• Ricardo Orlandini
  • 22 Novembro 2016

(Publicado originalmente em http://www.ricardoorlandini.net/)

Quando eu era pequeno, se posso dizer assim, um piá ou guri, escutava dos adultos nosso orgulho de não termos uma guerra em nosso território há muito tempo. O Brasil vivia em Paz com seus vizinhos, sem grandes problemas internos e não tínhamos terremotos, maremotos, furacões e outros fenômenos da natureza que nos castigassem de alguma maneira.

Tudo continua como antes?

Não, tudo mudou e para pior, muito, mas muito pior mesmo.

Vivemos em um estado de guerra não declarado, em várias frentes de batalha, que procuramos varrer para baixo do tapete e fingir que nada acontece.

Morrem por dia no Brasil, em nossa guerra não declarada, mais de 300 pessoas.
Mais de 40 mil pessoas são mortas na frente do trânsito, local em que as baixas são crescentes desde os anos 70 do século passado (XX), quando já constatávamos que morriam mais pessoas no trânsito brasileiro do que na sangrenta Guerra do Vietnã.

Já na outra frente de batalha, a das cidades dominadas pela bandidagem, pelo crime organizado, são outras 100 mortes por dia.

Se adicionarmos a estes 300, também os mortos pelo descaso do Estado com a saúde pública, bom aí ganhamos da soma de todas as guerras no planeta.

Se alguém pensa que estou exagerando, está enganado. Os números estão aí, são públicos, são reais.
O que não tínhamos, ou pelo menos não queríamos ter ou ver, eram números para comparar com os nossos.
No mundo todo, morrem na Guerra do Trânsito, cerda de 3.250 pessoas por dia, sendo que 200 são no Brasil, algo como 6% do total mundial.

Já nas guerras de todo o mundo, morrem em média por dia 470 pessoas, por aqui, em nosso lindo país tropical são mais de 100 mortos por dia, o equivalente a 21% de todas as mortes violentas em guerras no mundo inteiro.
Chegou a hora de levantar o tapete e enfrentar de frente esta guerra não declarada.
A violência tomou conta de nossas cidades e o Estado brasileiro está perdendo essa guerra.

Falta de investimento, falta de ação, conivência com o crime organizado, e aí vai uma série de políticas incompetentes que resultaram nesse desastre.

Para nós gaúchos que imaginávamos estar longe também da Guerra do Rio, já vivemos realidade similar em várias regiões da Grande Porto Alegre.

A Guerra no Rio de Janeiro continua cada vez pior, como assistimos nos últimos dias, mas nossa capital, Porto Alegre, está entre as mais violentas do mundo, e não é invenção minha, é fato.

Outro dia uma pessoa que trabalha para minha mãe não apareceu no trabalho. No dia seguinte chegou apavorada pois tinha visitado sua irmã em Porto Alegre e não consegui voltar para sua casa em Viamão pois os traficantes declararam “toque de recolher”.

É Porto Alegre gente, não é Rio de Janeiro nem Síria.

Até quando?

 

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  • Paulo Briguet
  • 22 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente em http://www.folhadelondrina.com.br/)

"A universidade era o meu sonho. Não deixem que ele se transforme em pesadelo", diz a estudante da UEL


1. Petista protestando contra a PEC dos gastos é como cobra denunciando soro antiofídico.

2. Em palestra logo após a vitória de Donald Trump nas eleições americanas, perguntaram a Ozires Silva, 85 anos e gênio do empreendedorismo, o que ele achava do novo presidente dos EUA. Resposta, na lata: "Fico feliz que os americanos tenham escolhido um fazedor de riquezas para a Casa Branca. Aqui no Brasil nós só temos escolhido fazedores de pobreza".

3. Depois de ler o excelente livro "Celso Daniel — Política, corrupção e morte no coração do PT", de Silvio Navarro, concluí: — O mundo desses companheiros é um mundo completamente destituído de perdão.

