrarmos abaixo da linha do Equador, o que, segundo quermesseiros de todas as matizes, inverte também as consequências de políticas devidamente comprovadas.
Agora, caso queira se divertir, sugiro a leitura de artigo do mesmo Marconi aqui na Folha, em agosto do ano passado, que jurava ser possível fazer o ajuste fiscal apenas contendo os desperdícios, possibilidade abandonada em sua última contribuição.
Pode ter mudado de ideia. Mais provavelmente, porém, apenas buscou novos argumentos para justificar a gastança.
Ex-diretor de Assuntos Internacionais do BC, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia.
O Conselho Superior do Instituto Federal de Brasília -- instituição onde trabalho -- autorizou que uma comissão formada por grevistas, alunos e diretores de ensino definisse a programação de uma "semana de estudos e discussões". Comunicaram a nós professores que os eventos da tal semana seriam atividades letivas, portanto, caso algum aluno quisesse participar, não poderia receber falta nas aulas regulares. Bem, se os eventos se resumissem a palestras e apresentações artísticas, a determinação do Conselho Superior não seria tão absurda. Porém, o evento do último dia foi um claro convite às manifestações de hoje na Esplanada dos Ministérios.
A decisão do Conselho Superior foi totalmente irresponsável! Quer dizer que eu deveria dar presença para um aluno que estivesse na esplanada em pleno confronto com a Polícia Militar? É brincadeira! Palhaçada! E se um aluno menor de idade tivesse sido ferido? Irresponsáveis! Mil vezes irresponsáveis!
Colocaram na programação de uma semana de “estudos e discussões” uma manifestação na qual as chances de tumulto eram altíssimas! É surreal gestores do IFB tentarem nos vender a ideia de que a instituição não está tomando partido, que está apenas promovendo o “debate”. Quer fazer greve, faça! Mas que não se instrumentalizem as instituições públicas para tanto. Evento de greve é evento de greve. Atividade letiva é atividade letiva. Que não se misturem as coisas!
Prof. Eduardo Federizzi Sallenave
(Publicado originalmente em midiasemmascara.org)
Sua morte não deve significar esquecimento, ao contrário, um firme e exultante jamais deixaremos de ser cidadãos, devemos clamar um e todos os cubanos.
Seu legado, do qual não se pode excluir seu irmão Raúl porque seus aportes foram essenciais para a sobrevivência do regime, é um prontuário delitivo que apequena o de qualquer outro ditador do hemisfério.
Castro irrompeu na política através do bandoleirismo universitário. Não pôde aceder à liderança da Federação Estudantil Universitária, e se associou com os dois grupos mais violentos que operavam na década de 40 na Universidade de Havana.
Sua capacidade para sobreviver se desenvolveu entre aquelas famílias mafiosas. Lá aprendeu a misturar o assassinato com a adulação. Audaz, inteligente e manipulador, se rodeou de um grupo de incondicionais que lhe foram fiéis por décadas.
Mais tarde, um inimigo sem convicções lastreado pela corrupção, lhe permitiu converter umas escaramuças rurais em uma epopéia digna de Homero. A classe dirigente cubana e a imprensa nacional, salvo honrosas exceções, fizeram deixação de sua soberania. O populacho foi consumido por um novo César que desde o princípio lhes deu circo e pouco a pouco lhes roubou o pão.
O totalitarismo se deu novas leis. As paródias de processos legais permitiam assassinatos públicos. Fuzilou-se em parques, cemitérios e detrás das escolas. Militarizou-se a sociedade. Implantou-se o terror. Impôs-se um paradigma que promovia o ódio e o estalido das metralhadoras para resolver as diferenças. As bases culturais e morais da nação, como parte de um Plano Nacional que pretendia recriar a consciência cidadã, foram quebradas para introduzir novos valores e dogmas.
A escola foi quartel e centro de doutrinação, as gerações emergentes cresceram em um ambiente de triunfalismo no qual a fronteira era definida pela frase: “Com a Revolução tudo, contra a Revolução nada”.
