Percival Puggina

25/09/2023

 

Percival Puggina

         Outro dia, a empresa de energia fez uma poda nas árvores de minha rua para liberar os fios de sua rede de distribuição. Enquanto apreciava o trabalho desde o terraço na frente de minha casa, percebi que eles cuidadosamente contornavam determinado galho que, se fosse seccionado, facilitaria o acesso aos galhos circunvizinhos. Ao final, ficou visível o motivo: havia um pequeno ninho ali escondido entre as folhas e os operadores dos serrotes e motopodadores com cabo telescópico cuidaram de preservá-lo, com seus ovinhos, na execução do turbulento serviço. Assim que se faz.       

O que indiscutivelmente vale para um pequeno passarinho invisível, mas cuja presença é sabida dentro de um ovo, parece não valer para um ser humano no útero em que foi gerado. Ali, ele é coisificado e disponibilizado para abate. Não existe qualquer bem imaterial que seja de meu apreço e não seja combatido pela artilharia esquerdista mundo afora e no nosso mundinho brasileiro adentro. O respeitoso e zeloso apreço à vida humana é um deles. Por isso, o mesmo sistema de saúde que desejam acionar para execução de abortos em proporções industriais, deveria ser acionado para evitá-los e atender as mães grávidas em suas necessidades.

As vozes abortistas afirmam, com razão, que aborto é uma questão de saúde pública. É uma pena que voltem sua atenção ao ato abortivo enquanto silenciam sobre o modo irresponsável como a sexualidade humana é tratada em ambientes formadores de opinião e influentes sobre os costumes:  comunicação social, cultura e educação.

As consequências são terríveis na propagação de doenças sexualmente transmissíveis, na gravidez precoce, na perplexidade com que adolescentes e jovens olham para seu teste positivo de gravidez como se não soubessem que “aquilo” poderia realmente acontecer. Elas também são percebidas na instabilidade dos casamentos e das estruturas familiares. Elas gritam no silêncio sobre as responsabilidades inerentes à sexualidade humana enquanto a meninada recebe aulas sobre anatomia e fisiologia do ato sexual.

Mais cedo ou mais tarde, todos aprendem que a irresponsabilidade, assim como a imprudência, em qualquer de suas infinitas manifestações, tem seu preço. E pagam esse preço. É moralmente insustentável que ele seja pago por seres inocentes com o não solicitado sacrifício das próprias vidas.  

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

22/09/2023

 

Percival Puggina

 

         Alguém aí tem dúvidas sobre o resultado da votação sobre descriminalização do aborto, se o voto da ministra Rosa Weber for ao plenário do STF? É certo que não. Lá, os votos são contados antes de pronunciados. Lá, a agenda corrosiva do falso progressismo, traduzida e xerocada do inglês, está em pleno curso. Lá, as visões de pessoa humana, sociedade, estado, política, economia e, frequentemente, de justiça e de direito, são peculiares e comuns a um corpo político bem conhecido que está na origem da unção que os levou ao poder. O parlamento brasileiro, hoje, tem três casas legislativas: Câmara, Senado e STF.

Por vezes, os cavalheiros e damas que ali atuam dão sinais de terem à disposição um gentil e bajulador espelho mágico. Crendo-se deuses, não precisam olhar para os réus a quem condenam, como jamais verão os pequenos seres a quem se propõem negar o direito de viver.   

Você provavelmente não lembra quem é Amillia Taylor. No entanto, em 2007, jornais do mundo inteiro falaram desse bebê, nascido na 21ª semana de gestação, medindo pouco mais de um palmo, com o peso de uma barra de sabão. Exatos 24 centímetros e 284 gramas. O caso de Amillia permanece como severíssima reprimenda ao egoísmo e à insensibilidade dos abortistas.