4. "Hoje não estamos aqui para invadir, nem para depredar. Estamos aqui para pedir o apoio dos londrinenses. Apoio para que acabem de uma vez por todas as invasões, as depredações, as hostilidades contra alunos e professores que querem trabalhar. Queremos ter aula. Queremos atender à população. A greve prejudica não apenas os estudantes que não conseguem entrar em sala — porque estão sendo impedidos pelos grevistas — como também a população que precisa do nosso serviço, seja na área da saúde, na área jurídica, na área educacional. Na Odontologia, temos 294 alunos que prestam atendimento à população de segunda a sexta-feira. No ano passado, ficamos três meses em greve. Os tratamentos odontológicos que iniciamos foram todos eles perdidos. Nesse período, muitas pessoas procuravam o pronto socorro odontológico com muita dor. Em nenhum momento, os grevistas pensaram na dor dessas pessoas. O mais gratificante de tudo que estudei é o ‘muito obrigado’ de um paciente ao final do tratamento. É o sorriso, é o alívio da dor. Vemos isso diariamente. A universidade era o meu sonho. Não deixem que ele se transforme em pesadelo!" (Nathalia Fukushima, estudante do 4º ano de Odontologia na UEL)

5. É compreensível que a elite esquerdista acadêmica tenha torcido o nariz diante do recém-criado movimento Filhos da UEL. Para os doutores em militância, tudo que lembra família deve ser combatido e ridicularizado sem dó nem piedade. Eles sonham com uma sociedade semelhante à descrita por Aldous Huxley no livro "Admirável Mundo Novo", em que as palavras "pai" e "mãe" se tornem desusadas e, por fim, proibidas. A única família aceitável nesse ambiente é o clã da esquerda: papai Gramsci, mamãe Chaui, titio Lacan, vovô Marighella — e assim por diante. A grande tristeza dessa Família Trapo é assistir aos seus companheiros nacionais sendo presos em Curitiba. Eu entendo o desespero dos nossos militantes: aproxima-se o dia em que o Pai de Todos verá o sol nascer quadrado.

6. Meu amigo Chico Buraco está preparando uma nova canção para comemorar o acontecimento que o Brasil inteiro espera. E já me mostrou uma parte da letra: "Lá vem o Jato/ Lava aqui/ Lava acolá/ A Lava Jato/ Pro político pegar..."

7. "O roubo é a origem de todo crime", diz o escritor Dinesh D’Souza, no documentário "A América de Hillary", disponível na internet. Vale para o Brasil.

Fale com o colunista: avenidaparana @ folhadelondrina.com.br

 

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  • Ives Gandra da Silva Martins
  • 21 Novembro 2016


Corrupção, protagonismo excessivo, reformas e desenvolvimento – embora pareça contraditório, esse é o retrato do momento brasileiro. Luta-se contra a corrupção, há excesso de protagonismo das autoridades – apesar de idôneas – no seu combate, as reformas são necessárias, mas atingem interesses burocráticos, políticos e de grupos, e o desenvolvimento só se fará se o País voltar a ter paz para que o governo, com corretas sinalizações, venha a implementá-las.

De que o juiz Sergio Moro com a colaboração do Ministério Público (MP) e da Polícia Federal passarão à História, pois representam um verdadeiro divisor de águas entre o Brasil antes e depois da Operação Lava Jato, não tenho a menor dúvida. Conscientizaram o País de que a corrupção nos meios políticos tem de ser combatida e os novos políticos – São Paulo, nas eleições municipais, deu um exemplo – terão de ter, antes de tudo, perfil ético. O povo não aceita mais governos corruptos.

Nem por isso sua ação deixou de ultrapassar, por vezes, os limites estabelecidos para autoridades de seu nível. Os crimes investigados têm mais o perfil de “concussão”, imposição pelos governantes de condições para que empresas contratassem com o Estado – sem o que teriam de paralisar suas atividades –, do que “corrupção”, em que empresários corrompem autoridades. Por outro lado, a midiática atuação do MP para acusar não condiz com a serenidade necessária que o parquet deve ter, para dar densidade a suas acusações.

O próprio Supremo Tribunal Federal (STF), constituído de 11 excelentes juristas, na onda de um protagonismo no passado inconcebível se tornou legislador constituinte, sobrepondo-se ao poder do Congresso de criar normas, superando disposições constitucionais e causando turbulências no processo legislativo. Basta, por exemplo, verificar a postura do Pretório Excelso ao modificar o regimento interno do Senado, impondo novas regras para o impeachment. No impedimento do presidente Collor, dois dias após a decisão da Câmara, o Senado determinou sua destituição, enquanto no da presidente Dilma, levou quase um mês, em que o País ficou praticamente sem governo. Dilma não era presidente senão formalmente e Michel Temer não podia governar, nada obstante a certeza do afastamento, aprovado pela Câmara dos Deputados.