Dezenas de milhares de pessoas foram para a prisão. Milhares mais partiram para o exílio. A liberdade intelectual desapareceu. Estabeleceu-se um estrito controle dos meios informativos. As religiões foram enclausuradas em seus templos. Uma espécie de nova devoção impôs sus próprias tradições, cultos, lutos e festas.
Paradoxalmente, o chauvinismo que o oficialismo impulsionou de que Cuba e o cubano era melhor e superior, foi se transformando em um profundo sentimento de frustração, segundo o indivíduo foi vivendo os fracassos e padecendo as contradições do regime.
O “companheiro” ficou de imediato sem os suportes teóricos que por décadas lhe haviam sido insuflados. Ele deu-se conta de que havia se formado em um ambiente no qual as palavras de ordem substituíam os pensamentos e a mentira se convertia em verdade e em pouco tempo voltava a ser mentira, que a fraude procedia desde as mais altas esferas e que a igualdade era outro grande estelionato.
O medo e a conveniência substituíram o conceito do direito pessoal. Um amplo setor do país se conduz com feroz individualismo, pratica o cinismo mais grosseiro e conforma uma massa coloidal que se adapta à situação que demande menos esforço.
Os promovidos progressos cubanos, esporte, educação e saúde, foram outra decepção. Acabaram-se as contribuições estrangeiras e o milagre social desabou.
Na ilha estabeleceu-se uma nomenklatura que desfrutou sem interrupção do poder absoluto. Instituiu-se uma aristocracia artística, desportiva e intelectual, subordinadas ao compromisso político. As Forças Armadas serviram como exércitos mercenários, e hoje são geradoras de fortunas para seus generais. O movimento operário é outra empresa do Estado.
A extorsão, a vulgarização da linguagem e dos costumes, a massificação do cidadão fizeram desaparecer o indivíduo e, por conseguinte, a privacidade.
O pudor escorregou para a promiscuidade e a prostituição, presentes em toda a sociedade, porém sempre questionadas, se reconciliaram com a comunidade para ser aceitas como práticas comuns, porque a primeira coisa era “resolver”, sem se importar como.
A corrupção, o abuso de poder e o cisma provocado pelo sectarismo moral e ideológico de uma nação, alcançaram níveis nunca imaginados. Décadas de castrismo espargiram uma dolorosa sombra no presente e prometem um angustioso alumbramento de futuro.
O castrismo é o principal responsável pela corrosão moral que ameaça se estender a toda a Nação.
Atualmente a economia é parasita, mendiga, dependente da generosidade de outros países como Venezuela e China. Fala-se de reformas econômicas, porém não se pode negar que o regime reprimiu o desenvolvimento de uma economia independente por décadas.
Fidel deixa uma herança penosa. Os números estão em vermelho, não só porque a economia está destruída, senão pela frustração de milhões de pessoas que compraram o sonho que lhes foi roubado, pela amargura dos que enfrentaram o sistema sem êxitos e por uma sociedade que, salvo exceções, perdeu as esperanças.
Tradução: Graça Salgueiro
(Publicado originalmente no Midia Sem Máscara)
Ao afirmar que a História julgará Fidel Castro, Obama prova mais uma vez — tal como lemos em A Nova Era e a Revolução Cultural, de Olavo de Carvalho — que não passa de um reles politiqueiro revolucionário. Quando o sujeito é incapaz de reconhecer uma Causa Transcendente da realidade espaço-temporal, adere então, com unhas e dentes, ou ao espaço (discípulos da Nova Era e ambientalistas radicais) ou ao tempo (socialistas, comunistas e revolucionários políticos em geral), passando a adorá-los. Em vez de encarar a Criação como um caminho para Deus, adoram-na como um ídolo. E a História não é senão a "deusa" dos adoradores do tempo.
