Eu o conheci durante a campanha eleitoral de 1985, por intermédio de Manuel Checa Solari, um amigo em comum que havia se empenhado em nos apresentar e que nos deixou a sós a noite inteira. Era inteligente e simpático, mas algo nele me alarmou. No dia seguinte, eu disse na TV que não votaria em Alan García, mas em Luis Bedoya Reyes. Ele não era rancoroso, pois, eleito presidente, ofereceu-me a embaixada na Espanha, que não aceitei.
Seu primeiro Governo (1985-1990) foi um desastre econômico. A inflação chegou a 7.000%. Ele tentou nacionalizar os bancos, as companhias de seguro e todas as instituições financeiras, uma medida que teria não só acabado de arruinar o Peru, mas também eternizado no poder o seu partido, a Aliança Popular Revolucionária Americana (APRA). Nós o impedimos com uma grande mobilização popular hostil à medida, que o obrigou a recuar. Seu apoio foi decisivo para que a eleição presidencial de 1990 fosse vencida por Alberto Fujimori, que dois anos depois deu um golpe de Estado. Alan García precisou se exilar. Seu Governo seguinte (2006-2011) foi muito melhor do que o primeiro, embora, infelizmente, deteriorado pela corrupção, sobretudo associada à construtora brasileira Odebrecht, que venceu licitações de obras públicas muito importantes, corrompendo altos funcionários. O Ministério Público justamente o investigava sobre esse assunto, e havia determinado sua prisão preventiva por dez dias, quando ele decidiu se suicidar.
Um tempo antes, García tentou pedir asilo no Uruguai, alegando ser vítima de uma perseguição injusta. Mas o Governo uruguaio negou o pedido por considerar – com toda justiça – que no Peru atual o Poder Judiciário é independente do Governo e que ninguém é assediado por suas ideias e convicções políticas.
Durante seu segundo Governo, eu o vi diversas vezes. A primeira foi quando o fujimorismo quis impedir a abertura do Lugar da Memória, que mostraria os seus vários crimes políticos cometidos sob o pretexto da luta antiterrorista. A seu pedido, aceitei presidir a comissão que implementou esse projeto, que hoje – felizmente – é uma realidade. Quando ganhei o Nobel de Literatura, ele telefonou para me parabenizar e me ofereceu um jantar no Palácio do Governo, no qual tentou me incentivar a ser candidato à Presidência. "Achei que tínhamos feito amizade", brinquei. Acredito que o vi pela última vez numa peça em que eu atuava, As Mil e Uma Noites.
Mas acompanhei bem de perto toda a sua trajetória política e o protagonismo que ele teve nos últimos 30 anos da vida pública do Peru. Era mais inteligente que a média dos que em meu país se dedicam a fazer política, com muitas leituras, e um orador fora do comum. Uma vez o ouvi dizer que era lamentável que a Academia de Letras só incorporasse escritores, fechando a porta aos "oradores", que segundo ele não eram menos originais e criadores do que os primeiros (imagino que o dizia seriamente).
Quando García assumiu a liderança da APRA, fundada por Haya de la Torre, o partido estava dividido e, provavelmente, em um longo processo de extinção. Ele o ressuscitou, tornou-o muito popular e o levou ao poder, algo nunca logrado por Haya, seu mestre e modelo. Um de seus maiores méritos foi ter aprendido a lição de seu desastroso primeiro Governo, no qual seus planos intervencionistas e de nacionalização destruíram a economia e deixaram o país muito mais pobre do que estava. Ele percebeu que o estatismo e o coletivismo eram absolutamente incompatíveis com o desenvolvimento econômico de um país. Em seu segundo mandato, estimulou o investimento estrangeiro, as empresas privadas e a economia de mercado. Se ele tivesse combatido a corrupção com a mesma energia, teria feito uma gestão magnífica. Mas nesse campo, ao invés de avançar, retrocedemos, embora certamente não com a intensidade vertiginosa dos roubos e saques de Fujimori e Montesinos que, acredito, estabeleceram um limite inalcançável para os Governos corruptos da América Latina.
Teria sido ele um político honesto, comparável a um José Luis Bustamante y Rivero ou a um Fernando Belaúnde Terry, dois presidentes que saíram do Palácio do Governo mais pobres do que entraram? Acredito sinceramente que não. E o digo com tristeza porque, embora tenhamos sido adversários, não há dúvida de que havia nele traços excepcionais, como o carisma e a energia inesgotável. Temo, contudo, que participasse dessa falta de escrúpulos, dessa tolerância aos abusos e excessos tão comuns entre os dirigentes políticos da América Latina que chegam ao poder e se sentem autorizados a dispor dos bens públicos como se fossem deles, ou, o que é muito pior, a fazer negócios privados ainda com isso que violem as leis e traiam a confiança dos eleitores.
Não é realmente escandaloso, uma vergonha sem desculpas, que os últimos cinco presidentes do Peru sejam investigados por supostos roubos, propinas e negócios ilícitos cometidos durante o exercício de seus mandatos? Essa tradição, que vem de longe, é um dos maiores obstáculos para que a democracia funcione na América Latina e os latino-americanos acreditem que as instituições estão ali para servi-los, não para que os altos funcionários encham o bolso saqueando-as.
O disparo efetuado por Alan García na cabeça poderia querer dizer que ele se sentia injustamente perseguido pela Justiça. Mas, também, que desejava que aquele estrondo e o sangue derramado corrigissem um passado que o atormentava e agora retornava para cobrar responsabilidades. Os indícios são sumamente inquietantes: as contas abertas em Andorra por seus colaboradores mais próximos, os milhões de dólares entregues pela Odebrecht ao então secretário-geral da Presidência, agora preso, e a outra pessoa muito próxima, seu próprio nível de vida tão acima do que afirmou ter, ao fazer a declaração de bens antes de assumir o primeiro mandato: "Meu patrimônio é este relógio."
