Percival Puggina

16/11/2022

 

Percival Puggina

I want to wake up in a city

That never sleeps
And find I'm king of the hill
Top of the heap

         Essa canção, em que a música de John Kander e a letra de Fred Ebb foram eternizadas na voz de Frank Sinatra, acabou se convertendo num hino da cidade e do sonho americano com o sucesso. Se é possível fazer sucesso lá, mesmo chegando com “sapatos vagabundos”, como diz a letra, é possível fazer sucesso em qualquer lugar.

Convidados pela LIDE, empresa de João Dória, seis ministros do STF brasileiro foram a Nova Iorque para uma conferência cujos temas são a liberdade e a democracia em nosso país. Ouvidas as falas, voltei a lembrar da canção, porque o que vem sendo feito aqui, foi feito lá. Falaram como fazem no STF, todos de acordo, levados por quem concorda e assistidos pelos que aplaudem. A discordância ficou na rua.

No olho da rua, como costumamos dizer, sem perceber que também estamos afirmando a existência de uma visão da rua, como espaço típico do cidadão. O olho da rua também é das passeatas e da praça, Ágora ateniense das manifestações.

Exatamente aí o problema que passou batido nas minipalestras de 10 minutos concedidos aos convidados. Unânimes, se disseram guardiões da democracia. Brandiram o indicador sem jamais apontar, nem em desvio de rota, nem por esbarrão, para o próprio peito. No entanto, um bom exame de consciência lhes diria que a expressão do ministro Barroso ao cidadão que o interrogava sobre o relatório do ministério da Defesa – “Perdeu, mané!” – confirma, sem querer, a sensação de que o protagonismo exacerbado do STF e de seu braço eleitoral tinha lado de estar e atuar.

Ao falar, o xerife das canetas fumegantes, colocou a “mídia tradicional” no altar das reverências. Fica fácil entender por quê. Ela foi, o tempo inteiro, espelho mágico do tribunal! Nenhum tão belo, justo, veraz e prudente na face da terra. Uns e outros, mídia tradicional e Corte uniam-se no desprezo às mídias alternativas – alternativas exatamente por isso, para dar voz aos que não a tinham. Foram elas – Deus seja louvado! – que retiraram a mordaça de conservadores e liberais, silenciados, não por acaso, também nas salas de aula, nas universidades, nos ambientes culturais. Todos defensores das diversidades, exceto filosóficas ou ideológicas.

Foram elas que replicaram a importância, e sobre tudo a prudência, de instalar impressoras dos votos nas máquinas de votar. Tinham toda razão do mundo e a prova está na mesa dos fatos: a eleição sob questionamento e as perguntas varridas para baixo do tapete.

Estava curioso para saber o que diriam sobre democracia e liberdade. O que ouvi foi a sustentação oral do que produziram no Brasil, onde o olho da rua testemunhou censura, intimidação, repressão, interdições, restrições de direito e uso abusivo do poder.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

12/11/2022

 

Percival Puggina

         Quando a expressão “atos antidemocráticos” virou feijão com arroz do discurso político “progressista”, abençoado pela mídia amiga, julguei instrutivo a mim mesmo listar atos antidemocráticos sem aspas que venho observando aqui da pequena cápsula de trabalho de onde escrevo. A lista vai assim:

Primeiro – a função contramajoritária

      Em 2019, em meio a um tratamento rigoroso e invasivo, opondo-se às iniciativas do governo recém-empossado, ministros do STF se declararam no exercício de uma função contramajoritária e passaram a agir como se fossem oposição a um governo recém-instalado.

Segundo – atos antidemocráticos e fake news

       A criação de duas figuras de conceituação imprecisa – atos antidemocráticos e fake news – originou inquéritos abertos para permanecer perenemente assim, sigilosos, misteriosos, ameaçadores e a suscitar medidas coercitivas imediatas.

Terceiro – coerção sobre os ambientes digitais

       A censura nua e crua de veículos que atuam em meio digital, o bloqueio de redes sociais e a desmonetização de canais estabeleceram um ambiente de temor (que levou à autocensura), restringindo a expressão do pensamento em prejuízo da democracia.  E ela não subsiste à perda da liberdade de expressão.

