• Fernão Lara Mesquita
  • 15 Junho 2016

 

(Publicado originalmente em O Estado de S. Paulo de 14/6/2016)

Como uma trovoada distante o aumento de R$ 59 bi do funcionalismo relampejou no céu do "jornalismo de acesso" e logo se apagou quase sem ruído. Não se sobrepôs sequer à "propina" do dia esse prêmio aos culpados que aumentou em 1/3 a pena de quase 200 milhões de inocentes. Lindbergh Farias, Fernando Collor, Vanessa Graziotin, Eduardo Cunha e sua gangue, Jandira Feghali, Sérgio Machado, todos suspenderam por um minuto as hostilidades para apertar juntos o "sim". E o "dream team" engoliu com casca e tudo essa terça parte do maior déficit de todos os tempos na largada da missão impossível para deter a mais desenfreada corrida de volta à miséria da história deste país. Tudo tão discreto que a manobra mal foi percebida na fila de seis meses de espera pelo exame de câncer do SUS, que é onde se "zera" esse tipo de fatura.

Quantos serão, dentre os 11,1 milhões de funcionários que comem 45% do PIB, aqueles que Ricardo Paes de Barros afirma que pesam o bastante para distorcer a média nacional de desigualdade de renda? Quanto custam os "auxílios" todos que o Imposto de Renda lhes perdoa? E os "comissionados" que mais que dobraram o gasto público sem que mudasse um milímetro a quase miséria dos médicos e professores concursados? Como vivem os aposentados e pensionistas sem cabelos brancos que, 900 mil apenas, pesam mais que os outros 32 milhões que pagaram Previdência a vida inteira somados?

Quanto, afinal de contas, o Brasil com "lobby" suga do Brasil sem "lobby"? A esta altura do desastre todo debate que se desvia dessa pergunta é enganação; toda pauta que não se oriente por essa baliza da desigualdade perante a lei é uma traição aos miseráveis do Brasil.

O mais é circo. Eduardo Cunha e o PT nos provam, acinte por acinte, o quão livre e indefinidamente se pode escarnecer da lei neste país desde que se esteja posicionado na altura certa da hierarquia corporativista. Variam as razões alegadas para se locupletar mas ninguém nega que é disso mesmo que se trata. São meses, são anos – são séculos, considerado o Sistema desde o nascimento – desse joguinho de sinuca silogística invocando pedaços de fatos para negar os fatos, meias verdades para servir à mentira, cacos de leis para legalizar o crime e o país inteiro esperando pra ver o que vai sobrar.

O jogo é esse porque nós o aceitamos. Não faz muito o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação fez a compilação: até 2014, já tinham sido editadas 4.960.610 leis e variações de leis para enquadrar nossa vida do berço ao túmulo desde que a Constituição foi promulgada em 1988. 522 a cada 24 horas destes 27 anos. 320.343 eram normas tributárias, 46 novas a cada dia útil!

É esse o truque: quem pode estar em dia com tudo isso no país onde a única função discernível do aparato legal é tornar impossível cumpri-lo?

Não fazer sentido é o elemento essencial do Sistema. Daí a palavrosidade ôca valer mais que os fatos nos nossos plenários e nos nossos tribunais. Se houvesse um meio racional de escapar, uma forma segura de se prevenir, uma regra que pudesse ser cumprida perdia-se o caráter de onipotência da autoridade constituída. Tem de ser irracional. Tem de ser impossível escapar deste "vale de lágrimas" a não ser pela unção dos "excelentes" com ou sem batina, ou toda essa indústria se esboroa. É ao que sempre estivemos acostumados...

Esboça-se uma resistência mas ela é isolada. Só vai até onde pode ir o pedacinho são da 1º Instância do Judiciário. E quem mais a saúda é quem mais a apunhala. Até agora, nem de leve foi arranhada a isenção a essa condição de permanente exposição à chantagem em que vivemos para os que a desfrutam por pertencer a corporações privilegiadas. A "lista de Teori" continua trancada e secreta. Foram afastados, sujeitos a confirmação, os que destruiram a obra de toda uma geração, mas não por isso; porque ficou claro que sua permanência implicaria a morte da galinha-dos-ovos-de-ouro. Mesmo assim, vultos sinistros nadam por baixo da decisão final do Senado. Só quem desafia a hierarquia do Sistema está sob ameaça real de remoção. Até Teori é objeto de chantagem. Mas o Sistema mesmo nunca esteve em causa.