No Peru, já faz tempo, há um grupo de juízes e promotores que surpreenderam a todos pela coragem que demonstram ao combater a corrupção, sem se deixarem amedrontar pela hostilidade desencadeada contra eles pela mesma esfera do poder que enfrentam, investigando, revelando os culpados, denunciando a má gestão dos poderosos. E, felizmente, apesar do silêncio covarde de tantos meios de comunicação, há também alguns jornalistas que apoiam o trabalho desses funcionários heroicos. Esse é um processo que não pode nem deve parar, pois o país depende dele para sair finalmente do subdesenvolvimento e fortalecer as bases da cultura democrática, para a qual a existência de um Judiciário independente e honesto é essencial. Seria trágico que, na compreensível emoção provocada pelo suicídio de Alan García, o trabalho desses juízes e promotores fosse interrompido ou sabotado, e que os poucos jornalistas que os apoiam fossem silenciados.
Madri, abril de 2019
Dizem os historiadores que a cidade é a maior e mais bem-sucedida invenção do homem. Foram precisos 2,5 milhões de anos desde que o Homo Habilis demonstrou que sabia construir e utilizar suas primeiras ferramentas complementando suas limitações naturais até que o homem inventasse a cidade. Com a cidade o homem deu um salto e evoluiu muito rápido, bastando 5 mil anos para pisar na Lua e poucos dias atrás fotografou um “buraco negro” a 50 milhões de anos-luz da Terra.
A invenção da cidade teve como condição essencial uma outra invenção, a Civilização. Cidade e Civilização nasceram juntas e são gêmeas xipófogas inseparáveis. Uma não vive sem a outra. A cidade é o locus da Civilização, a qual por sua vez é condição indispensável para a existência da cidade. E cidade e Civilização não existiriam se o homem não desse um salto qualitativo também essencial, deixando de ser bárbaro para ser civilizado. Só que enquanto a Barbárie supera a Selvageria, a Civilização não supera a Barbárie, apenas a traveste com uma carapaça chamada Ética formada por leis, normas, costumes, princípios religiosos e morais, cuja obediência passa a interessar a todos pois sem ela a cidade não funciona, nem a Civilização.
Assim, por baixo da carapaça civilizatória persiste o bárbaro, pronto para escapar, o que acontece quando os controles dos códigos são afrouxados ou deixam de existir. O bárbaro deixa sua casca de civilizado e vai destruir a cidade e a Civilização, local e condição incompatíveis com sua existência. Só há uma forma do bárbaro retornar à sua armadura civilizatória: submetê-lo de novo às normas, regras e padrões, obedecidos por todos. Para isso existem as leis e suas penas.
Como considerar as cidades brasileiras e suas condições de existência se de um modo geral vivemos em um ambiente de quase barbárie, sem padrões legítimos de convivência e onde as autoridades responsáveis pelos mecanismos de controle estão ausentes ou também se comportam como bárbaros? No urbanismo a situação é trágica desde a fiscalização da responsabilidade técnica profissional até a aplicação das normas dos planos diretores, em especial as leis de uso e ocupação do solo e suas áreas de risco, criminosa e crescentemente ocupadas ao arrepio da lei. Está claro que barbárie dominou nossas cidades e a está destruindo sob o olhar acovardado ou criminoso nosso e de seus gestores, vide as grandes tragédias que emocionam o país ou mesmo as menores, cotidianas de pouco destaque mas que anualizadas são imensas.
Será que ninguém enxerga um conjunto de edifícios sendo construído, ou uma favela em nítida expansão, agora até verticalmente, em áreas de evidente risco, perceptível como tal até a um leigo? Alguém acredita que uma cidade como o Rio de Janeiro, ou qualquer outra grande cidade brasileira não disponha de uma carta geotécnica ou uma legislação para o uso e a ocupação do solo urbano, mais de 30 anos após a Constituição determinar que a tivessem? Onde estão os órgãos responsáveis em zelar pelas boas práticas da Engenharia, Arquitetura e Urbanismo no país? Pergunto envergonhado como conselheiro de um deles.
E as prefeituras? os prefeitos? os ministérios públicos? a Justiça? Onde estão as responsabilidades? As cidades que historicamente se revelam tão importantes na promoção da humanidade, no Brasil se transformaram em assassinas de seu próprio povo. Ao arquiteto e urbanista brasileiro que por formação tem o dever de entender, trabalhar e ao menos denunciar estes tétricos cenários, só lhe resta emprestar o grito desesperado de Castro Alves: “Meu Deus, meu Deus, mas que bandeira é esta que impudente na gávea tripudia?... Antes te houvessem roto na batalha, que servires a um povo de mortalha.”
• Arquiteto e urbanista, conselheiro do CAU/MT, acadêmico da AAU/MT e professor universitário aposentado.
Há cerca de um mês o Supremo Tribunal Federal (STF), por seu presidente, ministro Dias Toffoli, instaurou de ofício um inquérito penal para investigar fake news, denunciações caluniosas e ameaças que atingem a honorabilidade e a segurança do tribunal, de seus membros e familiares. No curso desse teratológico inquérito (sim, inacreditavelmente, esse procedimento continua existindo), o relator, ministro Alexandre de Moraes, escolhido ao arbítrio de Dias Toffoli, censurou a publicação de uma reportagem jornalística que apontava Dias Toffoli como o “amigo do amigo do meu pai”, segundo Marcelo Odebrecht, este condenado em diversas ações da Lava-Jato. A Procuradora-Geral da República até fez a sua parte e protocolou uma promoção de arquivamento dessa inciativa policialesca, em razão dos seus vícios ululantes. Mas as primeiras notícias dão conta de que o relator vai ignorar solenemente o clamor ministerial pela retomada da normalidade democrática. Definitivamente, algo vai muito mal no reino tupiniquim.
