• Percival Puggina
  • 17/09/2023
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Um espetáculo judiciário

 

Percival Puggina

            Tomou-me tempo, escrever este artigo. Quando o dei por pronto, encarei, olho no olho, cada adjetivo. Passei a peneira nos superlativos e diminutivos. Não satisfeito, me debrucei sobre os advérbios (às vezes, eles encerram verdades que ferem vaidades). Por fim, chequei os fatos e as interpretações dos fatos, etapa após a qual fiquei tentado a voltar atrás e repor os adjetivos suprimidos... Resisti. Ei-lo aqui, pronto para os leitores, a quem digo concordar em quase tudo com os advogados e em quase nada com os ministros que aprovaram aquelas desmesuradas penas.

Faço tal afirmação apesar de não ter formação jurídica, por ser perfeitamente capaz, assistindo cena de vida real ao longo de dois dias, por horas a fio, como fiz durante o julgamento, de identificar objetivos, estratégias e sentimentos que os protagonistas expressaram. Assim também, sei que o parágrafo inicial deste artigo, logo aí acima, fala de autocensura. Ela é consequência da censura e das interdições, bem como de excessos que não estiveram ausentes do “espetáculo judiciário” dos dias 13 e 14.

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Após a IIª Grande Guerra, o Tribunal de Nuremberg iniciou seus julgamentos em novembro de 1945 e os encerrou em outubro de 1946, apreciando 185 casos, tendo absolvido os réus em 35 deles. Na URSS, em especial nos anos de 1936 a 1938, foram promovidos inúmeros julgamentos públicos da elite política. Os réus também eram classificados em pacotes: o dos “mentores” (a elite original do comunismo soviético), dos “infiltrados” na burocracia do regime e dos “propagadores” de ideias antirrevolucionárias no meio da população. Stalin espetacularizava esses julgamentos como forma de impor a ética revolucionária à sociedade soviética. O STF, por sua vez, tem mil e tantos processos para julgar, tendo condenado até agora os três primeiros réus.

É bastante evidente que estes julgamentos iniciais cumprem uma finalidade semelhante à dos grandes julgamentos da história política. São eles: 1º) consolidar uma compreensão política da atualidade nacional segundo a perspectiva majoritária da corte; 2º) exibir seus argumentos e difundir os adjetivos que a Corte aplica à conduta dos réus; 3º) explicar que os presos estão sendo julgados ali por conexão, nos mesmos inquéritos, com réus que têm foro privilegiado; 4º) explicar a visão da folgada maioria da Corte sobre o que ela chama de “amplo cenário” e “crimes multitudinários”, redundando no arrolamento dos réus nos mesmos crimes, independentemente do que cada um estivesse a fazer no local dos fatos.

No entanto, o tal “cenário completo” reiteradamente mencionado, mas muito especialmente enfatizado pelos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, é uma – apenas uma e convenientemente escolhida – das visões políticas que se pode ter dos acontecimentos. Existem outros cenários, todos mais amplos, nos quais o próprio Tribunal é parte ativa. Aliás, ativista, tendo contribuído para a formação de um ambiente psicossocial muito negativo, muito tóxico, no país. Estou falando de bem mais de uma centena de decisões contra o governo anterior envolvendo, inclusive, teses sem acolhida no parlamento e deferidas pelo STF a pedido de legendas sem representatividade alguma. Nada demarca tais intervenções melhor do que o veto à nomeação de pessoa indicada por Bolsonaro para a Direção-Geral da PF. Somem-se, ainda, as ações junto às redes sociais e seus usuários, as manifestações políticas dos ministros e o tom em que muitas foram proferidas, as invasões de competência, os inquéritos sem fim e por aí vai, como exemplo de cenário mais amplo.

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Assim como percebo tudo isso, também percebi, desde sempre, a impropriedade e a inexequibilidade da intervenção militar, bem como a estupidez do ato convocatório para concentração em Brasília. Indignou-me instantaneamente a destruição que se seguiu. Como pode alguém ser assim tão burro, fazendo imenso mal a si mesmo e grande bem a seu adversário em poucas horas? Num outro viés, intrigam-me ainda hoje o abandono da praça pelas forças do Estado, as imagens que vejo, as imagens que vazam, as imagens que somem e a conduta dos parlamentares da base do governo na CPMI.

