Percival Puggina

09/05/2023

 

Percival Puggina

         Não é incomum que um “remédio” mal indicado mate o paciente. Isso também pode acontecer com as leis humanas. Lei errada pode produzir efeitos piores do que os males a combater.

Um verdadeiro mostruário disso está disponível no PL Nº 2630, mostrengo jurídico que recebeu nome glorioso: “Lei brasileira da liberdade, responsabilidade e transparência na internet”. Deveriam os tambores rufar, os sinos repicar e as clarinadas ressoar, mas o nome não colou. A esquerda já foi bem mais competente em batizar suas criaturas. O petismo 2023 não criou até um “Arcabouço fiscal”? Dividiram-se, então, os apelidos para a nova criatura, predominando “PL da censura”, na voz da oposição e “PL das Fake News”, na voz do governo.

Dizem por aí, bons e maus autores, que o parlamento é um espelho da sociedade. Ora, nós sabemos que no Brasil saído das urnas a sociedade é massa informe, contida, intimidada, receosa e submetida a prudente silêncio. Como poderia seu espelho refletir algo diferente? Sempre que se permitir a um poder, civil ou militar, o direito de mandar sem jamais ser contestado, sempre que não houver freios nem contrapesos, sempre que a Constituição for usada como lojinha de conveniência, o resto será exatamente isso: resto.

Felizmente, assim como na sociedade, há uma parcela de seu espelho que resiste com bravura e recebe eloquente louvor  dos representados. São congressistas pelos respectivos estados, mas se tornam nacionalmente conhecidos. Não obstante, nós e eles estamos reduzidos a uma condição minoritária.

Foi por estarem as coisas nesse pé, que a Câmara dos Deputados, a toque de caixa e por ampla maioria, aprovou regime de urgência para votação do empacotado e volumoso PL da Censura, recheado de jabotis. Quem pedisse tempo para lê-lo ouvia de seu líder “Não, não, não. Lê depois!”.

Por que deu chabu na hora de votar o pacote inteiro? A sociedade, percebendo que, a pretexto de impedir abusos, avultavam os meios de repressão e censura, gritou a seu espelho: “Espelho mágico, espelho meu, olha o que vais fazer!”. Verdade que as plataformas entraram na campanha, ajudaram a propagação, incomodaram os plantonistas do arbítrio, mas o pacote só retornará se aberto, esmiuçado, desossado. E o que mais incomoda os brutamontes empacotadores: fatiado, para que só as fatias aproveitáveis sejam utilizadas. Contanto que a sociedade faça sua parte e a magia do espelho funcione, claro.

Em meio a tanta notícia horrível, algo dissidente, diferente, deve ser saudado, estudado e aproveitado como experiência.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

 

 

 

 

Percival Puggina

08/05/2023

 

Percival Puggina

         Durante a cerimônia de coroação do rei Charles III pude observar em alguns relatos da imprensa brasileira comentários em tom depreciativo. Os narradores falavam como se contemplassem uma velharia reproduzida na época errada ou, melhor dito, uma erupção do passado no tempo presente. Um vistoso anacronismo.

A pergunta que imediatamente me vinha à mente diante dessas manifestações era a seguinte: que diabos, senhores, temos nós a ensinar aos britânicos sobre política e instituições de Estado? Que conselho lhes podemos dar nós, com nosso presidencialismo e nossas permanentes crises institucionais? Que temos de bom a lhes oferecer com Lula a nos constranger perante o mundo, com nosso governo das togas iradas e nosso Congresso onde se vendem maiorias no martelo, por lotes, como gado em leilão?

Perdemos a oportunidade de aprender algo quando a tradição desfilou diante de nossos olhos com o saber dos séculos. Na aparente fatuidade luxuosa daquele protocolo conta-se a preciosa história do povo suprimindo, gradualmente, o poder das mãos dos reis.