O Brasil, todavia, precisa de maior serenidade agora que é apresentado um projeto coerente de reconstrução de uma nação arrasada, com seus alicerces passando a ser reconstruídos a partir da PEC do Teto de gastos públicos.

O primeiro passo é controlar as despesas de uma burocracia esclerosada. Na comissão do Senado de que participo, presidida pelo ministro Mauro Campbell e com relatoria do ministro Dias Toffoli, temos, elaborado por Aristóteles Queiroz, um anteprojeto de desburocratização que deverá em breve ser levado à Casa da República. A PEC do Teto está nesse caminho.

Há, porém, algumas reformas fundamentais que devem ser promovidas para que um novo edifício institucional seja construído.
A reforma política é necessária. Embora eu defenda o parlamentarismo desde os bancos acadêmicos (poderá o leitor acessar o e-book que coordenei, sob o título Parlamentarismo, utopia ou realidade?, com 24 ínclitos juristas de reconhecimento nacional e internacional, em www.gandramartins.adv.br ou no meu e-mail ivesgandra@gandramartins.adv.br), creio que o primeiro passo será a adoção de cláusula de barreira, com avaliação de desempenho partidário para a manutenção dos partidos; voto distrital misto, ou seja, metade dos deputados sendo eleitos no distrito e metade em eleições proporcionais; financiamento de campanha sob rígido controle e eliminação de coligações partidárias.

A reforma previdenciária, embora de impacto em mais longo prazo, é imprescindível. Se não vier, a população que trabalha não terá como sustentar uma população superior aposentada, no futuro. A reforma trabalhista, no que concerne à terceirização e às convenções coletivas de trabalho, é relevante para reduzir o desemprego, que a CLT, de 1943 (verdadeira “vaca sagrada”), de longe não protege.

Quanto à reforma burocrática, temos esperança de que o nosso anteprojeto, que surge de uma comissão criada pelo próprio Senado com essa finalidade, possa ser aprovado.

A reforma tributária não pode esperar mais. Reclamam os governantes dos Estados, que embarcaram na guerra fiscal inconstitucional (assim a definiu o STF), que não têm dinheiro. Mas foram os responsáveis por uma irracional política de incentivos, tendo deixado de cobrar ICMS de grupos que se instalavam em seus territórios, até causando descompetitividade no próprio Estado. É de lembrar que o STF sempre considerou inconstitucional tal prática, sem que os Estados se curvassem, pois editavam novas leis padecendo do mesmo vício tão logo a lei anterior era declarada violadora da Carta da República.

A reforma do Judiciário é importante. A Constituição federal sinalizou a necessidade de uma nova Lei Orgânica da Magistratura. Como a iniciativa é do próprio Judiciário, até hoje não houve nenhuma proposta nesse sentido, continuando a velha e ultrapassada lei complementar de 1975 (LC 35) a reger um Poder que, de longe, nada obstante ser o melhor dos três Poderes, não atende mais à necessidade dos jurisdicionados.

Enfim, poderá o presidente Michel Temer, hábil político e excelente constitucionalista, com sua capacidade reconhecida de articulação e serenidade de pronunciamentos não demagógicos, dar início a essa árdua empreitada, para que o País saia de uma crise sem precedentes em sua História, construída pelos desastrosos governos dos últimos 13 anos.
É o que os brasileiros esperam, para que as potencialidades do País permitam à sua gente o crescimento que merece.

*Professor emérito das Universidades Mackenzie, Unip, Unifieo e Unifmu, do CIEE/O Estado de S. Paulo, da Eceme, da ESG e da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal - 1ª região
 

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  • Miriam Leitão, O Globo
  • 21 Novembro 2016

 

Custo da corrupção é muito maior do que o valor desviado. Nos cofres públicos do Rio estão faltando R$ 17 bilhões para que haja equilíbrio. O esquema de corrupção revelado pela Operação Calicute fala em R$ 224 milhões desviados.

A ordem de grandeza é diferente e pode-se pensar que é exagerada a afirmação de que há relação entre o rombo e a propina. O elo existe porque o ambiente de corrupção leva à má gestão e exaure os recursos públicos.