Não é difícil compreender que alguns advogados tenham transposto certos limites que desconheço porque pouco sei do linguajar forense, mas há a esse respeito considerações indispensáveis: 1ª) nenhuma agência de publicidade convidaria o ministro relator para lançar uma campanha contra discurso de “ódio”; 2ª) os advogados já sabiam o que iria advir para seus clientes porque as questões levantadas pelo Dr. Sebastião foram negadas quase unanimemente pelo plenário; 3ª) os réus eram culpados em amplo espectro por tudo que coubesse no tal “cenário” escolhido, mesmo que tivessem ficado sentados num banco; 4ª) o trem dos prisioneiros já partira rumo a seu destino; 5ª) não é difícil entender que os dois últimos defensores expressassem a emoção que tantos estavam a sentir naquele momento; 6ª) a emoção não era suprimível do espetáculo; 7ª) de algum lugar precisavam emergir sentimentos humanos; 8ª) era a homenagem às vítimas de um excesso monumental, cujas penas a si aplicadas não eram absorvidas no crime maior e superavam a máxima prevista no Código Penal para crime de estupro; 9ª) é impiedoso reprovar a emoção alheia, especialmente a emoção de uma alma feminina.

Os momentos de irresignação, comoção e lágrimas foram os traços visíveis de humanidade no espetáculo judiciário dos dias 13 e 14.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

 

 

 

 


Paulo Antônio Tïetê da Silva -   18/09/2023 19:08:47

"TUDO ISSO TERIA SIDO E VITADO", se um representante do supremo não tivese ido ao Congresso para pressionar os parlamentares a não aprovarem a conferência do seu voto pela impressão do mesmo. Se o "secreto" Código Fonte das urnas, tivesse sido disponibilizado, quando o Exército Nacional o pediu, para analiza-lo e verificar sua inviolabilidade. Teria sido evitado, PRINCIPALMENTE, se Bolsonaro tivesse "saido das quatro linhas", criado vários Ministérios para cooptar parlamentares e partidos. Para arrematar, tivesse utilizado escancaradamente, as Emendas Parlamentares, para o mesmo fim. Tudo para preservar a moral e a ética do País. O que é pior, perdê-las ou "abrir caminho" para o que está acontecendo e o rumo que o Brasil está sguindo?

Afonso Pires Faria -   18/09/2023 15:45:15

Eu gostaria muito que o senhor tivesse utilizado todos os adjetivos. Sei que não seria de bom alvitre para sua liberdade, por isso a supressão deles. Não tem advogado que convença a corte, de que eles tem razão. Dane-se as leis maiores e menores. Marco Aurélio Garcia já havia prenunciado isso. Acertou. Temo que acerte as outras premonições também.

marisa van de putte -   18/09/2023 15:27:49

E lamentavel a situacao que se criou no Brasil.Creio eu que nem "Barrabas" da-se conta. Ele nao foi inocentado, nem perdoado pelos togados. Ele, por certo, esta nas maos deles. A ditadura militar e fichinha se comparada com a presente ditadura. Para sair desta precisaria que a comunidade internacional e os famosos defensores dos direitos humanos se manifestassem, porem em nome da democracia eles continuarao neutros. A Argentina tambem manteve-se neutra contra os horrores dos nazistas e ate hoje paga o preco.

Romualdo -   18/09/2023 15:25:40

Esse trem, agora que partiu, tem como destino algum Auschwitz em terras jurássicas?

