• Merval Pereira - O Globo
  • 20 Maio 2016

(Publicado originalmente em O Globo de 20/15/2016)


Nada como uma derrota para revelar as verdades escondidas do poder que predominou nos últimos 13 anos. Além dos imensos buracos na contabilidade pública que serão denunciados pelo próprio presidente Temer, temos agora revelados em nota oficial alguns objetivos prioritários do partido.

Aproveitando-se da democracia, o partido sempre tentou avançar em decisões autoritárias para controlar setores fundamentais do Estado. Quando denunciado, recuava e negava segundas intenções, como nas inúmeras vezes em que tentou aprovar projetos de controle dos meios de comunicação, com diversos nomes e variadas desculpas.

Agora, afinal, o próprio Diretório Nacional do PT solta uma nota oficial, à guisa de autocrítica, que revela os planos mais recônditos. Esses comentários irritaram setores das Forças Armadas, por exemplo, e confirmam que o partido sempre pensou em controlar o Ministério Público e a Polícia Federal, além de reafirmar o objetivo de controlar os meios de comunicação através da manipulação das verbas publicitárias.

Diz a certa altura o documento do PT: "Fomos igualmente descuidados com a necessidade de reformar o Estado, o que implicaria impedir a sabotagem conservadora nas estruturas de mando da Polícia Federal e do Ministério Público Federal; modificar os currículos das academias militares; promover oficiais com compromisso democrático e nacionalista; fortalecer a ala mais avançada do Itamaraty e redimensionar sensivelmente a distribuição de verbas publicitárias para os monopólios da informação."

O comandante do Exército, general Eduardo Villas Boas, segundo a jornalista Eliane Cantanhede do Estado de S. Paulo, reagiu com irritação à Resolução do Diretório Nacional do PT sobre Conjuntura. "Com esse tipo de coisa, estão plantando um forte antipetismo no Exército", disse o comandante, considerando que os termos da resolução petista de maneira geral "remetem para as décadas de 1960 e de 1970? e têm um tom "bolivariano", ou seja, semelhante ao usado pelos regimes de Hugo Chávez e agora de Nicolás Maduro na Venezuela e também por outros países da América do Sul, como Bolívia e Equador.

Segundo Cantanhede, o general Villas Boas disse que as Forças Armadas, "atravessaram todo esse momento de crises cumprindo estritamente seu papel constitucional e profissional, sem se manifestar e muito menos sem tentar interferir na vida política do país" e esperam, no mínimo, reciprocidade.

Já o General Rego Barros, do Centro de Comunicação Social do Exército, me enviou uma mensagem em que afirma que "a recente resolução sobre conjuntura do PT apresenta alguns percepções equivocadas e ideologizadas sobre as Forças Armadas e a destinação das instituições que servem de esteio ao Estado".

Para Rego Barros, "a nossa postura, sempre equilibrada, mostra porque é essencial continuarmos balizando nossas ações com base nos três pilares defendidos pelo comandante: estabilidade - legalidade – legitimidade".

A questão mais sensível do ponto de vista das Forças Armadas é a interferência nos currículos das escolas militares, tema que já deu problemas anteriormente. A presidente Dilma assinou um decreto em setembro de 2015 transferindo para o ministério da Defesa poderes dos comandantes militares, aparentemente apenas burocráticos, mas que dariam margem justamente à interferência nos currículos das escolas militares.

Quem levou o decreto à presidente foi a secretária-geral do ministério, a petista Eva Maria Chiavon, sem consultar o ministro interino, o Comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, que apareceu no Diário Oficial como tendo assinado o decreto, mas garantiu que nunca o fez.

Eva Maria Chiavon é casada com Francisco Dalchiavon, o principal executivo do MST, número 2 de João Pedro Stedile, encarregado de negociar a produção das cooperativas. O Art. 4º do decreto revoga o Decreto nº 62.104, de 11 de janeiro de 1968, que delegava "competência aos ministros de Estado da Marinha, do Exército e da Aeronáutica para aprovar, em caráter final, os regulamentos das escolas e centros de formação e aperfeiçoamento respectivamente da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica militar".

Ao revogar o decreto de 1968, essa função passaria automaticamente para o ministério da Defesa. Ao identificar que o ensino e a formação dos militares poderiam ser enfeixados nas mãos do ministro da Defesa, começou a paranóia de que a esquerda petista estaria tentando avançar sobre a formação de oficiais. O decreto foi neutralizado por outro, mas a nota do Diretório Nacional do PT mostra que realmente o partido tinha entre suas prioridades o aparelhamento do ensino nas escolas e centros de formação militares.
 

