• Percival Puggina
  • 11/07/2024
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O sono dos injustos

 

Percival Puggina

Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga

Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!

Andrada! arranca esse pendão dos ares!

Colombo! fecha a porta dos teus mares.

Castro Alves, Navio Negreiro

        As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?

Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!

No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!

Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.

Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.

Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.

  1. https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
  2. https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.


Menelau Santos -   15/07/2024 14:06:20

Belíssimo texto, Professor! O Sr. faz perguntas e afirmações que estão no coração de todos os brasileiros minimamente conscientes! Uma mosca estraga um barril de azeite. Precisamos urgentemente eliminar essas poucas moscas e recuperar nosso azeite. Gostei muito da frase, não era uma Suiça, mas era amável! Não precisamos de Suiças ou Suécias, mas precisamos do nosso Brasil de volta.

julio cesar da silva -   13/07/2024 22:19:33

eu também quero o meu país de volta, mas acho que nem meus netos vão ter essa chance ...

Frederico Hagel -   13/07/2024 00:25:09

Excelente análise e desabafo. Também quero meu Brasil de volta quando ali no Parcão cantávamos o hino nacional em sinal de revolta do que ocorria e hoje novamente ocorre.

Ademar Pazzini -   12/07/2024 19:18:27

È vero Prof Puggina, nosso nível de indignação está chegando a níveis perigosos. Não vislumbro a mínima chance de nosso Brasil dar certo com o atual sistema de poder, que fez a proeza de arrebanhar todos os velhacos do País para dentro da política e do Estado. Somente uma profunda reforma do Estado brasileiro, com nova constituição, para começarmos a acreditar que sim, os cidadãos de bem aqui radicados podem fazer disto um grande e próspero país, com justiça e liberdade para todos e, principalmente, onde a corrupção volte a ser crime.

BEATRIZ R.CHERUBINI ALVES -   12/07/2024 17:45:10

Também tenho saudades das nossas manifestções.Sempre era muito bom te ver falando com bravura ns caminhões de som. Nossa eduação está um caus. Um abraço

Decio Antonio Damin -   12/07/2024 13:45:36

EDUCAÇÃO, A NOSSA EXPERIÊNCIA. Décio A. Damin Será que, em tão pouco, tanto mudou? Será o amadurecimento) cerebral das crianças e jovens tão diferente do nosso que enfrentamos “primário”, “ginásio” e “científico” ou o “clássico” na segunda metade do século XX? Será que a escola hoje tem que ser, para os alunos, alguma coisa que lembre um parque de diversões, para só assim eles concordarem em continuar a freqüentá-la? Nestes últimos anos, com a “experiência” dos novos educadores e pesquisadores, o nível da educação só tem feito piorar. As razões, óbvio, são múltiplas, mas a perda de objetivos claros é fundamental junto com a desvalorização dos professores. Estudava-se Latim, Português, Francês, Inglês e Espanhol. Por acaso alguém acha que estas matérias não eram e não são importantes para uma abertura intelectual e cosmopolita dos nossos pensamentos? Tínhamos matérias como Higiene, Desenho Artístico e Geométrico, Música, Trabalhos Manuais que ajudavam a desenvolver a coordenação e o senso estético. Freqüentávamos as aulas com seriedade e objetivos, sabendo que este era o caminho para o desenvolvimento pessoal. Sabíamos, desde cedo, o que queríamos ser quando adultos e corríamos atrás de nossos sonhos! Nem todos conseguiam obter um diploma universitário, mas seguramente o número de analfabetos funcionais formados era menor. As “professoras”, maioria absoluta nas etapas iniciais, eram quase mães no trato com os alunos que as adoravam e respeitavam como protótipos do conhecimento e das virtudes que perseguiam. Lembro-me até hoje da Diretora do Grupo Escolar Carlos Gomes, Dna. Irene Fava que, em Garibaldi, tinha projeção social, era respeitada, acatada e ouvida. Na Escola Normal Oswaldo Cruz em Passo Fundo e no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, eu poderia citar, quase um por um, os professores de todas as matérias. Ele era o “Colégio Padrão do Estado” e nele estudaram inúmeros alunos que viriam a se destacar em todas as profissões. Eram escolas públicas, consideradas as melhores e freqüentadas por todas as classes sociais. O que está errado hoje é o exemplo dado em particular aos jovens: A ascensão social parece ser mais fácil por meios alternativos e imediatos do que aquela conquistada com suor nos bancos escolares. O aluno que hoje foge da aula para jogar bola merece um elogio em lugar de uma reprimenda. O sonho de muitos é um filho cantor, artista ou jogador de futebol! Alguns acham que com um computador para cada aluno isto vai mudar. Triste, porque utópica, expectativa! “Profissionalizar” os estudantes do ensino médio ou acrescentar matérias discutíveis ao currículo, comprimindo as essenciais, é injustificável, um erro muito grave!