Os milhões da corrupção produzem os bilhões dos desequilíbrios fiscais porque toda a administração passa a girar em torno da lógica do crime. Para que o esquema funcione, é preciso retirar transparência, não prestar contas, tornar todos os números opacos. As decisões passam a ser determinadas pela corrupção.

Qual empreendimento deve ser beneficiado com redução de impostos? Deveria ser o que mais empregos cria, mais aderência tem às vantagens competitivas do estado, mais retorno trará no futuro. Mas acaba sendo aquele que aceita pagar propina. O resto não é levado em consideração porque o importante é se enquadrar na lógica do suborno que passa a dominar a gestão. As empresas que farão as obras não são escolhidas pela eficiência ou pelo melhor custo/ benefício do projeto, mas porque são as que já combinaram tudo previamente e fazem parte do cartel. Em cada obra começa a haver sobrepreço e isso se espalha pelos fornecedores dos fornecedores. O custo vai inchando no ritmo da ganância de todos.

Os cofres públicos vão sendo minados por obras com custo muito mais alto do que seria o normal. E a própria noção de preço se perde porque o cartel domina as obras do estado e as empresas vencedoras das licitações vão se alternando em uma escala que elas mesmas fazem e trabalham com valores que elas escolhem. Depois que o esquema está montado no estado, a conversa passa a ser entre as empresas sobre que preços e que comissões são convenientes para aquele grupo de cúmplices.

No Rio, houve uma farra de benefícios fiscais a empresas por critérios que até agora os governantes não conseguiram explicar, mas se sabe que elas também participavam desse propinoduto, ou dando dinheiro diretamente para o esquema ou indiretamente através do contrato de serviços em empresas de participantes. A existência dos incentivos fiscais é uma porta aberta para a corrupção porque só algumas são beneficiadas enquanto o resto das empresas instaladas no estado continua pagando os mesmos impostos. Ainda que não haja cobrança de propina, o sistema gera distorções na economia. Em um momento como este, em que faltam recursos públicos, como é possível justificar que o governo abra mão de recolher impostos?

Quem acompanhou os relatos feitos pelos policiais e investigadores da Operação Calicute viu a repetição dos mesmos esquemas revelados em outros casos. As autoridades usam pessoas próximas, e de confiança, como operadores para cobrar as comissões, que podem se chamar pixuleco, contribuição, doações para campanha, ou oxigênio. As empresas pagam um percentual para o grupo e têm lucros exorbitantes com a cobrança de um preço muito maior pelas obras. O roteiro é tão conhecido que é até espantoso que ele seja sempre repetido. Há alguns que são mais explícitos. Se ficar comprovado o que foi dito, esse é o caso do ex-governador Sérgio Cabral, que cobraria propina com parcelas mensais altas e crescentes.

Cabral cultivou a imagem de bom administrador e durante algum tempo houve muita esperança. A Secretaria da Fazenda esteve sob o comando de Joaquim Levy. O Rio tinha um projeto de combate ao crime com a Secretaria da Segurança controlada por José Mariano Beltrame e conseguiu um salto no desempenho das escolas com a Secretaria da Educação nas mãos de Wilson Risolia. Não foi sem razão que seu nome passou a ser cotado até para projetos mais altos.

A conta tem que somar perdas tangíveis e intangíveis. O sobrepreço de cada obra, o custo das propinas pagas aos governantes e seus operadores, o descuido com as contas públicas, a perda de bons projetos na área da educação e segurança. O Rio está agora em situação de calamidade. Quanto disso resulta da corrupção? Difícil o cálculo exato, mas a corrupção deixa por onde passa um rastro de destruição. Seu custo nunca é apenas o valor do que foi desviado.

*Publicado originalmente em O Globo (20/01/2016)

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  • Hélio Angotti Neto
  • 20 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente em www.midiasemmascara.org)

Movido pelo exemplo ele se aprofundou no estudo da fé que movia aquelas pessoas, e ao fim de uma longa e trágica vida encontrou seu caminho dentro do Cristianismo.


Bernard Nathanson, o rei do aborto, descreve sua trajetória pessoal no livro "The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion doctor Who Changed His Mind", publicado pela Regnery Publishing Inc.[1]

Como todas as melhores narrativas autobiográficas presentes em nossa civilização, Nathanson inicia olhando para as próprias trevas. Não foi diferente com o Apóstolo Paulo, Agostinho de Hipona ou Dante Alighieri. Estes estabeleceram modelos ao redor da mesma fórmula de sinceridade plena consigo mesmo, aquele foi capaz de identificar o mesmo modelo em sua própria vida. E profundas trevas de fato foram vasculhadas em seu livro.

