Percival Puggina
07/03/2023
Percival Puggina
Você já reparou? As mesmas pessoas e instituições de estado, os mesmos meios de comunicação, os mesmos que atacam com ferocidade as ditas fake news, botam uma pedra em cima de toda opinião, informação ou fato que os desagrade ou contradiga. E se têm poder, censuram, ou impõem sigilo e vão atrás de quem o penetre.
Existem condutas tão frequentes que, tornando-se corriqueiras, passam despercebidas em meio às tragédias nossas de cada dia.
Na semana que passou, li na Gazeta do Povo importantíssimo artigo do deputado Deltan Dallagnol sobre os méritos e a consequente tempestade que desabou sobre o juiz Marcelo Bretas. Assisti a sucessivos relatos sobre a desgraceira em que vivem centenas de bons e honrados brasileiros presos no arrastão judicial de 9 de janeiro. Vi provas robustas, em vídeo, das notáveis contradições e absurdos afirmados por Lula. Nada disso tem espaço no militante jornalismo nacional.
Dei-me conta, então: a outrora conhecida “Era da informação” colocou nas mãos da sociedade uma arma tão poderosa que passou a enfrentar antagonismo idêntico ao que se opõe à posse de armas pelos cidadãos. As razões são essencialmente análogas e os agentes, os mesmos.
O Estado só consegue impor sua supremacia à sociedade e só pode inverter a soberania constitucionalmente definida se e quando controla o que a sociedade é autorizada a ficar sabendo. Se as novas mídias ameaçam a estabilidade do poder instalado, a necessidade de seu controle vira instrução normativa do partido que se pretende tornar hegemônico.
Meus leitores, que são pessoas esclarecidas, graças a Deus, devem estar querendo argumentar: “Mas as pessoas não apenas ‘se informam’. Há nelas, também, um conhecimento que procede da própria formação”. É verdade, e por esse motivo todo o sistema de formação (educação e cultura) do país está tomado pela hegemonia esquerdista, algo que se materializa pela censura, cancelamento e bullying da divergência e dos divergentes.
É por isso que o jornalismo brasileiro, de modo amplamente majoritário, silencia sobre o que não lhe convém. Bate o bumbo das narrativas. Toca a corneta das fake analysis. É por isso, também, que tanto insisto na necessidade de que conservadores e liberais, amantes, todos, da liberdade e da democracia, promovam a vacinação em massa da sociedade contra a pandemia totalitária que se avoluma no Ocidente.
Os elementos estão dados, os efeitos são conhecidos, os mecanismos com que se vai concretizando são de nosso convívio diário. Contam com apoio das mesmas plataformas que foram saudadas como a “democratização do poder de opinião” e assim funcionou até que esse poder ameaçou, primeiro nos EUA e, depois, no Brasil, o projeto maior de poder ao qual elas mesmas se integram.
O Brasil não precisa de uma guerra para se destruir. O Estado faz isso sozinho.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
06/03/2023
Percival Puggina
A notícia que li meio por acaso na página SWI (Swissinfo) do dia 1º de março me emocionou. Congressistas democratas e republicanos dos Estados Unidos apresentaram projeto de lei para homenagear o falecido opositor cubano Oswaldo Payá (1952-2012) dando seu nome à rua fronteira à Embaixada de Cuba em Washington. Diz a informação:
"Mudar o nome da rua em frente à embaixada de Cuba em D.C. vai homenagear os bravos mártires do movimento cubano pela liberdade. Também será um lembrete permanente de que, graças ao trabalho de bravos ativistas como Oswaldo Payá, os dias do regime estão contados e o povo cubano será livre", disse o congressista republicano Mario Díaz-Balart em um comunicado.
Além de Díaz-Balart, os defensores do projeto de lei "Oswaldo Payá Way" são os deputados republicanos Carlos A. Giménez, Nicole Malliotakis e María Elvira Salazar, além da democrata Debbie Wasserman Schultz.
A versão do Senado deste projeto de lei foi apresentada pelos senadores Ted Cruz, Marco Rubio e Rick Scott, republicanos, e Bob Menendez, Dick Durbin e Ben Cardin, democratas.
