• Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça
  • 13 Favereiro 2018

 


Não é novidade a prática de rotular pejorativamente pessoas cujas opiniões e condutas destoam da cultura hegemônica em determinada época, independentemente da razoabilidade lógica ou legitimidade moral de suas motivações e argumentos. A etiqueta preferida é a que lhes imputa a condição de “loucas”.

Na história da humanidade sobejam exemplos de vítimas desse infame artifício. Gênios como Leonardo da Vinci (1452-1519), Isaac Newton (1643 a 1727), Alexander Graham Bell (1847 a 1922), Thomas Edison (1847 a 1931), Nikola Tesla (1856 a 1943), Albert Einstein (1879 a 1955) e tantos outros vultos da ciência e das artes foram classificados como “loucos” por seus contemporâneos, em razão de suas ideias e de seus comportamentos considerados excêntricos frente aos padrões tidos por “normais”. Muitos deles, enquanto não alcançaram reconhecimento por suas descobertas ou feitos extraordinários, foram perseguidos, ridicularizados, ofendidos e discriminados pela intelligentsia.

Mas ainda antes, entre 60 e 62 d.C., a narrativa constante do livro dos Atos dos Apóstolos, cuja autoria é atribuída ao evangelista Lucas (médico e historiador), dá conta de que o mesmo rótulo foi lançado sobre Paulo de Tarso (o Apóstolo dos gentios) quando exercia sua autodefesa de falsas acusações perante o Rei Herodes Agripa II e Pórcio Festo, Governador da Cesaréia, capital da província romana da Palestina (Capítulo 26, versos 1 a 23). Enquanto Paulo discursava, inclusive narrando as circunstâncias de sua repentina e surpreendente conversão de perseguidor implacável da Igreja Cristã à condição de pregador do cristianismo, Festo o interrompeu em alta voz, bradando: “Estás louco, Paulo; as muitas letras te fazem delirar!” (verso 24). Paulo, por sua vez, replicou destemidamente, com autoridade de quem diz a verdade: “Não deliro, ó excelentíssimo Festo, antes digo palavras de verdade e de perfeito juízo.” (verso 25).

Ora, Paulo não era um plebeu iletrado. Tampouco padecia de doença mental. Ao contrário, era homem culto e erudito, poliglota (falava e escrevia em hebraico, aramaico, latim e grego), instruído segundo toda a lei judaica, em Jerusalém, pelo famoso Rabino Gamaliel (um dos maiores e mais ilustres doutores da Lei na época), além de ser conhecedor da cultura e filosofia greco-romana (vide Atos 5:34, 13: 17-41, 17:18, 22:2 e 3, 23:6; Filipenses 3:5; I Coríntios 14:18). Paulo fora alguém respeitado por seus concidadãos, tanto que merecera confiança e delegação de autoridade dos líderes judaicos para perseguir, prender e até matar cristãos, como o mártir Estevão (Atos 7:54 a 8:3). Mesmo assim e apesar de seu bem articulado e veemente discurso, que por pouco não convenceu o Rei (“E disse Agripa a Paulo: Por pouco me queres persuadir a que me faça cristão!”
Atos 26:28), foi arbitrariamente interrompido e tachado de “louco” porque sua fala e conduta destoavam do padrão ditado pela hegemonia cultural vigente. Um raso e conhecido artifício da erística , para desacreditá-lo e desmoralizá-lo publicamente diante da autoridade e demais presentes, que o ouviam atenciosamente.

Guardadas as devidas proporções e circunstâncias, fato é que atualmente, neste mundo pós-moderno, em que importantes valores civilizatórios estão sendo questionados e postos “de ponta cabeça”, a infame etiquetagem continua “de vento em popa”. E com objetivo claro: humilhar, constranger, calar, isolar e lançar no ostracismo todos aqueles que ainda os defendem e cultivam, mantendo-os sob efeito da “espiral do silêncio”.

Nos dias que correm, para tornar-se potencialmente merecedor do rótulo de “louco” basta que o sujeito, por exemplo:

1) esteja casado com pessoa do sexo oposto há mais de 05 anos, valorize o casamento heterossexual monogâmico e se desvie deliberadamente das oportunidades de adultério;

2) priorize a vida familiar e a participação na educação dos filhos, abdicando de momentos de lazer com amigos e/ou da ascensão e fama profissional, se inconciliáveis estes com aqueles;

3) considere seu trabalho mais do que fonte de renda ou status, mas algo que lhe dá sentido à vida, uma vocação e uma oportunidade de servir ao próximo e promover o bem comum (alto risco de classificação como “megalomaníaco”);

4) creia em valores morais absolutos e imutáveis, busque viver de forma coerente com sua fé, participe de alguma igreja, contribuindo financeiramente e/ou prestando serviços voluntários nos finais de semana e horários de folga (alto risco de classificação como “fanático”, “fundamentalista religioso”, “radical”, “puritano” etc);