Bernard foi um judeu secular filho de judeus seculares. Começou cedo sua história com o aborto, encaminhando com a ajuda de seu pai a sua namorada para que abortasse seu primeiro filho. Já adiante na carreira, ele mesmo fez o aborto de seu outro filho, de uma forma metódica e muita higiênica, quase como a dos proficientes médicos nazistas que exterminavam milhões.

Seu papel na legalização do aborto foi importante, e sua atuação chefiando clínicas de aborto ou fazendo ele mesmo os abortos impressiona. Mais de 75.000 vidas foram tiradas por Bernard Nathanson. Ele era eficiente no que fazia e se destacava, numa época onde os médicos mais desqualificados já migravam para as práticas abortistas.

É claro que por anos atraiu a fúria e o desprezo de muitos médicos de linhagem hipocrática e de defensores da vida humana.

Mas as coisas começaram a mudar quando surgiu um impressionante aparelho: a ultrassonografia! Ao observar as reações do feto no momento em que o mesmo era destruído pela sucção, Nathanson parou de viver na abstração de seu próprio mal e percebeu concretamente a extensão do mal que praticava. Ali estava uma vida sendo destruída, ao vivo, na televisão! E não somente ele, mas outros médicos abortistas nunca mais ousaram eliminar vidas humanas depois de assistir ao que realmente acontecia dentro do útero materno.

O rei do aborto começara a questionar a si mesmo. Abandonou suas práticas anteriores e tornou-se membro do movimento pró-vida americano, angariando para si o ódio e a inimizade de incontáveis médicos e pessoas que agora defendiam o "Direito de Escolha".

Produziu dois documentários impactantes que, obviamente, nunca chegaram à grande mídia, mas que transformaram a forma pela qual muitas pessoas enxergavam essa questão: The Silent Scream (O Grito Silencioso) e The Eclipse of Reason (O Eclipse da Razão).

Em 1987, Bernard recebeu uma carta de uma defensora do direito de escolher o aborto que trabalhara para ele no passado. Ela contava que algo muito tenebroso se passava na clínica onde ela trabalhava. Pedaços de bebês estavam sendo vendidos! Hoje observamos quase que descrentes a Planned Parenthood vendendo órgãos de bebês abortados num verdadeiro açougue humano e nos perguntamos como chegamos aqui. Mas não há novidade na história. As promessas de tratamentos milagrosos já abundavam à época, e ainda abundam, com efeitos colaterais e decepções igualmente presentes em larga escala.

Nathanson faz os cálculos macabros do que seria preciso para efetivar terapias com células fetais, e o resultado impressiona pela quantidade de sangue humano necessário para ações em larga escala realmente efetivas à sociedade.

E a guerra entre abortistas e defensores da vida seguiu acirrada nos Estados Unidos, incluindo alguns casos de tiroteio e violência contra médicos e funcionários de clínicas de aborto. Foram poucos, mas trágicos. Porém, o que mais impactou Bernard foi o exemplo da pacífica maioria que tinha a coragem de suportar as piores humilhações e agressões dos radicais pelo direito de decidir; a maioria que mantinha a resiliência ao lutar por algo que considerava sagrado.
Movido pelo exemplo ele se aprofundou no estudo da fé que movia aquelas pessoas, e ao fim de uma longa e trágica vida encontrou seu caminho dentro do Cristianismo.

Das profundezes do mais tenebroso inferno, repetindo o holocausto em diferentes vítimas, Bernard Nathanson foi alçado a um diferente patamar e sofreu uma impressionante virada em sua visão de mundo. Sua história culminando em sua sofrida transformação é um testemunho real do poder e do efeito do perdão na vida de alguém.

Nota:
[1] NATHANSON, Bernard N. The Hand of God: A Journey from Death to Life by the Abortion Doctor Who Changed His Mind. Washington, DC: Regnery Publishing, Inc., 1996.

