Percival Puggina

12/06/2023

 

Percival Puggina     

         A cada dia, mais me convenço de que os caciques do STF estão longe, muito longe, de se constituírem no eixo do poder no país. Essa última viagem deu-me tempo e condições de ver o Brasil sob um outro ponto de vista.

O verdadeiro poder nacional foi montado, está instalado, vem operando e pode, eventualmente, sofrer algum percalço porque a história também se faz pela livre vontade do ser humano. Felizmente, graças a isso, o inesperado existe (como, por exemplo, Bolsonaro eleito em 2018).  Contudo, há um poder real no Brasil e, ao contrário do que pensam os iluministros, é a esse poder que eles servem.

Imagine o leitor que por um passe de mágica, o STF tivesse uma composição com nove ministros conservadores e/ou liberais e dois esquerdistas. Na sua opinião, a CPI da Lava Toga continuaria travada, a do abuso de autoridade estaria ainda somando apoios para tentar chegar a 257 assinaturas e os processos de impeachment de ministros não estariam em curso?

Pode ser difícil avaliar uma situação pelo lado oposto àquele com que nos habituamos a vê-la. No entanto, a arrogância, o autoritarismo, o uso abusivo dos meios constitucionais, só se viabilizam porque autorizados pelo poder real, que no Brasil se define nos grandes latifúndios da Cultura, da Educação, em especial do ensino das Ciências Humanas e das carreiras jurídicas. Ao trabalho nesta lavoura se junta a turma do Manifesto da USP (burocracia do Estado), os financistas da Faria Lima, a grande mídia e as big techs e, desde o exterior, os grupos do globalismo e da Nova Ordem Mundial.

Pronto. Esses são os que mandam. Não estamos sob uma ditadura do Judiciário, como eu mesmo afirmei tantas vezes, mas sob uma ditadura de esquerda, globalista, à qual o STF presta bons serviços e enquanto prestar bons serviços. Por isso – e só por isso – convivemos com decisões que deixam de lado o bom Direito e a boa Justiça para produzirem o efeito político desejado por quem hegemoniza a política brasileira. 

Essas forças não estão nem precisam estar sentadas no plenário do Supremo Tribunal Federal. Elas jamais aceitaram o que aconteceu em Curitiba, precisaram impedir Bolsonaro de governar, tiveram que trazer Lula para o pleito e o proteger ao longo da corrida presidencial, precisavam que Daniel Silveira servisse de exemplo e que as tias do zap saíssem das ruas, bastou-lhes um minuto para mostrar, em Deltan Dallagnol, o que acontece com quem se mete em seu caminho. Quando Ricardo Lewandowski deu um pontapé na Lei das Estatais e liberou a nomeação da companheirada, ele estava fazendo “justiça” ou atendendo a uma conveniência política do PT?  Por isso, Cristiano Zanin, advogado de Lula, será ministro do STF. Quem serve a quem?

Não há solução possível para quem desconhece a natureza do problema. E o problema, no Brasil, não é jurídico, nem judiciário. Se a política cobra politicamente o judiciário, então nosso problema é político, das salas de aula ao STF, e nessa atividade precisamos mais gente fazendo que assistindo.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

Percival Puggina

11/06/2023

 

Percival Puggina

 

         De início, vi a Constituição de 1988 com os olhos da suspeita, posteriormente, com repulsa e, mais recentemente, a tenho chamado em tom jocoso “queridinha do vovô”.  Esta última atitude, porém, é motivada pela observação do pouco caso que dela fazem as atuais composições dos tribunais superiores. Estaríamos melhor se ela fosse menos manipulada por casuísmos e consequencialismos não autorizados por quem tenha voto para os conceder.

Por outro lado, hoje, governar é emendar a Constituição. União e Estados estão sempre às voltas com a contagem de votos nas bases parlamentares de apoio de seus governos para emendar constituições. É uma demanda da vida real, que agrava a dificuldade de comporem, os governos, suas bases de apoio. O que normalmente seria obtido com metade mais um, se eleva para os três quintos sem os quais a Constituição é “imexível”, como o ex-ministro Magri disse ser o Plano Collor de 1990. Nossos constituintes de 1988 tinham certeza de haver realizado a obra prima do moderno constitucionalismo...