Quarto – desprezo ao povo

        Ao longo de quatro anos, milhões de cidadãos saíram às ruas em dezenas de periódicas manifestações cívicas, clamando por manutenção da Lava Jato, contra a anulação da pena de Lula, pela possibilidade de prisão de criminosos após condenação em segunda instância, fim das permanentes intromissões e invasões de competência do Executivo e do Legislativo pelo Judiciário (STF). A surdez das instituições à voz das multidões não é conduta própria das democracias. Ao menos não dos parlamentos.

Quinto - A prisão do deputado Daniel Silveira

       A prisão do deputado Daniel Silveira, no inovador “flagrante” proporcionado por um vídeo no YouTube, teria sido marca solitária não fosse duplicada pelo covarde consentimento posterior de seus pares.

Sexto – a pandemia

     Durante a pandemia, severíssimas restrições ao direito ao trabalho e à circulação de pessoas infringiram liberdades fundamentais e prepararam o ambiente social para outras demasias que estavam por vir.

Sétimo – desrespeito a prerrogativas do governo

     Mais de uma centena de vezes o STF foi usado por partidos oposicionistas para sustar atos do governo promovendo permanentes intromissões em questões próprias do Executivo, quando não da mera administração pública, criando instabilidade e insegurança jurídica – ambiente em que a democracia não floresce.

Oitavo – o passado do candidato sumiu

       A campanha eleitoral agravou a desordem institucional do país e ampliou em muito os motivos para que o próprio tribunal, que deveria agir em favor do esclarecimento dos eleitores, entrasse em rota de colisão com seus fins. O candidato da oposição, não por acaso aquele que nomeou a ampla maioria de seus membros, foi submetido pelo TSE a um photoshop eleitoral, sendo apagados seus antecedentes, lançado sigilo sobre os acontecimentos de seu governo, rompidas suas relações internas e externas. Enquanto Lula era beneficiado com essas graças, os pleitos de Bolsonaro eram recebidos pelo “xerife” Alexandre de Moraes com caneta fumegante e promessas de novas desgraças. Não, a eleição não transcorreu num ambiente isonômico, isento e equilibrado. Foram atos muito graves contra condições inerentes à democracia.

Nono – censura a prazo

       Às vésperas da eleição, aceleraram-se os meios de censura, chegando à sua absurda aplicação na forma especialmente grosseira de censura prévia, notabilizada com o famoso consentimento viva voz proporcionado pela ministra Cármen Lúcia.

Décimo – parlamentares sem redes sociais

        Depois da eleição, a democracia foi duramente atingida por determinações judiciais que bloquearam as redes sociais de parlamentares. A agressão que esses atos cometem contra a democracia é ainda mais explicitamente inconstitucional. Hoje, deixar um parlamentar sem acesso a seus seguidores é tirar-lhe a palavra, fundamento da própria expressão “parlamentar”. Contudo, assim tem sido feito.

Conclusão

       Os dedos que ameaçam a população deveriam voltar-se para o próprio peito, examinar a própria consciência, penitenciar-se por seus excessos, entender a voz das ruas e prover uma saída institucional para a crise que não foi o povo quem provocou.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

11/11/2022

 

Percival Puggina

         Em sua coluna na Gazeta do Povo (11/11), o amigo Alexandre Garcia usa as palavras certas para descrever o ocorrido. Usa-as desde o título: “Tentaram colocar palavras na boca do Ministério da Defesa”. Perfeito!

Foi exatamente o que fez o lamentável jornalismo brasileiro, funcionando como marqueteiro do ativismo judicial e seus meios de repressão das liberdades individuais.

As manchetes posteriores à entrega do relatório das FFAA atribuíam-lhe a conclusão de que não houve fraude na eleição. Havia, porém uma enorme distância entre o afirmado e o deduzido pela velha mídia. O relatório é extenso e em certo trecho afirma que os votos totais dos boletins de urna (BUs) correspondem ao totalizado pelo TSE nas urnas em que essa conferência foi feita. Ponto. 

