Percival Puggina

14/10/2023

 

Percival Puggina

       

        Esquerdistas festejaram. “O amor venceu!”, afirmavam, porque o retorno de Lula ao Palácio do Planalto representaria a consagração de um generoso projeto político. Afinal, o PT voltava lavado, enxugado, passado (passado apagado, quero dizer), ficha limpa para realizar o sonho de seus “pais fundadores”. As portas se abriam às delícias de uma sociedade igualitária, paraíso terrestre de que o esquerdismo fala nas salas de aula, nas redações e nos microfones, nos púlpitos, nos palanques, nas tribunas e nos tribunais. Bons parceiros para isso não faltam no Foro de São Paulo.

Com meus duvidosos botões pensei ser bem mais simples começar a experiência nos próprios “coletivos” em que se agrupam os militantes dessa ideologia. Ou seja, comecem com o exemplo de suas lideranças. Por certo, algo nesse sentido emergiria das três dezenas de comissões de transição instaladas após o pleito do ano passado. Naquela mescla de figurões e figurinhas, mais de mil pessoas – lembram? – transitaram junto com a transição até a posse de Lula. Raramente se viu tão prolongado desapego aos próprios interesses e ocupações para servir à causa de uma sociedade igualitária.

Por ela lutavam os integrantes do Movimento dos Sem Pasta. Eram tantos e tão valiosos os servos da Pátria que foi necessário aumentar em 65% o número de pastas ministeriais fazendo-as saltar de 23 para 38. O serviço total a ser executado pela União permanece o mesmo. O governo está, apenas, proporcionando à sociedade um exemplo inspirado na partilha cristã: dar ministérios e diretorias a quem não tem. Você é que não entendeu o espírito da coisa.

Michel Temer, entre realizações boas e indicações terríveis, conseguira aprovar a Lei das Estatais fechando a porta das empresas federais às indicações políticas e exigindo provas específicas de competência, experiência e desvinculação dos comandos partidários. Bastou isso para que, nos anos subsequentes, as empresas do Estado deixassem de contabilizar prejuízos, acabasse a corrupção e surgisse essa coisa chamada lucro que o esquerdismo considera moralmente desprezível.

O “espírito da coisa” exigia haver partilha, mas como promovê-la, sem o comando das estatais? Era imperioso estar dentro e, para entrar, impunha-se revogar as exigências da Lei das Estatais, tarefa da qual a nova legislatura não queria nem ouvir falar. Levado em mãos pelo PCdoB, o recurso ao Supremo (ADI 7331) bateu na mesa do ministro Lewandowski e voltou atendido. Os cargos e penosos encargos podiam ser, novamente, confiados aos companheiros.

No mesmo momento, o espírito da coisa foi embora pela chaminé. Hoje, há ministros do governo com remunerações catapultadas para 70 e até 80 mil reais mensais. Para os dirigentes das estatais, o infinito fica ao alcance da mão.

E a sociedade igualitária? E a vida modesta de que tanto falava Lula? E a “partilha”? É com o dinheiro dos outros que ela se faz? Para o bem da “partilha”, os companheiros têm que viver com mais e todos outros com menos? Entendi.

“A hipocrisia é o movimento de poder definitivo. É uma forma de demonstrar que se segue um conjunto de regras diferentes daquelas atendidas pelas pessoas comuns.” (Michael Schellenberger)

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

12/10/2023

 

Percival Puggina

 

        Nos grandes meios de comunicação, as primeiras notícias entregaram as parcerias. Quando começou o bombardeio de cidades israelitas pelo Hamas, a quase totalidade dos grandes veículos apresentou a organização como braço justiceiro e combatente da oprimida população palestina. Não foi de outra natureza a atitude inicial do governo brasileiro.

No dia seguinte, estavam todos flagrados e moralmente expostos pela profusão de imagens que retratavam a violência em suas mais monstruosas e pervertidas formas. Então, e só então, trataram de expressar uma condolência sobre cuja sinceridade muito juízo pode ser emitido.

