Em 1830, Simón Bolívar, não o inventado por Hugo Chávez, mas o verdadeiro, chegou a certas conclusões entre elas as seguintes:
1. América Latina é para nós ingovernável.
2. A única coisa a fazer na América Latina é emigrar.
3. Se acontecesse que uma parte do mundo voltasse ao caos primitivo, isso seria a última metamorfose da América Latina.
Olhando nossa situação a impressão é a de que o Brasil vai se inserindo no pensamento de Bolívar. Vejamos porquê.
Nas eleições passadas quase 58 milhões de brasileiros escolheram um presidente como se fosse uma esperança em dias melhores, quando estaríamos livres dos males causados pelos governos petistas, especialmente, a corrupção, a recessão, a violência, a impunidade.
Os que votaram em Bolsonaro foram chamados de extrema direita, fascistas, nazistas, conservadores. Naturalmente, tais “xingamentos” não passavam de um falso palavreado para abater o adversário.
Antes da posse Bolsonaro começou a ser cobrado de modo nunca antes havido com relação a outros presidentes. Havia uma obsessão com relação a reforma da Previdência prometida por Lula, Dilma, Fernando Henrique e nunca realizada.
Logo que foi empossado o governo, através do ministro da Economia Paulo Guedes, apresentou ao Congresso um projeto de reforma da Previdência. Quanto ao notável juiz e agora ministro da Justiça, Sérgio Moro, ofereceu aos brasileiros um excelente projeto anticrime.
Infelizmente, no Congresso duas frentes capitaneadas pelo presidente da Câmara têm freado os importantes projetos. São elas a frente de derrotados dos partidos de esquerda e a frente dos inconformados com a perda do “toma lá dá cá. Afinal, o Congresso sempre foi um balcão de negócios, tendo chegando ao auge quando o então presidente, Lula da Silva, comprou deputados configurando-se assim o escândalo do mensalão arquitetado pelo então poderoso José Dirceu.
Levando-se em consideração as exceções que sempre existem, os parlamentares tradicionalmente se dedicam a projetos pessoais ou medíocres e não aos que beneficiam o Brasil. E ao perceber que a tradição deixou de existir deram o troco no Executivo. Vejamos dois exemplos da revanche conforme mostrado pelo O Estado de S. Paulo (30/03/2019);
"Orçamento impositivo – Proposta aprovada na Câmara engessa parte maior do Orçamento e torna obrigatório o pagamento de despesas atualmente passíveis de adiamento.
Medidas provisórias – Pela proposta. medidas perdem a validade mais rápido e o prazo para a Câmara e o Senado votarem separadamente é maior – hoje há um prazo único de 120 dias”.
Lembro ainda, que recentemente sete ministros do presidente foram convidados pelo Congresso para apresentar seus planos. O que se viu foi um espetáculo de linchamento verbal calcado no mesmo ódio existente nos linchamentos físicos. Inclusive, não faltou a habitual falta de compostura da senadora Kátia Abreu.
O Legislativo compõe com o Judiciário e o Executivo a tríade fundamental da democracia e, em sã consciência ninguém está querendo o desaparecimento dos Poderes. O clamor popular quando se volta contra o Congresso quer apenas que os parlamentares legislem para Bem Comum, fim último da política; assumam um comportamento de acordo com a responsabilidade de terem sido escolhidos como tomadores de decisões e deem o exemplo de competência e honestidade. Lamentavelmente, o Congresso está bem longe disso e no momento se compraz em conduz o país para a ingovernabilidade.
O STF também concentra a descrença e a revolta popular com relação às atitudes e comportamentos, principalmente de certos componentes da mais alta corte da Justiça. Como disse um dos ministros do Supremo, Luís Roberto Barroso: “O STF pode perder sua legitimidade e provocar uma crise institucional se não corresponder aos anseios da sociedade”. Claramente isso já está acontecendo
Quanto a imprensa deve ser livre, como é usual nas democracias, para expor opiniões contrárias ou favoráveis relativas a sociedade, a política e a economia. Entretanto, o que se nota é uma oposição sem tréguas ao presidente da República. Possivelmente, se ele espirrar será duramente criticado.
Lula se queixava diuturnamente e sem razão da mídia e tudo bem. Bolsonaro está sendo desconstruído. Paira no ar a palavra impeachment. Corre boatos que em abril o STF livrará Lula da cadeia. Ligando uma coisa com outra a perspectiva não é nada boa.