Ora, bolas, que à soma das parcelas corresponde um e apenas um total, é uma obviedade que o computador do TSE confirma. Se o problema estivesse aí, em primários erros de soma, facilmente identificáveis, já estava todo mundo preso.

O problema sempre foi outro: o que está nos BUs corresponde efetivamente ao que foi digitado pelos eleitores? Isso, o relatório informa não ter sido possível avaliar porque os meios não foram possibilitados aos técnicos que o elaboraram.

Sabe, leitor, o que mais me incomoda nessa história toda? É a teimosia desrespeitosa, grosseira, prepotente com que a impressora de votos foi inviabilizada pelos tribunais superiores. Essa teimosia levou às ruas e praças milhões de brasileiros, durante anos; criou um conflito permanente entre o governo e o STF (posteriormente, também com o TSE); intoxicou as relações e trouxe suas consequências ao período posterior à eleição.

Culpam o povo, culpam o presidente, culpam meia dúzia de veículos, xingam a multidão, mas eles se inflam com as próprias palavras para substituir o que lhes falta: um pingo de razão.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/11/2022

 

Percival Puggina

 

         O ápice do desrespeito é a perda do respeito por si mesmo e, com sitiadas exceções individuais, membros das duas Casas acomodaram-se em poltronas nesse patamar. Que raios de Congresso foi esse que elegemos em 2018?        

Eleitos para representar a sociedade, como expressão de sua soberania, dedicam-se, em ampla maioria, a fazer negócios, cuidar de reeleições, usar recursos públicos para objetivos políticos pessoais e perenizar currais eleitorais.

Não veem povo, sem alternativas, à porta dos quartéis pedindo aos militares que façam o que eles, detentores de mandato, não fazem? Veem, sim, mas não são freio nem contrapeso, não são coisa alguma e para nada servem, seja nas calmarias, seja nas tormentas.

Afundam com o navio ao som de um coral de puxa-sacos “lá nas bases”.

Que fracasso! Durante quatro anos, a nação, aos milhões, lhes falou desde os megafones e microfones, em extraordinárias jornadas cívicas. De nada valeram as advertências proclamadas pela voz das ruas! De nada. Nem mesmo para que protegessem as próprias prerrogativas! Ministros do STF usurpam-lhes o poder, escrituram em nome de 11 pessoas as vias digitais e nelas silenciam-lhes as vozes.

Não perceberam ainda? Privados os parlamentares das redes sociais, o plenário vira gaiola e a tribuna poleiro de onde deputados e senadores falam, uns aos outros, em circuito fechado. Como toleram isso?

Cada medida autocrática contra um congressista é um insulto ao parlamento. De tão frequente e tolerada, a situação faz lembrar o que escreveu Eça de Queiroz”, referindo-se às Cortes portuguesas em uma de suas Farpas: “É uma escola de humildade este parlamento! Nunca, em parte nenhuma, como ali, o insulto foi recebido com tão curvada paciência”.

Essa curvada paciência, porém, esgotou a tolerância do povo que não aceita a patrulha do pensamento nem a gradual, mas constante e crescente, perda de suas liberdades. Quem não entendeu isso não entendeu coisa alguma.

Que o próximo parlamento, com honra e dignidade, retome o verdadeiro sentido da representação popular, para volta da democracia e da liberdade.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

08/11/2022

 

Percival Puggina                

         Em fevereiro de 1977 estava em pleno vigor o AI-5. Na Câmara de Vereadores de Porto Alegre iniciava uma nova legislatura com a posse dos eleitos em 1976. Na abertura da 1ª sessão, o vereador Glênio Peres, líder do MDB, subiu à tribuna e proferiu um discurso com contundentes críticas ao governo federal. Foi cassado pelo presidente Geisel. Logo após a cassação, outro vereador repetiu a cena e o discurso, conclamando os colegas a que fizessem idêntico protesto. Também foi cassado e, é claro, cessaram as críticas ao regime.       

Se concordo com esses métodos de dissuasão? Não, claro que não. Lembrei-me deles ao tomar conhecimento do que aconteceu com o Dr. Marcos Cintra após publicar uma nota em sua conta do Twitter – a mesma plataforma, aliás, em que o ministro Alexandre de Moraes divulga com total liberdade suas próprias opiniões.