A situação é grave. Vive-se tempos sombrios no Brasil. Nos últimos meses, alguns ministros do STF protagonizaram situações, no mínimo, vexatórias. O seu presidente, no jantar da sua posse, brincou de karaokê aparentemente alcoolizado, sob os olhares e as câmeras dos seus convidados, inclusive jornalistas. O ministro Gilmar Mendes, aquele acusado pelo ex-ministro Joaquim Barbosa de ter capangas em seu estado de origem, chamou os procuradores da Lava-Jato de gentalha e cretinos. O ministro Ricardo Lewandowski mandou prender um advogado que educadamente manifestou sua opinião sobre a corte. Tudo isso só contribui para desacreditar o órgão supremo da Justiça, guardião da Constituição e das liberdades. Mas esperar o que de um tribunal cujo presidente ostenta em seu currículo nada menos do que duas reprovações em concursos para a magistratura?
Até um leigo sabe que o órgão que julga não se confunde com o órgão que investiga. O sistema penal acusatório é um dos pilares do estado democrático de direito, já que assegura imparcialidade ao juiz que impõe severas restrições a um dos bens mais fundamentais do ser humano, que é a sua liberdade. A liberdade de imprensa, por outro lado, garante que nenhum malfeito, em especial quando envolve autoridades superiores, fique a salvo do escrutínio público, constituindo-se em outro fundamento democrático. Quando esses pilares sofrem abalos, caminha-se perigosamente para um regime de exceção. Se esses ataques partem do Poder Judiciário, aquele poder do qual se espera justamente a defesa intransigente dos valores democráticos, aí perde-se as esperanças.
Ao determinar a instauração de um inquérito sem fundamento em nenhuma boa doutrina jurídica e censurar um veículo de imprensa, o STF parece realmente determinado a cutucar onça com vara curta. O medo não é viver sob uma ditadura do Judiciário, simplesmente porque não se tem notícias na história da humanidade de um regime totalitário sustentado a base de papel e caneta. A única ditadura que existe é a das armas. Não à toa o deputado federal Eduardo Bolsonaro, em tom jocoso, afirmou outrora que para fechar o STF bastava um cabo e um soldado. Na linha do que sustentou o Presidente da República, Jair Bolsonaro, são as forças armadas que garantem a democracia e a liberdade. Em um passado recente, quando esses bens foram ameaçados por uma ideologia esquerdista, quem resolveu a pendenga foram os militares. Então, das duas uma: ou o STF combinou isso tudo com o cabo e o soldado, ou o cabo e o soldado já devem estar em alerta e esse é o perigo. Ninguém em sã consciência deseja reviver o cenário de 1964. Mas não se enganem os ministros do STF se pensam que podem dominar o mundo. Eles não têm armas.
*Publicado originalmente em https://leandrogovinda.blogspot.com/2019/04/cabo-e-soldado-em-alerta.html?m=1
** O autor é Promotor de Justiça no MP/SC
"E então: depois de ouvir durante meses, ou anos, toda essa discussão sobre a "reforma da Previdência", você está achando que ela é "contra os pobres"? Ou acha que é exatamente o contrário? Ou, ainda, não acha nem uma coisa nem outra, porque não tem mais paciência para continuar ouvindo essa conversa que não acaba mais? Anime-se. O professor gaúcho Fernando Schüler, conferencista e consultor de empresas, tem a solução definitiva para o seu problema. Se a reforma da previdência fosse contra os pobres, explicou Schüler dias atrás, já teria sido aprovada há muito tempo, e sem a menor dificuldade. Pela mais simples de todas as razões: tudo aquilo que prejudica o pobre diabo que está tentando não morrer de fome, e não tem tempo para fazer "articulação política", passa como um foguete da NASA pelas duas casas do Congresso deste país. Passa tão depressa, na verdade, e com tanto silêncio, que ninguém nem fica sabendo que passou. A reforma proposta pelo governo só está encontrando essa resistência desesperada do PT, dos seus satélites e da massa da politicalha safada porque é, justamente, a favor dos pobres e contra os ricos. Cem por cento contra os ricos - no caso, algumas dezenas de milhares de funcionários públicos com salário-teto na casa dos 40.000 reais por mês, sobretudo nas camadas mais altas do Judiciário e do Legislativo. São esses os únicos que vão perder, e vão perder em favor dos que têm menos ou não têm nada.
Não parece possível, humanamente, eliminar de maneira mais clara as dúvidas sobre a reforma da previdência. Alguém já viu, em cerca de 200 anos de existência do Congresso Nacional, alguma coisa a favor de rico dar trabalho para ser aprovada? Ainda há pouco, só para ficar num dos exemplos mais degenerados do estilo de vida dessa gente, deputados e senadores aprovaram o pagamento de 1,7 bilhão de reais para a "campanha eleitoral de 2018" - dinheiro vivo, saído diretamente dos seus impostos e entregue diretamente no bolso dos congressistas. São os mesmos, em grande parte, que agora viram um bando de tigres para "salvar os pobres" da reforma. Poderiam ser mencionados, aí, uns outros 1.000 casos iguais, em benefício exclusivo da manada que tem força para arrancar dinheiro do Erário público. No caso da previdência a briga é para conservar os privilégios de ministros, desembargadores, procuradores, auditores, ouvidores, marajás da Câmara dos Deputados, sultões do Senado e toda a turma de magnatas que conseguem ganhar ainda mais que o teto e exigem, ao se aposentar, os mesmos salários que ganham na ativa - algo que nenhum outro brasileiro tem.