5) aprecie músicas eruditas ou populares de boa qualidade técnica, com letras que não exaltem a licenciosidade sexual, a objetificação do ser humano, a malandragem ou o banditismo (além da etiqueta de loucura, atrai classificação de “pedante”, “elitista”, “chato”, “moralista” etc.);

6) tenha aversão a pichações em locais públicos, exposições de “arte moderna” ou “queer”, considerando-as expressões de mau-gosto e/ou manifestações ofensivas (afora o label da insanidade, podem recair acusações de censura e preconceito, bem como adjetivações de “retrógrado”, “antiquado”, “reaça” etc);

7) acredite que a escola deve ensinar língua portuguesa (conforme a norma culta), matemática, biologia, física, química, geografia, história e outras matérias do currículo, com isenção político-ideológica, ao passo que à família compete educar crianças e adolescentes (inculcar-lhes valores éticos, morais, religiosos e a orientação sexual);

8) acredite no mérito e no esforço individual como meios para alcançar êxito na vida pessoal e profissional, enunciando ressalvas ao sistema de cotas raciais;

9) expresse sua indignação e intolerância à criminalidade, manifestando-se pelo direito à posse/porte de armas de fogo pelos cidadãos para exercício do direito de legítima defesa, pela maior severidade na aplicação das penas privativas de liberdade e rigor na execução penal, pela redução da maioridade penal, pela admissibilidade da prisão perpétua ou da pena de morte, preconizando defesa dos direitos humanos das vítimas;

10) enuncie opiniões contrárias ao aborto, à legalização das drogas, à pregação da ideologia de gênero nas escolas, à erotização infanto-juvenil, ao casamento homoafetivo e à participação de indivíduos transgênero em competições esportivas com indivíduos do sexo oposto , inclusive em lutas de MMA, em que indivíduos biológica e fisiologicamente do sexo masculino/homens - em evidente superioridade física - agridem violentamente e subjugam indivíduos do sexo feminino/mulheres! (estes posicionamentos ensejam, é claro, xingamentos clássicos como “machista”, “fascista” e “homofóbico”).

Veja-se que muitos desses comportamentos ou opiniões não causariam maior estranheza há alguns anos ou décadas. Contudo, a cultura da sociedade ocidental sofreu gradual subversão, sendo atacada por uma espécie de surto anticivilizacional. O que outrora revelava virtude e era incentivado como sendo bom e salutar, passou a ser apontado como sintoma de loucura, motivo de escândalo, xingamentos, quando não de imputações criminais! 

Por outro lado, a promoção ostensiva de pautas ditas progressistas, como a liberação do aborto (“meu corpo, minhas regras”), a legalização das drogas, a volubilidade e descompromisso nas relações amorosas e sexuais, a ridicularização dos conceitos tradicionais de casamento e família e sua substituição por qualquer tipo de união afetiva, a doutrinação escolar acerca das questões de gênero (mesmo que em contrariedade à orientação sexual, moral e religiosa da família), a estimulação sexual prematura de crianças e adolescentes, a igualdade absoluta entre indivíduos transgêneros e aqueles com sexo biológico e “gênero” harmônicos, o desarmamento da população civil, a pregação da falência da pena de prisão e o desencarceramento em massa como medida necessária à tutela dos direitos humanos de criminosos, a glamourização destes como agentes revolucionários em luta contra injustiças sociais e a demonização das polícias (cujos agentes são presumidos arbitrários, torturadores e assassinos de inocentes), são tidas como provas cabais da mais absoluta sanidade mental, neutralidade, prudência e bom senso do indivíduo. E mais: sem qualquer risco de que a excessiva abertura da mente pudesse vir a ejetar seu cérebro, como advertia G. K. CHESTERTON.

Mas como se chegou a essa situação? FLÁVIO GORDON, Doutor em Antropologia Social pela UFRJ, observa que para determinar a média da opinião pública (na verdade, opinião publicada), fabricando um aparente consenso social, “Basta que a classe falante cole naqueles que destoam de seus valores rótulos tais como ‘fanáticos’, ‘extremistas’, ‘ultrarreligiosos’, ‘reacionários’ ou ‘polêmicos’, fazendo com que pareçam portar uma visão parcial e radical do mundo, alheia à racionalidade padrão da opinião pública. Assim, a excêntrica visão de mundo de uma casta social minoritária acaba fazendo as vezes da normalidade sadia, ao passo que valores da maioria são ridicularizados e desprezados como aberrações patológicas, furto de mentalidades pouco esclarecidas.”