Por tudo isso a ingovernabilidade avança e diante de tal situação muitos brasileiros já emigraram. A continuar desse jeito, se uma parte do mundo voltar ao caos primitivo, isso será a última metamorfose do Brasil. Os venezuelanos que o digam.
*Maria Lucia Victor Barbosa é socióloga.
Se o Brasil é campeão mundial dos juros, deve haver alguma coisa errada com nosso futuro.
Se fosse apontar uma definição simples, alegórica e filosófica sobre a taxa de juros, essa monumental patologia nacional, diria que é uma espécie de relação de troca, ou preço relativo entre o presente e o futuro. Esse é o teor de um belo livro de Eduardo Gianetti, intitulado O Valor do Amanhã e publicado em 2005, leitura muito atual.
Para os entendidos em matemática financeira, os juros aparecem como o “fator de desconto” utilizado para “trazer a valor presente” o que está no futuro. Os juros medem a distância econômica entre o hoje e o amanhã. Sendo assim, se o Brasil é o campeão mundial de juros, deve haver alguma coisa muito errada com o nosso futuro. É como se fôssemos também os líderes de miopia, absurdamente enviesados para gastos no presente, totalmente despreocupados em pagar a conta no futuro, pois vai ficar para outro governador, ou vamos descobrir a mina de ouro que foi prometida aos que vieram para cá em 1500.
A expressão desse estado de coisas, sua causa e seu reflexo, é a montanha de dívidas que já contratamos como nação em dívida mobiliária (títulos) e em obrigações futuras de natureza variada, a mais gigantesca das quais relacionada ao sistema previdenciário.
Uma conta feita em 2007 para “trazer a valor presente” o déficit da Previdência feita por Fabio Giambiagi chegou a um número da ordem de 200% do PIB, mais que o dobro do valor da dívida mobiliária hoje.
Durante os anos de inflação alta nada disso era muito claro, pois o Estado pagava suas contas com papel pintado que perdia valor muito rapidamente, tributando os pobres ou os despossuídos de correção monetária.
Papel moeda não é dívida, e sua fabricação conforme a conveniência dos poderosos funcionava como “acelerador da experiência”, um “dopping”, um “meio pecaminoso” para o desenvolvimento, uma espécie de “pacto fáustico” que se torna insustentável e termina em 1994. A partir daí se estabelece uma dúvida fundamental sobre as finanças públicas: Como se dá o “conflito distributivo” depois da estabilização, quando desejos continuam maiores que as possibilidades, mas as novas instituições não permitem a inflação como solução?
Simples: dívida.
O conflito distributivo passa a ser intertemporal, e as vítimas passam a ser as gerações futuras.
As autoridades mantêm os velhos hábitos e se endividam como se fosse o mesmo que emitir dinheiro, pois quem vai pagar é o próximo governo, e assim vão deteriorando os termos de troca entre o presente e o futuro.
Os juros estão bem no centro dessas tensões, pois são a forma impessoal de onerar o futuro, o subproduto inevitável da miopia e da irresponsabilidade. Tal como a inflação, não se sabe bem quem é o culpado. É fácil enxergar o usurário, tal como o oligopólio (no caso da inflação), mas se fossem eles os responsáveis, um tabelamento resolvia, e nós tentamos muitas vezes sem sucesso. O problema está onde sempre esteve, nas finanças públicas, mas raramente as lideranças políticas conduzem o assunto para o terreno apropriado. Amiúde se empenham em ocultar o problema e sobretudo em modular seus efeitos.
Uma prática particularmente perversa é a de preservar alguns brasileiros melhores do que os outros dos efeitos dos juros altos ao inseri-los no mundo do crédito direcionado subsidiado. Assim, os cidadãos mais vulneráveis, mais relevantes e mais poderosos ficam protegidos do problema, tal como a correção monetária fazia, no tempo da inflação.
Grosso modo, metade do crédito no Brasil é dessa categoria e custa cerca de 9% ao ano. A outra metade, o segmento “livre”, oferece crédito para as pessoas comuns a taxas médias em torno de 35% (algo como 45% para indivíduos e 21% para as empresas).
Não há spread bancário relevante para o crédito direcionado, portanto, é de se supor que o que existe para o crédito livre seja o necessário para cobrir os custos dessa “meia entrada” no mundo do crédito. É como se existissem dois mundos, a casa e a rua, o espaço do favor, da reciprocidade e do afeto, e, em oposição, a impessoalidade do mercado.
Antigamente, o Estado definia quem tinha acesso à moeda estável, hoje escolhe quem tem futuro.