Não adianta nada, com certeza, apresentar números, fatos e provas materiais que liquidam qualquer dúvida sobre a injustiça rasteira de um sistema que se utiliza da lei para violar o princípio mais elementar das democracias - o de que todos os cidadãos são iguais em seus direitos e em seus deveres. A previdência brasileira determina, expressamente, que os cidadãos são desiguais; quem trabalha no setor privado, segundo as regras que se pretende mudar, vale menos que os funcionários do setor público e, portanto, tem de receber aposentadoria menor. Quando se demonstra essa aberração com a aritmética, a esquerda diz que as contas não valem, pois se baseiam em "números ilegais". Não há, realmente, como continuar uma conversa a partir de um argumento desses - e nem há mesmo qualquer utilidade prática em conversar sobre o assunto. Os defensores dos privilégios não estão interessados em discutir número nenhum; estão interessados, apenas, em defender privilégios. Por que raios, então, iriam perder seu tempo se aborrecendo com fatos?
O que existe, no fundo, é uma questão que vai muito além da previdência social. É a guerra enfurecida que se trava no Brasil para manter exatamente como estão todas as desigualdades materiais em favor das castas que mandam no Estado - todas as desigualdades, sem exceção, e não apenas a aposentadoria com salário integral. Sua marca registrada é um prodigioso esforço de propaganda para fazer as pessoas acreditarem que o agressor está do lado dos agredidos - e que qualquer tentativa séria de defender o pobre é uma monstruosidade que precisa ser queimada em praça pública. Acabamos de viver, justo agora, um dos grandes momentos na história dessa mentira que faz do Brasil um dos países mais injustos do mundo - quando o ministro Paulo Guedes foi à Câmara para explicar, com paciência de monge beneditino e fatos da lógica elementar, a reforma da previdência. O PT fez o possível para impedir o ministro de falar. Ao fim, tentou ganhar pelo insulto. Um deputado de segunda linha faturou seus 15 minutos de fama dizendo que Guedes era bravo com "os aposentados", mas "tchutchuca quando mexe com a turma mais privilegiada do nosso país".
A grosseria serviu para três coisas. Em primeiro lugar, fez o deputado ouvir que "tchutchuca é a mãe". Em segundo lugar, levou o ex-presidente Lula a dizer, da cadeia, que estava "orgulhoso" com a agressão - mais um sinal, entre tantos, do bem que ele fará pelo Brasil se for solto ou premiado com a "prisão domiciliar". Em terceiro lugar, enfim, abriu mais uma avenida-gigante para se dizer quem é quem, mesmo, em matéria de "tchutchuca" com os ricos, parasitas e piratas neste país - "tchutchuca" na vida real, como ela é vivida na crueza do seu dia a dia, e não na conversa de deputado petista. Aí não tem jeito: os fatos, e puramente os fatos, mostram que Lula, guiando o bonde geral da esquerda verde-amarela, foi o maior "tchutchuca" de rico que o Brasil já teve em seus 500 anos de história; ninguém chegou perto dele, e nem de forma tão exposta à luz do sol do meio dia. Pior: o ex-presidente não foi só a grande mãe gentil dos ricos. Foi também a fada protetora dos empreiteiros de obras bandidos, dos empresários escroques e dos variados tipos de ladrão que tanto prosperam em países subdesenvolvidos - as "criaturas do pântano", como se diz.
Fonte: “Veja”, 19/04/2019
No primeiro artigo desta série sobre os benefícios da Educação Clássica, após uma exposição dos motivos históricos que conduziram o governo brasileiro a eliminá-la completamente dos currículos escolares nacionais, apresentamos um elenco de oito benefícios fundamentais de que nosso país abriu mão ao optar por um modelo de Educação de cunho meramente profissionalizante. Neste artigo, desenvolveremos o terceiro benefício fundamental da Educação Clássica, isto é, “a formação de um agudo discernimento sobre quais informações, ideias e conteúdos são benéficos para sua mente e seu caráter e quais são debilitantes”.
O que é discernimento
Mantendo-nos fiéis aos princípios de educação clássica que abordamos no artigo anterior, devemos começar esta discussão com uma simples consulta a um bom dicionário:
dis•cer•nir
(latim discerno, -ere, separar, distinguir, reconhecer, decidir)
1. Distinguir.
2. Estabelecer conveniente diferença (entre coisas ou pessoas).
3. Discriminar.
4. Conhecer.
5. Julgar.
6. Apreciar.
7. Medir.
8. Avaliar bem.
(Fonte: “discernir”, in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/discernir [consultado em 15-04-2019].)
Assim, no sentido mais geral e elementar da palavra, “discernimento” é a capacidade cognitiva de reconhecer a diferença entre duas coisas quaisquer. É o discernimento que nos permite diferenciar uma maçã de uma pera; um brinquedo inofensivo, de uma ferramenta perigosa; um alimento saudável, de uma porção de veneno.
Como dissemos no último artigo, esse sentido básico da palavra “discernimento” é a condição fundamental de todo conhecimento e o resultado esperado de todo processo educacional. Seja qual for a profissão, a Ciência ou o campo de conhecimento, o reconhecimento de diferenças entre as coisas é condição sine qua non – ou, como bem sintetizou Olavo de Carvalho em seu perfil no Facebook:
“As regras da vida intelectual são:
1) Olhar, olhar, olhar e depois olhar um pouco mais.
2) Sentir, impregnar-se do objeto e deixar que ele fale.
3) Distinguir, distinguir, distinguir e depois distinguir um pouco mais.”