Foi exatamente o que ocorreu no Brasil. A elite cultural brasileira, secularizada e contrária aos valores morais e sociais tradicionais, apregoados pelas religiões de matriz judaico-cristã, conseguiu dominar grandes setores da mídia, das artes e da academia, influenciando também as esferas político-administrativas do Estado. Assim, logrou inocular aos poucos na sociedade sua particular visão de mundo, impondo à população brasileira – ainda majoritariamente conservadora - um moralismo próprio, o politicamente correto. Os que ousam desviar-se dessa cartilha – mesmo em um Estado Democrático de Direito que tem no pluralismo político um de seus fundamentos (art. 1º da CF/88) e que reconhece como direitos fundamentais a liberdade da expressão do pensamento e de crença religiosa e convicção filosófica ou política (art. 5º, incisos IV, VI e VIII, da CF/88) – são rapidamente alcunhados “loucos”, “reacionários”, “radicais” e “extremistas”, passando a ser vistos com desconfiança, tornando-se motivo de escárnio e maledicência, pouco importando sua honradez pessoal, sua competência e qualificação intelectual ou profissional e a razoabilidade de seus argumentos. O resultado é que a maioria se cala, temendo a exposição ao ridículo ou mesmo sofrer represálias.

O mais incrível é que esses etiquetadores de plantão são os mesmos que enchem a boca para pregar tolerância, liberdade e democracia. Apenas discurso, todavia, pois o pensamento que lhes perpassa as mentes é similar àquele confessado pelo jornalista americano Nicholas Kristof, do New York Times: “Aceitamos muito bem as pessoas que não se parecem conosco, com a condição de que pensem como nós.”

Contudo, perseguições, ironias e zombarias à parte, os resultados desse pseudoprogressismo político-ideológico e cultural no Brasil são gritantes e falam por si: 61.619 assassinatos por ano (em 2016) ; 01 roubo ou furto de veículo por minuto (em 2017) ; 437 policiais civis e militares mortos (em 2016), um aumento de 17% em relação ao ano anterior (2015) ; 79º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU ; 88º lugar do ranking de educação da UNESCO ; 7ª maior taxa de gravidez na adolescência na América do Sul (65 gestações para cada 1.000 meninas de 15 a 19 anos) ; 05 casos de exploração sexual de crianças ou adolescente por dia (entre 2003 e 2008) , alcançando o vergonhoso 1º lugar no ranking da exploração sexual infanto-juvenil na América Latina (em 2012) ; 23.973 crianças e adolescentes vivendo nas ruas de 75 cidades com mais de 300.000 habitantes e outras 47.000 crianças e adolescentes em abrigos ; índices de transmissão e contágio de doenças sexualmente transmissíveis em crescimento . E, como sabido, nada há que não possa piorar, em seguindo a carruagem nos mesmos trilhos em direção ao despenhadeiro.

Frente a essa realidade alarmante a conclusão não poderia ser outra: o País precisa de menos gente passiva seguindo a manada, sob a toada do politicamente correto, e de mais “loucos virtuosos”. A agonizante nação brasileira reclama homens e mulheres de coragem, que, a despeito de risinhos irônicos, chacotas, indiferença ou ira dos que se intitulam “normais” e “ponderados”, aceitem o desafio de viver e trabalhar arduamente para conservar e restaurar as tradições e valores que sempre e em qualquer lugar garantiram a harmonia, a estabilidade e a prosperidade da civilização humana, preservando-a dos efeitos nefastos da barbárie. Eis uma loucura sábia, pois como adverte THEODORE DALRYMPLE, “o sábio questiona apenas aquelas coisas que merecem questionamento.”

* Marcos Eduardo Rauber, Promotor de Justiça no RS

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O mesmo Paulo, em sua segunda Epístola aos Coríntios, deixou expressa sua plena devoção à verdade, ao sentenciar: “Porque nada podemos contra a verdade, senão pela verdade.” (2 Coríntios 13:8).

2 Como leciona OLAVO DE CARVALHO, em prefácio à obra Como vencer um debate sem precisar ter razão: em 38 estratagemas (Dialética Erística), de ARTHUR SCHOPENHAUER (Rio de Janeiro, Topbooks, 1997, pp. 40-41), “A erística, em suma, é uma arte da discussão contenciosa, que, utilizando os instrumentos da dialética, da sofística, da erística e da retórica aristotélicas, abrange também os aspectos psicológicos do duelo argumentativo, ao mesmo tempo em que deixa de lado as regras de ordem ética que faziam da dialética aristotélica um instrumento confiável de investigação.” No caso, o artifício utilizado é definido por SCHOPENHAUER como “rótulo odioso”, porquanto “Um modo rápido de eliminar ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança.” (Op. cit. p. 174). Assim, afirmar arbitrariamente que as ideias do debatedor são “loucura” se enquadra no conceito dessa detestável técnica erística.

3 NOELLE-NEUMANN, Elisabeth. The Spiral ou Silence: Public Opinion, our Social Skin. Chicago & New York: University of Chicago Press, 1993.

