Percival Puggina

10/07/2023

 

Percival Puggina

         Um leitor contrariado, desses que vai mensagem e vem mensagem, se declarou "defensor do comunismo cristão”, dizendo-se orgulhoso de tal convicção assumida com base na “regra dos primeiros apóstolos". Ele a explicitou e eu a transcrevo abaixo:  

" A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava como próprias as coisas que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Com grandes sinais de poder, os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E os fiéis eram estimados por todos. Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas, vendiam-nas, levavam o dinheiro, e o colocavam aos pés dos apóstolos. Depois, era distribuído conforme a necessidade de cada um." (Atos dos Apóstolos 4, 32-35)

Queria ter um real por vez que ouvi a citação acima, ao longo de mais de meio século, por seguidores da tal teologia da libertação. De início, essa interpretação era qualificada como "leitura do Evangelho com chave marxista". Aos poucos, foi ganhando status de reflexão teológica e derivando para inevitáveis apostasias e heresias. Mas essa é outra história. O que importa é entendermos a que se refere o texto em questão.

Perceber que estamos diante do relato de uma experiência não exige grande capacidade de análise.  Basta saber ler. Ademais, trata-se de uma experiência singular, que não se reproduziu em qualquer outra das comunidades de fiéis daqueles primeiros momentos do cristianismo. Uma vez mencionado, o episódio não retorna à pauta, permitindo presumir que terminou com o fim do estoque. Os estudiosos mais interessados na verdade do que na utilização das Escrituras para fins ideológicos e políticos entendem que aquele grupo inicial de cristãos de Jerusalém estava convencido de que a volta de Jesus para o Juízo e para o fim dos tempos era coisa imediata. Provisões para o futuro não teriam, pois, serventia alguma.

O apóstolo Paulo nos socorre na compreensão daqueles primeiros momentos da Igreja quando menciona que as "comunidades da Macedônia e da Acaia houveram por bem fazer uma coleta para os irmãos de Jerusalém que se acham em pobreza" (Rom 15,26). Referências a essas dificuldades se repetem aos Coríntios (2 Cor 9,7). A célebre sentença do apóstolo Paulo – "Quem não trabalha que não coma." (2 Tes 3,10) – também se relaciona com o fato e mostra que aquele "comunismo" favorecia ao ócio. Ou seja, as coisas não iam muito bem por lá. Passara a haver necessidades e necessitados, ociosos e oportunistas.

Foi o que expus ao meu leitor fã do "comunismo cristão primitivo" sobre a perspectiva histórica. Na perspectiva doutrinária, acrescentei ser preciso muita imaginação para supor que, ante as circunstâncias daquele momento, a pequena comunidade dos cristãos de Jerusalém estivesse empenhada em propor à humanidade e aos milênios seguintes uma ordem econômica e social. Deduzi-lo do relato acima é puro devaneio ideológico, com severos riscos de revelar farisaísmo se não for aplicado à vida concreta de quem o propõe aos demais. Em outras palavras, como aconselhei ao leitor, em vez de oferecer o modelo de repartição aos povos e nações, aos outros, enfim, ele deveria aplicar a si mesmo.  Bastava-lhe reunir outros que pensassem assim, juntarem os respectivos trecos e partilharem tudo. Dado que discursos propondo comunismo ao mundo não faltam em parte alguma, não lhe seria difícil reunir parceiros para viverem segundo sua regra. Lula e os seus devotos certamente estariam interessados. Em resumo: quem pensa como esse meu leitor, comece dando o exemplo e partilhando o que lhe pertence. Num infinito silêncio, encerra-se o debate.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

09/07/2023

 

Percival Puggina

         Na nossa história recente, o criminoso que aflige a sociedade é amplamente protegido por um certo garantismo penal que se generalizou no Judiciário. Estranhamente, porém, o mesmo garantismo não se aplica ao cidadão que se manifesta, pacificamente, de um modo que desagrada o Estado.      

No Brasil, nada é mais realista do que o completo absurdo, caro leitor. Nesta terra de bandido solto, com mandato, decidindo sobre nossas vidas e acesso aos recursos públicos, disparate é a sensatez! Mais dia, menos dia, vamos colocar tornozeleira na Polícia, algemar os promotores e estabelecer quota máxima de sentenças condenatórias por magistrado. Excedo-me na ironia?

Toda vez que passo na rua por um desses pobres catadores de papel que, como se fossem animais de tração, puxam as próprias cargas para os locais de reciclagem, me vem à mente a questão da criminalidade. A mesa do catador é escassa, o agasalho pouco, a habitação precária, a vila não é salubre e o trabalho duríssimo. Ao lado, bem perto, operam traficantes e suas redes. Têm do bom e do melhor. Mas ele segue puxando seus fardos e contando centavos porque prefere ganhar a vida trabalhando. Combater a criminalidade, agilizar os processos, eliminar a impunidade e endurecer as penas é sinal de respeito a essa referência moral emergente no país! É por ele, pelo catador de papel, que escrevo este artigo. E também porque sou portador de uma anomalia que me faz ser a favor da sociedade, desconfiar do Estado e me opor à bandidagem.