No contexto do trivium, o discernimento se inicia nas distinções elementares da Gramática, refina-se nas associações Lógicas entre os diferentes conceitos e elementos da realidade e atinge seu ápice nas distinções mais linguisticamente complexas e intelectualmente elevadas da Retórica.
O discernimento na tradição cristã
No âmbito do Cristianismo, o discernimento assume um sentido especial, que merece um desenvolvimento um pouco mais detalhado.
O teólogo católico Joe Paprocki, D.Min., consultor da Loyola Press, sintetiza em poucas linhas e linguagem acessível ao leitor moderno, os elementos essenciais do conceito:
“Discernimento é uma prática consagrada pelo tempo na tradição Cristã. Em essência, o discernimento é um processo de decisão que honra o lugar de Deus em nossas vidas. É uma busca interior que se dirige ao alinhamento de nossa própria vontade à vontade de Deus com o objetivo de descobrir a que Deus nos convoca. Cada decisão que tomamos, pouco importando o quão pequena, é uma oportunidade de alinharmo-nos à vontade de Deus”.
A busca do discernimento nesse sentido de “alinhamento à vontade de Deus” também tem importância central entre os Cristãos protestantes, como se pode ver nestas claríssimas linhas do teólogo presbiteriano Sinclair Ferguson, PhD:
“O verdadeiro discernimento significa não apenas distinguir o certo e do errado; mas o primário, do secundário; o essencial, do indiferente; e, o permanente, do transitório. E, sim, significa distinguir o bom do melhor e, até mesmo, o melhor do melhor de todos”.
O problema/desafio do discernimento nesse sentido, digamos, mais “prático” permeia praticamente toda a vida do cristão, como se pode observar nesta singela descrição da adolescente católica americana Natalie Tansil:
“Discernimento é simplesmente a busca e a descoberta da vontade de Deus em sua vida. É uma aventura com Deus que começa com a elevação de uma pergunta a Deus. É mais fácil se não for uma questão aberta.
Eis alguns exemplos desse tipo de perguntas:
• Devo ou não namorar esta pessoa?
• Devo ir para a faculdade A ou para a faculdade B?
• Devo entrar para o seminário?
• Sou chamado para a vida religiosa ou para o casamento?
• Sou chamado ou não para ser um sacerdote ou irmão religioso?
• Sou chamada ou não para ser uma freira enclausurada?
• Devo me formar em Química ou em Inglês?
• Devo ou não pedir esta pessoa em casamento?
Você não pode discernir entre coisas que não tem muita importância, como a marca do cereal que você comerá no café da manhã. Também não há discernimento na escolha entre coisas imorais”.
No contexto católico, porém, a noção de discernimento está mais profundamente ligada à descoberta da vocação individual, especialmente às vocações sacerdotais. Trata-se em última análise de distinguir, entre as muitas opções de vida, qual se harmoniza melhor com a vontade de Deus, sendo evidente que somente um profundo conhecimento dessas opções aliado a uma forte disciplina espiritual pode levar a pessoa à escolha mais adequada. Nesse sentido, Santo Inácio de Loiola prescreve, como requisito para o discernimento, uma Santa Indiferença quanto ao valor das diversas opções:
“O homem é criado para louvar, prestar reverência e servir a Deus nosso Senhor e, mediante isto, salvar a sua alma; e as outras coisas sobre a face da terra são criadas para o homem, para que o ajudem a conseguir o fim para que é criado. Donde se segue que o homem tanto há-de usar delas quanto o ajudam para o seu fim, e tanto deve deixar-se delas, quanto disso o impedem. Pelo que, é necessário fazer-nos indiferentes a todas as coisas criadas, em tudo o que é concedido à liberdade do nosso livre arbítrio, e não lhe está proibido; de tal maneira que, da nossa parte, não queiramos mais saúde que doença, riqueza que pobreza, honra que desonra, vida longa que vida curta, e consequentemente em tudo o mais; mas somente desejemos e escolhamos o que mais nos conduz para o fim para que somos criados” (LOIOLA, Santo Inácio. Exercícios espirituais. Tradução do autógrafo espanhol por Vital Cordeiro Dias Pereira, S.J. Braga (Portugal): Livraria Apostolado da Imprensa, 1999, p. 10).
A Santa Indiferença não é, deste modo, um tanto faz apático da parte do fiel, mas uma predisposição a aceitar seja qual for a opção reservada por Deus. Nesse ponto, São Francisco de Sales é ainda mais enfático:
“CAPÍTULO V – Como a santa indiferença se estende a todas as coisas:
A indiferença deve praticar-se em tudo o que é relativo à vida natural, como seja a saúde e a doença, a beleza e a fealdade, a fraqueza e a força; nas coisas da vida civil, como são as distinções, honras e riquezas; e na extensa escala da vida espiritual, como é a tibieza e as consolações, a desolação e a alegria. Devemos ser indiferentes nos atos, nos sofrimentos e, enfim , em toda a sorte de eventualidades”. (SALES, São Francisco de. Tratado do amor de Deus. Porto (Portugal): Livraria Apostolado da Imprensa, 1950, 2a edição, p. 410).
O efeito na vida da pessoa de um discernimento que emerge da Santa Indiferença é adoravelmente descrito pela fiel católica Ann Yeoung em artigo no site da Arquidiocese Católica Romana de Singapura:
“Foi por isso que Santo Inácio de Loiola ensinou que precisamos da Santa Indiferença como pré-requisito para o discernimento. Esta indiferença, mais do que um estado de desligamento, é sentir-me tão confiante no amor e no desejo de Deus que não mais tenho necessidade de pensar no que eu acho que me fará feliz. É um estado de total humildade onde repouso meus próprios pensamentos sobre qual seria a melhor opção e, em vez disso, peço para ser guiada pelo Senhor”.
