(Publicado originalmente em http://rodrigoconstantino.com/)
Sabem quem foi o maior igualitário do mundo? Samuel Colt. Pense só: não importa o tamanho do sujeito, sua força, sua técnica em artes marciais, nada disso. Basta um outro franzino, pequenino, fraquinho, puxar uma arma e pimba!, fim de papo. Isso não é igualdade? Isso não nivelou as pessoas?
De fato, sua criação, o revólver com tambor de seis munições, foi patenteada, e o slogan que caracterizou as novas possibilidades alcançadas com o invento foi o seguinte: “Abraham Lincoln tornou todos os homens livres, mas Samuel Colt os tornou iguais”. E eu acrescentaria: as mulheres também!
A fêmea de nossa espécie, como em tantas outras, possui menos massa muscular que o macho. Se for depender da força, ela está frita. Mas isso é do tempo de sua bisavó. Hoje basta ela sacar uma pistola e assunto resolvido. Foi o que fez essa moça na Geórgia:
Eram três invasores em seu domicílio. Mas ela abriu fogo. Mulher porreta! Um deles morreu. Os demais fugiram. Isso que é uma mulher “empoderada”, para usar termo adorado pela esquerda feminista.
Aliás, seria o caso de perguntar: toda feminista não deveria ser a favor do direito básico de legítima-defesa do cidadão? Faz algum sentido uma feminista apoiar a campanha de desarmamento? Não, não faz. Isso só enfraquece as mulheres. O que demonstra, uma vez mais, que feminismo não tem mesmo a ver com direito das mulheres, e sim com socialismo…
(Publicado originalmente no Estadão)
Do alto de sua empáfia, o decano dos suspeitos submetidos a investigações no Supremo Tribunal Federal (STF) e auxiliar de fatiador da Constituição Renan Calheiros, presidente do Senado, disse: "O exibicionismo da Lava Jato tira prestígio do Ministério Público". Agora cessa o que a antiga musa canta, pois um poder mais justo se alevanta: o juiz federal Sergio Moro calou os críticos da força-tarefa da "república de Curitiba" ao aceitar a denúncia dela contra Lula.
Ainda é difícil saber se, mesmo não estando mais incólume, o teflon que protegia Lula perdeu a capacidade de lhe manter o carisma. Antes de Renan, outros críticos desdenharam do pedido de sua prisão pelo promotor paulista Cássio Conserino. Tal impressão foi desfeita pela juíza Maria Priscila Ernandes Veiga Oliveira, da 4.ª Vara Criminal de São Paulo, que não achou a acusação tão imprestável assim: afinal, não a arquivou e, sim, a encaminhou para o citado Sérgio Moro, titular da 13.ª Vara Federal do Paraná e responsável pela Operação Lava Jato, decidir. E as mesmas vozes ecoam esgares e esperneio da defesa de Lula contra o show de lógica clara dos "meninos de Curitiba".
Acontece que em nada o dito espetáculo de uma semana atrás diferiu das coletivas anteriores, realizadas para a força-tarefa da Lava Jato comunicar à população, o que é necessário nesses casos pela gravidade dos crimes investigados e pela importância dos acusados sobre os quais recaem as acusações. À exposição sobre o cartel de empresas compareceram os mesmos procuradores, foi apresentado um libelo acusatório mais copioso (de quase 400 páginas à época e de 149 agora) e também se utilizaram recursos visuais (powerpoints) para ilustrar informações e explicações. Ainda como em todas as vezes anteriores, nesta a defesa do Lula respondeu apelando para recursos idênticos, e agora com uma agravante: a insistência numa frase para desmoralizar os procuradores, mas que não foi dita por nenhum deles: "Não temos provas, temos convicções".
Em parte por nostalgia de suas ilusões, como milhões de brasileiros encantados com o coaxar rouco do líder que Brizola chamou de "sapo barbudo pra burguesia engolir", em parte por medo da vingança do ex-ídolo, se lhe forem devolvidas as chaves dos cofres da viúva, os neocríticos crédulos perdem o sono. O pavor do chororô da jararaca que vira crocodilo é antigo. Em 2012, a delação proposta por Marcos Valério Fernandes, que cumpre pena pelo mensalão, sobre a compra do silêncio de um chantagista que ameaçava comprometer Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho na morte de Celso Daniel, sucumbiu à omissão do então procurador-geral, Roberto Gurgel, e do ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.