Depois da foto da menina, reclinada sobre a mão do médico, com seus pezinhos de dois centímetros, deveria ter ficado proibido para todo o sempre tratar feto como coisa. E não haveria diferença se a foto fosse tirada semanas para trás ou para frente. A natureza permanece a mesma, assim como você, leitor, dentro de dois ou três meses, não terá deixado de ser o que é. Estará apenas dois ou três meses mais velho. Amillia, até nascer, obtinha da mãe os mesmos nutrientes que passou a receber do hospital. Os mesmos que fizeram dela a adolescente que completará 16 anos no próximo dia 24 de outubro. No útero, era tão dependente de cuidados para sobreviver quanto qualquer bebê após o parto. Mesmo assim, há quem encare com frieza polar, com coração de picolé, o ato covarde de arrancar Amillias aos pedaços dos ventres maternos. Por que não fazem isso com alguém do tamanho deles?

A que título o fazem? Não raro sob o indecente argumento de que a mulher é dona do próprio corpo, onde se haveria infiltrado, insidioso, um monstrengo qualquer, um bebê de Rosemary, ou um tumor a exigir radical extirpação. Noutras vezes, mediante alegações emocionais concebidas para justificar o injustificável. É claro que podem ocorrem fortíssimos motivos, para um aborto voluntário. Terríveis dramas pessoais! Mas motivos não são razões da razão. Motivos igualmente fortes também levam a outros crimes e podem ser acolhidos como atenuantes, jamais como legitimação. E, menos ainda, podem originar leis que os liberem ou os regulamentem. Acolher motivos como se razões fossem seria a falência da própria razão e do Direito Penal. Mas quem se importa, se o espelho mágico adulador concede a certas canetas o poder negacionista e terraplanista de revogar a ciência, expurgar o óbvio e recusar à pequena Amillia sua natureza humana.

É a pedra no meio do caminho para a grande chacina. O argumento que não conseguem contornar é a incongruência de legitimar a eliminação de vidas humanas inocentes e indefesas (olhem a agravante aí!) quando a mesma sociedade que o faz preserva, justificadamente, os santuários ecológicos e até os períodos de reprodução de muitas espécies animais e vegetais.

A vítima do aborto é um Pequeno Polegar(*) sem sorte. Tivesse bota de sete-léguas sairia em disparada do cativeiro mortal onde o ogro o vem buscar. E o faria com o mesmo desespero com que enfrenta a injeção que o mata e as pinças que o despedaçam.   

*         Personagem de um clássico de literatura infantil, dos Irmãos Grimm.   

**        Texto atualizado em 24 de setembro de 2023 

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

21/09/2023

 

Percival Puggina

 

      Tenho lembrado, com renovada admiração, dos imigrantes alemães e italianos que vieram para o Rio Grande do Sul. Os primeiros, a partir de 1824, se instalaram às margens do Rio dos Sinos, que Viana Moog viria a denominar de “rio que imita o Reno”. Os segundos, em 1875 ocuparam a Serra Gaúcha na região chamada “Campos dos Bugres”, hoje a pujante Caxias do Sul com quase meio milhão de habitantes. Uns e outros, graças à sua cultura de trabalho e seus valores, deram origem às mais prósperas regiões do meu estado. Qual seria nossa realidade hoje se, por ordem imperial, em algum momento, todos tivessem sido obrigados a entregar suas terras à inatividade dos nativos?

***

Decorreram 14 anos desde certo fim de jornada do dia 19 de março de 2009. O STF encerrara longa deliberação sobre a Petição 3388. Ali, como diria Marx, o que era sólido desmanchava no ar. O que por muito tempo fora deixava de ser. As terras da Reserva Raposa Serra do Sol se tornavam contínuas. E ponto final.

Bem longe dos olhos e do coração, no norte do país, cidadãos brasileiros recebiam, viva voz e viva imagem, a notícia de sua expulsão imediata, emitida entre bocejos pelos senhores da Corte. Ao lixo os títulos de propriedade legítimos e os longos anos de árduo trabalho familiar naquele chão. Ao lixo suas lavouras plantadas e seus rebanhos no pasto. Ao lixo a brilhante aula de Historiologia e de Direito ministrada no voto do ministro Marco Aurélio a seus desatentos discípulos. Ponham-se na rua, todos, com suas famílias, moradias, máquinas e bens! A Corte decidira e, visivelmente, estava cansada.