O abade A.D. Sertillanges, em sua obra “A Vida Intelectual”, reforça a percepção da fiel singapurana alertando para os perigos de abraçar uma atividade qualquer – no caso, a atividade intelectual – sem que a pessoa seja movida por uma autêntica vocação “alinhada à vontade de Deus”:
“Isto supõe que se abraça a vida intelectual com intenções desinteresseiras e não por ambição ou vã gloríola. Os guizos da publicidade só tentam os espíritos fúteis. A ambição, que quisesse subordinar a si a verdade eterna, ofendê-la-ia. Brincar com as questões que dominam a vida e a morte, com a natureza misteriosa, talhar-se um destino literário e filosófico à custa da verdade ou fora da dependência da verdade, constitui um sacrilégio. Tais intentos, sobretudo o primeiro, não conseguiriam manter o investigador; depressa o esforço esmoreceria e a vaidade haveria de entreter-se com bagatelas, sem curar das realidades”.
O teólogo católico Peter Kreeft, Ph.D., professor de Filosofia no Boston College, apresenta cinco princípios na busca do discernimento:
“1. Sempre comece com informações, com o que sabemos ao certo. Julgue o desconhecido pelo conhecido, o incerto pelo certo…
2. Deixe que seu coração eduque sua mente. Que seu amor de Deus eduque sua Razão no discernimento de sua vontade…
3. Mantenha o coração mole e a cabeça dura… Em nossos corações, devemos ser como chorosos liberais; em nossa cabeça, conservadores com os pés fincados no chão.
4. Todos os sinais de Deus devem alinhar-se, como uma trigonometria. Há pelo menos sete sinais: (1) Escrituras, (2) o ensino da Igreja, (3) a razão humana (criada por Deus), (4) a situação ou circunstâncias (que Ele controla por sua providência), (5) a consciência, ou o sentido inato de certo e errado, (6) nossas inclinações individuais, desejos ou instintos e (7) oração. Teste sua opção apresentando-as diante da face de Deus. Se uma destas sete vozes disser não, não faça. Se nenhuma delas disser não, faça.
5. Procure pelos frutos do espírito, especialmente os três primeiros: amor, alegria e paz”.
Ou seja, o discernimento, no sentido cristão em geral e, especialmente, no sentido católico, é uma conquista integrada de que participam o conhecimento e a razão ao lado do sentimentos, dos instintos, da fé, da doutrina, etc. Sua dificuldade reside justamente, no fato de que se trata de escolhas entre coisas inerentemente boas, como ressalta o adolescente católico homeschooler Peter Anselm Lyons ao relatar esta brilhante explicação que recebeu durante um retiro de discernimento num Colégio Beneditino:
“Todas estas coisas – casamento, família, paternidade, carreira – são boas; são boas porque é virtuoso o desejo de ser um bom marido, de amar e ser amado por uma mulher, ou de seguir com sucesso uma carreira profissional honesta. Esses desejos, ou apetites, são impulsos naturais dados por Deus que indicam um homem bem organizado. Mas Deus, às vezes, tira-nos coisas boas para dar-nos um bem maior. Abrir mão do casamento é duro? Claro que é duro, porque o Sacramento do Matrimônio é bom. Se Deus deseja que você desista de casar-se tornando-se um padre, isto não significa que você não ficaria, até certo ponto, satisfeito em um casamento, mais que você seria definitiva, única e dinamicamente feliz como um padre, numa extensão que jamais poderia experimentar num casamento. E vice-versa.”
A tragédia da perda do discernimento
Dissemos, no início deste artigo que um dos benefícios da Educação Clássica é o discernimento sobre a qualidade de informações, ideias e conteúdos. Ora, se já é indispensável desenvolver o discernimento naquele sentido mais básico de mera diferenciação entre coisas e conceitos, quando elevamos a compreensão do discernimento a seu nível espiritual mais elevado, veremos que a sua perda só pode levar à loucura. No contexto de uma Sociedade da Informação em que o indivíduo é bombardeado pela propaganda de todo tipo de valores, comportamentos, estímulos e mensagens de todo tipo, variando desde o útil e construtivo ao inócuo, ao inútil e ao abertamente nocivo, o desenvolvimento de critérios de filtragem, isto é, de discernimento, assume papel central na manutenção da sanidade e do crescimento espiritual. Como ressalta Olavo de Carvalho:
“O discernimento estético é parte integrante da cultura espiritual. A música, as artes plásticas, o cinema e o teatro são armas letais usadas na desumanização das massas, e isto menos pelo conteúdo propagandístico explícito (uma exceção) do que pelo simples fato de dissolverem o senso estético das multidões pela exposição repetida ao feio e disforme apresentado como normal”.
Essa exposição contínua “ao feio e ao disforme como se fossem normais” é parte de um projeto intelectual iniciado nos anos 1960, que não cabe desenvolver aqui, cujo resultado trágico foi a destruição do discernimento em todo o Ocidente. O resultado desse projeto é descrito magistralmente pelo advogado católico novaiorquino James Kalb:
“O resultado natural foi um declínio radical na vida intelectual, artística e religiosa, o caos, a banalidade e a brutalidade no mundo em geral, a substituição dos padrões tradicionais de vida pelo comércio, pela burocracia e por paliativos de efeito temporário. A esperada Idade de Ouro acabou sendo uma era de chumbo, ou melhor, de lantejoulas e lixo.
O contraste entre as expectativas e os fatos resultou em uma oposição entre aparência e realidade. Dadas as tendências marxistas da época, é apropriado que a oposição exemplifique-se numa falsa consciência – a aceitação de imagens falsas da realidade e o fracasso em reconhecer os interesses que essas imagens promovem.”