Tudo começou lá atrás, no século XI com os reis saxões e a gradual evolução da ordem política medieval para a institucionalização da representação parlamentar. No início do século XIII, quando João Sem Terra assinou a Magna Carta Libertatum, já estava na pauta o problema da governança. No final do século XIII estava consolidada a House of Lords à qual Henry II fez acrescentar uma representação das comunidades: dois cavaleiros para cada condado e dois burgueses das cidades mais importantes. Posteriormente, no início do século XIV esse parlamento se reparte, formando as duas casas que ainda hoje existem. Sua função original era deliberar sobre os tributos que todos deveriam pagar.

Em 1640, Charles I tenta impor o absolutismo monárquico vigente, então, na maior parte dos estados nacionais que se foram constituindo enquanto o feudalismo se extinguia. Isso provocou uma rebelião, comandada por Cromwell. Charles I foi preso e decapitado dando origem ao preciso ensinamento antiabsolutista: “Rei que governa perde a cabeça”, reiterado em Luiz XVI na Revolução Francesa. Avulsa a coroa, Cromwell instaurou uma ditadura republicana que morreu com ele. Em 1660, retorna a Casa dos Stuarts com Charles II.

A função legislativa só se consolida com a Revolução Gloriosa, em 1688. James II, filho de Charles II, não era protestante, mas católico e de tendência absolutista. Quando teve um filho, sinalizando para uma sucessão católica, começou a revolução que levou à deposição do rei com sua substituição por William de Orange que era casado com Mary, filha de James II, ambos protestantes). Com William e Mary nasce a Bill of Rights e o poder de legislar sai definitivamente das mãos do rei.

Já havia, então, dois poderes: o parlamento legisla e o rei com a corte e a chancelaria faz o resto. Avanços semelhantes vão ocorrendo no sentido de retirar das mãos do rei a função judiciária confiada a funcionários do Estado. Em fins do século XVIII se consolida o governo pela maioria parlamentar. Surgia, ali, a primeira monarquia constitucional, ou parlamentar.

Essa fórmula se reproduziu pelos reinos europeus ao longo do século XIX, suscitando revoluções. Entre elas, a Revolução do Porto, que acabou sendo a principal causa da nossa Independência. Aqui, após a Assembleia Constituinte do Império, que quis instituir uma monarquia parlamentar, D Pedro I outorgou uma constituição de viés absolutista que acabou por levá-lo à abdicação em 1831. Após a transição até a maioridade de D. Pedro II (1840), a governança do Brasil seguiu a tradição das monarquias constitucionais da época, num período de estabilidade política extinto com a proclamação da República.  

Infelizmente, não aprendemos da História, ou damos credibilidade a releituras empreendidas com o pior viés ideológico possível. Por isso, os atos de coroação e as monarquias constitucionais com seus vistosos protocolos, parecem velharias extemporâneas.

Os fatos, porém, ensinam diferente. O The Economist Democracy Index pesquisa, anualmente, a situação da democracia no mundo, analisando a situação em 167 países. Na lista de 2022, entre os 20 estados nacionais plenamente democráticos (full democracy), 10 são monarquias parlamentares. A saber, pela ordem: Noruega, Nova Zelândia, Suécia, Dinamarca, Holanda, Canadá, Luxemburgo, Austrália, Japão, Reino Unido. Outros seis são repúblicas parlamentares. E apenas três são repúblicas presidencialistas. O Brasil ocupa o 51º lugar, contado como democracia falha (flawed democracy).