Trabalho árduo, o da Corte! Moleza é plantar arroz no trópico e discutir historiologia e sociologia com militantes saturados de ideologia ou com padres que não evangelizam índios e que desevangelizam não-índios. Com essas duas categorias – índios e não-índios – se travara, ali, a luta de classes tropical!

Quando as luzes estavam por apagar, ocorreu a alguém indagar sobre a execução da ordem. Qual o prazo? Quando deveria ocorrer o êxodo dos não-índios? Enquanto advogados se comprimiam em torno da tribuna, a resposta veio consensual: a Corte não dava prazos; emitia ordens para execução imediata. Essas questões da arraia miúda causam fadiga às Cortes. Vamos para casa, pessoal! E os capinhas recuaram cadeiras para saída dos ministros.

Ao longo daquelas horas, eu senti o Brasil deixando de ser uma só nação e um só povo para se tornar um amontoado cujas questões essenciais estavam entregues a viventes de uma realidade paralela, com um conjunto de narrativas pré-fabricadas, tamanho único. O Brasil, como tal, não se alinhava entre suas preocupações. A decisão foi um desastre para os índios, que, hoje, passam fome sobre uma área que supera a de vários estados da Região Nordeste, e para os não-índios que perderam seu chão.

***

Agora, manhã de 21 de setembro de 2023, leio que o “STF está formando maioria”, já em 5 x 2, para derrubar o marco temporal referido à data da promulgação da Constituição, antevendo-se a goleada pela qual a esquerda anseia. É inimaginável a sequência de litígios determinada por uma simples mudança, não na Constituição, mas na sua interpretação segundo o bem querer ideológico dos senhores ministros. Diz a Carta de 1988:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.

Parece tão claro, não é mesmo? As expressões “são reconhecidos” e “tradicionalmente ocupam” não admitem leitura fora do tempo presente. É forçar a barra entender desse artigo algo como “Serão reconhecidos” e “tradicionalmente ocupavam”. A simples noção da amplitude que isso adquirirá espanta toda sua admissibilidade.

A atual composição do STF tem procedência conhecida e vem atuando conforme dela se poderia esperar. Não é o Supremo nem as ONGs amazônicas que surpreendem, mas os senadores que com tudo concordam e o silêncio do jornalismo militante.

Se toda essa sabedoria jurídica tivesse aflorado há um século, o que seria o Brasil? Uma revolução transcorre diante de nossos olhos e quem não gostar coma brioche.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

20/09/2023

 

Percival Puggina

         Estava imaginando o que passou pela cabeça de um cidadão cubano quando tomou conhecimento da lista de convênios que Lula e sua comitiva assinaram com o governo de seu país na recente visita a Havana, espécie de Jerusalém do comunismo decrépito.

Há alguns anos, época em que muito debati com representantes dos partidos de esquerda, em especial membros de um muito ativo movimento de solidariedade a Cuba, ouvi deles que no Brasil existem miseráveis ainda mais miseráveis do que em Cuba. Eu os contestava dizendo que ninguém desconhecia a pobreza existente aqui, mas era preciso observar uma diferença essencial entre a situação nos dois países. Aqui, os pobres convivem com carências alimentares por falta de meios para adquirir alimentos; em Cuba, mesmo que o povo dispusesse dos meios, não teria o que adquirir porque a economia comunista, como se sabe, é improdutiva.

Esse é um dos motivos, dentre muitos outros, para que ninguém caia na balela de que o comunismo é bom para “acabar com a pobreza”. O que aconteceu com o setor açucareiro dá excelente exemplo. No final dos anos 1960, a URSS se dispôs a comprar 13 milhões de toneladas anuais de açúcar cubano, a partir da safra 1969/1970. O país produzia entre três e quatro milhões de toneladas, com tendência decrescente. Muitas atividades da ilha foram suspensas e comunistas do mundo todo foram trabalhar naqueles canaviais. Conseguiram sete milhões de toneladas.