O Dr. Marcos Cintra não é terrorista nem criminoso. Para quem não o conhece, ele tem quatro títulos de nível superior em Economia, obtidos em Harvard, do bacharelado ao doutorado. Foi deputado federal, vereador em São Paulo, Secretário de Ciência e Tecnologia em SP, presidente da Finep, Secretário Especial da Receita Federal. Há 25 anos é vice-presidente da FGV. Tem várias obras escritas sobre Economia.

Li na CNN a nota que ele divulgou no Twitter. O que escreveu é irretocável e reflete, com honestidade, o mesmo déficit de informação comum a todos os eleitores brasileiros sobre a eleição de 2022. Uns se bastam com o que lhes é contado. Outros, porque não impedem o cérebro de pensar, querem perguntar e saber mais, fazem ilações e suas mentes operam mesmo com o pouco que lhes é dado saber. A curiosidade, porém, rendeu-lhe um bate-papo com a Polícia Federal e a suspensão de seu perfil por ordem do ministro Alexandre de Moraes.

Eu pretendia transcrever aqui a nota do Dr. Cintra para corroborar o que estou a dizer. Lembrei-me, porém, dos dois vereadores do MDB de Porto Alegre em 1977...

Vivemos um desastre histórico! Passados 47 anos, observo a liberdade de expressão e opinião sujeita a práticas semelhantes àquela. Vejo censura, repressão, ataques a prerrogativas de parlamentares, medidas restritivas de direitos e garantias individuais.

Proponho duas indagações:

1 – Quem criticava a supressão de liberdades que vigeu quando os presidentes eram militares pode agir de modo análogo quando exerce o poder civil?

2 – Se nos é possível interrogar a Deus, discordar de Suas palavras, negá-lO e, até mesmo, agir contra Ele, com que lente de aumento se veem pessoas que se conduzem como temos visto acontecer entre nós?

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

07/11/2022

 

Percival Puggina

         No fim dos anos 80 do século passado, para difundir a ideia de que o produto não causava ressacas, a vodka Orloff criou o famoso bordão da marca com a frase proferida por um consumidor irradiando bem estar: “Eu sou você amanhã”.

O dito ganhou nome próprio – Efeito Orloff – e foi muito usado em diferentes circunstâncias, entre elas um fato reiterado: os desastres da economia argentina pouco depois se repetiam na nossa. Em 1994, o Plano Real quebrou o efeito Orloff. Naquele ano, a inflação brasileira, espelhando o que acontecia no país vizinho, refletia desordem econômica e era combatida com tabelamentos. A consequente escassez, enfrentada com apreensão de estoques. Uma burrice inominável.

Em junho de 1994 (lançamento do Plano Real), a inflação brasileira bateu 47% sobre o mês anterior e alcançou 4.900% sobre junho do ano anterior! Vivêramos anos terríveis. Recebidos os salários, corria-se aos supermercados para compor volumosos estoques mensais como forma de escapar à erosão do poder de compra ao longo do mês. Estabeleceu-se o hábito de procurar nas prateleiras produtos que tivessem escapado a atividade cotidiana do “rotulador maluco” – o funcionário que lhes sobrepunha novas etiquetas de preços. Estocava-se tudo que pudesse ser congelado.

Aplicadas regras do Plano Real, no mês seguinte, em julho de 1994, a inflação caiu para 6,8% e em seguida a  moeda entrou num longo período de estabilidade. Em outubro, Fernando Henrique venceu a eleição contra Lula no primeiro turno. Quatro anos mais tarde, os dois voltaram a se defrontar após o horroroso episódio da compra de votos para aprovar a PEC que permitiu a reeleição. Lula fez campanha contra o Plano Real e, uma vez mais, perdeu no primeiro turno.

A Folha de São Paulo, em 2 de julho de 1998 reproduziu fala de Lula, em discurso, afirmando que “o povo tem que aprender que ninguém pode viver de fantasia o tempo inteiro" e que estava disposto a pregar contra o plano ainda que isso significasse o risco de perder votos. Na mesma ocasião, Lula listou banqueiros e especuladores entre os que teriam razão para festejar o aniversário do Plano Real. E acrescentou: "É essa a estabilidade monetária que causa instabilidade social".