O episódio acima foi narrado ao juiz Sergio Moro por Marcos Valério Fernandes, cuja versão não foi levada em conta porque seria um "bandido apenado", ao contrário dos cúmplices com mandato, indultados no Natal pela mui compassiva companheira Dilma Rousseff. Deles só José Dirceu e Pedro Corrêa ainda moram na cadeia, acusados de terem delinquido direto das dependências do presídio da Papuda.
A versão de Valério, no depoimento repetido quatro anos depois, coincide com outra, que não deveria ser desqualificada, de vez que foi narrada pela voz autorizadíssima do ex-líder dos governos petistas no Senado Delcídio do Amaral (sem partido-MS). Nos autos do processo criminal, Sua Ex-excelência contou que, no início do primeiro mandato, o governo Lula era "hermético" e dele só participavam aliados tradicionais. Disso Dirceu discordava, pois já tinha combinado com o presidente do PMDB, Michel Temer, a continuação da "governabilidade" gozada pelo antecessor tucano, Fernando Henrique. Ante a perspectiva do impeachment, contudo, o chefão constatou: "Ou abraço o PMDB ou eu vou morrer". Eis aí a lápide que faltava no quebra-cabeças.
Esta explica por que a bem pensante intelligentsia brasileira cantou em coro com os advogados dos empreiteiros nababos condenados por corrupção e a tigrada petralha o refrão "Valério bandido jamais será ouvido", que manteve Lula fora do mensalão. E esclarece futricas da República de Florença em Brasília que põem o PMDB de Temer e Calheiros a salvo da luminosidade dos holofotes da História. Assim, enquanto acompanha Gil e Caetano entoando em uníssono "eu te odeio, Temer", a esquerda vadia e erudita se acumplicia ao direito ao esquecimento que têm desfrutado o atual presidente e seus devotos do maquiavelismo no Cerrado seco.
Sabe por que esses celebrados "formadores de opinião" rejeitam a "nova ordem mundial" (apud Caetano Veloso, promovido sem méritos à companhia de Cecília, Drummond e Rosa, citados pela presidente do STF, Cármen Lúcia, em sua posse)? É que agora a corrupção não fica impune como dantes. E a maior evidência de que o velho truque de esconder castelos de areia sob tapetes palacianos escorre nos esgotos das prisões é o fato de os empreiteiros Marcelo Odebrecht e Léo Pinheiro optarem entre colaborar com a Justiça ou mofar na cadeia, por mais caros e bem relacionados que sejam seus causídicos. Só ficaram soltos os felizes mandatários que gozam de prerrogativa de foro. A patota desfruta o privilégio de não responder pelos próprios crimes e modificar as leis para moldá-las à sua feição.
É por isso que, enquanto faz juras públicas de amor à Lava Jato, o alto comando do Planalto planta suas "preocupações" com a excessiva vaidade ostensiva, capaz de, cuidado, comprometer o "digno" trabalho da força-tarefa. Pois saibam todos que estas linhas leem que a fraude Lula não engana mais a grande maioria, como já enganou um dia. E que, ao contrário de antes, ele vai desmoronar, mercê do combate mundial à formação de quadrilhas que usam a Justiça Eleitoral para lavar dinheiro sujo. De fato, Dallagnol e Pozzobon atiraram nos pés. Nos de Lula...
*Jornalista
(Publicado originalmente em O Globo)
O que é o “militante imaginário?” O filósofo José Arthur Giannotti criou essa expressão e eu a achei perfeita. O “militante imaginário” é o sujeito que se acha revolucionário, mas nunca fez nada pelo povo. Chamemo-lo de MI. É-se militante imaginário como se é Flamengo ou Corinthians. Agora, nesta grande crise de mutação que vivemos, pululam militantes imaginários.
O MI se julga em ação, só que não se mexe. Ele é a favor de um Bem que não conhece bem. O que é o “Bem” para ele, o nosso militante imaginário?
Para o MI de hoje o “Bem” é uma mistura de crenças ideológicas que nos levariam a um futuro de felicidade. A mente de um MI é um sarapatel de leninismo vulgar, socialismo populista, subperonismo, vagos ecos getulistas e um desenvolvimentismo tosco.
Eles gostam de ser militantes porque é bonito ser de uma vaga esquerda enobrecedora; ela abriga, como uma igreja, muitos tipos de oportunismo ideológico. São professores universitários, intelectuais sem assunto, jovens sem cultura política e até mesmo os black blocs que já são tolerados e viraram uma espécie de “guarda revolucionária” dos militantes.