4 https://www.gazetaesportiva.com/campeonatos/superliga-feminina-de-volei/fivb-ratifica-inclusao-de-transgeneros-no-volei/, e https://www.gazetaonline.com.br/esportes/mais_esportes/2018/02/desempenho-da-trans-tiffany-na-superliga-feminina-provoca-discussao-1014118430.html, acessados em 13.02.2018.

5 http://sportv.globo.com/site/combate/noticia/2013/05/lutadora-transexual-vence-luta-com-alanah-jones-por-finalizacao-no-cfa.html, e https://www.youtube.com/watch?v=f_SRrT00szI, acessados em 13.02.2018.

6 "O objetivo de abrir a mente, assim como o de abrir a boca, é fechá-la novamente com algo sólido dentro. (...) Não seja tão mente aberta que o cérebro caia para fora". (https://www.facebook.com/chestertonnobrasil/posts/716468081753047?comment_id=1290533637679819&comment_tracking=%7B%22tn%22%3A%22R2%22%7D, acessado em 13.02.2018); citado também por GORDON, Flávio, A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e Poder no Brasil. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, p. 325.

7 GORDON, Flávio. A Corrupção da Inteligência: Intelectuais e Poder no Brasil. 1. Ed. Rio de Janeiro: Record, 2017, pp. 66-67.

8 https://exame.abril.com.br/geral/pesquisa-ibope-comprova-que-brasileiros-estao-mais-conservadores/ , acessado em 12.02.2018.

9 Citado por GORDON, Flávio, op. cit. p. 338.
10 https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/brasil-registra-o-maior-numero-de-homicidios-da-historia-em-2016-7-pessoas-foram-assassinadas-por-hora-no-pais.ghtml, acessado em 12.02.2018.

11 http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/10/1931061-brasil-tem-1-roubo-ou-furto-de-veiculo-a-cada-minuto-rio-lidera-o-ranking.shtml, acessado em 12.02.2018.

12 http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/10/saiba-em-que-estados-policia-mais-morre-e-em-quais-mais-mata-no-brasil.html, acessado em 13.02.2018.

13 https://g1.globo.com/mundo/noticia/em-79-lugar-brasil-estaciona-no-ranking-de-desenvolvimento-humano-da-onu.ghtml, acessado em 12.02.2018.

14 https://guiadoestudante.abril.com.br/universidades/brasil-fica-em-88o-lugar-em-ranking-de-educacao-da-unesco/, acessado em 12.02.2018.

15 https://nacoesunidas.org/brasil-tem-setima-maior-taxa-de-gravidez-adolescente-da-america-do-sul/

16 https://www.unicef.org/brazil/pt/media_13759.html, acessado em 13.02.2018.

17 https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2012/11/21/alfredo-nascimento-brasil-ocupa-topo-do-ranking-de-exploracao-sexual-infantil-na-al, acessado em 13.02.2018.

18 http://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/23-mil-criancas-ainda-vivem-nas-ruas-no-brasil-epp6r1bvny1r1impam9dv7426 . acessado em 12.02.2018.

19 https://oglobo.globo.com/sociedade/brasil-tem-47-mil-criancas-em-abrigos-mas-so-7300-podem-ser-adotadas-21384368

20 https://saude.abril.com.br/bem-estar/numero-de-infeccoes-sexualmente-transmissiveis-nao-para-de-crescer/, acessado em 12.02.2018.
 

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  • Francisco Ferraz
  • 13 Favereiro 2018

 

Termos como carisma popularidade e desempenho muitas vezes são tratados como sinônimos de legitimidade, conceito central da teoria da política.

Legitimidade conota a ideia de correção, justiça, obrigação moral que são internalizados pelos indivíduos, isto é são incorporados à sua consciência como valores pessoais, como princípios para orientar suas ações.

Pela internalização desses valores incorporam também o sentimento de que eles devem ser respeitados, sob pena de tornar-se réu e culpado no Tribunal de sua consciência.

Assim ocorre também com os princípios que regem nossas relações pessoais. Nós internalizamos regras de convívio em sociedade e de relacionamento pessoal que, se contrariadas seremos punidos por aquela sanção moral de foro íntimo.

A internalização de normas tem, portanto, o poder de dispensar ou reduzir o uso de sanções externas para assegurar o seu cumprimento. Se os alunos internalizaram a norma de que “não se pode colar”, o professor pode deixá-los as sós que não vão colar. De forma análoga, o trânsito seria absolutamente inviável se a maioria dos motoristas não obedecesse as suas regras voluntariamente.

