Percival Puggina
22/04/2023
Percival Puggina
A história de cada um de nós começa muito antes de nosso nascimento. Ela é a história de nossos pais e dos pais dos nossos pais, e assim vai, regressivamente. Ela inclui a cidade onde nascemos, que passa a constar de nossos documentos, junto com os nomes de nossos pais. Mesmo os pés de alface de um canteiro têm a história do canteiro, a história de seu plantio e dos cuidados que recebem. Não é diferente na história de um país e de seu povo.
“Existe um modo de fazer a história e um modo de contar a História” (Betinho). Essa frase nos traz à celebérrima questão das narrativas. E da guerra das narrativas.
Para não ser manipulado pelas narrativas, tantas vezes desenvolvidas por filósofos e historiadores marxistas, é preciso mergulhar no tempo e ir atrás das raízes mais remotas dos fatos. Percorrer suas linhas de continuidade e suas rupturas. Evita-se, assim, a interveniência de conhecido filósofo alemão do século XIX que não veio para interpretar o mundo, mas para tumultuar o mundo. E o jeito de contar a história se presta admiravelmente para que o futuro tome o rumo pretendido por quem a conta.
Impossível, para mim, imaginar que a história do Brasil comece a ser contada a partir do dia 22 de abril de 1500, ou do dia 9 de março daquele ano, quando a Praia do Restelo acumulava multidão formada pela numerosa tripulação das 13 naus, 1,5 mil homens, seus familiares, o Príncipe perfeito (D. João II), sua Corte e parte expressiva da população de Lisboa. À época, 50 mil habitantes.
O Brasil não foi um achado. Foi buscado. E quem o buscou, sabendo em que direção navegar, foi levado pelas mãos do Senhor da História.
Os experientes navegadores portugueses sob comando de Cabral eram peritos no uso dos GPSs da época: a bússola, a balestilha e o astrolábio de Abrahão Zacuto. Tanto assim que nos primeiros dias de maio voltaram ao mar na direção sudeste e mesmo perdendo quatro embarcações com os temporais enfrentados no trecho entre maio e junho, ultrapassaram o Cabo da Boa Esperança.
***
Daqueles tempos heroicos, quando homens bravos cruzaram os mares sobre cascas de noz, falam com poesia e verdade os versos de Fernando Pessoa:
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Isto fala comigo! Eis aí o belíssimo idioma que aprendemos da voz das nossas mães. Nessas linhas fala a fé cristã que delas recebemos e que esteve confiada ao pequeno Portugal na expansão da “Fé e do Império”, como conta Camões.
Eis também o motivo pelo qual o Descobrimento é muito mais do que a posse da terra e o povoamento do continente chamado Brasil. É algo que nos congrega acima de qualquer outro fator de unidade. São longos os fios com que se foi tecendo e bordando a história da nossa fé e do nosso idioma. Eles nos conectam com lusófonos e cristãos mundo afora!
Um dia percebi, com espanto, o quanto devemos a algo tão remoto quanto à vitória de Roma na Terceira Guerra Púnica, 146 AC. Ao derrotar Cartago e viabilizar a chegada das legiões romanas à Península Ibérica e à sua população de origem celta, ela se tornou história do Brasil.
Sim, porque com as legiões, veio o latim e com a conversão de Constantino, o cristianismo se torna religião do Império. Um século e meio depois, os bárbaros cruzam o Reno e quando suevos e visigodos entram na Península Ibérica, o idioma deles vai se misturar com o latim vulgar e dar origem ao nosso idioma e ao espanhol. E entra o arianismo que será superado pela obra evangelizadora de extraordinários bispos e santos medievais.
O Descobrimento do Brasil é ponto culminante de um projeto do gênio político português, viabilizado pela criação da Ordem de Cristo. Entendendo a posição geográfica do país na Europa, sua reduzida população e seu pequeno e montanhoso território, Portugal viu no mar o seu destino e abriu velas aos ventos. A História Universal ganhou novos caminhos. As Grandes Navegações persistem até estes dias como a maior aventura da humanidade. Delas, o Brasil é imensa realização.