Nos longos anos de petismo, o Brasil pobre se tornou ainda mais metido a besta. Quis a Copa, as obras da Copa, e foi fazendo muito mais estádios do que necessário. Enterrou bilhões (do dinheiro de todos) no Rio de Janeiro dos Jogos Olímpicos. E jogou muitos outros bilhões de dinheiro bom em empresas trambiqueiras e governos ainda mais trambiqueiros para alimentar a corrupção no Brasil e no bas fond internacional. Agora, retomamos a gastança do dinheiro que não temos, como se a necessidade criasse dinheiro.

Pode ser rico um país com 214 milhões de habitantes que gera um PIB de apenas dois trilhões de dólares? Rico com um PIB per capita que não chega a 10 mil dólares e nos coloca na lista do FMI entre Tunísia e Azerbaijão? Rico com um PIB 10% inferior ao do Canadá, que tem uma população seis vezes menor?  Pode ser rico um país cuja economia produz tanto quanto a cidade de Tóquio? Pode ser rico um país cujo déficit fiscal cresce na batida do relógio?

Claro que não é só a Constituição a travar o desenvolvimento econômico do Brasil. Há um amplo conjunto de fatores que se foram habilmente articulando para produzir o mesmo efeito. Instituições irracionalmente concebidas geram crises, insegurança jurídica e instabilidade política. A atração dos ditos “progressistas” por tudo que possa ser ideologicamente aparelhado e atrasado dá causa a graves danos educacionais, culturais, científicos e tecnológicos.

É pouco provável que o Estado brasileiro deixe de ser metido a besta. O atraso cultural, afinal, dá força ao populismo que vive em união estável com o corporativismo. E ambos lambem a mão do Estado.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/06/2023

 

Percival Puggina

        No último dia 6, a Mesa da Câmara dos Deputados cumpriu o que declarou ser mera formalidade exigida pela Constituição e proclamou a perda de mandato do deputado federal Deltan Dallagnol.

Pelotões de fuzilamento

O sinistro episódio foi um repeteco da decisão, também unânime, em que o colegiado do TSE em sessão de um minuto acolheu a narrativa profética do ministro Benedito Gonçalves e cassou o mandato do deputado ex-procurador da operação Lava Jato.

Lula não medira palavras, buscando nos baixios onde prolifera o calão de seu linguajar, para expressar suas intenções vingativas em relação a Deltan Dallagnol e ao senador Sérgio Moro. Daí, um minuto para o TSE cassar e um minuto para a Câmara declarar a perda de mandato. 

Um minuto é o tempo de atuação para pelotões de fuzilamento. É o tempo para alinhar, preparar, engatilhar as armas, apontar, ser emitida e cumprida a ordem de fazer fogo. A vítima sacoleja e tomba. O pelotão cumpriu seu dever e se retira em silêncio.

O grande equívoco

Há um grande equívoco, conduzindo a conclusões erradas, em crer que estamos vivendo dias nos quais a justiça comanda a política. É a Política que vem orientando atos da Justiça! Ela o faz desde as salas de aula dos cursos de Direito até as indicações presidenciais para os tribunais superiores, passando por toda a grande árvore das carreiras jurídicas. Dói na alma dizer, mas é preciso andar de viseiras para não ver.

E eu sei que meus leitores veem. Só o que acabo de afirmar explica o que está acontecendo no Brasil. Só assim se entendem os acontecimentos da campanha eleitoral, o tratamento dado às petições do candidato governista de 2022, a guerra pelas urnas sem impressora, a cassação do deputado Daniel Silveira, o silêncio imposto à divergência, a censura, etc. Esses eventos atenderam ao que é de Direito? Ao que é de Justiça? Ou a uma determinada Política?

A Mesa da Câmara deveria agir como pelotão de fuzilamento? Só podia cumprir ordens e retirar-se ao alojamento? Em interessante artigo sobre aquele ato, a Dra. Kátia Magalhães escreve, no site do Instituto Liberal:

(...) se todo o conteúdo decisório reservado ao parlamento, em situações como a de Dallagnol, se resumisse à aposição de um “selo de certificação” ao julgamento das togas, que sentido faria a menção ao direito de defesa em trâmite onde sequer houvesse processo? Aliás, se assim fosse, por que o legislador constituinte teria imposto a participação da mesa diretora na declaração de perda do mandato? Apenas para ocupar o tempo dos congressistas e justificar seus elevados rendimentos? Assim como o TSE fabricou hipóteses de inelegibilidade, da mesma forma, a Câmara acabou de criar uma pseudo-impossibilidade de exame do mérito do caso, que jamais lhe foi vedado pela letra fria da Constituição. Aceitou ajoelhar-se diante de magistrados, chegando a anuir a um “fechamento branco” de sua própria instituição, pois convertida em mera linha auxiliar do Judiciário."