O fato que me leva a escrever volta-se à realidade brasileira. O Brasil é um país relevante na geopolítica mundial para qualquer nação ou comunidade de nações, corporações ou organizações que se queiram protagonistas. Sua população, extensão territorial, fronteiras e riquezas naturais lhe asseguram essa projeção nos planos globais. Ninguém se surpreende quando a rota do tráfico passa por aqui, nem quando surgem menções a influências externas nos pleitos nacionais. Também o Brasil acompanha as disputas políticas em sua própria vizinhança.

A questão que se coloca é saber com que atenção o governo brasileiro supervisiona a possível presença de grupos terroristas em nosso território. Esse governo faz isso? Todos nós sabemos como essa banda toca, de quem se aproxima e de quem se afasta.

É bom não esquecer que Lula disputou a eleição de 2022 em privilegiadíssimas condições. Era vedado mencionar sua biografia, extrair consequências de seu passado, referir suas relações nacionais e internacionais. No entanto, recentemente, em 29 de junho, falando ao seleto esquerdismo do Foro de São Paulo, Lula presidente afirmou de viva voz convicções que, por desfavoráveis a Lula candidato, não podiam ser referidas na campanha eleitoral (!): “Aqui, no Brasil, enfrentamos o discurso do costume, da família e do patriotismo. Ou seja, enfrentamos o discurso que a gente aprendeu a historicamente combater”.

O Lula saído aquele pleito terá as amizades de sempre, andará nas más companhias de sempre e fará as piores opções políticas. Não surpreende, portanto, que esses amigos abusem e desmoralizem a palavra “terrorismo” para fins retóricos e discursos de tribuna. Brincaram com coisa séria!

Agora, tratem de se desculpar os imprudentes e cuidem desses perigos com a gravidade que merecem e os olhos veem.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

11/10/2023

 

Percival Puggina

 

         Em 1983 fiz algumas viagens de trabalho ao Equador. Casualmente, estava em curso uma campanha eleitoral presidencial e um dos candidatos – o conservador/liberal León Febres-Cordero, do Partido Social Cristão – atraiu minha atenção.

Era um tipo comunicativo, enérgico, autoconfiante e seu slogan refletia isso: “Con León si se puede!” (Com León sim, é possível). Duas décadas mais tarde, mensagem semelhante reapareceu na campanha de Obama com seu “Yes, we can” (Sim, nós podemos). 

Recordo de uma entrevista em que alguém perguntou a León se, eleito, iria reproduzir as habituais concessões que os governantes fazem aos partidos e suas lideranças, recuando em temas fundamentais para o eleitorado. O candidato traduziu a pergunta para sua linguagem de campanha dizendo: “Lo que me preguntas es si me voy a bajar los pantalones. (O que me perguntas é se vou baixar as calças). La respuesta es No!”

Ah, meu amigo leitor! Muito abuso, muito excesso, muitos danos não seriam causados à sociedade se essa afirmação fosse feita com maior frequência entre nós. Tome por exemplo o voto em urnas com impressoras. Estou convicto de que se o parlamento não tivesse mudado de posição sob pressão do TSE, o ambiente político ao longo no ano e meio seguintes até a eleição e no período pós eleitoral teria sido muito mais tranquilo. O dia 8 de janeiro teria sido apenas um domingo a mais no calendário de verão. Mas, como diria León, “se bajaran los pantalones” ...

Esta é uma visão masculina sobre muitos dos recentes episódios da vida política brasileira. Minha inconformidade é genuína e desinteressada. Sou um indignado com as perdas consentidas e com a violência institucional contra a liberdade dos cidadãos – males impostos a todos porque tantos de nossos representantes vêm desonrando seus mandatos e as calças que usam.

Já não falo no autosserviço com os recursos públicos, nem nas tantas excelências que desprotegem a sociedade enquanto dela se encaramujam, nem nos que com a vara da cobiça saltaram olimpicamente o muro dos compromissos eleitorais do ano passado e trocaram de lado. A cada movimento desses “se bajan los pantalones”! As exceções – raras, contadas, conhecidas, brilhantes – têm sido focos de luz sobre fundilhos expostos.