Mesmo assim, governo e Tribunais Superiores esbanjam autoestima; o parlamento, salvo as minoritárias exceções, é como se sabe. E os três acham que a culpa de as coisas não irem bem é sua, leitor. Enquanto o rito de coroação de Charles III nos remete à longa história dos povos para domar o Estado, aqui no Brasil regredimos tanto que, agora, o Estado se empenha em domar a sociedade.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

06/05/2023


 

Percival Puggina       

         Há vinte e dois anos, embarquei num trepidante Tupolev da Cubana de Aviación e fui a Havana conhecer de perto a realidade do país mais declaradamente comunista da América. Naqueles dias, quase tudo que se ouvia a respeito era propaganda feita por dedicados camaradas tagarelas da esquerda patropi. O longo período de relações diplomáticas cortadas fizera de Cuba um destino de difícil acesso para brasileiros entre 1964 e 1986 e, mesmo depois, pouco atraente em meio às muitas alternativas caribenhas. No desconhecimento, a propaganda prosperava.

As experiências dessa viagem e minhas observações deram origem a outras visitas e às duas edições do livro A Tragédia da Utopia (2004 e 2019). Os relatos que fiz foram contundentes e refletem sentimentos que experimentei e testemunhei sendo vigiado e abertamente filmado pelo Estado após contato com dissidentes. Devo reconhecer, porém, que os fatos em nosso país, nos últimos cinco anos, me abrem novos ângulos para compreender a passividade conformista do povo cubano e os caminhos pelos quais andamos aqui no Brasil.

Nunca pensei que isso fosse acontecer! Ao contrário, sempre que embarquei num avião em Cuba para retornar ao Brasil, eu o fiz com alívio e comiseração por aquele povo. Era motivo de alegria voltar à minha terra, onde havia apreço à liberdade dos cidadãos.

Desgraçadamente, observando a realidade nacional, percebo hoje tanta semelhança com aquilo que vi e vivi em Cuba! Aos que temos apreço pela liberdade não nos falta qualquer daquelas sensações que tinha como tipicamente cubanas: medo do Estado e autocensura, descrédito e repulsa às instituições, insegurança em relação aos próprios direitos e garantias, ausência de alternativas. Aqui no Brasil, o Estado deixou de servir a sociedade para estabelecer sobre ela um senhorio que intoxicou a democracia. Bem ou mal tínhamos algo parecido com isso, mas ela foi destruída por hábitos que a corromperam moralmente.

Como em Cuba, nenhum crime real recebe tratamento tão brutal quanto os subjetivos “crimes” políticos. Muito mais do que em Cuba, aqui “o amor venceu” e a vingança está no ar. O parlamento cubano, como se sabe, só tem um partido, o do governo. Já em nosso Congresso há muitos partidos, mas, para desgraça da sociedade, está encaixado num quadrilátero. De um lado, opera o balcão onde o governo faz bilionárias ofertas públicas para obter votos; de outro, as exclusivas e legítimas competências legislativas do parlamento  são ameaçadas pelo STF e pelo governo; de outro, ainda, é marionete dos presidentes das duas casas, que usam e abusam de suas atribuições regimentais para prestígio próprio junto ao governo e ao STF; de outro, por fim, na comunicação com a sociedade, o Congresso convive com uma imprensa que, mediante silêncios e palavras, por vassalagem ou ideologia, serve aos outros dois poderes.  

Nunca imaginei que o jornalismo brasileiro, com seus poderosos veículos, fosse ficar, em sua essência, tão parecido com o Granma, o miserável pasquim do governo cubano! Ele e seu filho único, o folheto Juventud Rebelde (que Deus os perdoe pelo cinismo), cumprem a tarefa de dizer à sociedade o que Comitê Central do Partido Comunista quer que ela saiba e pense. Aqui temos muitos veículos de grande porte, mas é como se tivéssemos apenas um. Por isso, as redes sociais são tão importantes e há tal afã em silenciá-las.

Eis, pois, a essência permanente dos totalitarismos: estado impondo medo, punindo com intenção política e transpirando vingança; parlamento corrompido ou assustado (os bons e valentes em franca minoria); comunicação social controlada, comprada ou censurada. Nos totalitarismos, é desnecessário dizer, mas aí vai: sempre há um poder que nunca perde para que a sociedade jamais se imponha.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

04/05/2023

 

Percival Puggina

       Conheço bem a atividade parlamentar e poderia fazer um catálogo de manobras regimentais. Não obstante, nunca tinha visto pedido de urgência para um projeto de lei ser sucedido, sete dias depois, pela retirada de pauta por solicitação do autor.