Os "grandes empresários"? Estes jamais estiveram realmente isentos. "Culpados" por definição como somos todos e eles mais que os que jogaram menos, são os "hereges" da vez. Festeje-se com realismo, portanto. Nesse nosso modelo lusitano o Tesouro Real sempre saiu dos seus apertos com grandes Autos-de-Fé em que re-devora as "nobrezas" que fabrica.

"Eles", os "nós" dos comícios do Lula, estes sim, continuam sem crise como sempre. São regidos por leis e julgados por tribunais que só valem para eles. Têm regimes de trabalho, remuneração e aposentadorias só seus. Entram no seu bolso a qualquer hora e sem pedir licença.

Dessa casta fazem parte réus e juízes da presente refrega. Desde que a corte de d. João VI desembarcou no Rio de Janeiro chutando os brasileiros para fora de suas casas seguem, todos, deitados no berço esplêndido da inadmissibilidade para todo o sempre que se auto-outorgaram, tão "blindados" que já nem uns conseguem expulsar os outros quando a disputa pelos nossos ossos os leva a considerar exceções à sua regra de ouro. Reagem com fúria se alguém tenta devassar-lhes os segredos, vide Gazeta do Povo x Judiciário; Estadão x Sarney.

O "ajuste" começa pelo ajuste do foco. Por mais heróico que seja o esforço não se porá o país na reta correndo atrás de tudo que essa máquina de entortar fabrica em série. Deixada como está, fará do herói de hoje o bandido de amanhã, sejam quantas forem as voltas no mesmo círculo. É preciso rever a conta que está aí pela ótica da igualdade perante a lei e, a partir daí, inverter, de negativo para positivo, o vetor primário das forças que atuam sobre o Sistema. O voto distrital com "recall" acaba com essa inadmissibilidade e, com isso, põe o poder nas mãos do povo. Daí por diante tudo passa a ser feito pelo povo para o povo.

Aí sim, funciona.
 

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  • Gilberto Simões Pires
  • 14 Junho 2016

(Publicado originalmente em pontocritico.com)

FUTEBOL
Como gosto de futebol, assim como a grande maioria dos brasileiros também assisti o jogo Brasil x Peru, no último domingo, pela Copa América, que resultou na desclassificação da nossa Seleção.

COLHER NO ASSUNTO
Mesmo levando em conta que o simples fato de discordar da mídia esportiva já causa grandes dissabores, uma vez que a grande maioria analisa apenas os resultados, resolvi colocar a minha colher no assunto.

FEZ O QUE SABE E PODE
Na minha ótica, a Seleção fez exatamente aquilo que sabe e pode. Nada mais. Em outras palavras: enquanto o nosso futebol evoluiu pouco nos últimos anos, os concorrentes latino-americanos apresentaram melhora significativa, com exceção do Haiti, Panamá e algum outro, por exemplo.

FIASCO
Pois, mesmo diante desta pura realidade, a mídia esportiva, que acompanha o futebol no mundo todo, a todo momento, rotulou a derrota para Seleção do Peru, por 1x0, como um grande FIASCO. Como se sofrer derrotas, independente da forma, é algo indigno.

JUSTO, MORAL E ÉTICO
Em nenhum momento, como se viu, os narradores (que mais parecem torcedores) e comentaristas disseram que os atletas do Peru, mesmo sabendo que o gol foi feito de forma absolutamente irregular (COM O BRAÇO)-, não deram a mínima pelota para o comportamento JUSTO, MORAL e ÉTICO. Ao contrário, festejaram o ato de safadeza.

MAU COMPORTAMENTO
Aliás, na América Latina o que vigora é este tipo de mau comportamento. Quase todos agem de forma sinistra, esperando a oportunidade para tirar vantagem daquilo que não vale e não pode. Vejam que não estou me referindo àquilo que pode ser objeto de alguma dúvida. Trato apenas da safadeza pura.