Em nome e razão de todas as frustrações e padecimentos dos últimos meses é impossível não celebrar o fio de esperança que começa a se tornar visível nos recentes movimentos de resistência. Por diferentes motivos, inclusive alguns bons motivos, eles se manifestam dentro do Congresso Nacional para reafirmar o Legislativo como legítima e constitucional representação da soberania popular.

Segurança, equilíbrio e estabilidade não virão de um governo com sede de vingança, nem de um STF avesso à divergência atravessando a pauta política. Virão, isto sim, de um Congresso com testosterona, sensível ao clamor nacional, assumindo e resguardando suas competências, coibindo abusos e excessos próprios e dos outros poderes.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

        

 

        

Percival Puggina

09/10/2023

 

Percival Puggina

 

         Em reportagem que produziu sobre a dança supostamente erótica do “Batcu” em evento do Departamento de Prevenção e Promoção da Saúde do Ministério da Saúde, o jornal Metrópoles informou a seus leitores que “a apresentação foi usada pela oposição para atacar o governo nas redes sociais”.

Como essa oposição é maldosa! Quanta má vontade em relação à brilhante elite cultural, técnica e política do governo de Suas Altezas Voadoras Lula e Janja! Imagine, leitor, alguém ter a coragem de atacar o governo por algo tão insignificante...

Pois esse foi exatamente um dos dois pontos que me vieram à mente quando assisti ao vídeo da apresentação. É na reiteração de episódios assim e em sua banalização que transcorre boa parte do empenho em transformar a nação em algo como beco de zona de prostituição. O diretor demitido pela ministra que se disse surpresa pelo episódio é uma circunstancial vítima que tomba como soldado da mesma guerra cultural em que se empenha e combate o petismo que nos governa.

Exagero meu? Pois foi a esse combate que Lula se referiu quando, na solenidade de abertura do 26º Foro de São Paulo (29/06/2023), disse: “Aqui, no Brasil, enfrentamos o discurso do costume, da família e do patriotismo. Ou seja, enfrentamos o discurso que a gente aprendeu a historicamente combater”.  Como toda guerra, a cultural tem inúmeras frentes e nem todas são harmônicas entre si, mas todas convergem ao mesmo fim. A ministra pode divergir porque discorda do show, mas pode, também, ter divergido em virtude do que me veio à mente quando assisti ao vídeo, ou seja, em virtude daquele segundo ponto a que me referi no parágrafo anterior.

Se o primeiro ponto é negativo, o segundo é positivo. A reação da imensa maioria das pessoas que tomou conhecimento do episódio foi de reprovação, indignação e repulsa. E isso é bom porque a revolução cultural tem produzido vitórias mundo afora, mas ainda não venceu aqui no Brasil.

A nação não foi e não irá para o beco. Com a Primeira Missa celebrada nas areias de Porto Seguro, o Brasil tomou lado na civilização ocidental e seus fundamentos filosóficos, jurídicos e religiosos aprendidos, respectivamente, da Grécia, de Roma, do judaísmo e do cristianismo. Eles ainda são sólidos e, por eles, vale perseverar na resistência.

Essa esquerda, por ora politicamente hegemônica entre nós, que apoia o Hamas, que quer trazer o Irã para o BRIC, que celebra a democracia Venezuelana, que já ensopou com lágrimas de emoção os ombros dos irmãos Castro, que quer o aborto e se empenha em dividir a nação em bandos antagônicos, não prevalecerá. Os brasileiros não serão escravizados numa guerra cultural cujo objetivo precisa concretizar o impossível: tomar-nos a dignidade de seres criados à imagem e semelhança de Deus.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

08/10/2023

 

Percival Puggina

 

         Primeiro contei até 10, três vezes por dia durante dez dias como recomendaria minha avó se o caso fosse sério. Depois, busquei no Google, em detalhe, o que escreveram CNN, Globo e Poder 360. Em todos, a mesma informação: a ministra Rosa Weber, no discurso de despedida do STF, contou que o colega Alexandre de Moraes foi aplaudido pelos presos dos atos de 8 de janeiro recolhidos à Papuda e à Colmeia durante visita a esses institutos penais.