“Quanto mais legítimo for o sistema político, menos ele terá que recorrer à coerção, para assegurar o cumprimento de suas leis e, inversamente, quanto menos legítimo, mais dependerá da coerção para se fazer respeitado”

Esta é uma regra universal da política, válida em todos os tempos e lugares. Não é por outra razão que todos os regimes buscam dotar a sua autoridade de legitimidade.

O sistema político ilegítimo, isto é, em conflito com os valores mais importantes de sua população, somente se sustenta com base na coerção; no uso ou ameaça de uso da coerção física.

Apoiar uma ordem política na coerção tem um custo muito elevado, seja para garantir a estabilidade das instituições, seja no custo econômico e organizacional do aparato coercitivo para vigiar, controlar e punir.

A legitimação de uma ordem política é, portanto, crucial para a sua sobrevivência e funcionamento.

Significa que os indivíduos internalizaram suas regras básicas como justas, válidas e como tais, moralmente vinculativas. Ao obedecerem às leis e normas, baixadas pela autoridade legítima da forma legítima, estarão seguindo seus próprios princípios.

O sistema político, desta forma, ganha o auxílio da consciência individual para assegurar a anuência às suas normas, relegando o uso do aparato coercitivo para aquele resíduo minoritário de indivíduos que escolhe desrespeitá-las.

Legitimidade e popularidade

Legitimidade, porém não significa o mesmo que popularidade. Este é um equívoco que conduz a ilusões e desastres políticos. Sobretudo numa época de política de massas, artistas, atletas, personagens da TV e do rádio são vistos por muitos como potenciais líderes políticos, já pré-legitimados pelo bafejo de sua popularidade.

Embora, sobretudo em momentos de crises isso seja bastante comum, democracias estáveis e consolidadas “filtram” candidatos que provêm desses surtos de entusiasmo.

Alguns políticos populistas conseguem criar em torno de si sentimentos de admiração, confiança e fidelidade que se aproximam de uma legitimidade carismática. Entretanto, poucos conseguem percorrer este trajeto até conquistar e manter-se no poder.


Legitimidade e Carisma

O termo “carisma” é uma palavra grega que significa “dom da graça”.

Na linguagem da política, usam-se os termos carisma e carismático com demasiada liberdade confundindo-o com o conceito de popularidade.

Carisma é um conceito mais próximo da religião do que da política. Ser carismático é ser percebido como possuindo dons excepcionais, inacessíveis às pessoas comuns.

Em consequência, estes indivíduos são objeto de devoção e respeito reverencial. Líderes carismáticos “convertem” pessoas, realizam “milagres”, podem exigir sacrifícios de seus comandados, são encarados como seres superiores – na sabedoria, na força, na visão.

Não é, portanto qualquer político com alta popularidade que pode ser considerado carismático. Para sê-lo, é preciso ser capaz de despertar no povo sentimentos muito intensos, de natureza semirreligiosa ou religiosa e de que é dotado de poderes excepcionais.

Se o fundamento da sua autoridade é o “dom da graça” o líder carismático precisa, continuadamente, dar prova de possuí-lo, para manter a sua autoridade. Se, em algum momento suceder que ele se revela incapaz de realizar o que dele se espera, naquela virtude onde se fundamenta o seu carisma, sua autoridade se esvai. Em termos religiosos, equivale ao profeta que não mais realiza milagres, porque o Senhor o abandonou.

Legitimidade e desempenho

Há outro conceito de legitimidade que apareceu na segunda metade do século XX: legitimidade por desempenho. Segundo este conceito, mesmo governos nascidos ilegitimamente poderiam alcançar a legitimidade se se revelassem eficientes na sua função de governar.

Esta legitimidade não se basearia em princípios de uma tradição venerável, ou de uma ordem legal reconhecida, ou ainda como resultado da admiração por um líder que revelasse possuir dons excepcionais, como propôs Max Weber.

Legitimidade por desempenho é inerentemente utilitarista. Ao assentar a legitimidade numa transação cujos conteúdos são benefícios materiais, a teoria limita a sua validade a situações de prosperidade.

O conceito de legitimidade, entretanto assemelha-se ao conceito de amizade: ambos somente têm sua real autenticidade testada nos momentos de dificuldade. Não se testa uma amizade somente nos bons momentos, nem se testa a legitimidade de um regime apenas quando o país vai bem.

Legitimidade é norma apoiada em força moral, internalizada pelo indivíduo como integrante do seu sistema de valores. Por isso ela, quando existe, resiste aos maus momentos e às crises.

Dessas considerações pode-se concluir que ao lado de outras crises sofremos também uma crise de legitimidade que não será resolvida por líderanças populistas, supostamente carismáticas ou administrativamente eficientes.