DESCONHECIMENTO DAS REGRAS
O problema maior, portanto, não está no fato de uma equipe vir a ganhar ou perder, pois isto é do jogo. O que a mídia esportiva mostra, assim como os aficionados em geral, é um enorme desconhecimento das regras do futebol (tanto é verdade que vivem se expressando de forma equivocada quando falam em GOL ANULADO, coisa que simplesmente inexiste) e muito menos das regras do comportamento MORAL E ÉTICO. 

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  • Luiz Carlos Da Cunha
  • 14 Junho 2016


Assistimos nestes tempos tumultuados a irracionalidade avassaladora estrangular o bom senso. Escolas são invadidas por garotos, bloqueando colegas dispostos a freqüentar as salas de aprendizado, desassistidos por seus pais, responsáveis legais por seus filhos, sob a inépcia das autoridades. Tanto as autoridades adstritas à educação e ensino, como as jurídicas focadas na infância. A tibieza das autoridades vem de longe, passo a passo, palmilhando a rota descencional da tolerância ao erro e ao crime.

O secretário da Educação ao invés de chamar os rebelados para debaterem pleitos em seu gabinete – o átrio legal de sua autoridade – vai ao encontro dos invasores, parolar na escola violentada, dilapidada, agredida na postura acovardada de um refém. Consolida assim sua fragilidade perante a lei, ao mesmo tempo que alimenta os jovens na crença do desrespeito à ordem, à disciplina, aos princípios formadores da democracia. Constroem na atmosfera delinqüente a inversão tolerada e estimulada dos valores legais e democráticos no rumo catastrófico da falta de limites.

Cabe aos adultos instruir as crianças, igual a outras espécies, na prática educativa e protetora dos limites necessariamente impostos aos filhotes em defesa da vida e integridade física; o homo sapiens, inclui os limites de ação prejudicial ao semelhante, à coletividade na expressão peculiar e humana da moral. A consciência social. Impõe-se ao poder público e educacional a convocação dos pais e responsáveis pelos menores invasores da propriedade comunitária, esteiada no juizado da infância e da juventude e no dever administrativo imposto pela constituição. Ou incute-se o império da lei, ou destrambelha-se o país pela dissolução social. Não há meios termos a decidir.

Flagramos um paradoxo irreprimível: uma infância precocemente revigorada no desrespeito à convivência social, por aqueles adultos, pais ou eleitos para o exercício da autoridade, anestesiados pelo infantilismo, irmanados na construção do desastre nacional.
 

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  • Maria Cristina Hofmeister Meneghini
  • 14 Junho 2016

(Publicado originalmente no Jornal do Comércio)


Como advogada voluntária de pais e alunos que querem o direito de frequentar as escolas, participei de uma audiência de Conciliação Pré-processual em Porto Alegre, com o secretário da Educação, os invasores e, entre outros, duas senhoras representando o MP e a Defensoria, para tratar das invasões que estão ocorrendo nas escolas estaduais.

O advogado dos alunos invasores é funcionário da Câmara Municipal e assessor de vereadora do P-Sol. Este cidadão ficou muito irritado quando denunciei isto na audiência! Os alunos invasores (alunos?) fizeram suas reivindicações: lanchinho de boa qualidade, reforma dos prédios com refrigeração e o principal - salário melhor para os professores e repúdio ao PL 44 (Parceria Público-Privada para a educação) e do PL 190/2015 que versa sobre a doutrinação ideológica.

Ou seja, o blá, blá, blá de melhorias é só fumaça para o uso ideológico dos jovens. Enquanto isso, os alunos perdem o ano letivo, e o MP e Defensoria inertes. Em nome do quê? Do uso covarde de jovens títeres por partidos totalitários.

Os alunos ameaçavam "radicalizar a luta" se não fossem atendidos, e a senhoras MP e Defensoria convidavam para uma nova reunião para novas tratativas. Quanto ao secretário, educadíssimo, destratado, com pedidos e exigências e direitos, sem nenhum dever por parte dos alunos invasores.

Pior, o advogado dos tais alunos exigia que o Executivo se intrometesse no Legislativo para "obrigar" os deputados a retiraram os PLs referidos.