Por mais que acreditem estar comemorando a morte do indivíduo Fidel Castro, os cubanos exilados nos EUA, assim como seus descendentes, estão apenas comemorando o ocaso de um tirano: o povo sempre aguarda pela morte daquele que o oprime. O indivíduo Fidel Castro, parafraseando Fernando Pessoa, quando tentou tirar a máscara de tirano, notou que ela já lhe pregara à cara. Se é que tentou tirá-la... Fidel Castro, de fato, já estava morto como homem há muito tempo. A misericórdia divina alcança todos os recantos: mas Deus não é um ditador, não obriga ninguém a adorá-Lo e a caminhar com Ele. Os fuzilamentos, as prisões por crime de consciência, o encarceramento de todo um povo, a fome e a miséria... pesaram algum dia em sua consciência? Não vimos sinal disso. E, após a morte do corpo, haverá tempo para o arrependimento? É possível, mas talvez seja ainda mais difícil do que já é aqui. A crermos em C.S. Lewis e Swedenborg, o inferno há de ser a ilusão pura, a armadilha dos próprios desejos, um local onde revolucionários poderiam acreditar que a "luta continua"... eternamente, hasta la vitoria. Se eu acredito na imortalidade da alma? Como dizia Hilda Hilst: "Eu acredito na imortalidade da minha alma. Se você não parar de coçar o saco, talvez não tenha tempo para formar uma".
Com a declaração de Fernando Henrique Cardoso, também vemos quem nosso ex-presidente realmente é:
"A morte de Fidel faz recordar, especialmente a minha geração, o papel que ele e a revolução cubana tiveram na difusão do sentimento latino-americano e na importância para os países da região de se sentirem capazes de afirmar seus interesses.
"A luta simbolizada por Fidel dos ‘pequenos’ contra os poderosos teve uma função dinamizadora na vida política no Continente. O governo brasileiro se opôs a todas as medidas de cerceamento econômico da Ilha e, desde o governo Sarney até hoje as relações econômicas e políticas entre o Brasil e Cuba fluíram com normalidade.
"Estive várias vezes com Fidel, no Brasil, no Chile, em Portugal, na Argentina, em Costa Rica etc. O Fidel que eu conheci, dos anos noventa em diante, era um homem pessoalmente gentil, convicto de suas ideias, curioso e bom interlocutor.
"Os tempos são outros hoje. Do desprezo altaneiro aos Estados Unidos, Cuba passou a sentir que com Obama poderia romper seu isolamento. As nuvens carregadas de Trump não serão presenciadas por Fidel. Sua morte marca o fim de um ciclo, no qual, há que se dizer que, se Cuba conseguiu ampliar a inclusão social, não teve o mesmo sucesso para assegurar a tolerância política e as liberdades democráticas.
"Junto com meu pesar ao povo cubano pela morte de seu líder, quero expressar meus votos para que a transição pela qual a Ilha passa permita que a prosperidade aumente, mas que se preserve, num ambiente de liberdade, o sentimento de igualdade que ampliou acesso à educação e à saúde." (FHC)
Em suma: Fernando Henrique é outro adorador da História, isto é, da paródia do Reino de Deus que futuramente — tal como crê todo revolucionário — surgirá na Terra mediante o poder político. E, no entanto, não há como mudar a natureza das coisas. Por mais que tentem os revolucionários, o resultado haverá de ser sempre a morte, a dor, o sofrimento, o isolamento, a miséria...
E FHC, claro, atribui o obscurantismo a Trump, que não é senão um homem prático. Se o povo americano o elegeu, não foi por adorá-lo, não foi por "populismo". Sua vitória não foi sua vitória: foi o símbolo de que o senso comum ainda faz sentido para a maioria das pessoas — ora, é o senso (sentido) comum! — por mais ideologias loucas que os intelectuais, a imprensa e os políticos do mainstream tentem lhes impingir. E, como homem prático, Trump, até o momento, foi o único a se pronunciar sobre a morte do ditador Fidel como um verdadeiro estadista:
"O legado de Fidel Castro é de pelotões de fuzilamento, roubo, sofrimento inimaginável, pobreza e negação de direitos humanos fundamentais.