Carrie Gress, cujo currículo ostenta um doutorado na Universidade Católica da América, uma cátedra de Filosofia na Pontifícia Universidade e quatro filhos que educa em regime de homeschooling, testemunha como a perda do discernimento estético exerce um terrível efeito sobre muitas mulheres:
“Pegue qualquer revista feminina da atualidade e você terá a nítida impressão de que a beleza serve apenas à superficialidade: para seduzir os homens, impressionar as amigas ou esconder a devastação da idade. A noção de que a beleza deveria apontar para além de si mesma, à fonte de toda a beleza – o Criador – está muito, muito distante. Essa beleza esvaziada faz mulheres semelhantes a “sepulcros caiados: bonitos por fora, mas por dentro estão cheios de ossos e de todo tipo de imundície (Mateus 23:27) … Será que estamos fazendo perguntas como ‘Eu tenho uma bela alma?’ ou, mesmo, ‘O que é uma bela alma?’”.
O Padre Paulo Ricardo enfatiza o papel dos mitos clássicos sobre o crescimento pessoal e os perigos das inversões perpetradas pela mídia moderna sob os pretextos “politicamente corretos” de “não ofender minorias”:
“Na história das civilizações, os homens sempre criaram fábulas para narrar acontecimentos importantes ou transmitir alguma lição de moral às novas gerações. Mitos como o Labirinto de Creta ou a lendária figura do Rei Arthurnão tinham apenas a tarefa de entreter uma sociedade fatigada pela rotina do cotidiano, mas também a de oferecer respostas concretas aos dramas existenciais, de sorte que, olhando para o desfecho dessas histórias, o homem pudesse superar seus desafios e crescer como pessoa… Com efeito, os produtos da cultura de massa transformam-se em um perigoso instrumento de subversão, quando decidem alterar o sentido da mitologia tradicional para oferecer, em seu lugar, as fantasias que levam o ser humano para trás”.
Em síntese, os meios de comunicação inundaram o ambiente mental com informações perniciosas a tal ponto que não se pode confiar na “inocência” de um desenho animado ou história em quadrinhos como forma de diversão ou passatempo saudáveis. É, mais do que nunca, fundamental desenvolver em nós mesmos e em nossos filhos um agudo discernimento, tanto no sentido elementar de diferenciação entre coisas e conceitos como nos sentidos mais elevados de discernimento estético, ético e espiritual.
Como a Educação Clássica favorece o Discernimento
O fundamento da Educação Clássica, bem como seu objetivo maior, é o discernimento da Beleza, da Verdade, da Justiça e da Bondade. Somente na ausência dos princípios, conteúdos e valores da Educação Clássica é que podem prosperar o relativismo moral, a subversão da Estética, a confusão de conceitos, a inversão de prioridades e valores, entre tantos outros vícios que são a marca de nosso tempo.
Ao estudar os mitos, as histórias de santos e heróis, as grandes realizações artísticas e literárias que constituem a melhor herança de nossa civilização, o indivíduo tem a oportunidade de “vacinar-se” contra as mórbidas ideologias que infestam o ambiente mental da atualidade, distinguindo o que é belo, verdadeiro, justo e bom daquilo que não é.
O modelo de Educação Clássica, ao enfatizar o estudo das virtudes, exige do estudante o confronto de seus valores com os atos praticados por homens e mulheres ao longo dos séculos e a contínua comparação com sua própria realidade e com os próprios dilemas que vivencia, encontrando parâmetros e limites para avaliar seus atos e decisões.
O ponto fundamental a considerar é que, como vimos, o conhecimento da realidade, isto é, das opções à disposição do indivíduo em suas decisões é um componente essencial do discernimento inclusive no mais elevado sentido espiritual da palavra. Não se obterá discernimento isolando-se a pessoa numa redoma de informação filtrada e edulcorada, mas adquirindo critérios, meios de comparação, para julgar adequadamente a beleza, a verdade e a justiça das informações a que se é exposto.
Finalmente, você perguntará: mas como saberei se estou tendo sucesso nesse objetivo? Foi com esse exato propósito que incluímos neste artigo os depoimentos da moça e do rapaz adolescentes e da fiel singapurana: você perceberá o resultado de seus esforços quando você e seus filhos puderem testemunhar em sua própria vida a aplicação desses critérios com cada vez maior desenvoltura e naturalidade em todas as decisões importantes que venham a tomar.
Índice de artigos desta série:
• Os oito benefícios fundamentais da Educação Clássica
• Benefícios da Educação Clássica (1) – Pertencimento
• Benefícios da Educação Clássica (2) – Independência Intelectual
• Benefícios da Educação Clássica (3) – Discernimento
* Por Géssica Hellmann em Educação Clássica, Valorizando o conhecimento
Ao final de 1999, a revista “Dever de casa”, com a imagem Marechal Deodoro na capa, destaca em certo trecho: “O “herói” dos massacres, Luiz Alves de Lima e Silva, foi recompensado por matar rebeles do Norte e do Sul do país, recebendo os títulos de barão e em seguida de Duque de Caxias — ele é o patrono do Exército Brasileiro.”
A cada um cabe eleger os seus heróis. Mas, denegrir aqueles que lutaram na defesa dos interesses nacionais, que mantiveram esta Nação em berço esplêndido. Gigante pela própria natureza que não foi “de graça”, nem foi esfacelado como a América espanhola. Caxias é um dos baluartes da Unidade Nacional.
Sobre tal fato escrevemos texto contraditório à desconstrução tipicamente marxista, publicado n’O FAROL em junho de 2000, epigrafado, “Iconoclastas da nacionalidade”. Repulsa às cunhas que agridem a monolítica Nação forjada com luta, sangue, combatentes mortos, feridos e mutilados. Não podem ser esquecidos viúvas e órfãos.