Existem vários tipos de militantes imaginários.
Há o militante de cervejaria, de estrebaria e de enfermaria. Bêbados, burros e loucos.
O MI é um revolucionário que não gosta de acordar cedo. É muito chato ir para porta de fábrica panfletar.
O militante verdadeiro, puro, escocês, só gosta de teorias. A chamada “realidade” atrapalha muito com suas vielas e becos sem saída. Os MIs odeiam a complexidade da realidade brasileira, porque eles aspiram a um absoluto social num mundo relativo; eles querem um Brasil decifrado por três ou quatro slogans.
A grande paixão do MI é a certeza. “Dúvida” é coisa de burguês reacionário, frescura social-democrata ou neoliberal. O MI só pensa no futuro; odeia o presente com suas complicações, idas e vindas. O militante odeia meios; só tem fins.
Para o MI, o presente é chato. O futuro é melhor porque justifica qualquer fracasso: “falhamos hoje, mas isso é apenas uma contradição passageira na marcha para a grande harmonia que virá!” E, quanto mais fracassos, mais fé. O MI perde o poder, mas não perde a pose e a fé. A cada uma de suas frequentes derrotas, mais brilha sua solidão de “vítima” do capitalismo. Aliás, ser “contra” o capitalismo justifica tudo e garante uma respeitabilidade reflexiva. E hoje, como o comunismo está inviável, os MIs lutam pela avacalhação do que já existe, pois não têm nada para botar no lugar.
O MI é uma espécie de herói masoquista, pois tem o charme invencível do derrotado que não desiste.
Os MIs são em geral românticos, são até bons sujeitos, mas são meio burros.
Há até MIs cultíssimos, eruditos; porém, burros. Eles não veem o óbvio, porque o óbvio é muito óbvio. Acham que a verdade só existe escondida nas nervuras do real.
Depois de 13 anos de erros sucessivos, quando o PT abriu as portas para o presidencialismo de corrupção, houve o impeachment. Foram longos meses de cuidados constitucionais até a conclusão. O STF, o Congresso, a OAB, a PGR, todos consagraram rituais institucionais corretos.
Mas não adianta; depois de pixulecos e panelaços, começou a gritaria de “golpe, golpe” e refloriu a primavera dos militantes imaginários que estavam meio arredios, acuados. A desgraça é que eles insistem nas dualidades ideológicas, quando o problema do Brasil é contábil. É a economia, estúpidos! — como disse Carville.
Hoje eles estão pululando e gritando “Fora Temer”; até sem saber por quê.
Não importa se dilmistas e petistas tenham arrasado o país, jogando-o na maior depressão da história; o que importa para os MIs é que, mesmo arrebentando tudo, eles portavam a bandeira mágica da revolução imaginária que tudo justifica. Espanta-me a frivolidade desses protestos abstratos. Os MIs não se permitem nem alguns meses da esperança de que se consertem as contas públicas; destruíram-nas e não deixam consertá-las.
O militante imaginário se considera superior a todos nós, reacionários e caretas.
O MI é uma alegoria de si mesmo; ele não é apenas um indivíduo — ele é mais do que isso, ele é o autodeclarado embaixador do povo. O militante imaginário se considera o sujeito da História, o cara que vai mudar o rumo do erro; enquanto isso, a direita sabe que a História não tem sujeito; só objeto (no caso o lucro).
Eles lutam pelo passado. São regressistas com toques sebastianistas de paz no futuro e glória no passado. Eles têm uma espécie de saudade de um mundo que já foi bom. Quando foi bom? Durante as duas guerras, no stalinismo, quando?
Ou seja, eles têm saudade de um tempo em que se achava que o mundo poderia vir a ser bom... É a saudade de uma saudade.
O MI acha que o mundo se divide em esquerda e direita — em opressores e oprimidos. Qualquer outra categoria é instrumento dos reacionários. O MI detesta contas, safras de grãos, estatísticas, tudo aquilo que interessa à velha direita. Por isso, ela ganha sempre.
O militante imaginário não pode ser confundido com o patrulheiro ideológico. Esse vigia os desvios dos outros. O MI brilha como um exemplo a ser seguido. O MI só ama o todo.