Essa coincidência vem acompanhando sucessivas e inéditas decisões. Elas nos arrastam para um pandemônio jurídico que é o efeito do pandemônio institucional gerado pela reação política ao resultado da eleição de 2022.

No fim do mês, o Foro de São Paulo se reúne em Brasília para comemorar suas vitórias.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

07/06/2023

 

Percival Puggina

         Disse-me a senhora: “Hoje é dia de concentração na praça. Começa às 17 horas, mas os policiais do presidente chegam antes e usam essa sacada para observação de segurança. Talvez o senhor se sinta melhor se retornar depois do fim do evento”. Prontamente respondi que sim. Preferi chegar depois, porque, no mínimo, teria que me identificar para poder permanecer e, se ficasse, certamente não poderia usar a sacada. 

Eu estava em Havana e tinha, nessa vez, alugado uma parte do apartamento de uma professora (quarto, banheiro e sala, enquanto ela usava a cozinha e uma outra dependência com acesso particular). O prédio estava muito bem localizado, junto à Praça da Tribuna Anti-imperialista, e o apartamento tinha a tal sacada a que se referia minha hospedeira. Professora de História, era pessoa de confiança do regime e, graças a isso tinha “permiso” para alugar o imóvel a turistas. Com a sala, deu-me acesso à sua biblioteca (pouco mais de um metro de livros em espanhol e em russo). Explica-se o conteúdo em russo pelo fato de se haver graduado em Moscou, na Universidade da Amizade dos Povos, conhecida como Patrice Lumumba.

Então, por volta das 16 horas desci para a praça e assisti os atos que se seguiram. Eles consistiram numa sequência de discursos voltados ao enaltecimento do Comandante Fidel, da Revolução e dos admiráveis êxitos do regime tanto na Economia quanto na Educação e na dignidade do povo cubano. Tudo, claro, embrulhado, por todos os oradores, no invólucro comum: o dever patriótico de espinafrar o imperialismo e os “guzanos” (vermes), cubanos que se atiravam ao mar e iam para Miami, num fluxo contínuo, desde 1960.

Como eu descera cedo, pude apreciar a chegada do distinto público. Eram trazidos em ônibus, em grupos cuja afinidade se podia perceber tão logo desciam pois tagarelavam entre si. Alguém, mais tarde, me explicaria que provinham dos locais de trabalho e eram acompanhados por um “compañero” que representava os olhos e os ouvidos do Estado.

Nesse dia, Fidel não apareceu, o que deve ter representado um alívio para aquela pequena multidão, pois quando o tirano comparecia, falava, e quando falava proferia aqueles discursos que ficaram famosos, não pelo conteúdo, mas pelo muito que lhe custava colocar um ponto final nas arengas que duravam horas.

Por que este relato? Porque o público presente à solenidade deste dia 7 de setembro em Brasília, por quanto a TV mostrou, era muito semelhante ao daquela tarde/noite na Tribuna Anti-imperialista. Funcionários públicos, sindicalistas e companheiros de partido, convocados pelo governo, cumprindo ordens e portando bandeirinhas numa estranha mistureba do verde e amarelo com convenientes detalhes vermelhos no vestuário. A Pátria passava muito bem sem essa.

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país.. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

Percival Puggina

06/06/2023

 

Percival Puggina

         Algumas pessoas que me leem e conversam comigo preferiram omitir-se nas eleições de outubro. Desde 2019, expressavam desgosto em relação ao presidente Bolsonaro. Ele não correspondia ao seu perfil de estadista conservador, ele procurava casca de banana para escorregar, ele se expressava de modo grosseiro e, muitas vezes era simplesmente grosso. Faltavam-lhe recursos oratórios e não tinha bom desempenho em debates e entrevistas. Tudo verdadeiro, mas, convenhamos, nas circunstâncias políticas nacionais, irrelevante.

Nos primeiros dois anos do mandato presidencial, ou um pouco mais, essas pessoas buscavam “alguém” para substitui-lo em 2022, mas nunca foram além de Sérgio Moro, um nome racionalmente inviável para a corrida presidencial porque suscitava animosidade tanto pela direita quanto pela esquerda: condenara Lula e rompera com Bolsonaro.