Oi? Pois é, disse isso mesmo e não mudou de ideia sobre teto de gastos. O convite agora feito a dois dos criadores do Plano Real, ligados ao poleiro dos tucanos, para sua equipe de transição certamente não é ideia de Lula, mas de Alckmin e, na vida real, não significa coisa alguma.

À absurda situação em que nos encontramos somam-se agora os riscos de que um desastre se abata sobre a área tão competentemente comandada por Paulo Guedes, sob fogo inimigo, inclusive de ministros do STF. 

Não sei se acabou nosso efeito Orloff em relação à Argentina. Mas sei que o abraço, orelha com orelha, trocado entre dois notórios populistas como Lula e Alberto Fernandez se soma às minhas preocupações.  

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

06/11/2022


Percival Puggina

         As características mais comuns das ditaduras, ou seja, de países não democráticos, são: o controle das opiniões, a censura e o desprezo ou desdém às manifestações populares. A simples ocorrência periódica de eleições não caracteriza uma democracia! Eleições acontecem em países muito mencionados nos últimos meses – Cuba, Venezuela e na Nicarágua. Mas são feitas daquele jeito que você sabe.

Com isso, estou afirmando que patrulhamento das opiniões, imposição de multas, aplicação de censura em diferentes graus, indo da ameaça à ação, do fechamento de perfis, páginas e canais à proibição de conteúdos, são atos antidemocráticos.

No começo deste ano, antes de que qualquer menção a urnas com impressoras passasse a suscitar reações vulcânicas, ocorriam pesquisas periódicas sobre confiabilidade desses aparelhos. Feitas a cada dois meses, as pesquisas mostravam resultados com pequenas variações. Mais de uma vez escrevi sobre elas. A de maio, feita pelo Datafolha, informava que 42% confiavam muito, 31% confiavam pouco, 24% não confiavam e 2% não sabiam. De modo espertalhão, para enganar bobos, os veículos da velha imprensa somavam “confiar muito” com “confiar pouco” e afirmavam que 73% aprovavam as urnas do jeitinho que eram. E o dado ia para o título da matéria reproduzida no site do TSE.

No entanto, se você disser a um funcionário que tem pouca confiança nele, o sujeito começará a procurar novo emprego porque esse é um seriíssimo sinal de desconfiança. A conclusão correta que se extrai daquelas pesquisas é que 55% dos eleitores não confiavam nas urnas, resultado da soma dos que não confiavam com os que confiavam pouco.

Com menos ameaças, intransigência e presunção, e com mais sensibilidade, prudência e empatia, não estaríamos vivendo as anomalias da hora atual. Contavam-se os votos em algumas urnas e estavam dirimidas as dúvidas. A pior consequência, porém, talvez seja o medo de que a experiência autoritária a que estamos submetidos se prolongue nos anos vindouros. É também este sentimento que leva as pessoas às ruas em todo o país.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

05/11/2022

 

Percival Puggina

         Por vezes, o turbilhão dos fatos dificulta a percepção da lógica dos acontecimentos. Tenho 77 anos e desde os seis, por motivos que não vale a pena mencionar, acompanho a política brasileira. Assisti a golpes e tentativas de golpes, a governos estáveis e não estáveis, presenciei muitas manifestações populares e é destas que quero tratar.

Na minha observação, povo na rua tem sido um instrumento da oposição ao governo, seja ele qual for. No entanto, desde 2019 convivemos com um fenômeno originalíssimo: povo na rua, aos milhões, dando cobertura ao governo e os eleitores da oposição impassíveis, em casa, sem picanha nem cervejinha, assistindo pela Globo.

A massa eleitoral da esquerda, reformista ou revolucionária, parecia haver perdido o gosto pela política. Nada tinha a reivindicar ou a combater mediante mobilização popular. A velha mídia do consórcio, a turma que assinaria a carta da USP às vésperas da eleição, o agregado dos operadores da Cultura, etc., falavam por todos. Povo na rua, contudo, não. Quando o ensaiaram deu fiasco.