Até a Revolução do Porto e as Cortes Gerais da Nação Portuguesa (1821), ser brasileiro era ser português. Desde o século XVI, índio batizado era cidadão português. Além do pau-brasil, não havia aqui riqueza a ser explorada. Na contabilidade da Coroa, a tarefa de proteger o território de invasores, povoá-lo e criar nestas lonjuras o “estado do Brasil”, um dos estados de Portugal, custava mais do que rendia. A cana de açúcar foi trazida para cá. Era preciso plantá-la para colher. A extração do ouro, atividade privada, exigia bater muita areia de rio para ser encontrado. A Coroa cobrava o “quinto” (imposto de 20%, fácil de sonegar e operoso de arrecadar). Quando foi encontrado em maior volume, fez a riqueza de São Paulo, Rio de Janeiro e, entre outras, de Vila Rica (atual Ouro Preto), Vila do Carmo (Mariana), Sabará, Caeté, São João Del Rei.
Como entender que herdeiros de uma história tão rica possam conviver com esse complexo de vira-latas? Com um sentimento que nos faz rastejar culpas e remorsos, num arrastado estuário de vilanias e maldições? Qual povo pode orgulhar-se de cada página de seu diário?
Se não vemos dignidade em nossa história, dificilmente a veremos em nós e muito mais dificilmente a veremos nos demais. Seremos pichadores de nós mesmos.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
* Revisado às 21h30min de 22/04/2030
Percival Puggina
20/04/2023
Percival Puggina
Sob sete palmos de terra e cinco anos de sigilo, a Verdade gemia dentro do caixão. A balbúrdia dos militantes nas tribunas, nos microfones, ante as câmeras, nas redações, abafava seus clamores. Parente próxima da Verdade, a Lógica corria de porta em porta e alertava nas esquinas e mesas de bar que ela sobrevivia; sufocada, mas viva. O governo gastava promessas, anunciava emendas, prometia recursos e cargos (a moeda oficial da compra de consciências em instituições enfermas) para que nenhuma comissão parlamentar de inquérito a fosse resgatar.
Era muito mais conveniente ao governo um inquérito que aplicou tornozeleiras e colocou atrás das grades mais de duas mil pessoas. Todas empacotadas com o rótulo de terroristas, ou vândalas, ou golpistas responsáveis por incitação ao crime e associação criminosa (vândalos reais e seus financiadores, se presos, estão no lugar certo).
Aos donos do poder vinha sendo bem mais confortável pespegar rótulos à oposição do que examinar os próprios meios de ação desde uma perspectiva moral. Ontem, a propósito, um jornalista da Jovem Pan retirou do baú da memória uma brilhante frase que o ex-senador José Serra usava para denunciar a conduta dos petistas no parlamento dizendo que batiam a carteira e saíam gritando “Pega ladrão!”.
Era muito, muito conveniente examinar aqueles vídeos, sepultá-los no ataúde da Verdade, mandar prender o secretário de segurança do Distrito Federal que estava em férias, destituir o governador do DF e convocar Bolsonaro para depor. Ao mesmo tempo, deixar solto o general Gonçalves Dias, sem sequer ouvir o Ministro da Justiça. Aos vídeos, diziam, impunha-se sigilo por uma questão de “segurança das próprias instalações de segurança do Palácio do Planalto”. Não entendo de segurança, mas reconheço uma hipocrisia.
O general Gonçalves Dias, também se soube ontem, foi Secretário de Segurança da Presidência da República nos dois mandatos anteriores de Lula e chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional da ex-presidente Dilma Rousseff.
Com o que se sabe hoje, devo exclamar: Que inquérito, senhores! Que inquérito!