Essa eu não conhecia. Gostem ou não os artífices da jogada, o fato é que se puseram má situação sob o ponto de vista ético. A urgência se revelou pressa de vendedor para enganar cliente. Quando algo assim ocorre no comércio privado, o assunto acaba em briga ou vai bater na porta dos órgãos de defesa do consumidor, ou do Ministério Público. Por isso, o constrangimento ficou estampado no rosto do presidente Arthur Lira, que se viu contribuindo para uma arapuca e sendo preso por ela junto com a base do governo.

A partir do momento em que a urgência foi aprovada, as pessoas trataram de ler a trapizonga que estava por virar lei. E o que se leu, deu no que se viu. Nem acenando com R$ 10 bilhões em emendas parlamentares aquilo iria passar! O mercado não se sensibiliza mais com essas cifras. Elas sobem por consequência da inflação e da taxa de juros, ou seja, por culpa do Bolsonaro e do Roberto Campos Neto. Você entende, não é mesmo?

Se é verdade que a Casa foi acordada pela opinião pública, pelo trabalho das redes sociais e dos bons deputados, também é verdade que a reação popular elevou a ira dos senhores da caneta e da força contra as redes sociais –caóticas e imprescindíveis à manifestação da opinião pública. São caóticas? Sim, são. Mas tenta viver num país sem elas, ou onde são tão controladas que nem para namorar servem.

Aborreceram-se os poderosos e os empoderados. Dois ministros do STF clamaram pela necessidade de regulamentar as redes sociais. Roberto Barroso disse que isso era indispensável; Alexandre de Moraes afirmou que ou sai pelo legislativo ou sai pelo judiciário. Em outras palavras, ou vai por bem, ou vai por mal. Por incrível que pareça, o argumento funciona. Aliás, foi o mais potente argumento lançado ao plenário da Câmara dos Deputados porque ali todos sabem para que lado corta o fio da espada de Themis.

Ao mesmo tempo, cá no arraial do povão, todos sabemos: sempre que o poder de legislar, de impor normas, foge das mãos do parlamento, aumenta o poder do Estado sobre a sociedade. E o poder de legislar, de impor normas, hoje é repartido por um sem número de agências oficiais, conselhos, órgãos de contas, Banco Central, etc. A seu modo, todos “legislam” e o STF já se apresenta como alternativa ao Congresso Nacional. Não criou até tipo penal por analogia?  Com consentimento de quem, mesmo?

Fazer lei, usar a espada e controlar a balança? Não vai dar certo. Se o Congresso não cuidar de si mesmo, se abdicar de seu poder, deputados e senadores se descobrirão, um dia, ocupados apenas com sessões solenes, laudatórios, votos de pesar e, claro, emendas parlamentares como brindes à negligência. Deputados! Não deixem esse assunto cair nas mãos do STF nem do governo. Liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição! Eu a quero até para as plataformas que restringem a minha.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

03/05/2023

 

Percival Puggina

         Muitas pessoas amam o Estado como uma forma de amor próprio. Encarnam o objeto de seu amor e, amando o Estado, amam a si mesmos. Os demais possuídos por essa volúpia pensam que o Estado lhes pertence e o amam como a um bem próprio.  Os dois grupos, por suas paixões, ferem o funcionamento das instituições.

A tragédia central dessa relação não é, de modo algum, o patrimonialismo nem a corrupção, nem a inanição fora do agasalho do Estado. A tragédia central é o controle da manifestação das opiniões, notadamente das opiniões políticas. Esse é sonho de consumo de quem, funcionalmente, se confunde e se funde com o Estado. Controlar o que os adversários podem dizer até a extinção total de seu sentido é o mecanismo preferido dos totalitarismos para se eternizarem no poder. Não é à toa que ditadura – usura do poder – rima com censura.