Resumo: A cidadania nem sempre está ao alcance de quem cumpre e quer o cumprimento da lei como os alunos que desejam estudar. Evidente que não vão encontrar termo de acordo. A boa notícia é que o Estado vai agir e os alunos poderão retornar às aulas.

* Advogada, conselheira da OAB/RS
 

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  • Vlady Oliver
  • 12 Junho 2016

Há um preço a pagar por este governo ser formado de uma “costela de Adão” daquele outro anterior e parece que a “vontade soberana do povo” vem sendo ameaçada justamente neste quesito. Não devemos esquecer que lulão e sua gangue de ladrõezinhos amestrados só chegaram onde chegaram com a cumplicidade, o alinhamento, a omissão calhorda e a covardia explícita de quem de direito.

É essa classe política que aí está – toda ela – a responsável pela falência deste país. Só isso já seria suficiente para colocar todos os cargos públicos à disposição de uma faxina cívica. Não é o que estamos vendo. Por trás dos golpes da “eleição geral”, “constituinte”, “república de mulheres” e “culturas do estupro”, o que vemos mesmo é mais do mesmo, tentando pautar as militâncias para desestabilizar o governo interino mal nascido.

Do outro lado, uma fauna de Janots, Teoris e companhia seguram pelos bracinhos as prisões iminentes dos chefes dessa quadrilha que nos desgovernou, na canhestra tentativa de virar o jogo. Para isso precisam de um país em greve, em convulsão, “dividido”, como se a divisão real não fosse entre os com e os sem mortadela – estes representando a imensa maioria do povo extorquido até o talo por uma gangue de vagabundos aboletada no poder.

Não sei, não. Os cretinos de sempre aproveitam que o povão não está na ruas para colocar em andamento seus planos de alcova. Entre eles, estariam a remoção de Eduardo Cunha e Renan Calheiros de suas respectivas presidências, não para fazer justiça, mas para colocar um Maranhão e um petralha de alto costado nos mesmos postos de comando e de lá capitanear a volta da criatura que veio com o desgoverno. É impressionante como são golpistas. Como gritam seus gritinhos histéricos, confundindo a sociedade, enquanto planejam voltar ao ataque ao cofres públicos, dessa vez sem direito a Lava Jatos para desnudar de que são feitos os nossos governantes.

Há uma coisa que fica transparente diante dessa confusão toda que é a espinha dorsal de toda a nossa crise política: parece não haver políticos que se elejam sem propina. Sendo assim, isto explicaria o silêncio quase sepulcral das oposições, dos “grandes cidadãos públicos” aboletados nesse Congresso de freiras e da “imprensa da forma geral”, cada um preocupado com seu próprio feudo, enquanto o país que os elege vai se danando lentamente. Já está claro que será um showzinho as prisões dos caciques peemedebistas. E os petralhas? Por que estão todos soltinhos e nos ameaçando com greves e paralisações, enquanto o supremo de frango esfria e não serve o prato principal, que é a prisão do vagabundo-chefe?

Tempos estranhos estes, meus caros. Acho que não fui chamado de “estuprador por tabela” à toa. Eles sabem quem são os inimigos deles. Nós sabemos quem são os nossos?
 

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  • Ricardo Gomes
  • 12 Junho 2016

(Publicado originalmente na Revista Voto)

O governo de Michel Temer, ainda provisório e antes de completar um mês de duração, já perdeu dois ministros por estarem envolvidos, direta ou indiretamente, com a Operação Lava Jato. Revelou uma expectativa de déficit de cerca de R$ 170 bilhões, e anunciou queda no PIB do primeiro trimestre. É um governo cheio de más notícias nos campos da economia e do controle da corrupção, que tomadas isoladamente sugeririam previsões pessimistas e desesperançadas – especialmente porque a economia e a corrupção foram aspectos cruciais da crise que resultou no afastamento de Dilma Rousseff, cuja confirmação pelo Senado é provável, embora ainda incerta.