No entanto, a cada dia, aumenta o número daqueles que estendem o dedo duro para nós, o povo, indigitando-nos como principais culpados pelos males que a insegurança nos impõe. Nós, você e eu, leitor, seríamos vítimas da nossa própria perversidade e os grandes responsáveis, tanto pela situação do papeleiro quanto pela opção do traficante, do ladrão, do assaltante, do homicida e até dos corruptos porque muitos de nós os elegem, sabendo ou não sabendo.. Por isso, falando em nome de muitos, de poucos ou apenas no meu próprio, gostaria de conhecer a natureza do delito que nos imputam, dado que estamos sendo novamente desarmados pelas exigências que cercam a posse de qualquer arma, encarcerados por grades de proteção e temos as mãos contidas pelas algemas da impotência cívica. Nós só queremos que nos permitam progressão para o semiaberto, puxa vida!

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

05/07/2023

 

Percival Puggina

       Perguntam-me: “Como se explica a implosão da ‘consistente maioria conservadora’ eleita para o Congresso Nacional em 2022?”. A resposta a essa pergunta causa dor moral a quem tem olhos postos no futuro do país.

O conservadorismo é um modo sábio de ser. Nos anos recentes, quando evoluiu para a política, o conservadorismo acabou orbitando a pessoa do presidente Bolsonaro. Quantos se dispersaram após o pleito? Noutra vertente, reuniu patriotas. Muitos deles, porém, aprenderam história do Brasil de professores esquerdistas e, após o pleito, retornaram ao seu mau humor contra o país, rejeitando a própria nacionalidade. Já encontrei alguns por aí.

Neste artigo analisarei as causas da implosão da maioria conservadora contabilizada no final da eleição parlamentar do ano passado.

O Realismo

Há poucos dias, comentei a importante manifestação do senador Espiridião Amin ao questionar o advogado de Lula e do PT quando sabatinado pelo Senado. O competente representante de Santa Catarina disse a Zanin tudo que queríamos ouvir sobre os males que acometeram os tribunais superiores. No entanto, dirigiu-se ao candidato quando deveria voltar a voz e apontar o dedo a seus pares porque se eles cumprissem seu dever constitucional aquelas cortes não mais estariam cometendo os excessos que tão assiduamente praticam. Zanin não era ainda membro do colegiado, ao passo que os senadores integram a Câmara Alta, mas poucos agem como tal. Quantos “conservadores” aprovaram o candidato indicado por um mentiroso público que ao vivo e a cores assegurou não ser o STF lugar para presentear amigos?

Amim disse tudo certo, mas foi paradigmático ao não se dirigir a seus pares.

Um Supremo petista se comportará como os petistas que o aplaudem e dele se servem como num bufê de decisões. Um senado presidido pelo omisso e conivente Rodrigo Pacheco será conivente e omisso como ele.

A Coragem

Jamais teremos maioria conservadora enquanto não houver um número suficiente de homens e mulheres de coragem nos nossos quadros políticos! É de Eleanor Roosevelt a frase: Você ganha força, coragem e confiança em cada experiência na qual, olhando a face do medo, pode dizer a si mesmo: “Eu vivi através desse horror. Posso enfrentar o que venha pela frente.” Ao falar em coragem com essa dimensão, lembro-me do cidadão brasileiro Allan dos Santos. Ele vive o horror do desterro desde 2020! Longe da família, passa toda sorte de privações e males psicológicos para não cair nas mãos dos que dele buscam vingança pessoal enquanto alegam a necessidade de prendê-lo por ... fake news. Felizmente para ele, os Estados Unidos ainda respeitam a liberdade de expressão e sabem reconhecer os motivos políticos de sua entrada no país.

Aos nossos conservadores do pleito de 2022, dispersos em 2023, eu digo: Saiam debaixo da cama; tirem os olhos do próprio umbigo; seus eleitores não os escolheram para isso.  Cumpram seu dever, caramba!

O Caráter 

A má notícia vem ensinada pela vida. Caráter, ou se tem ou não se tem. É algo que não se compra, nem se ensina para gente grande. Menos ainda para quem vai desempenhar atividades num lugar de constante perigo moral, onde, sabidamente, cada voto pode se transformar em mercadoria e onde, à mais insensata sensatez, convém deixar tudo como está.