Quem leu meu livro A Tragédia da Utopia sabe que Oswaldo Payá foi, até sua morte, o principal, o mais lúcido, corajoso e moralmente inatacável líder oposicionista cubano. Minha experiência com a vida em um regime onde a liberdade é concessão do Estado a quem se comporta como o partido determina começou em 2001 quando, chegado em Havana, telefonei para ele e para a também dissidente Marta Beatriz Roque.
Falar com dissidentes não é um desses comportamentos tolerados. Menos ainda se quem os procura é estrangeiro. Então, passei a ser seguido e perdi imediatamente minha liberdade. Não via a hora de voltar para o Brasil, onde, à época, havia liberdade. Agora também aqui isso acabou.
Nosso encontro, marcado para um jantar que sucessivamente mudou de endereço até que ele se sentisse seguro, foi um desses momentos que ficam para a vida. Conheci um homem curtido por longos anos de sofrimento sob um regime ao qual se opôs desde jovem, ao ponto de ser levado para uma UMAP (campos de concentração que atendiam pelo nome de Unidades Militares de Ajuda à Produção). Ali padeceu por dois anos e, posteriormente, cumpriu outros dois na prisão da ilha de Pinos.
Católico e militante anticomunista nunca lhe permitiram cursar a universidade. Contudo, sua vocação política e seu anseio pela redemocratização fizeram dele um redator de manifestos, um publicista muito além dos estreitos limites impostos pelo regime. Criou o MCL (Movimento Cristiano de Liberación). Tentou concorrer a deputado, mas os nada democráticos processos de formação das candidaturas em Cuba jamais lhe facultaram essa possibilidade nas assembleias de postulação. Em 1991 sua casa foi invadida, ofensas foram pintadas nas paredes e seu telefone, então grampeado, ainda permanecia assim quando telefonei para ele em 2001.
Durante um bom jantar, que afortunadamente tive a honra de lhe proporcionar e no qual pude desfrutar de sua companhia, Payá me forneceu anotações e documentos elaborados pelo MCL entre os quais seu Projecto Varella, para a restauração da democracia em Cuba. Ao despedir-nos, ele me agradeceu por transmitir ao Brasil o sofrimento do povo cubano. O abraço que nos demos foi fraterno e sólido. Fraterno na fé e sólido nas convicções comuns.
Quando voltei a Cuba em 2010, quis retomar contato. O caminho seguro passava por seu irmão que vive na Espanha e me deu um telefone para o qual eu poderia ligar quando chegasse em Cuba. Payá seria avisado e marcaria local e hora para nosso encontro. Ligações para lá e para cá, ficou acertado que me buscaria no hotel. Em algum momento, porém, essa ligação foi interceptada porque a porta do hotel Mercure Sevilla amanheceu policiada e não conseguimos nos encontrar.
Menos de um ano depois ele foi morto num “acidente” de carro, a caminho de Santiago de Cuba, em companhia de Harold Cespero, outro líder do MCL, também morto. A bordo, ainda, um jovem do Partido Popular espanhol e um sueco. Na 2ª edição de A tragédia da Utopia conto essa história em detalhes.
Por todas essas razões, alegrou-me o espírito saber que o endereço da embaixada cubana talvez carregue, para o túmulo do maldito regime, o nome de Oswaldo Payá – herói e mártir que um dia abracei.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
02/03/2023
Percival Puggina
Não é má vontade minha, não, ainda que a tenha por tantas razões que seria exaustivo listá-las.
Percebemos estar diante de uma ignorância que causa dor e produz males à sociedade quando o presidente da República afirma, com enorme ênfase, que se o Brasil produz comida para toda sua população e, ainda assim, alguns passam fome, é porque “deve haver alguém bem gordo por aí”.
Não seja tão injusto com seu ministro da Justiça, presidente!
Não é porque as prateleiras estejam vazias (e não estão) que alguns passam fome. O número dos tais carentes, ao contrário do que o petismo maliciosamente repete com insistência para transformar mentiras em verdades, caiu aos níveis mais baixos da história. E esse tipo de carência pode e deve ser atendida pelos programas de renda mínima.