Por que, então, não estão as ruas novamente cheias, e há um certo ar de esperança entre os brasileiros, refletida na retomada (ainda que contida) da confiança de investidores? Para entender o otimismo com o governo Temer é preciso compreender melhor o governo petista, e dirigir um olhar a dois aspectos que não estão na superfície das análises políticas. É preciso examinar a orientação geopolítica esposada pela diplomacia brasileira sob o PT e a concepção da própria sociedade que foi implementada nas últimas quatro administrações.

Assim como viveu crises ética e econômica, o Brasil viveu uma crise diplomática, que não veio à tona, mas que contribuiu para a insatisfação geral que reduziu a aprovação de Dilma a pó, e uma crise social, que agora se mostra na forma de isolados radicalismos. Essas são as chaves para compreender a diferença Dilma-Temer.

Isolamento comercial

Desde o governo Lula, a orientação geopolítica brasileira tendeu a apoiar e alinhar-se com o chamado bloco bolivariano, notadamente manejado pela antiga ditadura cubana e pela adolescente ditadura venezuelana. A ânsia por liderar um bloco formado por parceiros puramente ideológicos acabou por excluir o Brasil de todas as novas rotas comerciais que nasceram na última década e meia.

Historicamente um país fechado ao comércio internacional, em 2015 o Brasil não teve participação superior a 1% das exportações globais – mesmo sendo a sétima economia do planeta. Em 2011, tínhamos 1,4%, índice que já era baixo. Dos 150 países avaliados pelo Banco Mundial, ocupamos a 144ª posição em participação do comércio exterior no PIB. Esse isolamento comercial não é novidade, mas os esforços do Itamaraty centrados em alianças com países absolutamente periféricos do ponto de vista econômico é. O resultado foi o agravamento deste distanciamento brasileiro do comércio internacional.

Apesar do isolamento comercial, o que causou maior impacto sobre o desastre de Dilma foi o temor à natureza antidemocrática do regimes que ela apoiou – todos reunidos no Foro de São Paulo, organização nascida em um aperto de mãos entre Lula e Fidel Castro que reuniu a esquerda latino-americana. Nas manifestações que pautaram o processo de impeachment não faltaram cartazes com dizeres como "o Brasil não é a Venezuela" e "Fora Foro de São Paulo".

Esse é um fenômeno notável. As relações internacionais, que ocupam parte importante dos debates presidenciais nos Estados Unidos (vejam-se as críticas a Donald Trump por sua infame ideia de murar a fronteira com o México) nunca adquiriram relevância nas campanhas eleitorais brasileiras. Ao tratar a diplomacia brasileira – até então com reputação sólida e reconhecimento internacional – como um departamento do PT, Dilma trouxe o tema à tona. Custaram-lhe caro os bilhões de reais do BNDES que foram destinados a obras – geralmente das empreiteiras amigas – nos países do bloco esquerdista que se instalou na América Latina. A diplomacia brasileira, que deveria ser órgão do Estado, foi subordinada ao projeto continental do PT.

Além das relações internacionais subordinadas ideologicamente ao partido, outro aspecto que resultou na rejeição do povo ao governo recém-reeleito foi a estratégia de divisão social. Talvez apenas agora, quando saem às ruas minorias claramente organizadas pela esquerda brasileira para iniciar uma oposição ao governo Temer, é que tenhamos a clareza sobre a profundidade da transformação social iniciada pelo PT. Essa divisão social é deliberada e tem objetivos bastante claros, como Stephen Hicks mostra magistralmente em seu livro Explicando o pós-modernismo.

Desde a queda do muro de Berlim, a esquerda ocidental, em crise com o retumbante fracasso do socialismo, reestruturou completamente sua estratégia de combate ao que chama de capitalismo, reformulando a teoria da revolução marxista. Marx explicava a sociedade a partir das relações econômicas – era o sistema econômico que sustentava a "cultura burguesa", isto é, a religião, a estética, as artes, a moral, a ciência, tudo decorria do modo de produção capitalista. A luta de classes, portanto, contrapunha patrão e empregado, agentes econômicos, e a vitória proletária resultaria no nascimento de uma nova sociedade.