Aqui, desde esta pequena cápsula de trabalho a que chamo gabinete, penso no omisso senador mineiro Rodrigo Pacheco e nos enfeitados caciques partidários que com larga margem o reelegeram para presidir o Senado Federal. Talvez agora, que o chão se abriu sob seus pés e as vítimas dessa omissão caem no seu colo, o senador, enfim, se disponha à desagradável e inédita experiência de cumprir seu dever para com a nação.
A Lógica, sentada ao lado do túmulo da verdade, aguarda a CPMI e a exumação da parente sepultada viva.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
19/04/2023Percival Puggina
Nunca tive qualquer simpatia pela Constituição de 1988. Sempre a considerei uma parolagem esquerdista, redigida com os olhos no passado e os dois pés no futuro. E o futuro, sabe-se, é inédito e incógnito por natureza. Como consequência, viver o presente e responder às demandas da realidade não acontece sem as tais emendas que entulham o texto original da Constituição e em propostas que se acumulam na forma de PECs.
No entanto, se a Constituição me desagrada de modo contínuo e crescente ao longo dos anos, o mau uso que dela vêm fazendo os atuais ministros do Supremo Tribunal Federal me leva a chamá-la, carinhosamente, “queridinha do vovô”. Se a cumprissem, se a respeitassem, se a seus limites se submetessem todos que a usam como instrumento de trabalho, nos vários níveis e compartimentos do Poder Judiciário, eu já me dava por satisfeito. Pedia um cafezinho e perderia menos tempo diante do teclado do computador.
Na esteira dessa permissividade interpretativa, gasta-se um tempo que permitiria dar duas voltas ao mundo. O Supremo perdeu credibilidade, a censura retornou agravada ao cotidiano nacional, as opiniões se percebem ameaçadas e sitiadas, e os cidadãos à direita do arco ideológico que querem exercer sua liberdade têm no horizonte interdições de direitos, tornozeleiras e grades.
Partidos e parlamentares de esquerda recorrem com assiduidade ao STF para pedir que sancione seus adversários com penas de inelegibilidade e prisão; no parlamento, requerem cassações de mandatos. Aqueles silenciosos e sigilosos inquéritos do fim do mundo passaram a integrar o arsenal retórico com que alguns pretendem conter a oposição: “Olha que o bicho-papão te põe no saco do inquérito!”.
É nesse cenário que a PGR considerou viável pedir a prisão do senador Sérgio Moro em virtude de uma brincadeira, feita tempos atrás durante uma quermesse. Em Estado de Direito, algo assim não ocorre. É como se ensaiássemos, aqui, um faroeste onde a lei é feita por quem se vê como xerife. Não faz grande diferença, em parâmetros civilizados, se é a tinta na caneta e não a bala no cartucho o instrumento do abuso que vai substituir a lei em nome de intenções que, muito comumente, dão sinais de envolver mais uma satisfação própria do que a da sociedade.
Depois de tudo que vi nos últimos quatro anos, identifico com clareza a propagação de uma síndrome no Estado brasileiro – a Síndrome A. de M.. Ela pode ser identificada em muitos titulares de poder que agem como o ministro Alexandre de Moraes em suas afoitas e pesadas intenções punitivas.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
17/04/2023
Percival Puggina
Para usufruto da dupla Lula e Janja, o governo da União adquiriu um sofá ao preço módico de R$ 65 mil e uma caminha de R$ 42 mil para acalentar os sonhos do casal que tanto anseia por uma nação mais próspera. Faz sentido. Se o presidente quer que todos vivam bem, o exemplo tem que vir de cima. Ele está fazendo a parte dele.