Enquanto a direita só ama a “parte” (sua, claro), o MI nunca leu “O Capital”; a direita também não, mas conhece o enredo. O MI vive falando em “democracia”, mas não acredita nela. Como sempre, os MIs só defendem a democracia como estratégia (“a gente apoia e depois esquece...”) .
Ultimamente, os MIs andam eufóricos — não precisam mais governar e outras chateações administrativas. Agora, estão na doce condição de vítimas. E por aí vão, se enganando, se sentindo maravilhosos guerreiros com “boa consciência”, enquanto contribuem para a paralisia brasileira. É isso aí...
O MI me lembra uma frase de Woody Allen que adoro:
“A realidade não tem sentido, mas ainda é o único lugar onde ainda se pode comer um bom bife”.
O MI não quer bife.
(Publicado originalmente em https://www.institutoliberal.org.br)
Lá vai ele: o pai afetivo da “nova matriz macroeconômica”, a “Mãe Dinah” do crescimento do PIB, aquele que ajudava a escolher quem ficaria rico (quem ficaria pobre era desnecessário escolher: o povo brasileiro), braço direito de Lula e Dilma, aquele que fez o Cristo Redentor decolar e, em seguida, espatifar-se, rumando para o cárcere!
Guido Mantega sempre representou, desde a vitória do PT na corrida ao Planalto em 2002, um elo entre o Estado brasileiro (seus cofres, no caso) e empresários que não curtem muito o sistema de concorrência. Livre mercado no dos outros é refresco. Melhor conversar de perto com o responsável por tornar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social o carro-chefe do modelo de desenvolvimento nacional, eleito pelo governo populista dos “companheiros” como ferramenta para superar a crise financeira de 2008 – a qual foi gerada, justamente, por intervenção estatal indevida do FED no sistema de preços do mercado (juros, no caso).
O Ex-ministro da Fazenda, durante um longo período, transformou o banco de fomento em uma perversa máquina de distribuição de renda às avessas, especialmente após 2009, quando a União passou a ser autorizada, por lei, a conceder empréstimos ao BNDES, até o modesto limite de R$378 bilhões. Ou seja, o dinheiro que irrigou as empresas de Eike Batista e demais “campeões nacionais” (como BRF, Oi e JBS) era oriundo do Tesouro Nacional – ou, pior ainda, era advindo da emissão de títulos da dívida, medida que aumenta as taxas de juros praticadas e dificulta a vida dos demais empreendedores do país, gera inflação e deteriora a situação fiscal do governo federal.
Mas é claro que quem quer rir, tem que fazer rir. Empréstimos subsidiados (concedidos a juros de 2,5% ao ano, sob uma inflação de 10%) com recursos extraídos de todos os demais pagadores de impostos não são para qualquer um. E agora vêm à tona os bastidores destes acordos espúrios, quando o “senhor X”, por exemplo, declara em depoimento à PF que Mantega pediu repasse de cinco milhões de reais ao PT em 2012. Nada mais “justo”, levando-se em conta a contrapartida obtida. Segundo nota da Polícia Federal, “utilizando-se de expedientes já revelados no bojo da Operação Lava Jato, fraude do processo licitatório, corrupção de agentes públicos e repasses de recursos a agentes e partidos políticos responsáveis pelas indicações de cargos importantes da estatal, empresas se associaram na forma de consórcio para obter os contratos de construção das duas plataformas muito embora não possuíssem experiência, estrutura ou preparo para tanto”. E estes eram expedientes corriqueiros.
Mantega sempre se manteve alinhado com a teoria econômica keynesiana, que defende uma maior intervenção estatal na economia, especialmente em tempos de recessão. Ora, para que justificativa melhor do que essa para endividar o Estado no intuito de agradar os camaradas que costumeiramente fazem doações às campanhas eleitorais do partido? Políticos corruptos e empresários corruptores agradecem, Lord Keynes. A cartilha desenvolvimentista serviu como uma luva nos planos do PT de colocar o mercado financeiro a seus pés, e assim eternizar-se no poder. Só que não estava no script a operação Lava-jato, esta pedra no sapato do esquema que pretendia debulhar todas as estatais brasileiras, sendo a Petrobrás apenas a mais visível delas neste momento.
Guido Mantega terá bastante tempo para ler Hayek (o antagonista de Keynes) na prisão, e, quem sabe, mudar sua visão sobre a condução dos mercados – na verdade, ele vai aprender que os agentes econômicos devem operar livremente, em benefício dos próprios consumidores e cidadãos. Pinçar privilegiados é coisa do passado (e de corrupto).