Confesso a vocês minha estupefação e me surpreende que tenham sido tão rarefeitas quanto vãs as tentativas de aprofundar essa informação. Fazer o quê? O jornalismo brasileiro anda assim. É um curioso jornalismo sem a mínima curiosidade em relação ao que saia fora de suas pré-fabricadas narrativas e adjetivos de laboratório.

Aplausos ao ministro Alexandre de Moraes já me haviam surpreendido anteriormente na cerimônia de diplomação de Lula, em auditório lotado pela elite petista. Ao chegar à mesa para dirigir os trabalhos, o então presidente do TSE foi mais aplaudido do que Lula! A ruidosa saudação proporcionada por um público em pé, prolongou-se por 50 segundos. Experimente bater palmas durante 50 segundos. Os aplausos para Lula, um pouco depois, pararam aos 44.  A diferença é pequena, sei, mas eu a presumo inédita.

Por mais que eu busque motivos para os aplausos dos presos ao ministro relator de seus processos, eu não os encontro no mundo dos fatos conhecidos. Aplaudir é um ato de concordância ou de emoção positiva. Estariam os presos concordando com o modo como foram arrebanhados? Expressavam gratidão pelo tratamento dispensado a eles e a seus advogados? Manifestavam sua felicidade com as recusas aos habeas corpus, os empregos perdidos e a separação de suas famílias?

É desnecessário falar com os réus para saber que responderiam negativamente a qualquer dessas perguntas se fosse possível formulá-las de viva voz, olho no olho. Não posso deixar de lado, porém, o fato material conforme narrado em público pela ministra então presidente do STF: réus do dia 8 de janeiro aplaudiram o ministro relator de seus processos. Por fim, não me sinto confortável para especular sobre a natureza do fato ou fatos que impulsionaram as mãos àquela expressão ruidosa de concordância ou admiração por ... sabe-se lá o quê. No entanto, isso eu posso dizer: algo grave aconteceu ali para converter em aplausos o antagonismo que seria normal esperar. Como se obtém tamanha magia e sedução? Pois é...

Durante meses, enquanto reprovava a conduta criminosa e estúpida dos vândalos, eu me condoía com a imensa maioria dos presos em seu injustificável encarceramento e reprovava o tratamento de rebanho que lhes era imposto e que se reproduz nos julgamentos virtuais sob a ira das cortes. Talvez este seja mais um dos tantos mistérios, penumbras e ruidosas exceções que acortinam a história destes últimos anos.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

05/10/2023

 

Percival Puggina

 

         A que nível de fanatismo se chegou no Brasil quando pessoas supostamente preparadas em ambiente acadêmico para o exercício do magistério não percebem quanto a linha de trabalho que adotam serve à opressão de seus alunos! Agradeçam o desastre educacional do país a Paulo Freire e seus seguidores.

Há poucos dias transcrevi matéria do Oxford Group informando, com dados da revista Acontece, na Flórida, que no último ano, aumentou em 47% a contratação de profissionais brasileiros por empresas brasileiras nos EUA e que cresceu em 23% o número dessas organizações que começou a contratar naquele país. Por quê? “Porque na Flórida não há leis trabalhistas, aviso prévio, contribuição sindical obrigatória ou voluntária, férias remuneradas, 13º salário, etc. Mesmo assim, os funcionários preferem trabalhar nos EUA, competindo por empregos com base em sua dedicação e competência, o que é a base única da meritocracia.”

Essas pessoas não foram capturadas pelo melodrama sociológico deseducativo imposto nas salas de aula. De algum modo, foram resgatadas da opressão. Seus professores lhes abriram o caminho para o desenvolvimento intelectual proveitoso a elas e à sociedade.