Danubio Edon Franco -   18/09/2023 15:13:00

Admito que não sei como fazê-lo, mas precisamos reagir e reagir dentro da lei. Não podemos calar e ser omissos diante de tantos excessos (não vamos nos impressionar com os argumentos, porque estes têm para tudo). Excessos são excessos para não dizer outra coisa. Cada vez mais se mostra evidente o que foi tramado contra o governo anterior. O risco é grande e já revelou seus tentáculos. Marchamos para o caos; até Ministério da Verdade se pensa criar ou está sendo gestado. É possível isso em um regime democrático e de plena liberdade de expressão? Claro que não! É um expediente próprio de regimes totalitários! Precisamos ir para as ruas e, ordeiramente, manifestar nossa contrariedade, mesmo sem o apoio de instituições que sempre lutaram ou diziam lutar, mas hoje acovardadas, pelo direito de liberdade em todos os seus quadrantes. Não podemos nos deixar dominar pelo medo, mesmo correndo algum risco.

Gerson Carvalho Novaes -   18/09/2023 13:29:39

O único fator que justifica essa palhaçada toda é… dinheiro! Muita gente comprada… Obsessão por poder e egocentrismo também contam. Uma estupidez total e absoluta… Bem, amigos colorados, não esqueçam o desejo da torcida do Palmeiras: queremos decidir a Libertadores com vocês! Forte abraço!

Felipe -   18/09/2023 11:06:50

Tolo quem ainda acredita nas leis e instituições. Infelizmente não estamos vendo nada novo, apenas estão esfregando na cara dos "patriotas" quem manda de verdade. E coitado de quem chamar de "ditadura". Agora precisam humilhar quem se opor.

ELCIO EMILIO AFFONSO -   18/09/2023 09:52:45

Tudo isso poderia ter sido evitado se seu candidato tivesse aceito a derrota .

Antônio Santini -   18/09/2023 09:45:26

Seu texto me lembra do filme Amistad no tempo da escravidão, onde diversos negros, homens e mulheres foram colocados no navio para serem vendidos. Ninguém entendia o que outro falava. Mas o que importava era o sistema político e judiciário. Eles como seres humanos nada importava, era apenas objeto de negociação.

rogerio pocebon -   18/09/2023 09:22:06

verdade relatada ,a maldade e tanta e e pre condicionada a parte de dominio do brasil que se fundem na tomada de poder no brasil ,depois a divisaõ das partes de cada um participantes

Anastasios Evangelos Papazis -   18/09/2023 08:53:14

FOI TUDO APARELHADO POR ESTE DESGOVERNO DITATORIAL? A pergunta que não quer calar é: O que faz a Defensoria Pública da União (DPU) a respeito disso? E aquele pessoal de Direitos Humanos? Se não, vejamos: Segundo a Constituição da República, "a Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados" (artigo 134, caput). Em outras palavras, é dever do Estado, por meio da Defensoria Pública, garantir assistência jurídica integral e gratuita àqueles e àquelas que não podem pagar por essa assistência. Isso significa muito mais do que o direito à assistência judicial, abrangendo, também, a defesa, em todas as esferas, dos direitos dos necessitados. O Defensor Público tem independência funcional para atuar na defesa dos interesses dos(as) usuários(as), prestando-lhes assistência jurídica integral, inclusive quando a parte contrária é o próprio Estado. O STF é incompetente para julgar estes casos do 8 de janeiro. Está sendo arbitrário e cometendo abuso de poder.

Eloy Severo -   18/09/2023 08:36:48

Importante matéria. Não conheço mais o meu País.

Viviane -   18/09/2023 07:52:18

Que texto brilhante! A emoção dos advogados representa a nossa indignação é uma analise que diz tudo. O trem dos condenados já partiu...infelizmente.

Carlos Soares -   17/09/2023 14:17:39

Isto não é um "tribunal", é uma "metralhadora cheia de mágoas".

Menelau Santos -   17/09/2023 14:00:50

Um dos mais importantes textos eu eu li do Sr. Incrível como esse grotesco tribunal me reportou ao de Nuremberg à avessas. O "Tribunal dos crimes do Algodão doce" . Há uma série dos anos 70 que poucas pessoas assistiram, que inclusive está no Youtube, estrelado por dois gigantes atores, Antony Hopkins (ainda desconhecido) e Ben Gazarra; chama-se QBVII. Se vc comparar as penas dadas à assassinatos cruéis, chegaremos a conclusão que as vidas humanas, para a atual composição dessa corte, valem menos que mesas e cadeiras.