Ainda que tirem as poeiras dos porões, abram alas e criem heróis dos barracões, não os façam gerar outras nações que dividam o Laço Verde-Amarelo. Não apelem pro nada. E a Nação, salve, salve, não vire pó, nem farelo.
Multidões vestem a camisa “canarinho” — pra frente Brasil — Salve a seleção! Multidões bradam, “a minha Bandeira jamais será vermelha”. Vestem verde-amarelo para extirpar comunistas corruptos do poder; aos milhões exigindo a prisão do pixuleco. Saúdam heróis que defenderam a Pátria nos campos de batalha.
Nem do inimigo “tem sangue retinto pisado”. Tem honra e glória atrás de tantos heróis emoldurados.
O Duque de Caxias, magnânimo e pacificador, foi um desses vencedores que expulsaram invasores. A eles a grandiosa Nação deve os louros das vitórias e a herança herdada que todos usufruem, inclusive os que conspurcam suas imagens na vida mundana que levam.
Nascido em 25 de agosto de 1803, o Duque teve o seu batismo de fogo na Guerra da Independência (Bahia/1823), com 20 anos incompletos. A seguir lutou na Guerra da Cisplatina (1825-1828).
Foi precursor do abolicionismo ao alforriar os negros — bravos lanceiros farrapos — integrando-os ao Exército, na pacificação do Sul; longa guerra fratricida de 1835 a 1845 que ameaçava fraturar a unidade territorial consolidada. Caxias deixa uma lição ao proferir emocionante proclamação de brasilidade aos gaúchos: "Abracemo-nos e unamo-nos para marcharmos não peito a peito, mas ombro a ombro, em defesa da Pátria que é a nossa mãe comum.”.
Coragem e bravura não faltaram a Caxias em defesa da Pátria; fiel juramento dos militares, se preciso for, com o sacrifício da própria vida.
A História do Patrono do Exército se passou em grande parte nas operações de guerra, em barracas de campanha com o desconforto para dormir, com frio ou calor, se alimentar quando possível, em marchas forçadas para o combate, atacar e defender, socorrer os feridos, enterrar os mortos com sofrimento, pesar e orações. Dia e noite sob as agruras da guerra.
Não se compara aos barracões do samba que tem seus méritos, reconhecimento artístico, estandarte de ouro, enredo nota 10. Cada um no seu quadrado.
Sambistas e jurados sem compromisso com a História, “Com versos que o livro apagou/ Desde 1500/ Tem mais invasão do que descobrimento/ Tem sangue.../ Mulheres, tamoios, mulatos/... Não veio do céu/ Nem das mãos de Isabel...”
“Quem foi de aço nos anos de chumbo”, padrão Marighela, abusou das práticas terroristas, carro-bomba, explodiu, assaltou e matou/mutilou inocentes, como Orlando Lovechio, Mário Kozel Filho e até “justiçamento” dos comparsas julgados “traíras”.
Em 9 de dezembro de 1868, Caxias tinha 65 anos, quando a cavalo e com a espada em riste, irrompeu sobre a Ponte de Itororó arrostando o ferrenho inimigo, vencendo-o a caminho da vitória final. (Vale citar que hoje se discute a idade de 65 anos para a aposentadoria).
Verso por verso, o Hino a Caxias (letra, D. Aquino Correa) diz tudo: Salve, Duque Glorioso e sagrado/ Ó Caxias invicto e gentil! Salve, flor de estadista e soldado!/ Salve, herói militar do Brasil./ Do teu gládio sem par, forte e brando,/ O arco de ouro da paz se forjou,/ Que as províncias do Império estreitando/ À unidade da Pátria salvou.
Mas, não é só com Caxias. É ampla a frente de desconstrução daqueles que fizeram História. “Gerar outros é preciso”. Cantores que morreram de overdose, políticos feitores dos “direitos humanos”. Enfumaçar a Princesa Isabel e iluminar Zumbi dos Palmares. Pior, ao invés de se homenagear o considerado líder combatente do escravismo, se cultiva uma consciência como parâmetro que vai se contrapor a outra e incentivar a contenda.
Dia desses, em canal a versar sobre história, apresentado por brasileiros, o alvo era Santos Dumont. A chacota prevaleceu nos comentários de que o avião de Dumont se deslocava aos saltos (1906), em posição contrária ao que se entendeu posteriormente como normal, enquanto os entrevistados norte-americanos justificavam a primazia da invenção aos irmãos Wright (1903), em vôo sigiloso porquanto pretendiam registrar o invento como propriedade.
Até a sexualidade do Pai da Aviação, brasileiro, foi comentada, como se trouxesse alguma contribuição ao debate. Isto, nesta época cujo tema ideologia de gênero perambula no topo.
Em suma, o que seríamos nós sem o descobrimento, denominação genérica e histórica? Seríamos ainda tribos com gente pelada, arco e flecha, comendo caça, aipim/mandioca? Cada uma com línguas e dialetos distintos? Sem a abominável escravidão, com as contribuições trazidas da África? Sem a migração de gente pobre de origem européia? Ainda japoneses, árabes, judeus, etc?
Seríamos esta Nação Mestiça, gigante pela própria natureza?
O problema não está no Cabral de 1.500, mas nos cabrais do ano 2.000, lulas, dirceus, pezões, garotinhos... e parceiros que fazem igual ou pior do que os genocidas históricos trotskistas ninando gente que se acha grande.
Meus heróis não morreram de overdose (Hamilton Mourão).
*Ernesto Caruso é Coronel de Artilharia e Estado-Maior (reformado).
**Publicado originalmente em Alerta Total – www.alertatotal.net