“Enquanto Cuba continua sendo uma ilha totalitária, é minha esperança que hoje marque um afastamento dos horrores suportados por muito tempo, para um futuro em que o maravilhoso povo cubano possa finalmente viver em liberdade.
“Embora as tragédias, mortes e dores provocadas por Fidel Castro não possam ser apagadas, nossa administração fará tudo o que puder para garantir que o povo cubano possa finalmente iniciar sua jornada em direção à prosperidade e à liberdade.” (TRUMP)
Ninguém elegeu Trump como quem elege um salvador comunista, um Lula, uma Dilma, um Maduro, um Correa, isto é, alguém que possa salvar o povo da dureza da realidade, da lei da escassez, do suor na testa... Trump foi, sim, eleito para salvar o povo dessa gente revolucionária — porque o "mundo melhor" só existe se criado por cada um em sua vida particular, com sua família, com aqueles que ama. E o Estado não tem de interferir nisso. "Ah, mas e as injustiças do mundo?" Já foi respondido: "Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos." (Mt 5. 6)
NOTA DO EDITOR: Estou postando este artigo, apesar de alguma imprecisão na descrição dos ritos processuais e de certas expressões, porque o autor externa uma hipótese a merecer reflexão: terá sido a "delação do fim do mundo" uma manobra astuciosa para tumultuar a Operação Lava Jato e os trabalhos do STF, transformando o Petrolão num processo quase impossível de ser levado ao fim? Em textos meus, venho alertando para que o julgamento de autoridades com prerrogativa de foro, notadamente membros do Congresso Nacional, deve ser prioridade do Supremo. Será prejudicial ao país que a Frente Parlamentar do Crime retorne ao parlamento brasileiro em 2018, reeleita por não ter sido julgada. Toda força à Operação Lava Jato, à sua força-tarefa e ao juiz Sérgio Moro!
Percival Puggina
Maceió - Marcelo Odebrecht, presidente licenciado da empreiteira, montou uma estratégia prodigiosa que pode livrar ele da cadeia e mais os seus 70 diretores que também fizeram deleção premiada em troca de penas menores ou do perdão pelos crimes da Lava Jato. Ao denunciar mais de 200 pessoas, dos quais mais de 100 políticos, como cúmplices da sua empresa nos atos de corrupção das estatais brasileiras, Marcelo pretende travar o processo, pois sabe que o STF vai demorar muito tempo para julgar os acusados.
Ora, se a principal Corte do país precisa de anos para analisar o processo de apenas um político é de se supor que outras dezenas de anos deverão ser necessários para que o tribunal comece a julgar o primeiro da lista dos delatados pela Odebrecht. Desde o dia 31 de dezembro de 2015, primeiro ano da Lava Jato, já existem na mesa de Teori Zavascki, 7.423 processos. E em todo tribunal dormem outros 61.962. Os mais de 100 advogados da empreiteira já entregaram a defesa dos seus executivos aos procuradores em pendrive. Convertido em outra montanha de papeis, os processos vão se acumular nos porões do STF.
Ao oferecer ao Ministério Público a delação premiada de todos os diretores da sua empresa, Marcelo pretende engabelar os procuradores que não terão como estabelecer o critério de prioridade para ir fundo nas investigações tal a quantidade de informações recebidas. Apelidada de "Delação do fim do mundo", esse processo da Odebrecht corre o risco de ficar na gaveta do STF até prescrever e os saqueadores das empresas públicas impunes, a exemplo de outros que estão por lá até hoje.
A papelada vai ocupar salas e mais salas do tribunal e exigir do ministro Teori Zavascki um esforço hercúleo para oferecer denúncias aos mais de 100 políticos envolvidos na caixinha da empreiteira. Antes, porém, terá que começar a ouvir as testemunhas de acusação e de defesa. Como todos conhecem a leniência do STF, é de se imaginar o longo caminho que percorrerá esse processo a ter o seu desfecho final.