A oposição reclama. Desenterra discursos antigos, de outros tempos – falas, imaginem só! – de maio do ano passado em que o candidato criticava, com caprichada oratória lulista, o padrão de consumo da classe média brasileira:
“Aqui na América Latina a chamada classe média ostenta muito um padrão de vida acima do necessário. É uma pena que a gente não nasce e a gente não tem uma aula: o que é necessário para sobreviver. Tem um elemento, tem um limite que pode me contentar como ser humano. Eu quero uma casa, eu quero casar, eu quero ter um carro, eu quero ter uma televisão, não precisa ter uma em cada sala. Uma televisão já está boa (...)".
Como se vê, naquele longínquo ano de 2022, falando na primeira pessoa do singular, Lula afirmou, imbuído de estrito ânimo franciscano, “haver um limite” quanto aos bens que o podiam satisfazer. Pois é nesse pequeno combo de utilidades essenciais que se incluem a tal caminha e o sofazinho confortável. E – por que não? – até mesmo um modesto sitiozinho em Atibaia.
No mês de janeiro, enquanto não davam jeito mais digno naquela choupana do Alvorada que iria ocupar, o casal ficou hospedado num hotelzinho de Brasília, o Meliá Brasil, cujas diárias beiram os R$ 7 mil, com café da manhã incluído, claro.
Em outras palavras, algo já está bem comprovado sobre o presidente: ele pode trabalhar mal, mas descansa muito bem.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
16/04/2023
Percival Puggina
O fenômeno aqui descrito é gravíssima causa de múltiplas tragédias humanas e sociais. Não me refiro apenas aos educadores, embora o que digo inclua muitos deles. Refiro-me ao que acontece no sistema como um todo. São nefastas a cultura pedagógica, a visão de Economia e a interpretação da História, a posição ideológica, filosófica, sociológica e pedagógica dominantes. Geram miséria. O livro “Pedagogia do Oprimido” cria oprimidos por opção e sua ideologia, hoje oficialmente conduzindo a nação, estimula a tolerância e as causas dos crimes contra o patrimônio e a vida. Basta ouvi-los.
Dezenas de milhões de brasileiros não percebem isso porque é um tipo de informação que não recebem. No entanto, o fenômeno vai se tornando crescente e as consequências se ampliam quando entramos no mundo acadêmico e nos espaços do poder. Nesses ambientes, ouvimos ao longo de tantas décadas que “prender não resolve”, que o “criminoso é a vítima e a sociedade é a culpada”, que “o sistema penal é vingativo”, que “é preciso legalizar as drogas”, que “família já era”, que “é proibido proibir” e blá blá blá. Inevitavelmente a criminalidade ganha extensão quando a má lição vem de baixo e o mau exemplo vem de cima.
De modo simultâneo, poderosa máquina publicitária trabalha para deslegitimar a função orientadora da Igreja e das famílias, transferindo a formação de crianças e jovens para si mesma e para o aparelho do Estado, já infiltrado, capturado e manipulado pelos agentes da guerra cultural. Grosseiro caldo em que se multiplicam a criminalidade e o número de seus dependentes.
Há os dependentes químicos. Por vezes, é dito que são um fato novo na cena social, agravando a criminalidade. Errado. As drogas sempre existiram. Seus dependentes cresceram em número quando a sociedade perdeu suas referências. Eles são o numeroso grupo daqueles de quem tudo foi tomado ou que de tudo se extraviaram: conhecimento, família, limites, possibilidade de trabalho honrado, futuro e esperança.
Há os dependentes econômicos do grande criminal business. Quando a atividade criminosa é de baixíssimo risco, conta com simpatia social, chega a ser glamourizada, desfila nas passarelas, ganha manchetes e proporciona mandatos eletivos, é evidente que mais e mais atores se instalem nessa nova e multiforme “Hollywood” de celebridades.
Há, os dependentes ideológicos. Compraram a utopia pelo preço de capa e apostaram nela o futuro de uma nação. Onde depositam suas apostas políticas, criam em vida um inferno de Dante, sem porta de saída e sem poesia. A estes eu interrogo, perguntando como percebem sua cumplicidade com as consequências de suas ações e omissões, do que ensinam e do que deixam de ensinar, do que protegem e do que deixam à própria sorte?