A ignorância de Lula é obesa de malícia marxista. Ele precisa explicar a pobreza de uns pelos bens de outros. Jamais pelos bens dele mesmo ou pelo que recebeu de um amigo dele. Como todo líder de esquerda, Lula prega uma coisa e faz outra; nunca dá exemplo daquilo que cobra dos demais. Por isso, reforma o Palácio da Alvorada, se hospeda nos melhores hotéis e indagado em juízo sobre seus rendimentos disse não saber o que recebia ou gastava por mês. Quantos brasileiros se permitem tamanha prodigalidade?
Milhões de brasileiros não percebem, em fatos como esses, a distância que separa o político presidente da República da vida real dos cidadãos, especialmente daqueles que mourejam pelo próprio sustento, contam dinheiro para pagar seus boletos, ou correm aos bancos para quitar seus impostos e remunerar seus colaboradores na empresa de onde sai o sustento seu e de outros.
Se tivesse qualquer interesse com a verdade, Lula já está suficientemente experiente para saber que gordo, gordo mesmo, obeso de tanto transformar o suor do trabalho alheio em lipídios para consumo próprio é o estado brasileiro. E é a esse estado que Lula trata de engordar ainda mais, criando ministérios e distribuindo com facilidade entre as “nações amigas” os recursos do trabalhador brasileiro.
Para sustentar essa megalomania histriônica, os impostos sobem, o dinheiro foge, os combustíveis encarecem e o dragão inflacionário ruge nas proximidades.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
28/02/2023
Percival Puggina
A receita do totalitarismo não começa com a censura da opinião. Esta é uma fase posterior, abrutalhada e menor. O primeiro ingrediente da receita é a censura do pensamento. Sei que você dirá, leitor, ser impossível impedir as pessoas de pensar. No entanto, é perfeitamente viável restringir, com determinação e êxito, o acesso das mentes ao contraditório, ao pluralismo, às fontes da sabedoria, à informação ampla sobre o passado, o presente e as perspectivas para o futuro. Ou seja, é possível trazer o horizonte do saber para a ponta do nariz do cidadão, encurralando sua mente e confinando seu pensamento a uma preconcebida gaiola. E isso está em pleno curso.
Não estou falando de alguma distopia. Estou descrevendo, enquanto posso, o que vejo acontecer através dos mais poderosos mecanismos de formação e informação em nosso país: Educação, Cultura, Imprensa e Igrejas (Teologia da Libertação). A censura, em fases que vão dos direitos do texto aos direitos individuais do autor, é o arremate, o retoque sobre o trabalho de um mecanismo de ação muito mais intensa, extensa e profunda. A primeira fase é dos intelectuais; a segunda, dos brutamontes.
Não deixa de ser contraditório que, no Brasil, a censura seja exercida, notoriamente pelos andares mais altos do Poder Judiciário. Afinal, o direito à liberdade de expressão do mais humilde e derrotado mané é superior ao de qualquer ministro do Supremo Tribunal Federal. Não se zanguem estes, nem se surpreenda o leitor: os manés não exercem atividade jurisdicional, não têm qualquer compromisso ético e funcional com imparcialidade, neutralidade, isenção, equanimidade, equilíbrio, etc. Ministros do STF e magistrados, por todas as razões, deveriam evitar a própria expressão pública, falar nos autos e deixar para os políticos as tagarelices e ativismos da política.
Dezenas de milhões de brasileiros perceberam que, proclamada a vitória de Lula na eleição presidencial, fechava-se o cerco às divergências. Anteviu que a inteira cúpula dos três poderes de Estado estaria trabalhando conjunta e afoitamente na criação de distintas e múltiplas estruturas de controle das opiniões expressas pelos manés da vida. A judicialização da Política coligar-se-ia com a politização da Justiça. Passaram a pedir socorro. Silenciosamente, muitos, em diálogo com seus travesseiros; outros, em desacertos e desconcertos familiares; outros ainda acamparam às portas dos quartéis. Inutilmente, como se viu.