O parlamento é um lugar de escolhas. As cotidianas opções são feitas entre o bem e o mal. Ali, o caráter se exprime com atitudes e votos, como recomendaria Aristóteles. Ele completava a ideia afirmando que o caráter não é definido sobre o que pensamos a respeito do bem e do mal. E eu poderia aduzir que depende menos ainda de o quanto rezamos pelo bem que queremos enquanto fazemos o mal ou ante ele nos omitimos.

O Trabalho

Há muito trabalho pela frente até que o conservadorismo, esse modo sábio de ser, se torne uma força política sensível na sociedade. É muito desconfortável saber que por falta de nossa dedicação permitimos que as piores ideias sobre a pessoa humana, a sociedade, a liberdade, o estado, a economia, etc. prosperassem simultaneamente com a disseminação de seus males. Teria sido tão mais efetivo e bom para o Brasil e os brasileiros se não tivéssemos sido companheiros de viagem da farsa social-democrata que hoje perde a máscara e o pelo! Foi essa percepção que fez renascer o conservadorismo no Brasil.

Há muito trabalho, sem o qual jamais haverá colheita. É preciso criar e disseminar núcleos conservadores, ocupando espaços, formando opinião, criando meios de comunicação, interagindo de modo eficiente com o sistema de ensino em proteção aos estudantes, estimulando os bons educandários, os bons comunicadores, os bons veículos, os bons religiosos. Perseverando na Fé.

A Fé

Fé implicará rezar como se tudo dependesse de Deus e trabalhar como se tudo dependesse de nós. Sermos mãos do Senhor numa obra de misericórdia em relação aos brasileiros mais necessitados. São irmãos nossos, vítimas dos maus políticos em sucessivas gerações. Maus políticos, interessados apenas no poder, não têm viés ideológico. Há canalhas de direita e de esquerda. São pilotos do monomotor do egoísmo, não têm ideologia, nem coragem, nem vergonha.

Eu quero o bem do Brasil para que a prosperidade não dissipe seus frutos nas mãos dos maus políticos que drenam para si e para o Estado a riqueza nacional, dando causa ao empobrecimento e ao pequeno desenvolvimento humano. É impiedoso não enfrentar o mal, principalmente quando seus efeitos são tão extensos.

Que Deus abençoe nossa Pátria. Que a mãe de Jesus estenda seu manto protetor sobre o Brasil! Amém.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

03/07/2023

 

Percival Puggina

         Acordamos de manhã e olhamos a previsão do tempo. Como será o clima? E amanhã? No jornal, o “El niño” preocupa os produtores rurais no sul do Brasil. É o clima. Aliás, a sexualidade humana ganha ânimo quando “pinta um clima”.

Por extensão, usa-se essa mesma palavra para designar o ambiente em que transcorrem os fatos, mostrando que o clima se inclui entre os fatores determinantes dos acontecimentos e da própria História.

Disputas eleitorais majoritárias criam seu clima. Tradicionalmente, no nosso presidencialismo malnascido e malcriado, com a proximidade de um pleito, o ambiente político é de frontal antagonismo. Coíbam-se os excessos, mas não se pretenda acabar com o passado e com o contraditório para um conforto geral das arbitragens e da República.

Parcela expressiva dos eleitores vê com desagrado as composições de nossas cortes superiores que concedem ampla maioria a ministros indicados pelos governos petistas. Os petistas aplaudem, claro, e la nave va. Privilégio do PT, reconheçamos, que lhe foi proporcionado por sucessivos mandatos presidenciais. No Brasil é assim: o presidente da hora indica quem quer. Bolsonaro fez o mesmo e errou. Já o desequilíbrio da balança da Justiça é obra dos indicados.

É uma realidade que faz seu próprio clima, põe barbas de molho e torce narizes de dezenas de milhões de cidadãos. E isso não é bom.

Assim, não vejo como pode alguém se exclamar, em tom escandalizado e considerar a fala do ex-presidente no dia 18 de julho de 2022 como ato de abuso de poder político para fins eleitorais, tendo sido aquele evento uma resposta à apresentação feita pelo ministro Fachin aos mesmos embaixadores.  Menos ainda parece adequado e proporcional que lhe sejam tomados os direitos políticos por oito anos.

“La madre della Prudenza non piangeva mai” (a mãe da Prudência nunca chorou) diz um provérbio que aprendi ser de origem italiana. Pois essa prudência e moderação no agir e falar falta nos momentos em que mais necessária se faz. Então, as "excepcionalidades" se tornam rotineiras pelas facilidades que proporcionam. As pessoas veem, as pessoas sentem, as pessoas se angustiam, as pessoas sofrem e se percebem discriminadas em seu livre pensar e livre expressar.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

02/07/2023

 

Percival Puggina

         Antigamente, editavam-se almanaques com intuito pedagógico destinados ao público infantil. Sempre incluíam afazeres, como o clássico “encontrar a diferença” entre duas imagens aparentemente idênticas. Outro, bem mais fácil, era o exercício de “juntar os pontinhos”. Enquanto a criança ia ligando ponto a ponto, desenhava um objeto qualquer. Na maior parte dos casos era desnecessário riscar para antever o que ali estava representado.