Trinta anos mais tarde, quando fui a Cuba pela segunda vez, a safra 2002/2003 fora tão escassa que Cuba importava açúcar! Depois, a produção andou pela casa dos dois milhões de toneladas e no ano passado bateu em meio milhão. A história do açúcar é a história da balança comercial e do consequente déficit cambial cubano. Daí o pagamento não em dólares, mas em charutos ou “outras moedas” ... Daí também o motivo pelo qual, se você excluir estrangeiros residentes, turistas, membros da elite partidária e militar, a carência é generalizada.

Imagine então um cidadão cubano sendo informado pelos órgãos de divulgação do estado de que seu país firmara acordo com o Brasil sobre trocas de tecnologia e de cooperação técnica em agricultura, pecuária, agroindústria, soberania e segurança alimentar e nutricional, mudas, bioinsumos e fertilizantes, agricultura de conservação, agricultura urbana e periurbana; produtos alimentares prioritários para consumo humano e animal, reprodução de espécies agroalimentares prioritárias; uso eficiente da água, cadastro e gestão da terra e abastecimento agroalimentar. E mais biotecnologia, bioeconomia, biorrefinarias, biofabricação, energias renováveis, ciências agrárias, clima, sustentabilidade, redes de ensino e pesquisa (*).

Não sei se está previsto, mas se em tudo isso e em outros convênios também firmados, não ligados à produção de alimentos, o Brasil enviar cheque, pode escrever aí: vem charuto.

*       Condensado de matéria da Agência Brasil – EBC, íntegra em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-09/brasil-assina-acordos-de-cooperacao-em-varios-setores-com-cuba .

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

Percival Puggina

18/09/2023

 

Percival Puggina

 

        O que Havana simboliza para Lula é muito semelhante ao que a Terra Santa representa para os cristãos. Tais destinos são peregrinações, coisas de devoção. Nos séculos XI e XII, os cristãos promoveram sucessivas cruzadas para libertar Jerusalém do domínio sarraceno. O solitário apoio ao regime cubano significa algo semelhante: proteção do sagrado comunismo frente a permanente ameaça capitalista. A conta é paga pelos trabalhadores e pagadores de impostos brasileiros.

Como temos um presidente itinerante, que não esquenta lugar, verdadeiro papa-léguas em lua de mel, lá foi Lula a Havana encontrar-se com seu passado quando, em 2009, pelas barbas do profeta Fidel, decidiu regalar-lhe um porto zero quilômetro, da grife Odebrecht.

A fé política é um desastre quando substitui a fé em Deus. Nessa condição missionária, Lula (e os governos de esquerda) sempre ofereceram e continuarão oferecendo incondicional proteção diplomática a seus irmãos de fé política. O Brasil esquerdista, por exemplo, desaprova quaisquer manifestações de colegiados internacionais em relação às violações de direitos humanos sempre em curso naquele legendário país. O Brasil esquerdista faz negócios que desagradam os brasileiros, mas são festejados entre os beneficiados como uma alvorada sobre as ruinas do apocalipse.

Só os fiéis dessa igrejinha política não sabiam que o empréstimo para construção do Porto de Mariel seria pendurado num prego. O país não tem dólares para pagar. Sua balança comercial é permanentemente deficitária. Para cada três ou quatro dólares que importa, exporta um dólar. Na excelente instalação paga pelo Brasil, a maior obra de infraestrutura em Cuba, quase não há o que exportar. Metade da área está vazia.