Quando Lula, ao cabo de uma ação entre amigos, foi realinhado no partidor da corrida presidencial, eu imaginei que eles fossem entender o óbvio estampado nos fatos: no final da campanha, restariam dois para o segundo turno: um seria Bolsonaro e o outro, Lula. Nessa escolha, o voto em branco ou nulo, a omissão, poderiam redundar numa calamidade nacional. Favoreceriam o sucesso dos que, durante quatro anos, treinaram o país para a instalação de uma democracia de narrativa, que é o outro nome de uma ditadura efetiva (mídia militante, PT, esquerda, STF, etc.).

Tudo isso eu lhes disse, em tom privado, ou em artigos e vídeos nos quais tratei de tais temas. Mas foi em vão!

Qual crianças amuadas, comportaram-se como se o futuro não lhes dissesse respeito. Lavaram as mãos. Hoje, criticam a omissão do senador Rodrigo Pacheco, sem perceber que ele é imagem refletida de suas próprias omissões. Expressam preocupação com as ameaças, as ilegalidades, as inconstitucionalidades, as inseguranças jurídicas, a corrupção dos costumes políticos, como se isso não houvesse estado na memória, na história, debaixo dos olhos e diante do nariz, o tempo todo.

A cereja do bolo dos argumentos com que tentam se evadir de suas responsabilidades morais pelo que está acontecendo é dizer que a eleição de 2022 se travou entre dois populistas. Logo, populista por populista, não fazia diferença votar num ou noutro. Aí já é demais! Sim, eram dois populistas, mas isso nada diz, na prática, quando um dos candidatos ansiava por vingança, querendo beber sangue dos derrotados, pronto para destruir a direita, oficializar a censura, ampliar sua quota de amigos no STF, unir-se à escória do esquerdismo mundial e percorrer todo o abecedário do atraso, do estatismo, das narrativas, da mistificação, da elevação do gasto público e da carga tributária.

Imploro a esses amigos que, finalmente, abram os olhos para o que está acontecendo no país e que, antes de 2026, compreendam as consequências do que fizeram. Que o Senhor nos livre do mal. Amém.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

05/06/2023

 

Percival Puggina

         Quando o Brasil começou a tomar jeito, em 2016, o número de ministérios foi reduzido e o acesso de militantes políticos e dirigentes partidários à cargos de direção das empresas estatais ficou sujeito a rigorosíssimas exigências. Foram seis anos razoavelmente bons. Apesar da mais assanhada vigilância política, jornalística, policial e judiciária a que eu já assisti, não houve casos notórios de corrupção e o Estado perdeu um pouco de seu tamanho.

Lula conseguiu engatar marcha ré na história e aumentou para 37 o número de ministérios. Os partidos, presumo, serão convidados para um jantar cujo cardápio contará com novas porções do Estado brasileiro. Entre aplausos e brindes, os articuladores políticos e o presidente em pessoa, circularão pelo salão, com bandeja na mão e toalha de seda branca sobre o braço direito, oferecendo, entre outras iguarias, ministérios, diretorias-gerais, fundações e presidências de conselhos.

Em alguns casos, esses ministérios são meras quinquilharias para animar vaidades e proporcionar luxinhos, como diria aquela procuradora que se queixa do salariozinho. Noutros não, com recursos tirados eo nosso bolso, os pratos são temperados com orçamentos robustos.

Já está bem claro que a ideia do governo não é cuidar dos pobres. Se assim fosse, ele diminuiria o gasto do Estado consigo mesmo. É o que faz qualquer chefe de família, homem ou mulher, cujos dependentes apresentem necessidades que excedam sua capacidade de atender. Essa pessoa cortará supérfluos e diminuirá sua ração para responder às demandas dos seus no limite máximo das possibilidades.

Pois o petismo faz o contrário, eleva seu supérfluo! Trinta e sete ministérios é a ressonância magnética do supérfluo. Mostra tudo, no detalhe.

Se é ruim nessa perspectiva, pior fica quando se compreende que todo esse banquete pantagruélico que canibaliza os recursos nacionais foi concebido em comum acordo com os congressistas e seus partidos.  

Alguém que queira passar pano nessa perniciosa realidade talvez diga que governar é uma tarefa partidária. Com efeito, governo tem partido (o Estado é que não deveria ter, mas no Brasil acaba tendo também, por vieses ideológicos, até na alma do Judiciário).