Os procuradores, que acharam estar diante da maior delação do mundo, não imaginaram o tamanho do abacaxi ao aceitar que Marcelo incluísse na sua delação premiada todos os diretores da sua empresa. A esmola era grande e o cego não desconfiou. Assim, diante de tantos nomes revelados pela Odebrecht como envolvidos no esquema, é difícil saber por onde o STF deverá começar a operação do desmonte da gigantesca delação.
A estratégia de Marcelo foi traçada meticulosamente com seus advogados. Ele sabe que se entregasse apenas a cabeça dos ex-presidentes da república envolvidos na maracutaia e as dos políticos mais importantes, ainda atuantes no país, sua empresa e ele próprio estariam mais vulneráveis a retaliações, pois muitos deles não só tem mandatos como ainda dão as cartas no país. Assim é que ele decidiu embaralhar o jogo. Apresentou uma lista com centenas de nomes para dar a todos eles o mesmo peso na denúncia e distanciar também os notáveis dos julgamentos já que todos fazem parte dessa lista quilométrica.
O plano de Marcelo deu certo. Condenado a 19 anos de prisão, a sua pena deverá ser reduzida e ele irá para casa onde se submeterá a atos disciplinares até sair livremente às ruas. Pelo acordo, seus diretores não serão punidos. E muitos deles ainda receberão milhões de reais da empresa como compensação indenizatórias pela delação a pretexto de se protegerem do desemprego.
Enquanto isso, no STF, todos os processos da Lava Jato vão se acumulando até os fatos caírem no esquecimento da opinião pública. Não seria exagero dizer aqui que o processo da Lava Jato vai passar de mãos em mãos por anos a fio quando então os atuais ministros já teriam deixado o tribunal pela compulsória. Muitos dos réus jamais serão julgados, pois alguns serão beneficiados pela idade, outros pela prescrição de pena e a maioria terá seus processos arquivados.
Assim, os procuradores e o juiz Sérgio Moro, tão eficientes nas investigações da Lava Jato, um dia contarão aos seus netos que tentaram colocar o Brasil nos eixos, mas certamente esconderão dessa história a parte em que foram ludibriados por um tal Marcelo que os envolveu em um plano diabólico para transformar a operação Lava Jato em um amontoado de papeis inúteis e obsoletos.
*Jornalista e cineasta
(Publicado originalmente no Estadão)
Se o presidente Michel Temer for incapaz de cuidar do próprio governo, poderá resgatar o Brasil da pior crise econômica em muitas décadas, talvez a maior da História da República? Ele demorou perigosamente para demitir o ministro Geddel Vieira Lima e liquidar o impasse mais grave, até agora, de seu mandato. A demissão diminui o risco de avançar qualquer ação legal contra o presidente, mas ele obviamente incorreu em alguns erros de avaliação. Subestimou a importância política do escândalo, superestimou a importância de um auxiliar perigoso e deu pouco peso à imagem de um governo supostamente empenhado na recuperação dos padrões da administração. Pode-se esperar, com algum otimismo, um efeito positivo do susto, mas qualquer correção dependerá de um balanço realista dos erros cometidos no Palácio do Planalto. Alguns são graves e, se repetidos, poderão comprometer os objetivos mais importantes do governo.
Bom senso e competência são pelo menos tão importantes quanto a moralidade, quando se trata de governar. Mesmo sem roubalheira, a administração da presidente Dilma Rousseff teria enterrado o País apenas por sua coleção de erros. Equívocos fatais podem ser técnicos ou políticos. Há poucos dias o presidente Michel Temer foi acusado de uma bobagem quase inimaginável: ter pressionado o ministro da Cultura, Marcelo Calero, em favor do interesse do secretário de Governo, ministro Geddel Vieira Lima. Verdadeira ou falsa, essa acusação foi a pior notícia da semana – mais assustadora que a perda de 74.748 empregos formais em outubro ou que o desperdício de 22,9 milhões de trabalhadores por desemprego ou subutilização. Muito mais afetados que o Brasil pela crise de 2008, outros países voltaram a crescer, já há alguns anos, com geração de postos de trabalho. Houve erros e ainda há insegurança, mas em nenhum desses países o governo ficou tropeçando nos próprios pés.