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
13/04/2023
Percival Puggina
Não se requer muita imaginação para perceber uma certa ordem (no sentido filosófico da palavra) quando se rememora a sequência de decisões judiciais que iniciou com aquele voto do ministro Gilmar Mendes. Em 2016, com Lula e outros réus graduados soltos, o ministro votou a favor da prisão após condenação em segunda instância. Em 2019, com Lula e seus amiguinhos, o ministro mudou de ideia e prisão de quem tem bons advogados ficou para a véspera do Juízo Final.
Essa foi a ponta de uma corrente de decisões judiciais ordenadas e irrecorríveis. Na outra, aparecem duas bizarrices da política brasileira: 1ª) Lula candidato à presidência da República e 2ª) interdição judicial a quaisquer referências a seu passado recente. Sobre todo um período triste da nossa história se impôs silêncio. Recaiu sobre aqueles “malfeitos” uma espécie de sigilo de cem anos, servilmente obedecido pela mesma mídia que cobriu as denúncias, investigações e julgamentos a que se submeteram corruptos e corruptores.
Como se sabe, há uma diferença importantíssima entre as palavras casual e causal. “Casual” se diz do que acontece por acaso; já a palavra “causal” refere algo que dá causa a determinado efeito. Acontecimentos fluem quando se abre a torneira das causalidades.
De outro lado, tenho bem presente o estupor nacional quando irrompeu na pauta política a impensável aproximação entre Luiz Inácio e Geraldo Alckmin. Muito foi dito sobre isso, ao longo de vários meses, sempre na sessão de curiosidades. Tratou-se como loucura, devaneio, coisa de terraplanistas a ideia de que essa aproximação fosse possível. Que curvatura precisaria ter a espinha dorsal de alguém que, um dia disse ser a volta de Lula à presidência o retorno do criminoso à cena do crime e, noutro dia, ambicionava ser seu vice-presidente?
A linha das causalidades seguia seu curso. Tudo que parecia impossível se foi tornando provável e o provável se convertendo em fato, como se os movimentos fugissem das leis da mecânica política. Só que não! As consequências do ingresso de Alckmin na chapa da oposição, mobilizou os caciques partidários e os “donos do poder” (nas palavras de Faoro) que farejam habilmente a atmosfera política e institucional mesmo quando rarefeita. E isso ela não era. Verdadeira enxurrada de siglas partidárias e patrões da Economia, com apoio das grandes máquinas da comunicação social, fechou fileiras com a dupla.
Os primeiros cem dias do novo governo, se para algo serviram, foi para mostrar que o Poder Executivo, sob a regência do petismo e de Lula, age com uma obstinação: destruir. Destruir não apenas o que foi feito após sua saída do poder, mas, até mesmo, a memória do que foi feito. Editados com furor missionário, decretos e medidas provisórias destes cem dias lembram marretas, marteletes demolidores e rompedores, furadeiras e cortadores de concreto. Derruba tudo!
As atenções se voltam para Geraldo Alckmin e as especulações do ano passado sobre os planos dos donos do poder ganham consistência. E se a sequência de causalidades estiver seguindo seu curso? Se Alckmin for, desde o início, o Plano A de quem realmente manda, continua sendo e tudo que acontece contribui para ele?
Como Miguel de Cervantes, “yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”...
* Revisado às 21h30min do dia 13 de abril.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
11/04/2023
Percival Puggina
Há bem poucos dias, num dos programas da Jovem Pan, uma senhora jornalista foi solicitada a apontar os maiores problemas que via na direita. Ela mencionou três: a defesa da posse de armas pela população, as manifestações a favor do policiamento armado das escolas e “essa mania de criticar as instituições”. Enquanto eu pensava sobre qual motivo ela teria para supor imunes ao debate político instituições tão ativas na vida ... política, ela resolveu fazer a seguinte observação: “Olha só como, em três meses, o novo governo não teve qualquer incidente com o STF”.
