• Paulo Caliendo e Paulo G. M. de Moura
  • 09/12/2016
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FINANCIAMENTO DOS PARTIDOS: O XIS DA QUESTÃO

 

(Publicado no Estadão)


O desespero dos políticos após a traumática experiência de financiamento eleitoral com a proibição da doação de empresas, acrescida da maior rigidez na fiscalização das contas de campanha pela Justiça Eleitoral, com suporte do Tribunal de Contas da União (TCU), é evidente. Sem poder captar como faziam antes e menosprezando a fiscalização mais rígida, políticos de todo o País praticaram ao menos seis tipos de irregularidades detectadas pelo pente-fino da Justiça: doações feitas por beneficiários de programas sociais; doações feitas por desempregados; doações feitas por pessoas que constam como mortas nos registros oficiais; doações em valores incompatíveis com a renda declarada do doador; concentração de doadores numa mesma empresa; doadores responsáveis por empresas e instituições que recebem repasses de dinheiro público.

Segundo levantamento do TCU, entregue ao Tribunal Superior Eleitoral, o montante arrecadado sob suspeição chega a R$ 1,041 bilhão, valor que corresponde a quase 50% do total arrecadado por candidatos e partidos em todo o País, que atingiu R$ 2,615 bilhões.

Nem bem fechadas as urnas, os políticos pautaram a revisão da legislação eleitoral atirando para dois lados: aumento do Fundo Partidário dos atuais R$ 800 milhões para R$ 3 bilhões por ano e volta do financiamento empresarial com nova embalagem.

Democracia tem custos e seu financiamento é questão central para a saúde das instituições. É inegável a necessidade de aperfeiçoar a legislação após esta primeira experiência. Para isso, então, convém retomarmos a análise da questão desde suas origens.

No auge da retomada democrática de 1946, a Assembleia Constituinte instalada inovou a ordem constitucional ao introduzir uma nova espécie de imunidades tributárias. O artigo 31 estabelecia que era vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios lançar impostos sobre templos de qualquer culto, bens e serviços de partidos políticos, instituições de educação e de assistência social, desde que as suas rendas fossem aplicadas integralmente no País para os respectivos fins.

O objetivo dessa norma era proteger o pluralismo partidário contra as incursões de um governo presidencial forte ou mesmo autoritário. A experiência com o Estado Novo getulista era ainda muito presente. A forte concentração do poder político nas mãos de um governante e de um partido devia ser combatida. O modelo político utilizado, de inspiração fascista e corporativista, não impedia diretamente a organização partidária e a liberdade de imprensa, antes a sufocava por meio de privilégios partidários e de bloqueios indiretos. Um dos casos mais notórios era o uso da tributação como forma de estrangulamento financeiro da oposição.

Com base nesse histórico, o texto de 1946 insculpiu uma regra que se manteve em todos os textos constitucionais posteriores, inclusive na Carta de 1967 e no Ato Institucional n.º 1, de 1969, até chegar à Carta de 1988. A sua recepção foi saudada, inicialmente, como uma prova de solidez partidária, como barreira pétrea aos abusos contra a liberdade de consciência, como limite absoluto ao poder de corromper do Estado.

O STF cuidou esmeradamente de proteger o dispositivo, consagrando-o em modo amplo, estendendo a imunidade a praticamente todos os aspectos da renda, do patrimônio ou dos serviços prestados pelos partidos, desde que sem fins lucrativos. Decisão após decisão, a imunidade foi fortalecida, robustecida, estendida e, inadiavelmente, deturpada.

O texto que era para proteger passou paulatinamente a fomentar. Tornou-se um mecanismo de financiamento indireto a se somar a outros de financiamento direto dos partidos políticos, tal como o obeso Fundo Partidário. Os vultosos recursos arrecadados a fórceps dos pagadores de impostos foram desviados dos serviços-fim e entregues ao financiamento da máquina partidária, turbinada por um sem-número de mecanismos indiretos de financiamento. A imunidade de cláusula de proteção virou mecanismo de promoção. Estes mecanismos proliferam em siglas sem conteúdo programático claro. O cidadão dificilmente consegue identificar verdadeiras estruturas partidárias, de estruturas empresariais com verniz partidário.

É o momento de rever o financiamento dos partidos políticos no País. Somos um dos poucos países do mundo que combinam um regime tributário especial com outros mecanismos de financiamento direto. Trata-se de uma deturpação que ofende a democracia, desmoraliza a vida partidária e permite a proliferação do oportunismo. O financiamento partidário deve ser realizado de forma direta, pelos indivíduos apoiadores da ideologia e do programa do partido com o qual se identificam, e não pelo conjunto da sociedade; muito menos sob intermediação do Estado, via imposto.

Ora, dirão os críticos, mas os brasileiros não têm esse hábito e com a imagem atual da classe política não vão botar a mão no bolso para financiar esses partidos e os candidatos que oferecem aos eleitores. Ora, pergunta-se então: o problema é o financiamento individual por livre adesão dos cidadãos ou é a péssima qualidade dos nossos partidos e seus candidatos?

O modelo inaugurado no pleito de 2016 é perfeito? O autofinanciamento de candidatos milionários garante a isonomia dos competidores? A vantagem dos candidatos que concorrem à reeleição no exercício de mandatos é democrática e isonômica? O financiamento empresarial por empresas sem negócios com o Estado, a partir de um teto definido e destinado só a um único partido é aceitável e coerente com o princípio do financiamento direto individual? Uma regra de transição com prazo definido, prevendo a evolução gradual do modelo vigente para o novo, amparado no financiamento individual exclusivo, é admissível e necessária? Quem está disposto a fazer a coisa certa?

*Paulo Caliendo. Doutor em Direito Tributário PUC/SP e Professor do PPGD PUC/RS - caliendo@cedadvogados.com.br
*Paulo G. M. de Moura. Mestre em Ciência Política UFRGS e Doutor em Comunicação PUC/RS - professorpaulomoura@gmail.com