Nos parágrafos acima está evidenciada a realidade expressa no título deste artigo. O livro “A pedagogia do oprimido” e a influência freireana na Educação brasileira serve ao oposto daquilo que pretende! Em vez de libertar os miseráveis de sua miséria, a “pedagogia essencialmente política”, como ele a propõe, talvez capture revolucionários para a militância que deseja, submete-os aos ditames ideológicos, aponta-lhes seus “predadores”, bloqueia-lhes o conhecimento, estreita-lhes as mentes, calcifica suas circunstâncias e realidades individuais e coletivas.

Em síntese, esse não tem como ser e não é, na prática, o caminho libertador que se pode honestamente desejar a jovens submetidos à situação de penúria material e intelectual. Ministrada mediante conceitos rasos, essa visão de pessoa humana, de sociedade, de Estado, de Política, de Economia, de História – essa ideologia, enfim – só vai aprofundar os desníveis entre “oprimidos” preservados como tal nas salas de aula e os demais estudantes. Estes, porque libertos para o desenvolvimento de seus talentos e potencialidades, vão atrás da liberdade tolhida pela crescente institucionalização das ideias comunistas, socialistas, coletivistas e totalitárias. Em outras palavras, os maus resultados do aparelho educacional brasileiro já se evidenciam nas instituições, tanto nas condutas individuais e coletivas, quanto no que entregam à sociedade como produto de suas prerrogativas. Por isso, sistemas tiranos e economias fracassadas se tornam objeto de culto para que, ao fim e ao cabo, se instale a opressão sobre tudo e sobre todos.

Então, repito: não é por falta de aviso.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

04/10/2023

 

 

Percival Puggina

        "É constitucional a instituição, por acordo ou convenção coletivos, de contribuições assistenciais a serem impostas a todos os empregados da categoria, ainda que não sindicalizados, desde que assegurado o direito de oposição."

        Com estas palavras do relator Gilmar Mendes, seguiu-se a votação dos demais ministros e, por 10 votos a 1, ficou instituída a cobrança da “contribuição assistencial” de todos os trabalhadores, independentemente de estarem eles sindicalizados. Ficou resolvido o problema do caixa dos sindicatos que haviam perdido grana e, de modo simétrico, poder político.

Pesquise no Google. Você verá que, na informação mais recente (2021), existiam no Brasil 16.431 organizações sindicais. Não encontrará registro de país com mais de 200. Tudo pelos bilhões de reais buscados junto suor do  trabalho alheio.

Como registrei em artigo recente, no ano de 2017, último ano da contribuição sindical compulsória, o conjunto formado por sindicatos, federações, confederações e centrais, patronais e laborais, arrecadaram R$ 3,6 bilhões, número que despencou para R$ 411 milhões em 2018, segundo o Poder 360°. Esse número continuou caindo e em 2022 chegou a “apenas” R$ 53,6 milhões (menos de 2% do arrecadado 4 anos antes).

A farra sindical retornou agora com outro nome, através do Supremo, sem necessidade de criar um confronto com a decisão legislativa de 2017. Só que até o mais sonolento dos parlamentares sabe o que aconteceu: mudou o nome e foi dispensada a obrigatoriedade da filiação do trabalhador ao respectivo sindicato. No entanto, obrigatória, agora, é a manifestação do trabalhador junto ao sindicato a que não é filiado para dizer que não deseja contribuir com as atividades de assistência que ele eventualmente exerça.

Engraçadinho, não é mesmo?

Felizmente está havendo, também quanto a isso, uma reação dentro do Congresso Nacional. Por quê? Porque assim como a decisão optou por tudo voltar, na prática, ao que era antes (sindicatos com bilhões de receita tomada dos trabalhadores), a própria decisão é o mesmo de sempre, com o mesmo nome. O STF segue julgando segundo o seu querer e desconsiderando o querer do Legislativo e da sociedade.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

02/10/2023

 

Percival Puggina

 

         Li atentamente o discurso de posse do ministro Luís Roberto Barroso. O novo presidente do STF fez questão de se apresentar como um moderado, em clara contradição com episódios recentes nos quais não foi esse o aspecto que aflorou de sua personalidade e pensamento. O primeiro episódio foi a famosa resposta que deu a um brasileiro que, na via pública, lhe fez por três vezes a pergunta que a nação se fazia naquele momento, bastante lógica e antecedida de um “por favor, ministro, com todo o respeito”; o segundo foi o conteúdo do discurso com que respondeu à vaia de um grupo de estudantes em evento da UNE, onde não deveria estar.