As ideias acima são pensamentos da noite de ontem (02/05) enquanto via defensores e opositores se digladiarem em prolongado contraditório. Os que a defendiam, não por acaso alinhados com a esquerda, viviam algo que para eles é o inferno da comunicação: não terem palavra ou chavão que lhes permitam controlar o discurso. Afinal, censura é censura e chamar uma lei de censura de “lei da liberdade, transparência e responsabilidade” dá um nó na língua e outro no cérebro. Sua rota de fuga era defender o combate à criminalidade: “Tem gente morrendo por falta dessa lei!”, diziam a todo instante, enquanto as máscaras caíam e eram pisoteadas no tapete do plenário.

Combate ao crime? Por parte de quem? Da turma do desencarceramento, do prender não resolve, do helicóptero devolvido ao André do Rap, da impunibilidade do “di menor”, do desarmamento, da liberação das drogas, do “polícia não sobe morro”, dos processos anulados por erro de CEP? Desde quando o combate ao crime virou prioridade de Estado num governo de esquerda? Quando foi que o topo do poder judiciário pisou no acelerador do combate à criminalidade objetiva com a energia e o dinamismo equivalentes aos usados para pôr tornezeleiras nas tias do zap e aos subjetivos “crimes” de fake news e discursos de ódio? Como podem punir o Google por defender editorialmente seus interesses “afetando a independência do Parlamento” e atravessar a rua e ir ao Congresso para ... fazer o quê, mesmo? E não perceberam a mesma conduta, pelo lado do governo, afetar a independência do Parlamento quando compra votos com emendas para tentar aprovar a Lei da Censura?

O que a sociedade tem visto, com louvores de muitos, sim, é a censura objetiva. Primeiro, já de longa data, como prática de direito uti possidetis esquerdista nos relevantes espaços da Educação e da Cultura, portas cerradas a toda divergência conservadora ou liberal, imediatamente rotulada de fascista e de extrema-direita. Depois, na diversidade de modos e casos testemunhados durante a recente campanha eleitoral.

Ontem, quiseram meus sentidos discernir um grito de independência ecoar no plenário da Câmara dos Deputados. Desconheço sua extensão, mas percebi no bulício do plenário um coro de fundo a entoar “Não passarão!”, palavras nem sempre decisivas, mas marcantes em momentos significativos da história do último século.

Espero que também as plataformas aprendam algo com a censura que quer agir contra elas. Algumas, com claro viés progressista, censuram com habitualidade seus usuários conservadores reduzindo-lhes a propagação ou jogando-os para detrás das cortinas do shadowban.

O PL 2630/2020 é PL da Censura, sim. Leis contra o crime são leis penais, de tipificação precisa, sem subjetividade e sem “veja bem, doutor”. Sua eficácia depende menos do rigor e muito mais da efetiva relação crime/aplicação da pena. O resto é censura, eterna volúpia dos amantes do Estado.  

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

02/05/2023

 

Percival Puggina

         Tenho lido algumas opiniões que se exclamam perante a adesão de tantos parlamentares a uma Lei de Censura que poderá incidir sobre eles próprios. Esquecem que essa lei serve à ideia de permanência no poder. Ela nada tem a ver com rotatividade e com democracia, nem com qualquer ônus a seus autores e defensores.

Cinismo em estado puro. É essa a imagem que me vem à mente quando ouço algum parlamentar defendê-la. Cinismo, sim, redigirem o projeto e lhe aplicarem um nome fantasia que fala em liberdade, transparência e responsabilidade.