* Professor de Ciência Política, ex-reitor da UFRGS, pós-graduado pela Universidade de Princeton, criador e diretor do site Política para Políticos
 

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  • Miguel Lucena
  • 13 Favereiro 2018


O politicamente correto, importado dos Estados Unidos, botou o pescoço para fora neste Carnaval, massacrando as atrizes Paolla Oliveira e Viviane Araújo por terem se fantasiado de índias. Foram consideradas racistas, na esteira das manifestações da ativista Katu Mirim no sentido de que índio não é fantasia. É melhor sair nu por aí.

Tudo pode ser fantasia, menos o nada. Nessa pisada, podem se preparar para o fim da ala das baianas, reis e rainhas, príncipes e princesas, tudo representações de histórias que vivemos e contamos, postas mais em evidência no Reinado de Momo.

Pela ótica da ditadura politicamente correta, heterossexual se vestir de mulher também deveria ser proibido, porquanto quem assim procede, não sendo transexual, estaria agindo com preconceito de gênero.

Li protestos vindos da Bahia contra mulheres brancas que se vestiram de Iemanjá na festa de 2 de fevereiro, em Salvador, como se a rainha do mar tivesse cor.

A coisa mais hipócrita, autoritária e falsa que surgiu nos últimos tempos foi a farsa do politicamente correto, criada para calar as críticas a comportamentos antissociais, como praticar atos obscenos em público. Silencia a manifestação de desagrado, mas libera toda a devassidão, desde quando tudo que desbanque a maioria é permitido. É proibido proibir, a menos que a ação, mesmo inocente, se refira a minorias.

A maioria silenciosa precisa criar coragem e enfrentar esses chatos, antes que eles suprimam a verdadeira liberdade, a beleza e o bom gosto naturais das coisas da vida.

* Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.
** Publicado originalmente no Diário do Poder

 

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  • Editorial de O Estado de São Paulo
  • 11 Favereiro 2018

 

A ministra Cármen Lúcia fez uma leitura acurada do atual estado de espírito de grande parte da sociedade. Em visita a Goiás para a cerimônia de inauguração de um novo presídio em Formosa, a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) disse que “o cidadão brasileiro está cansado da ineficiência de todos nós (autoridades públicas), cansado inclusive de nós do sistema Judiciário”.

A declaração da ministra é mais surpreendente por vir da chefe de um dos Poderes do que por seu conteúdo, que já havia sido diagnosticado por uma miríade de pesquisas de opinião e pode ser constatado em qualquer roda de conversa País afora.

De fato, os brasileiros estão cansados do Poder Judiciário. Mas de um Judiciário muito particular, não do Poder que foi consagrado pela literatura política como a última linha de defesa na garantia dos direitos sociais, individuais e coletivos. Não há um cidadão sensato que apregoe a prescindibilidade do Poder Judiciário como um dos esteios da República. Se há, não é sensato.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que criminaliza a política indistintamente e, assim agindo, avilta um dos fundamentos da democracia representativa.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que usurpa as competências de outros Poderes em nome de uma superioridade moral que não encontra resguardo na Constituição, governando e legislando quando assim lhe apraz sem correr os riscos políticos que correm aqueles que dependem do voto popular para exercer o múnus público.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que parece ser composto por cidadãos imunes ao alcance da lei, como quaisquer outros, tão somente por terem sido aprovados em um concurso público.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que “pune” os seus membros que cometem crimes e desvios funcionais com uma polpuda aposentadoria compulsória.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que concede férias de 60 dias para os seus - sem contar os períodos de recesso judiciário -, enquanto a esmagadora maioria do povo brasileiro nem sequer consegue gozar os 30 dias a que tem direito, não raro tendo de “vender” parte dos dias para reforçar sua renda.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que não se constrange em ir contra a realidade do País a que serve e concede a seus membros “auxílios” imorais, que nem sequer são tributados, como é a renda de quase todos os brasileiros, e tampouco são contabilizados para efeitos de teto constitucional.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que não dá à sociedade as respostas que ela demanda em um prazo razoável, deixando de julgar em tempo oportuno ações do mais relevante interesse, como são os casos dos réus e indiciados no âmbito da Operação Lava Jato que ainda não foram julgados pelo STF, onde tramitam processos por conta do foro por prerrogativa de função.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que, em nome de seus interesses meramente corporativos, boicota projetos fundamentais para o País, como a reforma da Previdência. Como interpretar de outro modo as sucessivas decisões judiciais que suspenderam a veiculação de campanhas informativas do governo a respeito de pontos cruciais da reforma? Não por acaso, pulula nas redes sociais uma infinidade de mentiras a respeito da reforma, enganando a população num tema tão grave como é a Previdência - e disso a Justiça não toma conhecimento.

Os brasileiros estão cansados de um Poder Judiciário que gasta quase sete vezes mais do que a soma dos Poderes Legislativos da União, dos Estados e dos municípios, de acordo com os dados da ONG Transparência Brasil.