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  • Genaro Faria
  • 18 Maio 2016

O estamento político que Raymundo Faoro identificou como um patrimônio de famílias privilegiadas, donatárias do poder, foi terceirizado. Quase não se lê mais os sobrenomes daqueles que figuravam nas mais altas instâncias da política. O que se vê é esse estamento deixar de brilhar nas colunas sociais. E ganhar as manchetes das crônicas policiais. A política fixou seu domicílio nas páginas que eram frequentadas pelo crime, pelo submundo. Ser político passou a ser o antônimo de homem público. E sinônimo de cafajeste.

E não foi à toa. O capítulo da nossa história que os políticos escreveram no presente não merece que o futuro lhe dedique um livro que nos orgulhe. Ao contrário, sobre ele nossos estudiosos vão se debruçar perplexos e envergonhados.

Mas não será assim que nós aprendemos, com os nossos erros?

A História não economiza essa lição nem é de outro modo que nós deixamos infância e a adolescência.

Muito menos a Biologia. O útero é o órgão de músculos mais poderosos do ser humano, muito mais que o coração, porque é do ventre da mulher que a vida rompe a escuridão para se iluminar. E essa a primeira e mais misteriosa revolução que experimentamos.

É de uma revolução assim que nosso país está carente. Para a vida. Que ao mesmo tempo é drama, aprendiz de seus tantos tropeços,dos amores desfeitos em cicatrizes que lhe penduram um retrato da pessoa amada na parede da alma. E nos acalma. Porque a vida é amor. E o amor não se extingue.

Sim, o Brasil está carente de uma revolução. Precisamos fazer com que os políticos sejam homens públicos. Que eles nos representem. Que façam o jogo do poder com competência – o que envolve artes e artimanhas necessariamente – mas com o objetivo de defender seus mandatários. E não sejam como advogados que traem os interesses de seus clientes.

Está claro que o Brasil precisa mesmo de uma revolução. E como está! Uma revolução em que os intelectuais, artistas, jornalistas e juízes resistam ao poder estatal descomunal em face um simples cidadão marginalizado pela arrogância de governantes que desprezam a lei. Estamos carentes dessa elite que, historicamente, arrostou o poder. E triunfou, conquistando, assim, o carinho e a admiração que transcendem seu talento excepcional.

Por último, mas não por menos, ao contrário, principalmente, o Brasil precisa recuperar a maior revolução de todos os tempos. A revolução que precisou sacrificar-se na cruz para nos dar à luz o que nosso intelecto não pode nos revelar. Um espelho da nossa imagem que se reflete no infinito.

Essa revolução é que nos trará de volta a dignidade humana que os ilusionistas solaparam e, por fim, sabotaram de nossa cidadania. E roeram o patrimônio nacional como um queijo que o Brasil esqueceu-se de guardar. Pois ninguém se levantou para afugentar os ratos.

Ora, um assalto assim não se pratica à luz do dia impunemente. Muito menos com louvores aos assaltantes. Nem mesmo numa democracia mais formal do que real. Como a nossa.

Neste ponto de exclamação é que concluo: O Brasil carece muito de uma revolução. Uma revolução em que o Estado, nossa criatura, esteja ao nosso serviço, seu criador. Que os políticos sejam nossos servidores e nós não sejamos seus serviçais. Que os intelectuais escrutinem nossa realidade e nos esclareçam, ao invés de pretender nos submeter à ideologia que toldam seu descortino. E que os artistas honrem a tradição libertária que rejeite qualquer moldura que possa cortar suas asas.

E como o sonho é um território comum a todo ser humano, não me esquivo de dizer que só faltaria ao Brasil voltar a ter uma Igreja católica, apostólica e romana. Não, cubana.
 

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  • Francisco Ferraz
  • 18 Maio 2016

Da série "Antes que me esqueça..." nº06

Lula tem motivos de sobra para aparecer abatido, deprimido, preocupado, como atestam as fotos feitas na área externa do palácio do Planalto, por ocasião da saída de Dilma.

O rastreamento de suas pegadas pela operação Lava Jato, a aprovação do impeachment e as nuvens ameaçadoras que pairam no seu horizonte político e no seu partido são motivos de sobra para seu estado de espírito.

Creio, entretanto que há outras razões e, provavelmente mais graves e difíceis de lidar, que passam despercebidas.

Refiro-me às relações de Lula e Dilma e, curiosamente, às condições políticas do criador e da criatura no futuro próximo.

Dilma, por uma daquelas situações imprevistas que se constituem na política, ganhou com o impeachment uma liberdade que antes não tinha: não precisa mais fazer o que não sabe e, ainda por cima, fingindo que sabe - governar.

Não corre mais o risco de presidir o país em meio ao caos econômico e político. O jogo do poder empurrou-a para a guerrilha política novamente, talvez a única forma de política que sabe jogar, restabelecendo uma continuidade que fora rompida na década de 70.