Cinismo, sim, atribuírem às big techs a responsabilidade pela momentânea conscientização social sobre o caráter censor da Lei da Censura. O governo e as esquerdas, há bom tempo, andavam felizes porque as tais empresas restringem a propagação de conteúdos que os desagradam. Agora, por interesse próprio, elas abriram um pouco as torneiras da propagação para o outro lado.

Cinismo, sim, então, de uns e de outros. As plataformas que submetem seus usuários conservadores a filtros ideológicos, agora se indispõem porque a tesoura se volta contra elas e pode lhes causar problemas operacionais e financeiros.

Cinismo, sim, pois quem anda por aí de olhos abertos sabe que a censura vem operando há muito tempo no Brasil, sob múltiplas formas. Ela existe no sistema de ensino, censurando o que não servir aos objetivos políticos da esquerda. Nessa toada, censuram-se professores, estudantes, livros e autores. No ambiente educacional e cultural, toda divergência é castigada.

Na vida social, convivemos com temas proibidos. Essa é uma forma de censura que, por condicionamento social, inviabiliza a exposição do contraditório. Há opiniões que não podem ser expressas, mesmo que envolvam temas políticos e sanitários relevantes, como certas “vacinas” ou sistemas de votação. Isso é censura. Muitos comunicadores têm problemas com a Justiça em sinistros inquéritos que mantêm estreita relação com a liberdade de expressão.

Tenho lido, nas últimas horas, que o projeto talvez esteja momentaneamente inviabilizado. Isso não é sinal de desistência. O poder de censurar é tão sedutor, corresponde a um anseio tão “esquerda raiz”, que a eventual retirada de pauta é meramente estratégica. Além de manterem os meios de censura de que já dispõem e aplicam com mudo consentimento geral, continuarão trabalhando para transformar em pó de pedra a cláusula pétrea da Constituição que dispõe ser livre a expressão do pensamento.

Por isso, se queremos nosso país de volta, é preciso estar sempre em guarda, sem jamais soltar a ponta da corda.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. 

 

 

Percival Puggina

01/05/2023

 

Percival Puggina      

      Querem que nos habituemos a dobrar a espinha de modo silencioso e a rastejar reverências a nossos algozes. Já deixaram claro a que vêm. Aprendemos na experiência da vida que não desistem de seus objetivos e se valem de todas as tretas e mutretas para alcançá-los. Até a chacina de Blumenau serviu para justificar o injustificável, como, por exemplo, a imposição de meios de censura na Internet... De outro lado, conservadores e liberais – enquanto podem proclamar que “têm mais o que fazer” – se resignam facilmente aos maus tratos do Estado. Até não terem mais o que fazer porque a rota percorrida termina em inevitável sorvedouro onde tantas nações já se precipitaram.

O PL da Censura é a estampa de seus proponentes e defensores: profissionais do ardil, da arrogância, do estatismo, do liberticídio, do autoritarismo e da criação de narrativas. É sempre a mentira que necessita impor silêncio à Verdade, sua antagonista natural. A Verdade se impõe sempre que lhe permitem contrapor-se à sua predadora natural. Por isso, a censura trata de impor seus motivos. Eles não são razões da razão, nem do bem, nem da justiça, nem da moral.

Criatura da invencionice legislativa do ano de 2020, o projeto ganhou vida assim que o desastre eleitoral de 2022 chegou ao clímax do dia 1º de janeiro deste ano. Já então, a experiência dos meses anteriores mostrava onde se travaria a luta política e evidenciou o quanto era conveniente inibir o protagonismo da sociedade em questões políticas. Para os donos do Brasil, cidadão, eleitor, é sujeito que aperta silencioso e discreto o teclado da urna. O resto é para os profissionais.

E o mal parido projeto ganhou força, tornou-se urgente. Urgentíssimo. Os novos senhores do Brasil entendem que opinião é regalia de quem pode. O povo, fala no teclado da urna, a cada quatro anos. A partir daí, o silêncio é seu melhor e mais prudente conselheiro.