A fala da ministra Cármen Lúcia é alvissareira porque, sendo quem ela é e tendo o papel que tem, dá esperança à sociedade de que este tipo de Poder Judiciário do qual ela está cansada pode estar com os dias contados. Que assim seja.
 

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  • João César de Melo
  • 11 Favereiro 2018


 

Como sabemos, qualquer pessoa não alinhada à extrema-esquerda que ingresse no governo tem, imediatamente, sua vida vasculhada pela imprensa. Qualquer mancha na biografia é motivo de condenação sumária. Qualquer ato politicamente incorreto é motivo para linchamento midiático. No entanto, tudo – tudo mesmo – é aceitável se a pessoa ilustrar alguma retórica socialista.

Por exemplo: a mesma esquerda que repudia quem elogia torturadores enaltece ditadores e ditaduras que torturaram e assassinaram milhares de vezes mais pessoas.

Não consigo lembrar de uma única reportagem na grande imprensa brasileira sobre a participação de pessoas como Dilma, José Dirceu, José Genoíno e Aloysio Nunes em grupos terroristas que assassinaram pessoas durante a ditadura militar e que planejavam implantar no Brasil uma ditadura muito mais violenta do que a que combatiam. Por outro lado, ainda é comum reportagens sobre os anos da ditadura.

As mesmas pessoas que pedem cadeia para Aécio e Temer pedem liberdade para Lula.

É pertinente esclarecer por que a esquerda se esforça tanto em defender bandidos comuns, ladrões, assaltantes e até pedófilos, como houve há dois dias com G1, O Globo e Quebrando Tabu enaltecendo um estuprador de crianças condenado a 50 anos de prisão porque ele foi aprovado em um vestibular da UFPA pelo sistema de cotas.

Para a esquerda marxista-leninista representada por partidos como PT, PSOL e PCdoB, não existe crime. Existe apenas “história”. A história de luta de classes, uma tese sem qualquer fundamento na realidade.

Por conta disso, os atos de indivíduos que representam a suposta classe dos “oprimidos” contra indivíduos que representam a suposta classe dos “privilegiados” são reparações, não crimes. Segundo a teoria socialista, um bandido que rouba alguém está tomando de volta o que deveria pertencer a ele. Um criminoso que assalta a estudante de uma universidade particular é um “agente da revolução do proletariado”. Não houve crime. Houve reparação. Se ele agredi-la ou matá-la, terá apenas dado vazão à revolta de sua classe contra “séculos de opressão burguesa”.

Dessa forma, tenta-se fazer a sociedade acreditar que a prisão de cada assaltante é um ataque a todos os pobres enquanto classe social.

É assim que os petistas de todos os partidos enxergam o mundo. De Lula à Márcia Tiburi, não há personalidade da esquerda que não tenha justificado o crime.

O que movimento socialista ganha em defender ladrões e assassinos?

Como já escreveram Marx, Marcuse e Gramsci, não há revolução sem desqualificação das instituições. Defender um ladrão significa atacar a justiça. Desqualificada da função de prender “ladrõezinhos”, a justiça também estará desqualificada da função de coibir ações fascistas de grupos como MTST e CUT e, claro, de prender um ex-presidente socialista condenado por corrupção.

Isto fica mais claro quando estamos sob um governo não alinhado à partidos de extrema-esquerda, mas a mesma estratégia é utilizada em governos de esquerda eleitos democraticamente como os de Lula e Dilma.

Um estado democrático é caracterizado pela independência dos três poderes, com cada um vigiando os outros para impedir abusos contra a população.

A desqualificação do Poder Judiciário é a tentativa de criar no imaginário popular a necessidade de uma reforma – “uma nova justiça” – que, liderada pela esquerda, seria facilmente manipulada para aumentar o poder do Executivo, subordinando a justiça ao Presidente da República. Foi o que Hugo Chávez e Nicolás Maduro fizeram na Venezuela.

O Estatuto do Desarmamento teve essa intenção.

Enquanto a militância socialista nas ruas, nas universidades e na imprensa estimulava a criminalidade, todos os partidos de esquerda – do PT ao PSDB – uniram-se para restringir o porte de armas sob a justificativa de diminuir a violência urbana. Conseguiram.

Defendem isso com tanto afinco porque sabem que uma população desarmada pede cada vez mais proteção ao estado, justificando a criação de mais e mais leis de controle da liberdade e da propriedade privada. Pior: uma sociedade desarmada não tem poder de reagir à tirania do governo, vide o drama dos venezuelanos.

A esquerda investe tanto nisso porque tem convicção de que, em algum momento, terá pleno poder no país. Se não foi com Lula e Dilma, será com outro.