O vandalismo de uns poucos foi o instrumento para o inacreditável arrastão judicial do dia 9 de janeiro, mas – estranho, não é mesmo? – em quase dois mil brasileiros cumpriu-se a profecia do ministro Alexandre de Moraes quando, no dia 14 de dezembro, apenas três semanas antes, com um sorriso irônico, anunciou haver ainda muita gente e multa para aplicar. Estranho, também, que sobre todos incidiu a mesma acusação comum: foram arrebanhados porque expressavam diante dos quartéis medo do que, bem antes do esperado, acabou se abatendo sobre eles de modo impiedoso.
Só não se angustia com isso quem aceita que a liberdade seja protegida com a supressão da liberdade. E só aceita esse contrassenso quem, usando neologismo da moda, apoia a esquerdonormatividade que, em outubro, fechou cerco e tomou o Estado brasileiro.
“E qual é a saída?”, perguntará o leitor afoito. Meu caro, não há porta de saída. O que há é caminho. Porta da esperança é programa de auditório, crença que levou à derrota em outubro. Há o caminho da política, percorrido com coragem, determinação, formação, organização e ação contínua.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
24/02/2023
Percival Puggina
Em recente artigo publicado na Gazeta do Povo, o deputado Marcel van Hattem descreve o que viu nas visitas que fez aos presídios do Distrito Federal – o feminino da Colmeia e o masculino da Papuda – vistoriando a situação dos presos nos dias 8 e 9 de janeiro.
Um breve sumário dessas observações fica assim:
- as citações de presos eram simples reproduções de textos idênticos, sem individualização de condutas;
- por terem as prisões sido feitas em “arrastão” e envolvendo verdadeira multidão, as audiências de custódia levaram nove dias, em vez das 24 horas prescritas em lei;
- os juízes que as realizaram não podiam liberar ninguém (só Alexandre de Moraes tem poderes para tal);
- os presos não têm ficha criminal;
- suas vidas foram truncadas, seu trabalho e a fonte de renda das famílias cortados, negócios perdidos;
- a ilegalidade das prisões do dia 9 é gritante porque não preenche, sequer superficialmente, as condições para o flagrante;
- presos relatam ter sido chamados aos ônibus para ir a um lugar seguro, mas foram levados para o ginásio da Academia Nacional de Polícia.
O excelente conteúdo do artigo do deputado Marcel (que pode e deve ser lido aqui) inclui, também, relatos individuais de situações capazes de lancinar o coração de um brutamonte.
A questão que quero abordar, feita a exceção dos que efetivamente invadiram e vandalizaram os prédios dos três poderes e merecem os rigores da lei, sai do inferno dos presídios e vai para os milhões de culpados que estão do lado de fora. Não creiam esses que uma consciência amorfa, que toma o jeito determinado pelo partido ou pela morbidez ideológica os isente de responsabilidade moral.
Já não falo daqueles que podendo conter avalizam com um abano de toga esses maus tratos ao Direito e à Justiça. Já não falo de quantos, com atribuições constitucionais para protestar, têm os olhos cobertos pelas escamas da conivência e da conveniência. Já não falo dos que nos púlpitos, tribunas e palanques são briosos defensores dos direitos humanos e levam essa defesa ao limite do companheirismo, porque os além dessa fronteira não são humanos ou não têm direito algum. Já não falo dos que nos teclados das redações, diante dos microfones e das câmeras dos grandes veículos fazem que não veem e fingem que não sabem, algemando as próprias mãos e censurando a si mesmos porque, ali, o jogo é jogado assim. Já não falo dos que, no Congresso Nacional, calçam as silenciosas pantufas da omissão, entram e saem sem deixar rastro porque o estabelecimento trata de outros negócios.
É dos outros que falo, repito. E são milhões os que, sabendo, silenciam no ambiente da vida social ou, de modo ainda mais gravoso sob o ponto de vista moral, festejam nas redes sociais o sofrimento alheio, fazendo piada ou repetindo o bordão vulgar – “Perdeu, mané!”.