Rosalia Alvim Saraiva -   12/07/2024 11:52:00

Parabens pelo texto. Tenho 78 anos, sempre fui uma otimista por natureza. Mas, perco o sono pelos meus filhos e netos que herdarão este Brasil destruído. Mais do que raiva pelo que estão fazendo a desesperança me acometeu. O que podemos fazer? Já fui para rua várias vezes, já gritei SOS FA, já usei a rede para reclamar, de nada adiantou. O sistema é muito forte, as coisas acontecem descaradamente, todos os dias, a mídia comprada está do lado deles. Ler textos como os teus e de outros jornalistas e escritores patriotas me dão alentos momentâneos. Mas, me sinto encurralada , sem saída, como todo o povo brasileiro. Fazer o quê? Pedir SOS pra quem? Acho que até Deus está cansado de nossos pedidos. Ajuda-te que Deus te ajudará. Como nos ajudar contra este sistema perverso, corrupto e maquiavélico? Quem vai abrir as águas para chegarmos na Terra antes prometida, aquela que se chamava Brasil da ordem e progresso?

Gerson Hallam -   12/07/2024 10:34:27

Professor Puggina. Como sempre um texto crítico e ao mesmo tempo perturbador. Sim as escolas viraram máquinas de ideologizar, e totalmente ineficientes para realizar seu objetivo, ensinar com qualidade. E concordo com a opinião do leitor Ethan, a Igreja é um atraso, então, nos resta o total contra ponto nos nossos lares, junto aos nossos filhos, netos, familiares. Mas para não perder a esperança, vejo o imponderável, e também o fim de uma era Lula que mais cedo ou mais tarde chegará, sem um líder de esquerda com esta caricatura, terão dificuldades em estabelecer outro, ao contrario da direita. Somado a isto tudo, o consórcio da mídia é uma desgraça, ainda mais maléfico e manipulador, não merecendo nossa consideração ou respeito. Graças que temos as redes sociais e as mídias alternativas que estão derrubando os meios de comunicação tradicionais. Paz e graça.

Eloy Severo -   12/07/2024 10:25:54

No Brasil atual, se fosse solteiro, não me casaria, não teria filhos. Só não saio do Brasil, pq chegando aos 88 anos, fica difícil. Estive a pouco, 8 dias em B. Aires, que vontade de voltar.

Ivani Lima -   12/07/2024 09:55:46

Estamos sempre juntos Sr. Puggina.

DAGOBERTO GODOY -   12/07/2024 09:55:00

Enquanto tivermos paladinos incansáveis da liberdade e da justiça como tu, Percival, poderemos manter acesa a esperança na reversão do quadro dantesco borrado pela esquerda petista sobre a história de nossa pátria.

Marilia Ferreira Dela Coleta -   12/07/2024 09:30:12

Texto maravilhoso, emocionante, perfeito na língua mater, como professora não posso deixar de admirar. Digno de um Castro Alves. Quanto ao conteúdo traduziu nossos anseios, indignações e tristezas. Estamos vivendo um pesadelo que tende a piorar.

FERNANDO A O PRIETO -   12/07/2024 04:55:05

Antes de mais nada, parabéns pelo ótimo texto (mais um!). É triste ver a degeneração moral e intelectual a que chegamos. Tudo começa nas ideias, inculcadas na escola e nos lares. É preciso combater, sem tréguas, absurdos como ideologia de gênero, fanatismo ambientalista, vitimismo, bandido filia e outras assim. E as leis que nossos "representantes (?)" fazem têm que refletir isto. Se não o fizerem, deixemos de votar naqueles que não agem certo! Não assistamos nunca mais `a certas redes de televisão, certos "shows" pornográficos e outras coisas assim. Não tenhamos vergonha de nos manifestarmos, educada, mas clara e explicitamente sobre tudo isto. Que Deus nos ajude a recuperar o mundo melhor, moralmente falando que já tivemos!

Ethan Edwards -   11/07/2024 18:03:04

O Brasil sempre foi um país antiliberal, por força, sobretudo, do seu catolicismo contra-reformista. (A Igreja Católica, cujas posições antiliberais estão expressas em pelo menos duas encíclicas, ainda hoje persiste em condenar o liberalismo puro, como se lê, por ex., na obra de Chantal Delsol, especialmente "O Estado Subsidiário".) Sempre esperamos do Estado a melhor solução, como se vê pelo prestígio de que ainda goza Getúlio Vargas. Até os inimigos do comunismo, como Castello e Geisel, combateram os movimentos totalitários aumentando o poder do Estado. Um Estado forte, sabemos, é útil em certas circunstâncias. Mas temos um problema quando esse Estado é capturado por movimentos totalitários como o marxismo-leninismo. Ele se transforma, então, numa máquina de guerra contra os críticos e adversários da nomenklatura niilista. Foi o que ocorreu conosco a partir da década de 1980, com danos gravíssimos à cultura nacional. Do governo Dilma para cá, presenciamos a decadência dessas forças, progressivamente abandonadas por seus melhores intelectuais e, em primeiro lugar, pelo povo. A intolerância, o ódio ao "bolsonarismo" (um janismo com fortes raízes no cristianismo reformado), tudo revela a incapacidade dessas forças de reconquistarem a hegemonia. Sobrou-lhes a guerra de movimentos, a força que esmaga. Mas eles não podem matar 60 milhões de brasileiros. Terão de ceder. O que sairá desse "acordo" não consigo imaginar, mas significará, inevitavelmente, o fim da hegemonia esquerdista/niilista no Estado e na cultura nacionais. Para nós, mais velhos, é difícil esperar. Mas os jovens verão um país melhor. Como aprenderam europeus, a demografia é implacável.