Enquanto Cuba for um país comunista, inimigo dos Estados Unidos, será visto pelos norte-americanos exatamente conforme seus dirigentes políticos afirmam de si mesmos ao longo de 63 anos, em todas as suas manifestações. É conversa fiada afirmar que Cuba voltaria a ser a Pérola do Caribe, como efetivamente era no começo do século passado, se acabasse o bloqueio. Que bloqueio é esse que não impediu o Brasil de levar um porto inteiro para lá? Bloqueio que não impede Cuba de importar da China, Espanha, Rússia, Brasil, México, Itália e Estados Unidos (sim, os próprios EUA são o 7º país que mais exporta para lá). O problema é que, com medo de calote, alguns só vendem mediante pagamento à vista e nenhum investidor sensato vai colocar dinheiro naquele formato de Estado.

O governo Lula assinou um contrato que previa, na falta de meios, ser ressarcido em charutos. Ou seja, Lula II sabia o que estava fazendo em 2009, mas delirou com a ideia de criar, na Cuba comunista, um porto fervilhante de oportunidades e negócios que, impenitentes, só aparecem em regimes econômicos capitalistas.

O estado cubano e seu regime são uma lição ao mundo. As elites comunistas preferem seu povo enfrentando desnecessárias privações a reconhecer os próprios erros. Passadas seis décadas, esse discurso que inculpa os EUA não tem um fiapo que o mantenha no ar. Em 2019, o parlamento da Ilha aprovou uma nova Constituição (produto da experiência de 60 anos!) cujo artigo 5º acaba com o futuro da Castro&Castro Cia Ltda, cujo CEO, hoje é o senhor Díaz-Canel.

O Partido Comunista de Cuba, único, martiano, fidelista e marxista-leninista, a vanguarda organizada da nação cubana, sustentada em seu caráter democrático e em sua permanente ligação com o povo, é a força motriz dirigente superior da sociedade e do Estado.

Sabe quando um país assim pagará ao Brasil os US$ 261 milhões que deve? Vai um charuto aí, leitor?

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

17/09/2023

 

Percival Puggina

            Tomou-me tempo, escrever este artigo. Quando o dei por pronto, encarei, olho no olho, cada adjetivo. Passei a peneira nos superlativos e diminutivos. Não satisfeito, me debrucei sobre os advérbios (às vezes, eles encerram verdades que ferem vaidades). Por fim, chequei os fatos e as interpretações dos fatos, etapa após a qual fiquei tentado a voltar atrás e repor os adjetivos suprimidos... Resisti. Ei-lo aqui, pronto para os leitores, a quem digo concordar em quase tudo com os advogados e em quase nada com os ministros que aprovaram aquelas desmesuradas penas.

Faço tal afirmação apesar de não ter formação jurídica, por ser perfeitamente capaz, assistindo cena de vida real ao longo de dois dias, por horas a fio, como fiz durante o julgamento, de identificar objetivos, estratégias e sentimentos que os protagonistas expressaram. Assim também, sei que o parágrafo inicial deste artigo, logo aí acima, fala de autocensura. Ela é consequência da censura e das interdições, bem como de excessos que não estiveram ausentes do “espetáculo judiciário” dos dias 13 e 14.

***

Após a IIª Grande Guerra, o Tribunal de Nuremberg iniciou seus julgamentos em novembro de 1945 e os encerrou em outubro de 1946, apreciando 185 casos, tendo absolvido os réus em 35 deles. Na URSS, em especial nos anos de 1936 a 1938, foram promovidos inúmeros julgamentos públicos da elite política. Os réus também eram classificados em pacotes: o dos “mentores” (a elite original do comunismo soviético), dos “infiltrados” na burocracia do regime e dos “propagadores” de ideias antirrevolucionárias no meio da população. Stalin espetacularizava esses julgamentos como forma de impor a ética revolucionária à sociedade soviética. O STF, por sua vez, tem mil e tantos processos para julgar, tendo condenado até agora os três primeiros réus.