Na minha observação, durante décadas, os governos se formavam com partidos cujas bancadas apoiavam o governo. O mensalão corrompeu esse sistema, o petrolão potencializou seus males e os recursos das emendas parlamentares desmoralizaram de vez o regime.

Hoje, mesmo com partido e cargos, todo parlamentar pode agir como corretor de seu voto, em cada deliberação importante. Lamento informá-los que esse tipo de congressista compõe, também nesta legislatura, o grupo majoritário.

Quem não entendeu isso que fique em casa quando houver manifestação e se conduza como se não houvesse amanhã.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/06/2023

 

Percival Puggina

         Estou longe do Parcão de Porto Alegre, neste domingo que espero seja restaurador. Talvez devesse dizer que estou em férias, talvez devesse realmente estar em férias. Mas não consigo desligar-me das aflições de meu país.

Como não ver a democracia capturada? Como não me sentir esbofeteado ao ouvir Lula recomendar a seu companheiro, irmão, camarada Nicolas Maduro que “construísse a sua narrativa”? Como não saber que estamos ferrados nesse universo das ficções, das narrativas?

Temos a ficção do presidente da Câmara, de que os “congressistas estão insatisfeitos” e de que, supostamente, cabe ao governo satisfazê-los. Temos as muitas narrativas com que o STF faz o que bem entende, alegando a excepcionalidade e a urgência do interesse nacional. Temos as narrativas que levaram Lula a ser inocentado na última instância da Globo e as narrativas da mídia que durante quatro anos atribuiu a Bolsonaro o desejo de fazer aquilo que o STF cansa de fazer e que, agora, Lula faz. Temos tribunal cassando mandato de senador em um minuto, reverente à narrativa do ministro relator. E temos o senador Pacheco, um omisso que nem narrativa tem para sua omissão.

Bastam-me estes fatos para não tirar os olhos da estrada por onde nos estão levando e, por tais razões, minha alma estará no Parcão. Estou dizendo presente, do modo que posso. Não me afastariam desse dever cívico divisões, decepções nem malquerenças. Que venham os que ficaram em cima do muro, os que não saíram de casa no dia 30 de outubro, os que por “nojinho” do presidente votaram num nojento de carteirinha, aqueles que o  jornalismo militante levou pelo nariz para onde quis. Que venham os arrependidos e os que sequer se arrependeram, como a turma do MBL.  

Não me importa quem lute pela liberdade e pela dignidade dos cidadãos, contanto que o faça, que se exponha, que mostre o rosto e grite contra aquilo que rejeita. Se trata de dizer não à injustiça, à prepotência, às ameaças. Para dizer isto basta ser humano, não dobrar a espinha, não andar de bojo e não trazer os joelhos encardidos (como exclamou Cyrano de Bergerac, o inesquecível personagem de Edmond Rostand).

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/06/2023

 

Percival Puggina

         Na manhã de hoje, saí de Florença, cidade onde nasceu Machiavel, para revisitar a pequena e belíssima urbe de San Gimignano. Pensando no autor florentino, lembrei-me de um artigo que escrevi no ano passado e resolvi atualizá-lo.

Sou cidadão de um país onde as decisões mais estapafúrdias são tratadas como parâmetros de normalidade. Alguém dirá que é mera questão de ponto de vista. No entanto, sempre que, em extraordinário esforço de angulação, me desloco para esse tal “ponto de vista”, vejo tudo ainda pior.

Muito pior. Como podem afirmar que a democracia e o estado de direito que todos queremos estejam sendo servidos ante as situações que descrevo a seguir?

Um criminoso condenado em três instâncias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro foi posto em liberdade para disputar a presidência da República.

Bandidos descem do morro para a cidade, mas a polícia não podia subir da cidade ao morro. Agora, há novas regras do STF: a polícia pode subir, mas só de dia, e quando sobe tem que manter “proporcionalidade” (o que, para mim, significa que deve entrar com maior contingente e armamento mais pesado, mas não foi isso que eles quiseram dizer).

Uma urna eletrônica que qualquer pessoa com olhos de ver sabe ser opaca foi, oficial e inquestionavelmente, proclamada modelo de transparência e objeto de fé pública.

Os constituintes de 1988 vão sendo depostos por pequeno grupo de guardiões daquele trabalho e esses guardiões utilizam a Constituição mais ou menos como maîtres e chefs usam seus velhos livros de receitas: ao seu próprio gosto.