Uns e outros, sendo como são e agindo como agem, ocultam ao conhecimento público um fato essencial: era contra isso, contra o risco disso, contra a eminência de que algo assim fincasse pé na realidade nacional, que tantos se insurgiram e foram buscar segurança em lugar errado, à porta dos quarteis. Temiam os abusos que sobrevieram, não tinham poder para golpe algum, não foram à praça derrubar qualquer governo, gritaram aos vândalos que parassem a quebradeira. Aqueles que hoje os condenam foram os causadores, por palavras, ações e omissões, da ida de milhões às ruas durante quatro anos de inquietação social e civilizados protestos populares.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
22/02/2023
Percival Puggina
Provavelmente somos o único país que cultiva o desapreço por suas origens. Muitas de nossas dificuldades em lidar com questões cívicas decorrem desse vício solitário, que se propaga, por exemplo, quando nos ensinam que o Brasil foi descoberto nos azares de uma calmaria, como se fôssemos resultantes de um furo no preservativo do destino. E passamos a depreciar, por mentiras e gracejos, nossa raiz lusitana.
Primeiro estado nacional moderno com a revolução do Mestre de Avis (1385), confinado entre os mouros, o oceano e Castela, o pequenino Portugal, a quem “Netuno e Marte obedeceram”, sonhou com expandir - nessa ordem - “a Fé e o Império”. Criou a Escola de Sagres, projetou e construiu as embarcações de que precisaria e se lançou a “mares nunca dantes navegados”, numa empreitada que logo seria seguida pelos espanhóis. Desbravou a costa ocidental da África, o caminho das Índias, o Brasil, dividiu o planeta ao meio e retirou o eixo da História das mãos dos francos e dos germanos.
Portugal entendia sua missão no Brasil como “povoamento”. Para essa imensa tarefa, dificultada pela escassa população do reino, mandou o que podia e não podia: criminosos e presos políticos, homens de empresa, religiosos do mais alto nível, membros da corte (que nos apresentam, genericamente, como um bando de “degredados”). O Brasil, que estudamos como explorada “colônia”, nunca teve esse tratamento no vocabulário e nas leis portuguesas. Quem aqui nascia, desde 1605, era cidadão de um reino cujo coração batia cada vez mais forte no Brasil. Por fim, o sonho de Martim Afonso, D. João IV e Luís da Cunha: uma coroa europeia fora da Europa (que nos relatam como o “episódio da fuga”) e o depreciado Reino Unido (um modelo de comunidade política, concebida pelo talento português, que os britânicos mais tarde iriam, exitosamente, reproduzir).
Pedro I, proclamando a Independência segundo conselho do próprio pai (“antes para ti que para algum desses aventureiros”) e Pedro II, deposto e exilado, levando consigo terra do Brasil para nela “repousar a cabeça”, são fatos a demonstrar que nunca houve na história universal uma relação como a de Portugal com o Brasil - a maior nação católica, mestiça e ibérica do planeta. Impossível amar o Brasil sem amar Portugal.
Infelizmente, a essa crise de identidade, que inicia com a depreciação de nosso nascimento e paternidade, soma-se, mais recentemente, uma visão fragmentada da nação, fracionada em múltiplas identidades e interesses em conflito. Que maldade!
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
20/02/2023
Percival Puggina
A falsa direita “pegou os bobos na casca do ovo”. Essa expressão é antiga, hoje substituída por trollar ou sacanear, mas serve bem ao caso porque enganar alguém na casca do ovo significa vender-lhe por ovo apenas a casca esvaziada de seu conteúdo.
A exemplo de muitos, também comprei casca por ovo. Acreditei que a “direita” obteve uma vitória considerável na eleição para a Câmara dos Deputados e que essa bancada iria conter a volta ao passado mais do que imperfeito para onde apontavam as manifestas intenções do novo governo Lula.