É bastante evidente que estes julgamentos iniciais cumprem uma finalidade semelhante à dos grandes julgamentos da história política. São eles: 1º) consolidar uma compreensão política da atualidade nacional segundo a perspectiva majoritária da corte; 2º) exibir seus argumentos e difundir os adjetivos que a Corte aplica à conduta dos réus; 3º) explicar que os presos estão sendo julgados ali por conexão, nos mesmos inquéritos, com réus que têm foro privilegiado; 4º) explicar a visão da folgada maioria da Corte sobre o que ela chama de “amplo cenário” e “crimes multitudinários”, redundando no arrolamento dos réus nos mesmos crimes, independentemente do que cada um estivesse a fazer no local dos fatos.

No entanto, o tal “cenário completo” reiteradamente mencionado, mas muito especialmente enfatizado pelos ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, é uma – apenas uma e convenientemente escolhida – das visões políticas que se pode ter dos acontecimentos. Existem outros cenários, todos mais amplos, nos quais o próprio Tribunal é parte ativa. Aliás, ativista, tendo contribuído para a formação de um ambiente psicossocial muito negativo, muito tóxico, no país. Estou falando de bem mais de uma centena de decisões contra o governo anterior envolvendo, inclusive, teses sem acolhida no parlamento e deferidas pelo STF a pedido de legendas sem representatividade alguma. Nada demarca tais intervenções melhor do que o veto à nomeação de pessoa indicada por Bolsonaro para a Direção-Geral da PF. Somem-se, ainda, as ações junto às redes sociais e seus usuários, as manifestações políticas dos ministros e o tom em que muitas foram proferidas, as invasões de competência, os inquéritos sem fim e por aí vai, como exemplo de cenário mais amplo.

***

Assim como percebo tudo isso, também percebi, desde sempre, a impropriedade e a inexequibilidade da intervenção militar, bem como a estupidez do ato convocatório para concentração em Brasília. Indignou-me instantaneamente a destruição que se seguiu. Como pode alguém ser assim tão burro, fazendo imenso mal a si mesmo e grande bem a seu adversário em poucas horas? Num outro viés, intrigam-me ainda hoje o abandono da praça pelas forças do Estado, as imagens que vejo, as imagens que vazam, as imagens que somem e a conduta dos parlamentares da base do governo na CPMI.

Não é difícil compreender que alguns advogados tenham transposto certos limites que desconheço porque pouco sei do linguajar forense, mas há a esse respeito considerações indispensáveis: 1ª) nenhuma agência de publicidade convidaria o ministro relator para lançar uma campanha contra discurso de “ódio”; 2ª) os advogados já sabiam o que iria advir para seus clientes porque as questões levantadas pelo Dr. Sebastião foram negadas quase unanimemente pelo plenário; 3ª) os réus eram culpados em amplo espectro por tudo que coubesse no tal “cenário” escolhido, mesmo que tivessem ficado sentados num banco; 4ª) o trem dos prisioneiros já partira rumo a seu destino; 5ª) não é difícil entender que os dois últimos defensores expressassem a emoção que tantos estavam a sentir naquele momento; 6ª) a emoção não era suprimível do espetáculo; 7ª) de algum lugar precisavam emergir sentimentos humanos; 8ª) era a homenagem às vítimas de um excesso monumental, cujas penas a si aplicadas não eram absorvidas no crime maior e superavam a máxima prevista no Código Penal para crime de estupro; 9ª) é impiedoso reprovar a emoção alheia, especialmente a emoção de uma alma feminina.

Os momentos de irresignação, comoção e lágrimas foram os traços visíveis de humanidade no espetáculo judiciário dos dias 13 e 14.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

 

 

 

 

 

 

 

Percival Puggina

14/09/2023

 

Percival Puggina

        

         Outro dia, dei-me conta de que um novo mal havia acometido o país e que eu apresentava, por vezes, sintomas desse mal. Refiro-me à “lacração” como peça do debate político.

A lacração não é uma síntese, um concentrado de sabedoria. Ela é um diminutivo da Razão, que ganha R maiúsculo, estatura necessária e cumpre papel importante na formação de ideias quando, no conteúdo e na forma, se expressa apta e consistente para o natural contraditório.