*Publicado originalmente no Estadão do dia 31 de março.
Desde 2009 a cada aniversário de Cuiabá tenho escrito artigos cujos títulos simulam uma contagem anual regressiva lembrando o tempo até a comemoração do tricentésimo aniversário de Cuiabá. Enfim chegou, Cuiabá 300-0! Comemorar os 300 anos de Cuiabá não deve ser só a justíssima reverência ao passado, mas festejar uma cidade histórica por excelência, considerando a história em seu fluxo pleno de passado, presente e futuro. Diferente de suas irmãs do ciclo do ouro, Cuiabá não estagnou, deste modo tem um passado riquíssimo, um presente extremamente dinâmico e um futuro pleno de potencialidades. Assim, no presente tem entre seus grandes desafios o de otimizar as perspectivas do futuro e as riquezas do passado de forma harmônica e sustentável.
Comemorar 300 anos de Cuiabá é lembrar que em um local chamado Ikuiapá pelos bororos nativos, com grandes pedras claras das quais pescavam com flecha-arpão e onde um corguinho desembocava em um belo rio, o ouro fez surgir, corgo acima, uma cidade que floresceu bonita e se chamou Cuiabá. Por breve tempo, Cuiabá foi a mais populosa cidade do Brasil, de onde a Europa levou muito ouro, dinamismo que acabou tão rápido quanto o metal. Seu fim seria o das cidades-fantasmas dos garimpos não fosse sua localização mágica no centro do continente, então em terras espanholas, cuja perspectiva de riqueza atraía Portugal que já aguardava a troca do Tratado de Tordesilhas pelo direito da posse e uso como definidor dos limites entre as terras portuguesas e espanholas. Vanguarda física da coroa portuguesa nessa disputa, Cuiabá sobrevive ao fim do ouro como baluarte português, apoio e defesa dos interesses lusos. Celula-mater do Oeste brasileiro, é a mãe das cidades da grande região, inclusive dois estados.
Com a criação da Capitania de Mato Grosso, Cuiabá serviu de sede ao seu primeiro governo durante a construção da futura capital, Vila Bela. Por mais de dois séculos sobreviveu à duras penas, com tempos piores, como na Guerra do Paraguai, e de leve melhoras, como quando recebeu o status de capital. Período heroico que forjou uma gente brava, alegre e hospitaleira, capaz de produzir um dos mais ricos patrimônios culturais do Brasil, com vultos e proezas históricas que merecem melhor tratamento da história oficial brasileira. Como os primeiros astronautas, vanguarda humana na imensidão do espaço, ligados à nave apenas por um cordão prateado, assim Cuiabá sobreviveu por séculos, solta na imensidão da hinterlândia continental, ligada à civilização apenas pelo cordão platino dos rios Cuiabá e Paraguai.
Até que na década de 60 a cidade transforma-se no “portal da Amazônia” chegando a 2000 com sua população decuplicada. Servia de base à ocupação da Amazônia meridional. Sozinha, sem apoio federal e sem recursos próprios, no centro de uma região que apoiava e promovia, mas que também não dispunha de recursos, Cuiabá teve que receber seus novos habitantes sem estar devidamente preparada.
Alvorecendo o novo milênio, Cuiabá transforma-se na capital do agronegócio, e agora polariza uma das regiões mais dinâmicas do planeta, região que ajudou a construir e que hoje lhe cobra o apoio de serviços urbanos especializados, empurrando-a para cima, em um sadio processo simbiótico regional. No Tricentenário, seu maior presente é o próprio momento que vive: dinâmica, moderna, globalizada, sintonizada como o mundo, ainda que carente de gestão pública. Quanto ao futuro, cabe às novas gerações de cuiabanos estruturar a cidade para uma nova fase que já se prenuncia como o principal polo verticalizador da economia mato-grossense e um dos principais encontros de caminhos no centro continental, sua grande vocação histórica. Viva Cuiabá!
• O autor é arquiteto e urbanista, conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.
Nota do editor: jornalista cubano escreve sobre uma solução intervencionista para o caso venezuelano.