“Porém, ah, porém”, digo com Paulinho da Viola (aproveitando que escrevo num domingo de carnaval), persiste e se revigora a tradicional venalidade das convicções na sua troca por cargos. O União Brasil, partido contado como “de direita”, nascido da união entre o PSL (partido de Bolsonaro no pleito de 2018) com o Democratas (antigo DEM, anteriormente PFL) já tem três ministérios no governo Lula e quer mais posições no segundo escalão. Não bastasse isso, se consolida uma federação entre UB e PP, cuja alegada intenção é, apenas, o rateio das presidências das comissões da casa.
Como entender alguém que fez campanha como antipetista, buscou votos na direita e imediatamente após a eleição vai se aconchegar no colo de Lula? Traição ao eleitor! E ela só se explica porque o sistema eleitoral favorece a reeleição de quem está agasalhado e bem comportado no aconchego das tesourarias, dos cargos e favores do governo, das emendas parlamentares, dos fundões e dos fundilhos alheios. No último caso, os próprios eleitores do parlamentar. Esse pacote dá mais votos do que a fidelidade a princípios e valores.
A propósito, lembre-se de que quando Bolsonaro, durante os dois primeiros anos de seu mandato se recusou a estabelecer esse tipo de negociação, foi flagelado com a rejeição de suas propostas e pelos próprios parlamentares que pediram votos com ele e para ele. Por quê? Porque não é assim que a banda toca.
Por isso, defendo a existência de um partido de direita com programa, princípios e valores, não extremista porque os extremos saem do arco da democracia, nem centrista porque o centro e sua periferia, pela direita e pela esquerda, é o espaço do famigerado centrão. E o centrão, lugar dos vendilhões e de sua freguesia, tem que ser reduzido à menor dimensão possível para que a política nacional comece a tomar jeito.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
18/02/2023
Percival Puggina
Quem apontar contradições e paradoxos num discurso de esquerda se torna, imediatamente, objeto de esmerado trabalho de colagem de etiquetas que farão dele um vulto irreconhecível. Divergir da maioria dos colegas ou do professor militante é atitude de risco. O coletivo não admite dissenção porque a diversidade de ideias é o perigoso habitat da burguesia. Quase tão danoso quanto a liberdade.
É o que acontece com relação à ideologia de gênero. A ideia de que os órgãos genitais são ilusões da mente e devem ser abolidos da identidade pessoal derruba uma biblioteca de Genética e outra de Biologia. Coisa difícil, já se vê, principalmente se os autores da tese não conseguem esconder suas contradições.
A ideologia de gênero, em tese, não lida com sexo, mas com sexualidade e com papeis – masculino, feminino e neutro. Para a confusão decorrente, esses personalíssimos scripts ora seriam construções sociais, ora deliberações tão frívolas quanto a escolha de um adereço, ora frutos de imposições heteronormativas, ora produtos de uma "dialética" da genitália com o inconsciente de cada um, ora produto da tirania de certas emanações hormonais.
Sob absoluto silêncio e omissão da natureza, ninguém nasceria homem ou mulher. Todos arribaríamos a este mundo assexuados como manequins de vitrine, pendentes de definições ou indefinições que adviriam das influências e das experiências mais ou menos bem sucedidas ou malsucedidas. Ademais, os gêneros seriam intercambiáveis e, dependendo do lado de corte do fio, inacessíveis até mesmo aos cuidados profissionais de psicólogos e psiquiatras.
Qualquer dessas ideias, suas dicções e contradições tem inteiro direito de comparecer ao debate no ambiente social leigo ou científico. O direito que não lhes assiste é o de assalto às salas de aula e espaços infantis, precisamente seu interesse maior. Mantenham-se longe daí! Esses ambientes lhes são totalmente impróprios. Sua presença ultrapassa os limites da decência. Ninguém tem o direito de levar sua militância às mentes infantis para confundir suas identidades.
Enquanto escrevo estas linhas, o G1 informa que 100 crianças (4 a 12 anos) e 180 adolescentes (13 a 17 anos), se submetem a processos que incluem bloqueio da puberdade, hormonização cruzada e cirurgia de redesignação sexual, fazendo transição de gênero no Hospital de Clínicas da USP (leia aqui).