Nestas últimas horas do dia 1º de maio, escrevo sem saber por quanto tempo isso será tolerado. Penso, então, nos omissos de outubro do ano passado. Agiram naquela eleição como se não estivessem embarcados no navio que se precipitava para o sorvedouro. Fico me interrogando se, agora, a realidade ainda lhes chega. Haverá alguma janela, naquele universo paralelo desde o qual as decisões eleitorais do ano passado não lhes impuseram qualquer responsabilidade moral ou cívica?

Na história dos povos, a censura foi, sempre, exigência da mentira, ou da mistificação, ou de males ainda maiores. Por isso, quando a madrugada se aproxima, ergo o pensamento para Jesus – Ele mesmo Caminho, Verdade e Vida – rogando que vele pela nação brasileira e não se instale, aqui, o primado da mentira, eterna predadora da Verdade.  

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

        

 

Percival Puggina

29/04/2023

 

Percival Puggina      

         Neste mês de abril, até o dia 23, haviam ocorrido 33 invasões de propriedades pelo MST (a Globo, que fez o L e gostou, chama de “ocupações”). Não obstante, João Pedro Stédile, comandante do “exército do MST” – assim nominado por Lula num ato público em defesa do governo Dilma (24/02/2015) – integrou a recente comitiva presidencial na visita à China.       

Imagine, leitor, se os traficantes de droga, como forma de ampliar o número de usuários, criassem um mês de promoções, tipo “Seu pó a preço de farinha!”, ou “Compre uma pedra e leve duas!”. E suponha que esses fatos fossem abordados com naturalidade pela mídia e pelos poderes de Estado.  Ou, então, imagine que os ladrões de carro programassem ações em âmbito nacional, como, por exemplo: “Curta a primavera andando a pé”, e realizassem uma campanha para aumentar o furto de veículos. E as autoridades não esboçassem reação alguma. Escândalo?

Pois é isso que acontece em nosso país, há mais de uma década, no mês de abril. O MST, nestes dias, rememora os episódios de Eldorado dos Carajás com um Abril Vermelho, desencadeando operações agressivas que incluem invasões de propriedades privadas e de prédios públicos e bloqueio de ruas e estradas. E tudo é considerado muito normal, porque, afinal, trata-se de um “movimento social” cuja conduta criminosa não pode ser criminalizada sem grave ofensa a... a que mesmo? Ao direito de invadir? Ao direito de destruir os bens alheios? Ao direito de atrapalhar a vida dos outros? Ao direito de cometer crimes e permanecer incógnito?

Note-se que não estamos perante uma gama de atividades lúdicas do tipo “Passe um dia no campo com o MST”, ou de celebrações cívicas, a exemplo das que são promovidas em lembrança às vítimas da Intentona Comunista de 1935. Não, não é isso. Em abril, o MST eleva o tom daquilo a que se dedica durante o ano inteiro: a ação destrutiva imposta pelo DNA dos movimentos revolucionários. Trata-se de atacar o direito à propriedade privada (dos outros), os bens alheios e as instituições do Estado Democrático de Direito – entre elas o conjunto dos poderes de Estado. E de fazê-lo com a leniência destes, verdadeiros bobos da corte do movimento. Quase sempre distraídos quanto aos problemas da cidadania, os Três Poderes (qualquer semelhança com Moe, Larry e Curly, os Três Patetas, corre por conta do leitor), vão da tolerância à inação, da perda de vigor à flacidez extrema. Sabem por quê? Porque eles supõem, no Olimpo onde vivem, que o movimento se volte apenas contra os “poderosos latifundiários e seus ociosos latifúndios”. No entanto, as ações do MST alientam a ira e as urgências dos poderes contra seus antagonistas políticos e ideológicos e sua negligência com a proteção da sociedade, seus direitos e sua liberdade.