O crime de “lesa-majestade” volta à cena, com a consequente morte cívica dos réus e se instala a prática de estender as restrições de direitos às suas famílias.

Inquéritos são abertos para permanecer ameaçadoramente abertos.

O presidente que emergiu das urnas torna público seu desejo de vingança e ela já vai sendo saciada; seus alvos tombam.

A sociedade é ameaçada, viu a censura se impor e se tornar matéria legislativa de máxima urgência. A liberdade de opinião e expressão é tolhida de múltiplas formas, o Estado se apetrecha para xeretar os assuntos alheios e a vida privada se torna objeto de pescaria probatória.

Os itens acima são apenas alguns dentre muitos, num país onde as palavras vão para um lado e as ações na direção oposta.

Na política nacional, o Direito se converteu em instrumento de proteção do Estado; não mais serve ao cidadão e à sua liberdade. Nela, com dificuldades e receios, fala-se inutilmente à irreverente surdez e ao desprezo dos poderes.

Não passa pela cabeça dos novos príncipes das lições de Machiavel que nas sociedades modernas, a injustiça praticada pelo Estado contra um cidadão é sentida na sociedade inteira. Em cada um que é silenciado, cala-se um pouco a minha voz. Levam-me sempre que alguém é preso injustamente.

Isso não guarda qualquer semelhança com as minúsculas razões de confraria do “mexeu com um, mexeu com todos”. Não! É algo nobre, que nos vem na alma quando a injustiça se instala, a lei é descumprida e a Constituição manejada, repito, como maîtres e chefs usam seus livros de receitas: dão uma olhada e fazem o que querem.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

01/06/2023

 

Percival Puggina

         Meu barbeiro em Porto Alegre é um engenheiro venezuelano, ex-funcionário da PDVSA, a maior petroleira daquele país que conheci democrático e próspero no final dos anos 80. Meu engenheiro-barbeiro está feliz no Brasil onde pode se alimentar e “hacer otras cositas” com o produto de seu trabalho.

Ao passar a palavra a seu convidado de honra – o criminoso Nicolas Maduro – Lula disse-lhe que falasse à “imprensa livre do Brasil e de seu país”. O presidente brasileiro solidarizou-se com ele reclamando das narrativas que se fazem sobre a situação da Venezuela e recomendando-lhe que criasse sua própria narrativa, pois essa seria “infinitamente melhor do que a que eles têm contado contra você”.

Quando um ser humano deixa de lado os fatos e a verdade sobre os fatos, para se dedicar a narrativas, existem poucos lugares que pode passar a frequentar. Entre os que me ocorrem estão aqueles onde infelizes vendem seu amor, traficantes anunciam os prazeres de suas drogas, meliantes aplicam seus golpes e onde vicejam as vilanias e insânias do ciberespaço.

Uma sociedade minimamente prudente deve evitar que pessoas assim, ocupadas com “boas narrativas”, se envolvam com o interesse público, relações familiares, negócios sérios, educação de sua juventude, vida religiosa, etc. Não dá! É perigoso demais.

Infelizmente, o Brasil mergulhou de cabeça na tese de que as questões mais graves do país possam ser objeto de um concurso de narrativas, onde a única verdade que interessa é a que cerca um cartão de vacina ou o ato de fé num sistema de votação. Mas a que decide uma eleição é a narrativa vigarista de que o ex-presidente é responsável por 700 mil (por vezes 700 milhões) de mortes para que palermas de carteirinha a repitam freneticamente.

Ao dizer para o ditador da Venezuela que crie uma narrativa melhor do que a de seus adversários, Lula está fazendo um discurso completo sobre si mesmo. É o Confiteor de um impenitente orgulhoso de sua perdição.

Os seres humanos são livres, para o bem e para o mal. Deus nos quis assim, mas convenhamos, triste destino o nosso, cujo horizonte foi consumido pelas narrativas admitidas na disputa eleitoral de 2022. Prefiro dormir intranquilo, preocupado com meu país, do que dormir em paz depois de lhe haver feito tanto mal.

Em viagem na Itália, percebendo que sou brasileiro, pessoas me perguntam o que está acontecendo em meu país. Tenho respondido que, hoje, o bom povo brasileiro, se percebe irrelevante. A Lava Jato foi difamada e sepultada. Os delinquentes da política voltaram a seus negócios. Os bons congressistas são em número insuficiente para produzir algo que se possa chamar de democracia e estado de Direito.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.