Hélio Angotti Neto é médico oftalmologista com graduação pela Universidade Federal do Espírito Santo e residência médica e doutorado em Ciências pela Universidade de São Paulo. Coordena o curso de medicina do Centro Universitário do Espírito Santo (UNESC-ES) e é o diretor da seção especializada em humanidades médicas da revista Mirabilia. Membro da Sociedade Brasileira de Bioética, do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, do Comitê de Ética em Pesquisa do UNESC, do Center for Bioethics and Human Dignity, da Associação Brasileira de Educação Médica e do Seminário de Filosofia de Olavo de Carvalho. Coordena o SEFAM (Seminário de Filosofia Aplicada à Medicina).

 

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  • Eliane Cantanhêde
  • 20 Novembro 2016

 

(Publicado originalmente no Estadão)


Se a classe média, a economia e o País foram ao paraíso nos anos Lula, como, quando, onde e por que o “Brasil grande” da era petista começou a dar errado até se esborrachar no inferno da recessão, inflação, juros, desemprego e impeachment de Dilma Rousseff? É a essas perguntas que “Anatomia do Desastre”, da editora Portfolio-Penguin, 264 pág., responde com uma clareza estarrecedora.

O momento crucial ocorre em 2005, terceiro ano do governo Lula, e tem como personagem chave a própria Dilma. O Brasil estava em êxtase, com o boom internacional das commodities, a continuidade da herança bendita de FHC, Lula como salvador da pátria, a sociedade vibrando. Condições perfeitas para o “choque de austeridade” que Delfim Netto, Antonio Palocci e Paulo Bernardo articulavam para sedimentar o futuro, baseado em déficit nominal zero por cinco a dez anos. Aliás, uma versão preliminar da atual PEC do teto dos gastos.

Na reunião decisiva, relata o livro, Dilma olhava para o teto, como que distraída, e tamborilava os dedos na mesa, como que impaciente, para então demolir as teses de austeridade e responsabilidade fiscal com uma ode ao populismo: “Despesa é vida!”. Meses depois, em entrevista ao Estado, desqualificou a proposta a seu estilo: “É rudimentar”.

Como a história mostrou dramaticamente, rudimentar era ela, que não apenas decretou ali o fim do “choque de austeridade”, mas o ambiente para as pedaladas, o descontrole fiscal, o desastre na economia e, por fim, o enterro do próprio mandato. Com um detalhe sórdido: Dilma só era ministra das Minas e Energia, fora do núcleo das decisões. Como teve tanta audácia? Segundo o livro, ela não falava por ela, mas falava por Lula, já empenhado na reeleição em 2006 e na perpetuação do PT no poder. Logo, Lula e Dilma construíram juntos o desastre.

E foi assim que Dilma subiu depois a rampa do Planalto endeusando a “despesa”, carregando a “nova matriz econômica” debaixo do braço, desdenhando o tripé econômico de austeridade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante e capaz de manipular preços públicos e desonerações fiscais de acordo com suas ideologias políticas, suas crenças intervencionistas e as conveniências eleitorais do PT (e dela). Deu no que deu. Mas não foi nenhuma surpresa para os autores de “Anatomia do Desastre”.

Ano após ano, desde o final da era Lula, os jornalistas Cláudia Safatle e Ribamar Oliveira, do Valor Econômico, e João Borges, da Globonews, não perdiam uma oportunidade, nas redações ou em encontros casuais, de manifestar perplexidade, ou indignação, com o desastre que se avizinhava. Hoje, cada um deles poderia se gabar: “Eu não disse?” Mas preferiram contar um desastre como “nunca antes na história deste País”, embalado pelo aparelhamento do Estado e pela corrupção sistêmica. É tão chocante que, no prefácio, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga adverte: “Se o texto lhe parecer ficção, a culpa é dos fatos, não dos autores”.

Lula. No Roda Viva, Temer deveria ter respondido sobre a prisão de Lula com um bordão da ditadura: “Nada a declarar”, acrescentando que “isso é com o Judiciário, não com o Executivo”. Mas, sabe-se lá por quê, preferiu admitir que isso causaria “sérios problemas” ao País.

Ele não está falando sozinho. Mesmo na cúpula militar, que não morre de amores por Lula e o PT, a avaliação é de que não se trata apenas de Lula, mas da instituição Presidência da República. A prisão de um ex-presidente é um trauma histórico, principalmente quando ele foi um mito dentro e fora do País.

Então, Lula não vai ser preso? A resposta é o oposto do que se pensa. Se for exclusivamente pela questão jurídica, há fortes indícios de que sim. Se pesar o fator político, não será.

 

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