* * Editado: Guido Mantega acaba de ter sua prisão provisória revogada por Sérgio Moro, sob o argumento de que o estado de saúde de sua esposa gera certeza razoável de que ele não irá evadir-se da Justiça. É indiferente: os envolvidos no esquema serão punidos ao final do processo.”
Sobre o autor: Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho, e no exercício da profissão constatou que, ao contrário do que poderia imaginar o senso comum, os verdadeiros exploradores da população humilde NÃO são os empreendedores. Também publica artigos em seu site: https://bordinburke.wordpress.com/
Publicado originalmente em polibiobraga.blogspot.com.br
Os 13 anos de governo Lula-Dilma estão mais para uma longa noite de horror do que para uma breve jornada de sol. Onde os petistas botaram a mão, sujou. As coisas se degradaram. Combate à corrupção? A impressão penosa que teima em permanecer é a de que nunca se roubou tanto na história deste País.
Na oposição, o PT botava a boca no trombone e batia o bumbo, ao menor sinal, à menor suspeita de que alguém tenha lesado os cofres públicos. Cada petista era um implacável Sérgio Moro – que tanto detestam - no rigor com que eles denunciavam os desmandos, as malversações, o roubo. Os corruptos tremiam de medo. O PT era o partido da tolerância zero com as maracutaias, a palavra mágica que Lula cunhou e a companheirada adorava pronunciar – antes de se tornarem especialistas na matéria.
No governo, como se tivessem chegado com a sede de quem atravessou o deserto, foram ao pote. E que sede, companheiro, que sede! Em meses, já estava organizado o mensalão, que acabou levando à cadeia a alta cúpula partidária, ícones e heróis como José Dirceu e José Genoíno. Começou então a saga dos tesoureiros do PT, cargo de alta periculosidade. Depois de Delúbio Soares, agora é a vez de João Vaccari Neto e Paulo Ferreira curtirem uma cana.
A prisão dos tesoureiros do PT mostra que a teoria da organização criminosa não é nenhum preciosismo legal ou exagero. Parece que no caso dos outros partidos, como o PP e o PMDB, os malfeitos eram no âmbito individual. No caso do PT, acontecia na pessoa jurídica, com CNPJ e tudo.
Por muito pouco, o primeiro governo Lula não terminou logo na primeira aventura no ramo dos assaltos aos cofres públicos. Mas era apenas o começo. Já estava em curso a organização de uma rede criminosa ainda mais sofisticada, o Petrolão.
Que ninguém afirme que o PT foi incompetente em tudo, porque o partido era (e ainda é) imbatível em “construir a narrativa”, essa vigarice de carimbar uma versão de sua conveniência como verdadeira e definitiva. Assim o PT, na mesma hora em que acusava os adversários de privatizar a Petrobras, cuidava de transformar a estatal num covil de ladrões, de modo a servir unicamente os seus próprios interesses, e dos aliados como o PMDB e o PP. No rolo compressor, não faltou quem tenha embolsado por fora o pró-labore particular, pelos serviços prestados ao partido.
Na escalada da bandalheira, não há balaio que abram de onde não saiam, grudados, caranguejos, moluscos, cobras, lagartos, e toda a fauna que de algum modo simbolize a linha de montagem da corrupção, o ataque sistemático, de mão leve e de mão pesada, ao ervanário público.
E não passa dia que não se abra um novo baú, como agora dos fundos de pensão das estatais brasileiras. Faz tempo que a turma mama na Petrus, Previ, Funcef e Postalis. Vem chumbo grosso por aí. Desde o governo FHC que o PT deita e rola no pedaço.
No ínterim, não me convidem para qualquer ato de “Fora Temer”. As oposições de agora, no seu papel, gritam nas ruas, usam camisetas e até sandálias com a inscrição “Fora Temer”. Mas “Fora Temer” para quê? Para a volta da ladroagem? Me incluam fora dessa.
Na política brasileira, os fatos chocam menos que sua enunciação. Quem acompanha de perto os desdobramentos da Lava Jato, em curso há dois anos, já conhecia cada um dos fatos narrados pelos procuradores na quarta-feira passada, em Curitiba.
Não houve, pois, espanto quanto ao conteúdo. A surpresa foi a ousadia, rara, de dar nome (e patente) ao boi, Lula, brindando-o com os títulos de "chefe", "maestro" e "general", que, se não eram inéditos (e não eram), ganharam agora o selo institucional.