Para a análise do atual problema venezuelano é necessário partir de algumas bases:
• Primeiro, é a Cuba castrista que mantém Maduro no poder; portanto, se não há opção militar na Venezuela, seria necessário sancionar/negociar com Cuba e não com a Venezuela para obter qualquer resultado. Agora, Cuba "empurra, mas não bate";
• Segundo, Maduro na Venezuela - treinado pelos irmãos Castro em Cuba - nunca sairá "para sempre"; ele segue o postulado castrista: "o que tomamos pela força, eles têm que nos tirar à força". Sem uma opção de força, não há solução;
• Terceiro, e com base na rotunda negação da América Latina quanto ao "uso da força" na Venezuela, os EUA não vão intervir com tropas enquanto a região não acender luz verde à guerra, como um parceiro (opção preferida) ou não;
• Quarto, há o interesse eleitoral de Trump neste evento, que garantiria, sem discussão, a vitória do voto latino dos EUA e do estado da Flórida. Para isso seria preferível esperar mais um ano, o que nas aparências é quase impossível.
O que aqui está escrito é igualmente conhecido por "assessores" cubanos e por Nicolas Maduro, por isso se dão o luxo de convidar nada menos do que russos para pousar soldados uniformizados no aeroporto de Caracas. Blecautes de vários dias cobrem a capital e o resto do território nacional, proporcionando tempo ideal para uma ação armada desde o exterior. Mandam prender o segundo homem de Guaidó, e os EUA - junto com a América Latina - se comportam como se nada estivesse acontecendo. A situação é quase limite para a ditadura de Maduro, mas as circunstâncias a favorecem.
Vai muito além do medo de arriscar seus jovens em uma competição de guerra, a insistência inexplicável do Grupo de Lima em se opor pública e repetidamente ao uso da força para libertar Venezuela. Poderia o Grupo até discordar, mas explicitá-lo tantas vezes, dá garantias a Maduro. Há muito antiamericanismo remanescente (mesmo entre os militares brasileiros, os mais declaradamente pró-americanos, de acordo com seu próprio presidente). Isso desconcerta os EUA, que se sentem isolados em um problema comum, ainda mais latino-americano que americano.
Nestes momentos o tempo corre a favor de Maduro, Cuba e seus capangas. O calendário eleitoral norte-americano não incentiva a administração Trump – interessada em reeleição – numa deposição imediata por meios militares (idealmente isso deveria ocorrer no início do ano eleitoral de 2020). Soma-se a isso a correlação interna venezuelana de "forças" (aquelas que o Grupo Lima não quer) que favorece plenamente Maduro, sua polícia política e "coletivos".
Nas condições atuais, não é difícil ver que restaria um dividendo maior se os ataques (militares, sanções, conversas reservadas, etc.) fossem redirecionados contra a Cuba de Castro, porque isso resultaria em um dividendo mais elevado. Dado que o esforço contra Cuba seria muito menor do que contra a Venezuela. O êxito de golpes bem sucedidos contra o poder de Castro resultaria em uma vitória tripla, pois significariam provavelmente a simultânea e desejável libertação de Cuba, Venezuela e Nicarágua. Não seria irrracional redirecionar as ações contra Cuba, a base de tudo. Ela, hoje, tão ou mais fraca do que a Venezuela e sustenta todo o andaime.
Artigos deste autor podem ser encontrados em http://www.cubalibredigital.com
*Traduzido do original em espanhol pelo editor.
Um amigo que se julga ateu ou não-católico telefonou-me outro dia, e logo me atirou pelos fios esta pergunta aflita: "Meu caro C. me diga uma coisa: a Igreja antigamente era ou não era uma coisa muito inteligente?"
Ia responder-lhe com ênfase: "Era!" Mas enquanto vacilei alguns segundos meu amigo desenvolveu a idéia: "Olhe aqui. Eu bem sei que antigamente existiam padres simplórios, freiras tapadíssimas, leigos ainda mais simplórios e tapados. A burrice não é novidade, é antiqüíssima. Garanto-lhe que ao lado do artista genial que pintava touros nas cavernas de Espanha, anunciando há quarenta mil anos a brava raça de toureiros, havia dois ou três idiotas a acharem mal feita a pintura.
— Mas, calavam-se, disse eu.
E logo o meu amigo uivou uma exclamação que trazia na composição harmônica de suas vibrações todas as explosões da alma: a alegria, a angústia, a aflição de convencer, a tristeza de um bem perdido e até a cólera...
— Pois é! CALAAAVAM-SE!!!
Contei-lhe então uma história de antigamente. Teria eu dezoito ou dezenove anos, e meu heróis dezessete ou dezoito. Ele era o aluno repetente de uma escola qualquer, e eu seu "explicador" de matemática. Eu sentia a resistência tenaz que, dentro dele, se opunha às generalizações matemáticas. Ficava rubro, vexado e alagado de suor.