Qual o motivo de tão prolongado tempo sabático? O que pôs em silêncio os ruidosos e contrariados de sempre, que nem no Congresso (exceção feita ao cirquinho dos três patetas) parecia ter o que fazer? Ora, amados leitores, a oposição tinha a lustrosa cereja do bolo – a consistente, operosa, sôfrega, metediça e eficaz maioria petista no STF e, no devido tempo, também no TSE. E a cobertura do bolo era proporcionada pelas redações da velha mídia do consórcio.

Impossível assim proceder e ser ovacionado pelo universo. Talvez fosse a essa expectativa que a infeliz combinação de orgulho, vaidade e falta de bom senso os levasse. A relação, porém, seguiu o caminho da desconfiança e da indignação, respondidas por quem usa toga: furiosas ameaças, bloqueios de páginas e perfis, desmonetizações, censuras, inquéritos finis mundi, prisões, sequestros de bens privados, violações de prerrogativas constitucionais.

Tivessem ouvido o povo nas praças, não estaríamos vivendo este momento! Agora, colhem o fruto da perda da confiança, pela qual não souberam zelar e do medo que se dedicaram a semear. Ele é azedo e danoso à saúde social. É o que diz o povo, novamente na rua, num movimento em que a coragem vence o constrangimento e o medo. Ele refuga o jugo e exige esclarecimentos.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

        

Percival Puggina

03/11/2022

 

Percival Puggina   

           Há pouco fui dar uma olhada em quantos artigos escrevi desde maio, ou seja, nos últimos seis meses, tratando do STF e de seu apêndice eleitoral, o TSE. Fiquei surpreso. Foram 44 textos, com abordagens diversas, a atenção atraída para atos e condutas da cúpula do poder judiciário. Não se trata de um excesso de artigos, mas da evidência de um protagonismo exagerado, que vazou das bordas, se espalhou e penetrou pelas frestas do poder político e da vida social.

O fato de o consórcio da velha imprensa fazer de conta que nada via e estava tudo normal não significa que a sociedade não se informasse através das redes sociais, mesmo estando elas enclausuradas e controladas pelo orwelliano Grande Irmão. Essa sociedade que hoje vejo nas ruas e praças pedindo socorro a quem a possa atender, cansou de clamar ao que restasse de sensibilidade e equilíbrio aos ministros do Supremo. Cansou de se indignar e apelar, em vão, aos senadores da República. Por fim, a sociedade rezou nas praças pedindo a Deus que comovesse os corações endurecidos, abrisse os olhos e os ouvidos dos que se têm como donos do poder. E foi perdendo a confiança nas instituições.

A lamentável democracia brasileira se tornou uma ridicularia, uma caçoada, sem que os senhores o percebessem. Durante quatro anos, com o país dividido, enquanto num lado milhões saíam periodicamente às ruas clamando por liberdade e atenção, o outro se mostrava perfeitamente suprido. Pensam que ninguém reparou na plena satisfação de quem bastava entregar petições ao protocolo e olhava para as instituições como um confortável sofá onde só precisava sentar? 

Digam, agora, aos caminhoneiros parados e às famílias pedindo socorro que tudo esteve equilibrado e isonômico, que o Brasil é uma democracia, que a liberdade de todos está assegurada e a soberania popular garantida, que o resultado proclamado nos colocou em boas mãos e as loucuras prometidas por Lula não serão cumpridas. Digam aos manifestantes que as consciências se regeneraram quando o passado foi apagado. Aquele povo nas ruas, sim, é inocente! Digam-lhe que as instituições funcionarão, que a época dos bloqueios e desmonetizações passou, que o cala boca já morreu e a censura está proibida, que a Constituição voltará a viger, que o ativismo judicial já era, que o direito de propriedade continuará garantido, que a intimidade da vida privada estará preservada e que o Brasil não voltará a ser roubado.  

Não será possível fazer isso, não é mesmo? Foi o que pensei. Mas é o mínimo que uma sociedade sensata pode esperar das ações do aparelho estatal que ela sustenta para seu serviço.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.