O próprio procurador-geral Rodrigo Janot, em junho, já o havia denunciado ao STF, ao lado de Dilma, Aloizio Mercadante e José Eduardo Cardoso, por tentativa de obstrução da Justiça, em decorrência da delação do ex-senador Delcídio do Amaral.
Ora, inocentes não obstruem a Justiça; anseiam por ela. Há dias, o ministro Teori Zavaski, incumbido da Lava Jato no âmbito do STF, rejeitou recurso da defesa de Lula, que queria evitar Sérgio Moro. Não apenas rejeitou, como a acusou de estar querendo embaraçar as investigações. A diferença é que o fez sem estardalhaço. Mas fez.
Desde o Mensalão, a responsabilidade central de Lula nos acontecimentos criminosos da República era óbvia - e até mesmo a blindagem política que recebia (e ainda recebe) o evidenciava.
O temor de afrontar a popularidade que então tinha fez com que mesmo o denunciante-mor, o então deputado Roberto Jefferson, o poupasse. Somente quando o processo já estava em curso, e era tarde para incluí-lo, acusou-o. Na ocasião, chegou a ser publicado um livro sobre o Mensalão, com densa documentação, tendo Lula na capa e o título: "O Chefe", de autoria do jornalista Ivo Patarra.
Como Lula não estava nos autos – já que o então procurador geral Antonio Fernando de Souza não ousou acusá-lo -, sentiu-se à vontade até para afirmar que o Mensalão não existira.
O que excita e surpreende na entrevista desta semana dos procuradores não é o que revelaram, mas o que ainda ocultam. Pela ousadia e segurança de suas afirmações, ficou claro que dispõem de lastro para sustentá-las. O que a defesa de Lula considerou "verborragia", é apenas manifestação de pânico, algo assim como "o que mais eles já têm?" Santo André, talvez.
Os advogados sabem que a entrevista não se confunde com a denúncia e suas 149 páginas, de que constam provas as mais variadas: testemunhal, documental, pericial, indiciária.
É o relatório, não a sequência de slides, exibida aos jornalistas, que irá fundamentar a decisão de Sérgio Moro. A entrevista apenas resume a peça acusatória, que irá se somar às delações de empresários – as já feitas e as por fazer.
E há gente graúda por depor - Emílio Odebrecht, por exemplo, e outros, do mesmo naipe, que já o fizeram. E Lula está em todas essas confissões, em que o enredo é um só. Lula sabe que há muito mais por vir. O que o aflige é não saber ainda o que dele já se sabe.
O tríplex e o sítio, por exemplo, são café pequeno, mas mesmo assim evidências concretas de um vasto esquema de pagamento de propinas com dinheiro roubado da Petrobras.
Leo Pinheiro, da OAS – de todos os empreiteiros, o mais intimamente ligado a Lula -, já confessou que sítio, tríplex, reformas em ambos e mobiliário eram doações a Lula, a serem "descontadas" do montante de propinas que a empreiteira devia ao PT do botim da Petrobras. O que foi revelado, pois, é apenas o que se chama de fio da meada de um imenso novelo, que abarca todos os segmentos da administração pública, ao longo de quatro governos petistas.
E é esse vasto esquema que já está mapeado, tendo no comando e como beneficiário principal o ex-presidente Lula.
Lula e seus advogados sabem disso. O PT sabe disso. Daí o empenho, já demonstrado na fala inicial de Lula, de transformar denúncia de caráter penal em perseguição política.
Os desdobramentos desse entrechoque entre acusação e defesa, que em circunstâncias normais se daria nas barras do tribunal, preocupam. O ambiente está radicalizado. O PT irá às últimas consequências para se firmar no papel de vítima. Resta saber se haverá povo para segui-lo. Até aqui, os sinais são escassos.
O que está em pauta é apenas a primeira parte do processo, que é saber quem fez o quê. A seguinte é saber para onde foi tanto dinheiro – os bilhões da Petrobras não esgotam a rapina.
Há ainda os cofres da Caixa Econômica, do BNDES, do Dnit, dos fundos de pensão. Tanto dinheiro – até aqui, mais de R$ 100 bilhões – não cabe no bolso de ninguém. Parte dele foi para governos bolivarianos e ditaduras africanas. Com que propósito? Esse é o capítulo seguinte, que se inicia na sequência.
* Jornalista