Por guerrilha política entenda-se um conflito político (não militar) feito de escaramuças pontuais para desgastar o inimigo, enfraquecê-lo e conquistar o poder.

Atente-se para o que ela ganhou com o afastamento compulsório provocado pelo processo de impeachment.

Ganhou um inimigo – Temer e seu governo; ganhou os meios de combate – veículos, casas, recursos para viajar dentro do país e no exterior, acesso aos meios de comunicação, auxiliares pagos; ganhou uma causa – lutar contra o golpe em nome da democracia que ela não precisa justificar; ganhou também um tema emocional para mobilizar apoio – sua vitimização; ganhou ainda aliados no Brasil e no exterior, o suficiente para produzir fatos, notícias e declarações; ganhou uma condição mais protegida que Lula em relação à ameaça da operação Lava Jato; e ganhou um partido que, goste ou não, terá que fazer dela a sua bandeira.

Lula, contrariamente à Dilma, será obrigado a “jogar na defensiva” e a ofensiva que lhe restará será apoiar Dilma...

Apoiar Dilma é o que ele tem feito, contrariando seus desejos e ambições. Apoiou de mau grado – segundo se diz - na eleição que desejava disputar; apoiou ao oferecer seus auxiliares mais próximos (Wagner, Berzoini) para ajudá-la no governo, apoiou ao aceitar tornar-se chefe da casa civil do seu governo – uma nítida posição de inferioridade – e apoiou ao se instalar no Hotel Royal Tulip para conseguir votos para ela na Câmara e no Senado.

Ao aceitar a posição subalterna e ao pôr sua reputação, prestígio e esforço à serviço da luta contra o impeachment, Lula deu-lhe o reforço de legitimidade – dentro do PT e na esquerda – com o qual ela poderá removê-lo da liderança do partido.

Se Dilma conseguir evitar o impeachment (o que até agora parece pouco provável) não precisará mais de Lula ao seu lado e, ao contrário, Lula talvez seja então um peso a carregar. Ela terá ocupado o espaço do comando do PT, por ter logrado uma vitória em condições muito difíceis e, mais ainda, poderá herdar de Temer um Brasil certamente melhor, no rumo do crescimento e da estabilização.

Se non è vero, forze è bene trovato.
      

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  • Jayme Eduardo Machado
  • 17 Maio 2016



Cidadãos eleitores, em regra somos seduzidos pelos pensamentos mágicos dos candidatos. O poder de enganar dos magos da política é irresistível. O impossível é o seu objetivo, o imediatismo é o seu tempo. Enfim, abrem caminho pelo atalho cego da irracionalidade que percorremos na sofreguidão da pressa, porque tudo “urge”. Sequer a sucessão de frustrações parece ser suficiente à constatação de que invariavelmente ele – o tempo - se vinga das coisas feitas sem a sua colaboração. Na política tem sido assim: ou tarde nos damos conta, ou cedo nos desenganamos. Lidamos mal com o tempo.

Foi tarde quando percebemos que servíamos de experimento ao “pensamento mágico” apregoado pelos arautos da adaptação bolivarianista do socialismo do Século XXI. Nada além da réplica de um modelo fora de linha, enjambrado com o material reciclado do muro de Berlin - parece que ideologias que ficam velhinhas lá fora, encontram aqui o derradeiro asilo - . Enfim, pensar bem, mas executar mal, sem aprender com o tempo, é traço nosso.

Pois agora mesmo já constatamos que a alternativa resultante da estranha decisão que garantiu à presidente afastada a possibilidade de conspirar contra o governo interino na sua própria Casa, também é falsa. Pensaram bem os que apoiaram a saída de quem aceitou ser devorada no ritual autofágico da corrupção. Mas pensou mal quem imaginou pudéssemos ser salvos pelo núcleo duro dos ex-condôminos do Planalto. Se acham essa verdade frágil é só porque nem eu nem ninguém gostaria de ouvi-la. Mas, na real, estamos trocando a parte de um governo devedor de honestidade e eficiência que tarde afastamos – outubro de 2014 era o limite – pelos então fiadores do caos que juntos provocaram.

Mas ainda há um repertório de “pensamentos mágicos” em que apostar. Em uma dentre as centenas de gavetas emperradas no STF, guarda-se há mais de 20 anos o processo que se relaciona com uma bem-vinda emenda parlamentarista. E há outra, no TSE que, se aberta, será capaz de cassar a “chapa do presidencialismo de coalizão”. Como se percebe, ainda há mágicas em que acreditar, mas o diabo é a desconfiança nos mágicos.
 