Recomeçava eu a explicar certo problema quando ele, numa decisão brusca, me deteve e suplicou:
— Explica devagar, devagarzinho, porque eu sou burro.
Na outra ponta do fio meu amigo de hoje explodiu:
— Que gênio! QUE GÊNIO!!
Era efetivamente genial aquele moço de antigamente. Não segui sua trajetória e não sei se ele hoje amadureceu e desabrochou aquele botão de sabedoria em flor, ou se virou idiota e portanto intelectual. O que pude garantir ao meu amigo não-católico é que antigamente a atitude média dos idiotas era tímida, modesta e respeitosa. E isto que se observava nas ruas, nas aulas particulares, nos salões de bilhar e nos clubes de xadrez, observava-se também na Igreja. De repente, em certo ângulo da história, mercê de algum gás novo na atmosfera, ou de algum fator ainda não deslindado, os idiotas amanheceram novos e confiantes. Já ouvi e li muitas vezes o termo "mutação" surrupiado das prateleiras da genética e aplicado à história, à Igreja, ao dogma e aos costumes. Dois ou três bispos franceses não sabem falar dez minutos sem usar o termo "um mundo em mutação".
Se mutação houve, estou inclinado a crer que foi naquele ponto a que atrás aludimos: os idiotas que antigamente se calavam estão hoje com a palavra, possuem hoje todos os meios de comunicação. O mundo é deles. Será genético o fenômeno e por conseguinte transmissível?
— "Receio muito", gemeu a voz de meu amigo, "você não leu os jornais da semana passada?"
— O quê? — perguntei com a aflição já engatilhada.
— A descoberta do capim!
Não tinha lido tão importante notícia, e o meu amigo explicou-me: um sábio, creio que dinamarquês, chegou à conclusão de que o capim é um dos melhores alimentos do homem. Meu amigo não me explicou que se tratava do Homo Sapiens, do Everlasting Man, de Chesterton, ou do Homo postconciliarius. Seja como for, dentro de quatro ou cinco anos teremos a humanidade de quatro e espalhada nos pastos.
* * *
Estas reflexões amaríssimas, como diria o "agregado" de Machado de Assis, vieram-me hoje ao espírito depois da leitura de La Documentation Catholique, e principalmente depois da casual leitura de um volume encontrado entre outros livros de vinte anos atrás: O personalismo, de Emmanuel Mounier.
Nunca lera nada desse personagem que fundou a revista Esprit e que fez escola. Abri a página 42 da tradução editada pela Livraria Duas Cidades e li: "O homem é um ser natural". Detenho-me nesta proposição seguida desta outra: "Será somente um ser natural?" E depois: "Será, inteiramente, um joguete da natureza?" Ora, é fácil de ver que nenhuma dessas proposições têm sentido, e nenhuma conexão se percebe entre elas. Ou então, se o leitor quiser ser mais exato, diremos que todo aquele fraseado joga com a polivalência te termos equívocos pretendendo com essa confusão transmitir ao desavisado adepto do "personalismo" um sentimento de profundidade ou de rara acuidade. O que quer dizer "um ser natural"? Dotado de natureza própria todos os seres o são, desde o átomo de hidrogênio até Deus. Tenho diante dos olhos o dorso de um livro de Garrigou-Lagrange: Dieu, son existance et sa nature. Logo, Deus é um ser natural. Se por natural se entende tudo o que pertence ao Universo criado, todos os seres, exceto o Incriado, serão seres naturais: a água, um gato, São Miguel Arcanjo. Se o termo natural se contrapõe a artificial, todos nós sabemos que um homem não é montado como um rádio de pilha, ou como uma máquina de costura. Logo, é um ser natural. Mas não se entende por que razão foi preciso fundar Esprit, lançar o progressismo, atirar-se nos braços do comunismo, comprometer Jacques Maritain, excitar tanta gente em torno de tão óbvia proposição.
Emmanuel Mounier já morreu coberto de glória há mais de dez anos. Podemos tranqüilamente dizer que era burro, apesar de tudo o que foi escrito em francês a seu respeito, como já podemos dizer tranqüilamente que Teilhard de Chardin era meio tantã. Dentro de cinqüenta anos ninguém mais saberá em que consistiu o "personalismo" de Mounier, ou o "phenomène humain" de Teilhard de Chardin. Essas obras foram o consolo e a volúpia de muitos leitores que, não entendendo nada do que liam, ao menos se aliviavam com este pensamento balsâmico: todos os livros são escritos para ninguém entender. E assim os idiotas do mundo tiveram um decênio ou dois de júbilo.