A ingenuidade, às vezes, tem uma essência poética, um leve perfume de sabedoria presumível nas mentes puras. No entanto, a ingenuidade da senhora era uma mistura de obviedade e astúcia, ou de Conselheiro Acácio e José Dirceu.
Pergunto: alguém neste país supôs, em noite de insônia, que esse Supremo, repleto de devotos do demiurgo de Garanhuns, fosse criar problemas para Lula? Claro que não! Sorrisos, afagos e tapinhas no rosto! Bem ao contrário do que aconteceu no governo anterior, o STF tem ajudado a resolver problemas de Lula no Congresso. O teto de gastos era duríssima lex! Coisa séria, benéfica, votada pelo Parlamento, em pleno vigor. Lula, porém, pretendia assumir como Midas retornando para criar ouro puro com tinta de caneta. Como o Congresso se recusasse, Gilmar Mendes, sinalizando que, a exemplo da Economia, o amanhã a gente vê depois, autorizou o rombo de R$ 200 bi para suprir demandas sociais.
O PT e o STF mudam de convicção conforme sopra o vento da temporada. Numa decisão que, por mera casualidade, como se sabe, resultou na soltura de Lula, o Supremo mudou de opinião e voltou atrás sobre a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. O PT, na oposição, foi totalmente favorável à quarentena para políticos estabelecida na Lei das Estatais. Agora, no governo, mudou de opinião e considera que, em vez de três anos, a quarentena deveria ser de 30 dias. Com impasse no Congresso, alguém atravessou a rua levando uma ADI na mão, e o ministro Lewandowski acabou com a celeuma: quarentena coisa nenhuma! Assim, petista que dormiu deputado, ou coisa que o valha, acordou banqueiro.
Mais fácil do que surgir uma encrenca entre o STF e o governo é o STF criar caso com a oposição. Mas a senhora jornalista, cujo nome não sei, acha que a direita é uma criadora de encrencas com as pobres instituições republicanas, tão fofas e benquistas.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
Percival Puggina
10/04/2023
Percival Puggina
Ainda que eu tivesse boa vontade – e desta não me resta um pingo –seria impossível não gritar, como se neste texto escrevesse em negrito e caixa alta: no Brasil, as leis más são protegidas pela espada de Themis (as que se referem à prisão de criminosos, por exemplo) e as leis boas (a das estatais, por exemplo) sujeitas a tratamento desdenhoso. Agentes políticos têm uma face para cada ocasião, como se o rosto fosse parte do vestuário que vai da bermuda ao black tie, com todos fingindo não notar. Eu noto.
Uma das melhores leis votadas pelo Congresso na última década foi proposta e sancionada pelo presidente Temer. Refiro-me à Lei das Estatais. Ela foi rigorosa em proteger tais empresas da pirataria política. À época, a nação parecia ascender a um patamar ético superior com o resultado das investigações da Lava Jato. Dinheiro roubado era espontaneamente devolvido, ou judicialmente recuperado. Corruptos e corruptores, presos. Hoje, sabe-se, os ladrões estavam certos; errada era a Lava Jato. E essa é uma história que não sou louco para contar.
As quarentenas de 36 meses para políticos em atividade proverem cargos de direção e conselhos de administração, bem como as exigências técnicas e de experiência para tais funções, resultaram em estatais lucrativas e fim dos escândalos. Mas o petismo retornou ao poder e, de repente, mudou de traje e de rosto, tratando de reduzir de 36 meses a quarentena que servia aos outros, para 30 dias, agora suficientes aos seus parceiros ... Senhor! Dá-me forças pra viver!