Eis porque o tema, há muito tempo, deixou de ser coisa de um grupo social para se tornar pauta necessária das escassas reservas de inteligência do país, ainda capazes de compreender como operam os movimentos revolucionários e de bem avaliar seu poder de destruição. Porque saiba, leitor, aquilo que os desnorteados bispos da Comissão Pastoral da Terra fingem não saber: a primeira tarefa dos movimentos revolucionários é a destruição. O que vem depois fica para depois, inclusive acabar com o clero, como sempre fizeram ao longo da história e estão fazendo na Nicarágua.

De fato, o Abril Vermelho deu o tom do ano. Saiu o verde e amarelo, entrou o vermelho a dar o tom do ano. Fez o L e não gostou?

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

28/04/2023

 

Percival Puggina

         A majestática frieza que caracteriza a Esplanada dos Ministérios e os prédios da Praça dos Três Poderes nunca me empolgou, seja como arquiteto, seja como cidadão. Os ministérios me sugerem peças de dominó alinhadas para caírem em cascata, embora, na vida real, sejam moeda política preciosa na tesouraria do governante. Os três poderes, na minha concepção, são um erro porque deveriam ser quatro. Como consequência nunca nos faltaram na história da República usurpadores para esse quarto poder – o  indispensável Poder Moderador – cuja carência é causa de muitas das nossas crises. Mas isso é assunto para outro artigo.

Vamos ao mais recente mistério brasiliense, que está a cobrar vaga para um Sherlock Holmes na CPMI da Censura. O que me inquieta não é o fato que vi causar grande contrariedade entre alguns protagonistas deste momento político. Não me interessa saber quem vazou os vídeos tomados no interior do Palácio do Planalto. O importante é terem chegado ao conhecimento público. O que me suscita enorme curiosidade é o motivo para tantas horas de gravação terem sido postas sob sigilo por quem diz que nunca os assistiu antes de aparecerem na tela da tevê.

Chama o Sherlock, pessoal!

Também me intriga que os processos referentes aos envolvidos naqueles atos tenham seguido curso antes de serem tais imagens devidamente estudadas e se incorporarem ao conjunto probatório encaminhado à PGR e ao STF. Quando isso acontece, por falta de tempo, conforme tem sido dito, a autoridade encarregada pede a prorrogação do prazo. Vídeos tomados por dezenas de câmeras de vigilância instalados em cena de crime não se empacotam para serem assistidos quando der tempo. Mesmo assim, as peças acusatórias foram dadas por prontas e encaminhadas pela PGR ao STF.

Chama o Sherlock, pessoal!

Perante o mistério e na falta do Sherlock, minha intuição me leva a crer que tenha sido a pressa, também neste caso, a grande inimiga da perfeição (ou amiga da imperfeição). Isso combina bem com algo que tem sido para lá de frequente em nosso ambiente político e judiciário. O exemplo mais recente foi a votação do pedido de urgência para votar a projeto da Lei Brasileira da Censura pelo plenário da Câmara. A urgência foi aprovada na correria, atropelando a sensatez, e com menos de uma dúzia de parlamentares conhecendo o conteúdo daquilo a que concediam tanta urgência. Era para engolir tudo enrolado, mesmo! De afogadilho, sem tempo para serem advertidos sobre o que estavam aprovando.

No caso dos eventos do dia 8 de janeiro, minha intuição me diz que o urgente era tornar réus os recolhidos no magote de prisões feitas na frente do QG do Exército. E aí me socorro do ministro Gilmar Mendes quando verberava sua indignação, em reuniões do pleno do STF, contra o que chamava “condenações em cambulhada” que ocorriam em Curitiba como consequência das investigações, confissões e delações da Lava Jato.

Agora, quem se desagradou com o juízo de Curitiba declara réus cidadãos indiciados em pacotes de cem e de duzentos! Bota cambulhada nisso! A pressa é amiga da imperfeição.  Na dúvida, chama o Sherlock, pessoal.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.