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/02/2023
Percival Puggina
Nota do autor: estas reflexões me ocorrem quando penso nos muitos formadores de opinião sumariamente privados de sua fonte de subsistência porque contrariaram os donos do poder. Há algo muito errado aí.
A combinação da Operação Lava Jato com a jurisprudência que permitiu o cumprimento provisório da pena após a condenação em segunda instância foi a versão moderna da pesca milagrosa. Jamais se vira algo assim fora do Mar da Galileia! Era muito peixe graúdo na rede. A cada arrastão, a malha se fechava sobre poderosos empresários, executivos de inimagináveis salários, figuras destacadas da cena política nacional, tesoureiros e operadores de partidos políticos. Saqueada e abusada, durante década e meia, a nação passou a ser informada sobre o escândalo de cada dia. E cada dia tinha o seu enquanto viaturas da Polícia Federal agitavam as alvoradas em operações de estranhíssimos nomes. Um bálsamo para quem tem senso de justiça e se indigna ante o assalto ao patrimônio da sociedade.
Em longa tradição do Direito Penal brasileiro não havia interdição a que o réu, condenado em segunda instância, iniciasse o cumprimento da pena de prisão. Esse foi o entendimento até que, em 2010, o STF fez valer a letra fria e visionária do inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória”. Um desastre. Os processos eram empurrados para frente e para longe com os talões de cheques.
Ficou tão difícil ficou prender bandido rico que, em 2016, o mesmo STF retornou à orientação anterior. Foi um ano fervilhante! A operação Lava Jato desvendava os fundilhos da República, a justiça profissional de primeiro e segundo grau acelerava o passo e o recolhimento à prisão era ameaça bem próxima no horizonte dos criminosos.
Formou-se fila para as colaborações premiadas. Fila de confessionário em domingo de Páscoa. Todos se apressavam em colaborar com a Justiça, devolver dinheiro roubado, entregar bens e anéis mal havidos para salvar os dedos, cobrar o prêmio da colaboração e poder usar o banheiro de casa. Subitamente, com a nova orientação, renascia a prática do exame de consciência e ninguém tinha dúvida sobre as próprias culpas.
No contundente diagnóstico do senador Romero Jucá, tornou-se urgente “estancar a sangria”. Frear a Lava Jato. O modo cirúrgico de suturar a artéria e parar os vazamentos incluía a participação do STF. Fazia-se necessário acabar com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Afinal, a Constituição diz que só depois de sentença criminal condenatória transitada em julgado, certo?
Certo, mas errado. O preceito se opõe à proteção da sociedade, impede a realização da justiça, desmoraliza os juízos de primeiro e segundo graus, distribui a esmo atestado de inocência a criminosos que são verdadeiros flagelos sociais engravatados, muitos dos quais já condenados, sobre cuja culpa não cabe dúvida alguma e em relação a quem a sociedade tem o direito de cobrar sanção penal.
Mude-se, então a Constituição, exigem os falsos ingênuos. Eles sabem, porém, que o Congresso Nacional dificilmente o fará porque é tudo que os criminosos com mandato parlamentar não querem, ora essa! Bastaram seis anos com a “nova convicção” do STF para a corrupção se reerguer politicamente e voltar ao governo, inclusive mandando ao raio que a parta a Lei das Estatais, que saneou essas instituições vedando em seus órgãos de direção a presença de políticos e pessoas não qualificadas.
A luta de vida ou morte contra a corrupção e a impunidade prossegue. Na Câmara dos Deputados, Deltan Dallagnol propôs criar uma Comissão Especial para estudar emenda à Constituição que viabilize a prisão após condenação em 2ª instância; no Senado, Sérgio Moro consegue as 27 assinaturas necessárias para desarquivar projeto de lei dispondo sobre a matéria. E o STF? Constrange, dói na alma dos cidadãos cumpridores de seus deveres, que reconhecem a importância das instituições, ter que se perguntar, diante de possíveis futuras decisões do Congresso Nacional, se o Supremo abandonará a nação no relento da impunidade.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.