Se você acompanhou o período em que as notícias nacionais focavam aquela multidão que compunha a comissão de transição, certamente sentiu ali o tamanho do problema por vir. Havia uma inadequação entre o recipiente (a máquina estatal) e o conteúdo (número de companheiros e parceiros) a ela destinados. Faltava máquina e sobrava parceria.
A dificuldade está provisoriamente resolvida por decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowsky, que deixa o Supremo agora, no dia 11 de abril. Em meados de março, o ministro acolheu uma Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo PCdoB e derrubou parte importante de uma boa lei aprovada pelo Congresso Nacional, com votos do governo e da oposição, vigente há quase sete anos! Representação popular, para quê? Enquanto o colegiado do STF não decidir, ficamos sem quarentena: nem 36 meses, nem 30 dias; basta sair de uma cadeira para sentar na outra. E muito espumante foi aberto em alegres comemorações.
O fato é que nos reencontramos com o passado de 2003, cujo futuro é a íntegra de uma história já contada. Bem-vindos ao passado! Ele está apenas recomeçando.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.
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09/04/2023Percival Puggina
O fenômeno é visível. A cada episódio eleitoral, aumenta o número de candidatos vinculados a instituições militares e policiais. O motivo é evidente. Desses grupos são esperadas virtudes inerentes à sua formação: respeito à lei, disciplina, valores consolidados, amor à pátria, civismo, honra, coragem, entre outros. Deles também se presume compromisso com a segurança da sociedade e do país. Sim, assim se presume. Quanto mais ameaçada se sentir a sociedade, mais ela voltará sua atenção aos candidatos procedentes das instituições voltadas à sua segurança. Em 2022, elegeram-se 87 policiais e militares para o Congresso Nacional!
Por motivação análoga, todo ano cresce o número de candidatos oriundos das atividades pastorais. É notável a dimensão que esse fenômeno adquiriu ao longo de sucessivas eleições em todo o país. Há hoje partidos políticos vinculados a igrejas que dividem o pentecostalismo original em um número sempre crescente de fragmentos e tendências.
Legendas como o PL, o Republicanos e o PSC reúnem bancadas numerosas, tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal. Qual a razão disso? Por que aumenta a cada pleito o número de pastores com mandato parlamentar? É simples: pessoas que se sentem desprotegidas na segurança de sua vida e de seus bens, não raro se percebem, também, crescentemente ultrajadas em sua fé e em seus bens espirituais e afeições morais. Então, buscam proteção política da igreja que frequentam. A Frente Parlamentar Evangélica contabiliza 132 deputados, 14 senadores!
Embora tenha sido rejeitada pelos tribunais a tese de um suposto “abuso de poder religioso” por candidatos das igrejas, bem como a de impedir propaganda eleitoral durante os cultos, essa é uma ideia que ronda os pleitos. Não preciso dizer quem mais se agrada das propostas que coibiriam tais práticas.
Se os militares e policiais eleitos se penduram, de modo muito preponderante, do centro para a direita no varal ideológico, o mesmo não se pode dizer dos evangélicos. Em muitos casos, estes formaram base com governos petistas mostrando que a orientação religiosa nem sempre acompanha a política.
Indo para a conclusão. Quando o eleitor vota em militares e policiais, está pedindo socorro. E quando o PT se propõe impedir a participação de militares e policiais em disputas eleitorais e funções de governo, está, simplesmente, querendo se livrar de uma oposição com crescente êxito eleitoral. Quando eleitores votam cada vez maior disposição em pastores e em raros católicos que manifestam sua fé, estão apoiando quem se dispõe a enfrentar a sistemática destruição moral e cultural do Ocidente empreendida pela esquerda.
Partidos de esquerda fariam grande bem, até a si mesmos, se ponderassem os motivos pelos quais tantos eleitores os rejeitam. E a hierarquia católica faria melhor se, depois de cantar “Vitória, tu reinarás!”, pensasse no motivo pelo qual vem perdendo todas as batalhas da contemporaneidade, inclusive dentro dos educandários católicos.
Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.