Visto sob o ponto de vista técnico, foi um bom discurso, o que proferiu na solenidade de posse. Sob o ponto de vista da cidadania, não diria o mesmo, porque muitas daquelas palavras  deveriam ser pronunciadas por alguém assumindo cargo no outro lado da praça. O ministro fez questão de sublinhar o que, no seu ver, todos queremos para o Brasil: combate à pobreza; (ii) desenvolvimento econômico e social sustentável; (iii) prioridade máxima para a educação básica; (iv) valorização da livre- iniciativa, bem como do trabalho formal; (v) investimento em ciência e tecnologia; (vi) saneamento básico; (vii) habitação popular; e (viii) liderança global em matéria ambiental.

Ele se sentiu à vontade para discorrer sobre os objetivos nacionais e se declarar avesso aos “antagonismos artificialmente criados para nos dividir”, aparentemente sem perceber que as pautas identitárias recheiam a agenda do STF. Eu me sinto pouco à vontade perante a interpenetração das instituições. Se é fato que todas devem contribuir para os mesmos fins, o modo como esses fins são atingidos nos diferentes tempos históricos devem ser de definição política. Em nosso país, sendo a Constituição minuciosa como é, as diferentes políticas públicas, em cada momento, só podem ser determinadas por quem tenha mandato político.

Em certo momento de sua fala, o ministro afirma: "No interesse da justiça, pretendo ouvir a todos, trabalhadores e empresários, comunidades indígenas e agricultores, produtores rurais e ambientalistas, gente da cidade e do interior. E, também, conservadores, liberais e progressistas." No que me diz respeito, já fica dito aqui: quero justiça sem vingança, paz sem mordaça, democracia sem adjetivos e não quero o STF mudando o próprio entendimento por motivos mais ideológicos do que constitucionais. Assim como quero que acontecimentos como os do dia 8 de janeiro jamais se repitam, quero que jamais se reproduzam julgamentos como os assistidos nos dias 13 e 14 de setembro. Ali faleceu minha fé na Justiça.

Penso já ter escrito antes sobre meu desalento em relação à Constituição de 1988. O cotidiano não cessa de renovar esse sentimento e me espanta ouvir, como tantas vezes é dito, que vivemos tempos de estabilidade... De quem, Santo Deus? Aqui, de meu pequeno ponto de vista, o que vejo é o contrário. Vejo um país em que toda decisão política precisa de uma PEC e onde a Constituição, volta e meia, é aplicada como um chef usa seu caderno de receita: dá uma olhada e faz como quer. Vejo instituições avessas à divergência, onde o povo vem sendo arrastado ao silêncio para que cheguemos à atual situação – uma democracia onde a sociedade não tem querer nem voz porque o Estado dela se protege.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras

Percival Puggina

29/09/2023

 

Percival Puggina

        Nossa história pessoal, começa antes de nós existirmos. Ela é a história de nossos pais e dos pais dos nossos pais, e assim regressivamente. Ela é a história do lugar onde nascemos e por isso, os nomes de nossos pais e desse lugar estão em nossos documentos para sempre.

“Existe um modo de fazer a história e um modo de contar a História” (Betinho). A meu ver, a melhor maneira de fugir das simples narrativas, tantas vezes desenvolvidas por filósofos e historiadores comunistas, é ir atrás das raízes mais remotas dos fatos, percorrendo suas linhas de continuidade e suas rupturas. Evita-se, assim, a interveniência dos seguidores de Karl Marx, filósofo que, nas próprias palavras, não veio “para interpretar o mundo, mas para transformá-lo”. O modo de contar a história se presta admiravelmente para isso.