Passarão esses autores, mas se é verdadeira a descoberta das propriedades do capim, muitos novos autores surgirão a perguntar "se o homem é um ser natural". Já se houve o tropel... Mas — quem sabe — talvez o próprio capim, entre suas virtudes estudadas em Estocolmo ou Copenhague, entre duas Pornôs, traga uma espécie de calmante que nos devolva o genial tipo clássico do burro que se conhecia e que não fundava revistas católicas nem rasgava novos horizontes para a Igreja.
*Publicado em O Globo, 22/08/70 e reproduzido de permanência.org.br/drupal/node/470
Rui Falcão, ex-presidente nacional do PT, hoje deputado federal, anunciou que a bancada de 54 petistas da Câmara votará unida contra a reforma da previdência. Era esperado. Mas é preciso conhecer a história para compreender o real significado do que ele disse.
Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o PT expulsou do partido a senadora Heloísa Helena (AL) e os deputados Babá (PA), Luciana Genro (RS) e João Fontes (SE). Por quê? Só porque eles criticavam a reforma da previdência que o PT (sim, o PT!) havia proposto.
Muito significativo foi o banimento do deputado João Fontes, fulminado em processo sumário, acusado pelo PT de ter " rompido a ética partidária" ao divulgar um vídeo de 1987, em que Lula atacava a "taxação dos inativos": a mesma taxação que Lula incluiu na reforma.
E como maior inimigo é o ex-amigo, em 14/12/2003, fazendo sua defesa perante "companheiros" que viriam a expulsá-la, Luciana Genro desnudou o que ela mesma chamou de "hipocrisia" do PT. Sobre João Fontes, disse ela: "O deputado revelou uma parte importante da história do partido dos trabalhadores, ao divulgar aquela fita, que ninguém contestou a veracidade."
E meteu a pua na incoerência do PT: "(...) discursos de Lula atacando a reforma da previdência que o governo Sarney tentava implementar, e que tentaram sucessivos governos posteriores, e que agora foi finalmente aprovada pelo governo do presidente Lula e do PT."
Foi tudo muito revelador - e útil à compreensão do que ocorre hoje. Além de decidir em votação secreta a expulsão dos deputados, o Diretório Nacional do PT reuniu-se a portas fechadas em um dos hotéis mais caros da capital: "[o PT] encerra simbolicamente a sua vida como um partido que buscou representar a classe trabalhadora neste hotel, o mais fino de Brasília - 'Blue Tree Park' - com um café da manhã regado a suco de laranja e 'brownie'", declarou Luciana Genro.
E o então deputado Lindberg Faria (RJ), que ia integrar uma frente para atacar na Justiça a propaganda do governo Lula sobre a reforma da Previdência, para não ser expulso recuou e prometeu não reincidir no que o comando petista chamava de "arruaça pública" - até por que, ficar sem partido àquela altura impedia de participar das eleições de 2004.
À época, a cúpula do PT - que expulsou militantes que se recusavam a trair as próprias convicções - era integrada por José Genoíno (presidente nacional da sigla), Zé Dirceu, Antonio Palocci e Lula: todos (todos!) foram depois condenados na Justiça por corrupção.
Contudo, o único que teve um processo de expulsão contra si foi Palocci, que relatou à polícia alguns dos delitos de Lula. Em setembro de 2017, ele disse achar estranho que o processo tenha sido aberto não por sua condenação (na Lava Jato), mas pelas declarações que fez sobre Lula. E acrescentou que, no PT, "quem fala a verdade é punido e os erros e ilegalidades são varridos para debaixo do tapete".
Sim, evocar a verdade dos fatos, como fizeram João Fontes e Palocci, é romper "a ética partidária". Ao passo que roubar os cofres públicos para favorecer o projeto de poder do PT é "ato de heroísmo".
Aliás, a equivocada mas sincera Luciana Genro acertou ao, em 2003, apontar o rumo do PT: "Sequer a corrupção vocês vão combater porque os grandes corruptos deste País, que nós passamos anos e anos denunciando, são hoje aliados do governo."
Ruy Falcão, portanto, omitiu o principal: na oposição, o PT é contra tudo, e tudo faz para arruinar o governo. Seu único fim é tomar o poder, adonar-se do que seja estatal e acomodar a companheirada. E sempre, sempre a farsa da "defesa dos mais pobres".
*Renato Sant’Ana é Bacharel em Direito e Psicólogo - E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br
**Artigo publicado originalmente em www.alertatotal.net.