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  • Luis Milman
  • 17 Maio 2016



Ganha força no Brasil o debate sobre o desmonte da hegemonia da esquerda sobre a produção de cultura, conteúdos acadêmicos e da mídia tradicional. A extinção do Minc pelo governo Temer veio em boa hora, porque pelo ministério passava boa parte do financiamento dos artistas, jornalistas , escritores e outros amigos amestrados do lulopetismo. Sem a fonte de financiamento, todos eles ficarão à mercê de seu próprio trabalho, sem subvenção e lançados ao seu mercado, que é onde os intelectuais, como todo mundo, devem estar. Mas ainda há muito a fazer. A tal arte e cultura radical de esquerda, que expressa seu modo de ver o mundo político e moral, está enraizada organicamente há pelo menos 40 anos nos chamados meios cultos (universidade, escola, mídia), sem que tivéssemos, durante este tempo, qualquer contraponto liberal ou conservador a ela. Tanto é assim que o pensamento conservador foi identificado, pela esquerda, ao pensamento reacionário e associado à resistência ideológica de pastores evangélicos ou de defensores da ditadura militar.

O que importa entender é que o ethos da esquerda penetrou fundo na nossa linguagem, por meio da qual analisamos e entendemos a política, a moralidade e a cultura. O debate é sempre pautado por uma normatividade esquerdista, que mobilizou minorias e compartimentou a sociedade em setores de oprimidos, a saber, os negros, os índios, os gays, as mulheres e as periferias. Esta é uma instrumentalização de natureza política porque seu propósito é duplamente político, ou seja, organizar o que se convencionou chamar de excluídos e fomentar, na consciência dos cidadãos médios, um sentimento de culpa por sua posição econômica e cultural. A esquerda - e o lulopetismo em especial- construiu essa narrativa, que polariza a sociedade entre aqueles que querem transformar suas estruturas alegadamente reacionárias e os demais, identificados com a realidade opressiva, ainda que de modo inconsciente. O efeito resultante desta polarização foi a pauperização do debate intelectual e a criação de clichês de esquerda hiperativos na mentalidade dos brasileiros, esparramados pela mídia, além da progressivo avanço da permissividade nos costumes, aceita como se fosse natural em nossa sociedade.

A resistência a esse estado de coisas, por tais razões, adquire contornos de emergência, se quisermos passar a viver numa sociedade plural, na qual padrões de racionalidade sejam respeitados e o nível de exigência do debate intelectual venha a ser mais elevado. Se isto não ocorrer, o lulopetismo, que trabalha pelo rebaixamento da inteligência e da moralidade, terá perdido uma batalha política, mas permanecerá ativo nos meandros da vida social, pautando os debates culturais. Daí que podemos permanecer reféns de um paradoxo: a queda do lulopetismo no âmbito político e sua permanência articulada no âmbito cultural. No governo Temer, os meios de produção cultural e de informação, incluindo-se aí as escolas e a mídia, devem ser desafiados a abrir espaços para o pensamento de direita no país, primeiro para exorcizar os fantasmas que fazem uma equivalência precária entre conservadorismo e reacionarismo e, segundo, pelo estímulo à contribuição para o debate nacional em política e cultura, com a participação de estudiosos que representam posturas conservadoras e liberais nos campos político, econômico e estético.
 

 

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  • Roberto Rachewsky
  • 17 Maio 2016

 

Jovens invadem e depredam aquele que deveria ser o mais sagrado dos lugares.

Não é uma igreja, não é um palácio, não é um estádio, é uma escola.

Escolas são lugares sagrados, não no sentido divino ou religioso, mas compreendido como um lugar a ser venerado porque ali se busca o saber, o conhecimento. É ali que se exercita a razão, nossa única ferramenta para a preservação da vida.

Escola não é lugar onde se produz e difunde dogmas, como uma igreja; não é lugar onde se possa produzir coerção, como num palácio; não é lugar para se deixar mover pela paixão, como num estádio.

Escola é lugar para a descoberta da verdade. Não é um lugar para se aprender a obedecer os outros, é um lugar para se aprender a usar a razão, para se aprender a conhecer a realidade, aprender a lógica, descobrir a natureza.

Escola não é um lugar de doutrinação, de catequese, de cooptação, de arrebatamento.
Escola é um lugar para se construir mentes livres e independentes, capazes de gerar valor com base no entendimento.

Entendimento de como as coisas funcionam e como se pode cooperar para aprimorá-las.

Escolas, igrejas, palácios e estádios são lugares simbólicos, cada um com o seu significado.

Todos podem abrigar pessoas com boas ou más intenções. No entanto, não há lugar onde a ação humana terá maior e mais duradoura repercussão do que numa escola.

É ali que se investe no futuro, é ali que se constrói, quase que irreversivelmente, a próxima geração.

Escolas deveriam ser mantidas, pedagógica, operacional e financeiramente, como as mentes de seus frequentadores, livres e independentes, longe dos dogmas, longe da coerção, longe das paixões.

 

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