“Somos tão poucos, e Portugal é tão pequenino!”. Esta frase tantas e tantas vezes proferida é um diagnóstico realista sobre o condado que D. Afonso Henriques, no ano de 1139, transformou em seu pequeno reino. O pai do Fundador, Henrique de Borgonha o recebera como presente de casamento do sogro, D. Afonso VI de Leão.

Impossível, para mim, imaginar que a história do Brasil comece a ser contada a partir do dia 22 de abril de 1500, ou do dia 9 de março daquele ano, quando a Praia do Restelo acumulava multidão formada pela numerosa tripulação das 13 naus, 1,5 mil homens, seus familiares, o Príncipe Perfeito (D. João II), sua Corte e parte expressiva da população de Lisboa, estimada, à época, em 50 mil habitantes.

O Brasil não foi um achado. Foi buscado. E quem o buscou, sabendo em que direção navegar, foi levado pelas mãos do Senhor da História.

Os experientes navegadores portugueses sob comando de Cabral eram peritos no uso dos GPS da época. A bússola, a balestilha e o astrolábio de Abrahão Zacuto. Tanto sabiam onde estavam e como chegar ao seu destino que, nos primeiros dias de maio, deixaram Porto Seguro, cruzaram o Oceano Atlântico e contornaram o Cabo da Boa Esperança.

O que nos veio de Portugal é muito mais do que a posse da terra, a civilização e o povoamento deste continente chamado Brasil. É algo que nos liga acima de qualquer outro fator de unidade. São os longos fios com que se foi tecendo e bordando a história da nossa fé e do nosso idioma. Eles nos conectam com lusófonos e cristãos mundo afora!

Com a chegada das legiões à Península Ibérica, veio o latim; com a conversão de Constantino, o cristianismo se tornou religião do Império. Um século e meio depois, os bárbaros cruzaram o Reno. Quando suevos e visigodos entraram na Península Ibérica, o idioma deles misturou-se com o latim vulgar, dando origem ao nosso idioma e ao espanhol. Com eles, também chegou o arianismo, superado pela obra evangelizadora de extraordinários bispos e santos medievais.

O Descobrimento do Brasil é ponto culminante de um projeto político viabilizado pela criação da Ordem de Cristo, a qual, entendendo a posição geográfica do país na Europa, sua reduzida população e seu pequeno e montanhoso território encontrou no mar o seu destino e abriu suas velas aos ventos e a História Universal em novos caminhos. As Grandes Navegações persistem até estes dias como a maior aventura da humanidade. Delas, o Brasil é imensa realização. 

Os seguidores daquele filósofo que veio transformar o mundo, o “messias” alemão, filho de dona Henriette, não pensam assim. Para eles, os portugueses fizeram tudo errado pois deveriam ter ficado em Portugal guerreando com os espanhóis, como faziam antes, em vez de andarem pelo mundo descobrindo mares e terras, levando a cruz da Ordem de Cristo nas velas e no peito. Para eles, todos, exceto eles mesmos, são invasores de um paraíso dissipado pelo maldito direito de propriedade.

Ideologicamente, é uma tese perfeita. Anti-histórica, mas quem se importa com isso se dá para armar uma bela confusão? Se viabiliza animosidades e conflitos sem os quais sua militância perde o gás? Se perturba os “fascistas” do agronegócio? Se reforça a atividade dos companheiros das ONGs que atuam na Amazônia brasileira? Se desestabiliza o famigerado direito à propriedade privada (dos outros)? Se vai criar gigantescas e incalculáveis contas fiscais por prazo infinito? Se vai restituir terras produtivas à inatividade dos nativos? Se reforça todos os itens da pauta identitária que precisa, como do ar que respiram seus militantes, da ideia de uma conta a receber? Se é isso que o companheiro Lula quer?

Saibam todos: não foi por falta de aviso.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.