O presidente Michel Temer talvez nunca tenha cometido uma tolice tão grande quanto a citada na imprensa – a tal interferência a favor de um interesse particular. Mas, apesar de sua fama de astuto e prudente, deixou-se envolver num escândalo tão evitável quanto grotesco, desperdiçando energia e capital político essenciais para a nova estratégia econômica.
Nem seria preciso saber, para condená-lo, se o ministro Vieira Lima de fato pressionou seu colega da Cultura para liberar a construção de um edifício em Salvador. A mera conversa sobre um negócio particular já seria, como ensinavam as mães em outros tempos, muito inconveniente. Mas o presidente preferiu preservar seu secretário, considerado indispensável, segundo os aliados, como articulador e negociador político. É difícil, para quem vive fora das jogadas de Brasília, entender a importância de um negociador capaz de expor o governo a uma situação tão constrangedora. Para ser, apesar de tudo, indispensável, uma figura desse tipo deve ter talentos extraordinários.
Também esse ponto é inquietante. Será tão difícil, para o presidente Michel Temer, encontrar e recrutar negociadores competentes e preocupados com o decoro? A qualidade de seu Ministério, desde a interinidade, sempre foi preocupante. Com exceção de uns poucos nomes, na maior parte ligados a assuntos econômicos, a equipe tropeçou desde o começo. Alguns ministros ainda se notabilizaram por fazer declarações inconvenientes e, além disso, por escolherem os piores momentos para se manifestar. Tentando aparecer em lances individuais, logo evidenciaram a dificuldade do presidente para montar e conduzir um jogo de equipe.
Como a agenda econômica é a mais complicada, bastaria ao governo, conforme muitos devem ter imaginado, uma equipe qualificada para cuidar das contas públicas, da inflação, do investimento oficial e do programa de reformas. Quem fez essa avaliação errou.
Todos esses temas envolvem muito mais que desafios técnicos e administrativos. Muitas ações, como a criação de um teto para despesa pública, dependem do Legislativo. Algumas, como a reforma da Previdência e as mudanças trabalhistas, forçarão o governo a se entender também com sindicatos e outras organizações. Qualquer reforma tributária mais ou menos séria terá de passar por um difícil entendimento com os 27 governadores. Se o governo cumprir com sucesso, até 2018, apenas uma parte dessa pauta, com prioridade para a arrumação fiscal, terá realizado um belo trabalho e deixará aberto o caminho para a etapa seguinte.
Para isso um apoio seguro no Parlamento é uma necessidade evidente. Competência jurídica para evitar tropeços legais tem sido e continuará sendo indispensável. Mas também é muito importante a presença de um bom articulador político, no mínimo para garantir os votos necessários no Congresso. Até agora, curiosamente, o político Michel Temer tem mostrado mais discernimento na agenda econômica do que na avaliação dos desafios e riscos políticos.
De toda forma, a semana terminou com duas notícias positivas. Uma delas foi o afastamento, depois de um perigoso atraso, do ministro Geddel Vieira Lima. A outra foi a edição da Medida Provisória (MP) 752/2016, para reativação do programa de concessões. Polêmica em alguns pontos, a MP abre espaço para a renovação antecipada de algumas concessões na área de transportes e para a relicitação de outras. Houve críticas e o governo terá de enfrentar a resistência de concessionários encrencados. Mas foi consumado o lance inicial para reativação do programa de infraestrutura, e esse é um dado animador.
Se der tudo certo, disso poderá surgir o empurrão inicial para a retomada do investimento e a reanimação da economia, depois de uma longa e profunda recessão. Além disso, os cidadãos têm o direito de esperar um presidente, a partir de agora, menos leniente em suas avaliações políticas.