Divisões sociais

Com a queda da União Soviética, ficou escancarada a incapacidade do modelo socialista de produzir riquezas – e, evidentemente, distribui-las. O Oeste, no entanto, gerava as sociedades mais prósperas do mundo. Não havia mais espaço para defender uma revolta dos trabalhadores nos países capitalistas. A new left americana, inspirada em Antonio Gramsci, preservou a estrutura da luta de classes, mas substituiu os agentes. Compreendendo que, na verdade, a estrutura econômica é resultado – e não origem – da estrutura cultural, a esquerda moderna partiu para um novo tipo de luta de classes: a divisão social.

O PT abusou dessa compreensão de mundo para fomentar, inclusive com dinheiro público, organizações e políticas públicas que distanciassem negros e brancos, homens e mulheres, homossexuais e heterossexuais, ateus e religiosos e assim sucessivamente. A esquerda moderna, antes mesmo de ser contra o capitalismo, é contra a cultura ocidental – e acredita que a melhor forma de tomar o poder é produzir microrrevoluções em cada campo da sociedade.

Há uma série de símbolos produzidos pelo governo federal sob Lula e Dilma que traduzem essas fissuras que o PT buscou produzir e ampliar na sociedade. No mais das vezes, parecem batizadas pelo próprio George Orwell. A Secretaria da Promoção da Igualdade Racial é um órgão nitidamente destinado a produzir legislações que estabeleçam distinções raciais. A Secretaria de Políticas para as Mulheres é outro exemplo – "mulhericídio" virou um tipo de crime. Sob o argumento de ter políticas específicas para grupos específicos, o que se pretendeu foi contrapor partes da sociedade, gerando tensão e conflito. Não é, portanto, coincidência que a parada gay de São Paulo tenha se transformado, nesta última edição, em uma passeata anti-Temer, e que grupos feministas tenha marchado no centro de Porto Alegre/RS com cartazes dizendo "ser Mulher sem Temer". Essas são apenas expressões da profunda relação que o pensamento esquerdista brasileiro criou com quaisquer grupos que possam desafiar o status quo social.

O radicalismo, as denúncias de "crime de ódio" e a incapacidade de estabelecer um diálogo frutífero e respeitoso são consequências de anos de aparelhamento de movimentos sociais pelo PT e seus aliados ainda mais radicais. Não por acaso, essas três características são absolutamente incompatíveis com a democracia – que exige exatamente ponderação, compreensão e diálogo. O grande paradoxo do movimento de defesa de Dilma – e de ataque a Temer – é que grupos com conduta claramente antidemocrática usam justamente a defesa da democracia como principal argumento.

Ao fim e ao cabo, há numerosos focos de manifestações contra Temer e a favor de Dilma, mas todos com número diminuto de pessoas. Todos, também, convocados e organizados a partir de grupos que foram semeados, adubados e regados com verbas públicas e políticas que lhes eram favoráveis. O que se vê nas ruas, portanto, não é a expressão autêntica da vontade da maioria, mas sim a colheita de pauta social deliberadamente pensada para produzir divisão.

Sinais do rompimento

Há, sim, uma divisão. Ela não é, todavia, entre defensores de Temer e defensores de Dilma por um motivo muito claro: Temer não tem seguidores. Ninguém, salvo alguns atores políticos muito próximos ao PMDB, enxerga em Michel Temer um salvador da pátria, o caminho para as transformações que foram pedidas nas ruas durante 2015.

Há esperança de que seu governo caminhe em direção ao equilíbrio fiscal, mas também há certeza de que não haverá profundas reformas estruturais no Estado brasileiro. O PMDB apoiou o PT durante todo o seu governo, e não apresentou um modelo diferente de gestão do orçamento. Por que, então, ter esperança e otimismo?

No campo econômico as mudanças demorarão a ser sentidas, e, no combate à corrupção, ainda mais. Não há solução de curto prazo para esse verdadeiro vício do sistema político brasileiro. Quanto às alianças com ditaduras e quanto à tentativa de divisão social, no entanto, há sinais de um claro rompimento com a era petista. E é aí que está a esperança dos brasileiros. A esperança no governo Temer não reside naquilo que ele é, mas naquilo que ele não é.

* Advogado, membro da Mont Pèlerin Society, fundada pelo vencedor do Nobel de Economia Friedrich Hayek.
 

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