Como conta a história – e devemos sempre considerá-la porque a própria esquerda faz questão de repetir seus procedimentos -, o movimento socialista atua em diversas frentes ao mesmo tempo. Na cultura, desqualificando os padrões estéticos construídos ao longo de séculos para impor “novos valores” criados por ela, financiando artistas e intelectuais alinhados às suas pautas enquanto isola os demais. Na religião, destruindo princípios cristãos para substituir a igreja pelo estado na vida das pessoas. Na economia, insistindo na ideia de que o estado deve controlar o mercado e promover uma ampla política de impostos para deixar pessoas e empresas dependentes do financiamento estatal. Na educação, criando uma massa de militantes. Na política, criando formas legais de obrigar cristãos a financiar anticristãos, empresários a financiar comunistas, trabalhadores a financiar vagabundos. Por fim, na justiça, criando leis que beneficiam criminosos para que a sociedade honesta esteja sempre acuada e dependente da proteção do governo.

Uma vez com o pleno controle, o estado socialista converte a tolerância ao crime em sistemática e massiva campanha contra todos os criminosos que, nesse momento, já são todos os cidadãos não alinhados ao partido do governo. Foi assim na URSS, na China, em Cuba, na Venezuela… e quase no Brasil.

* Artista plástico formado em arquitetura, acredita no libertarianismo como horizonte e no liberalismo como processo, ateu que defende com segurança a cultura judaico-cristã, lê e escreve sobre filosofia política e econômica.
** Conheça as obras do autor em http://www.joaocesardemelo.com/
*** Publicado originalmente em www.ilisp.org

 

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  • Eurico Borba
  • 10 Favereiro 2018

 

Em Washington há um monumento belíssimo em homenagem aos fuzileiros navais, (“marines”). Linda homenagem ao heroísmo e ao patriotismo. Na base da obra há uma inscrição muito apropriada ao nosso mundo atual: “A incomum coragem era uma virtude comum...”.

Lembrei-me da frase e do que ela pode expressar neste momento de covardia generalizada, como uma comum determinação de relegar a dignidade a uma posição secundária, de onde a maioria parece se afastar, se omitindo ou pelo silencio ou pela inação, não se opondo ao descalabro moral que assola nossa civilização construída em séculos de lutas, de sonhos de felicidade e segurança acalentados por gerações. Agora, quando as primeiras luzes das conquistas humanas começavam a surgir, em horizontes ainda tumultuados, as pessoas passaram como a que se esconder por detrás do que é fácil e cômodo, do que oferece prazer, do que não se precisa refletir não provocando debates esclarecedores e reflexão critica, estimuladoras de novas conquistas – apenas aceitação e adesão. A maioria parece ter vergonha de pautar suas ações por valores antigos, ao não aceitar o conceito de modernidade de uma juventude que não mais lê, não mais conversa, não mais acredita em nada que não seja a satisfação dos seus anseios superficiais e vazios. O “politicamente correto”, raso e simplista, passa a conduzir o pensamento e as ações da maioria dos povos. É como se a ignorância e a compreensão do muito que já foi feito pela construção do Humanismo – a supremacia da dignidade da pessoa humana no processo histórico - com todas as suas ainda imperfeitas e inacabadas conquistas, não valessem nada – tudo precisaria ser redescoberto...

Isto é abdicar da inteligência, fazer mau uso da liberdade, desperdiçar o valor insubstituível da convivência democrática, por em risco a própria existência da humanidade, (vejam o que está acontecendo com o meio ambiente). A história pressupõe a progressiva e contínua superposição organizada de saberes verdadeiros para possibilitarem o progresso e o refinamento de conquistas anteriores. O deboche, a indisciplina social sistemática e o cinismo permanente impedem o adensamento da consciência integra e responsável, a descoberta do belo e do respeito pela integridade do próximo, pelas exigências de tudo aquilo que é necessário para a explicitação progressiva da sacralidade da vida, que se manifesta em todo o seu esplendor na pessoa humana – ser individuo de natureza racional, livre e social.

Afirmar verdades permanentes e faze-las prevalecer no cotidiano das sociedades orientando suas caminhadas, no que diz respeito às exigências da pessoa humana, da família, da paz, da dignidade inerente a todas as pessoas, conquistas reais da história da humanidade, não significa humilhar ou oprimir o outro, mesmo que veementes discussões perdurem por muito tempo. Esta atitude de coerência exige, nos dias atuais, muita coragem, coragem física inclusive, com a indispensável reação à truculência e ao crime. O debate organizado pode ser desconfortável, pois obriga a reflexão, a aceitação da critica e a honesta revisão do erro, da posição equivocada, uma vez comprovado o equivoco. É impossível ficar em silencio se se quer a preservação do Humanismo – é imperiosa a coragem para afirmar as poucas verdades que orientam e conferem significado e beleza às nossas existências.

• Eurico Borba, aposentado, ex-professor da PUC RIO, ex-Presidente do IBGE, escritor, mora em Caxias do Sul.
• Publicado originalmente no Diário do Poder.

 

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