Por conta desse vício, as ideias ganham o tamanho da frase com que se apresentam. Forma-se o hábito da brevidade. Do textão para o textinho e do textinho para a frase lacradora que em segundos de leitura arranca um sorriso ou uma gargalhada. Nesses poucos segundos, de algum modo, o debate político se atrofia.

A lacração é parente muito próxima da maledicência, que é outro vírus que infesta o ambiente nacional, tendo seus principais hospedeiros na comunicação social e no mundo político. Desqualificar o adversário tornou-se o dever número 1 de quaisquer antagonismos como forma de vencer sem ter razão.

Esse é um terreno perigoso, moralmente desastroso se a epidemia se alastra e toma conta do ambiente acadêmico e cultural, porque a pessoa humana é um ser em construção. Ela deveria buscar, pelo exercício da liberdade, a perfeição de sua natureza. Quando negligenciado esse dever, com o abandono da leitura de bons autores, porque uma tuitada é a coroa da verdade que se quer apresentar, há uma perda individual com consequências sociais.

Deus nos fez dotados de inteligência que nos permite conhecer o bem, de liberdade que nos possibilita escolher o bem, e de vontade para resistir a tudo que nos pode afastar do bem. Sim, caros leitores, a palavra vontade tanto designa aquilo que queremos quanto significa a força para renunciar ao que queremos para fazer aquilo que devemos. Comumente chamamos a isso de força de vontade. Muito embora a primeira regra moral afirme que devemos evitar o mal e buscar o bem, quem evita o mal está cumprindo a metade mais neutra e mais comum da regra. Difícil é fazer o bem; e mais difícil, ainda, é fazer todo o bem que se possa. Na vida pública, isso é especialmente significativo. Ali, não fazer o mal – tarefa dos medíocres, segundo José Ingenieros – já é difícil. Fazer o bem é a missão de estadistas, dos quais estamos tão carentes! Os que temos, por poucos que são, não atendem a demanda nacional.

Por isso, me desgosta vê-los, tantas vezes, perdidos em lacrações que valem tanto quanto duram. A vitória dos conservadores e dos liberais só terá a extensão necessária se as respectivas ideias e as correspondentes ações alcançarem com clareza os corações e as mentes que andam por aí, vazias por falta de quem lhes proporcione bons conteúdos.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

Percival Puggina

13/09/2023

 

Percival Puggina

 

Essa imensa e onerosa máquina ministerial vai gastar o ano retrocedendo em avanços realizados no quadriênio anterior? Aos nove meses, no final de setembro, virá à luz algo parecido com um plano de governo que não seja a sua própria conveniência?

Governar é tarefa complexa, que vai além da distribuição de dinheiro em alguns pacotes, associada à busca de novas formas de sangrar o pagador de impostos. Governar não é, tampouco, viajar pelo mundo em faustosas jornadas turísticas que só têm servido para tostar ainda mais a reputação, arrastando junto a imagem de um país novamente transformado em destino de criminosos e párias internacionais. Zero surpresa.

Se o governo ainda não apresentou seu lado positivo, embora já tenha dado muitas voltas em torno de si mesmo, a estratégia está bem conhecida. A Constituição de 1988, prolixa e minuciosa, agravou vícios institucionais que se arrastam desde a proclamação da República. Insano, mas real: hoje, governar exige, sempre, emendar a Constituição, tarefa para a qual se requerem 3/5 dos votos das duas casas legislativas. Boa parte desses totais precisam ser adquiridos a preços nada módicos que sobem em alta temporada. O governo pode, é claro, obter algum desconto se tiver “milhas” acumuladas com o partido ou com o parlamentar, mediante indicações para cargos, convites para viagens ou prestação de serviços diversos.   

Nem sempre esses bônus de desempenho são suficientes, mormente se a matéria de iniciativa do governo atacar princípios e valores de apreço da sociedade. Vem então o plano B: o governo apela, direta ou indiretamente, à sua sólida e infatigável bancada no Supremo Tribunal Federal. Ela é pequena, mas unida e manda pacas.

Para substituir-se ao parlamento, o STF precisa, por sua vez, contar com a tolerância das duas casas do Congresso Nacional, que dão sinais de se sentirem sumamente honradas quando o trator judiciário lhes passa por cima. Dado que há bom tempo o sinal congelou no verde, o Supremo vai adiante atropelando a vontade da ampla maioria da população, estabelecendo normas e criando penas segundo as pautas esquerdistas: drogas, imposto sindical, ideologia de gênero, terras indígenas, e por aí segue (aborto já está liberado para ir a plenário!).  

Tais deliberações representam a vontade da ampla maioria dos cidadãos? Concedemos mandato para isso a alguma autoridade togada? Descrevo, pois, a violação da cidadania.

O resultado dessa duplicidade legislativa é o colapso da democracia na forma do preceito constitucional que determina o exercício da soberania popular mediante a representação parlamentar. Se as casas do Congresso abdicaram de suas funções, parcial ou totalmente, que entreguem as cadeiras e fechem cuidadosamente as portas.   

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

12/09/2023

 

Percival Puggina

        O jornalista Alexandre Garcia é um clássico do jornalismo brasileiro. Não é uma voz sensacionalista nem faz a notícia maior do que o fato. Milhões de brasileiros o distinguem com a percepção de ser um dos raros, raríssimos, pedagogos nacionais sobre a história estudada e a história vivida. Nesse e em muitos outros sentidos, é um sinal de contradição em relação aos males que acometeram nosso periodismo com a enxurrada de militantes despejados nas redações por nossos aparelhos universitários.

Gaúcho como eu, Alexandre Garcia recebeu informações locais sobre a catástrofe ocorrida no Rio Grande do Sul na semana passada. Tem familiares em Taquari, cidade que periodicamente visita, situada à margem do rio de mesmo nome e principal cenário do sinuoso e arrasador percurso daquela onda de cheia. Nunca antes ocorrera algo semelhante.

Sei disso por experiência própria. No início da minha vida profissional como arquiteto, nos anos 70, trabalhei no projeto de um entroncamento multimodal localizado na cidade de Estrela. O local foi escolhido por ser o mais elevado da margem do Taquari, junto à rodovia e à ferrovia. Mesmo assim, estava praticamente no nível da cheia máxima da região, ocorrida no ano de 1941 e nunca mais reproduzida ao longo do meio século que se seguiu à implantação do projeto.

Era natural, portanto, que as comunidades buscassem explicações para o fenômeno da semana passada e que os olhos se voltassem para as três barragens. Elas eram os fatos novos na hidrologia da região. Prefeitos das cidades devastadas mencionaram a possibilidade. A suspeita circulou intensamente nas redes sociais. Alexandre Garcia referiu o fato num comentário durante o programa Sem Filtro.

Leio hoje em O Globo, naquele estilo sibilino que conduz o leitor para fora do fato que noticia, matéria com o seguinte título: “Lula repete Bolsonaro e usa AGU e Ministério da Justiça contra jornalista”. Ou seja, Lula fez algo que não se faz, mas repetiu Bolsonaro porque este também teria feito coisa semelhante. A matéria tem 1134 palavras; 395 se referem à ação do governo Lula contra o jornalista e 739 se referem ao governo anterior...

A própria matéria transcreve entre aspas o que Alexandre Garcia disse, dando causa ao corre-corre do lulismo ensandecido:  "no governo petista foram construídas, ao contrário do que recomendavam as medições ambientais, três represas pequenas, que aparentemente abriram as comportas ao mesmo tempo. Isso causou uma enxurrada". Ou seja, uma reprodução do que era voz corrente no Rio Grande do Sul, acrescido do cuidadoso advérbio de modo: “aparentemente”. Era o que parecia, que dava para pensar diante de algo tão inusitado.

Constranger e impor silêncio à divergência já não é mais novidade no Brasil. Novidade continua sendo a resistência de uns poucos aos meios pelos quais se constrange e restringe a liberdade de expressão no Brasil.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.