Penso que o brasileiro está nessa situação, juntando os pontinhos de um projeto que lhe impuseram, não se requerendo muito talento para saber que o desenho não é de boa inspiração.

Nas ditaduras e nos regimes totalitários – comunismo, fascismo e nazismo – quem está no poder diz fazer com a melhor das intenções o mal que deveras faz. Hitler organizou o estado nazista para “defender a ordem, o Direito e a Liberdade”. Stalin foi um monstro e teve seus crimes revelados por Krushchev em 1956. Contudo, em anos bem recentes, comédias e obras sérias sobre seus crimes foram censuradas sob a alegação de “depreciarem a luta contra o fascismo”. Afinal, alegam os censores russos, sob Stalin a URSS venceu a guerra contra Hitler no front oriental. O elogio em boca própria, vitupério da censura, é a falsa nobreza de suas intenções.  Em 2018, a deputada russa e ex-atriz Yelena Drakova, conclamou: “Nós devemos começar a viver com leis dos tempos de guerra”.

Juntando os pontinhos do desenho que tenho diante dos olhos, observo que os ministros de nossas Cortes, como escrevi outro dia, iniciam suas manifestações, decisões e votos, apontando como bases supostas guerras institucionais – terrorismo, golpismo, conspirações, fake news.  Bem ao gosto da deputada Yelena. São generais de uma guerra particular contra inimigos indefesos. E por aí vão novos pontinhos.

O presidente da República pontua a parte que lhe cabe com a calorosa e generosa recepção ao camarada Maduro e a proclamação do caráter relativo da democracia. Ora, tudo que é relativo atrela essa condição a algo que lhe é absoluto. É fácil entender o motivo pelo qual nenhum jornalista formulou diretamente a Lula a pergunta tão óbvia quanto urgente sobre qual a natureza desse poderoso absoluto. E vão os pontos desenhando a estrada.

Foi por coincidir com esse desenho que o Foro de São Paulo se reuniu em Brasília. Foi por isso que a presidente da sessão de abertura tanto agradeceu a Lula e que Lula declarou, entre alegres risos e aplausos, que não se importa de ser identificado como comunista. Fica bem enquadrado no desenho haver ele dito nessa manifestação oficial e formal aos camaradas presentes: “Aqui no Brasil, nós enfrentamos o discurso do costume, o discurso da família, o discurso do patriotismo. Ou seja, aqui nós enfrentamos o discurso de tudo aquilo que a gente aprendeu historicamente a combater”.  Vá juntando os pontinhos aí, caro leitor.

Novos pontos chegam e continuarão chegando cotidianamente, desenhando a perigosa estrada por onde somos conduzidos. Ponto a ponto, a esquerda festeja, e se diverte, e ressoa como o coral de Brecht na peça “A medida punitiva”. Enquanto junto pontos, leio o “Discurso da servidão voluntária”, obra de Etienne de la Boétie (1554). Com um trecho dele, encerro estas linhas e seus pontos.

“Mas ó, bom Deus! Que fenômeno estranho é esse? Que nome devemos dar a ele? Qual a natureza desse infortúnio? Qual é o vício, ou melhor, qual a degradação? Ver uma infinita multidão não apenas obedecendo, mas levada ao servilismo? Não governada, mas tiranizada?”.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

30/06/2023

 

Percival Puggina

         O site Memorial da Democracia, que está longe, bem longe, de ser um site de direita, reproduz trecho de uma entrevista do general Ernesto Geisel quando presidente. Ali pude ler, palavra por palavra, algo de que bem me lembrava porque a expressão usada ficou colada à imagem e ao governo do general. A conversa com os jornalistas aconteceu um mês depois de Geisel haver fechado o Congresso e decretado o Pacote de Abril (uma série de casuísmos como aumento para seis anos do mandato presidencial, nomeação de 1/3 dos senadores por ato presidencial – ditos biônicos –, representação mínima de 8 deputados beneficiando estados menos populosos, etc.).

Palavras Geisel aos jornalistas: “Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas. Então, a democracia que se pratica no Brasil não pode ser a mesma que se pratica nos Estados Unidos da América, na França ou na Grã-Bretanha”. Uma semana depois, em entrevista à também francesa RTF 2, reafirmou: “O Brasil vive um sistema democrático dentro de sua relatividade.

Por isso, chamou-me a atenção que Lula, na eloquente defesa que fez da ditadura iniciada por Hugo Chávez e continuada por Nicolás Maduro, tenha usado a mesma expressão.  Recordando: no último dia 29, ao receber a visita do liberticida e inclemente venezuelano, Lula assumiu a proteção do regime implantado naquele país (e que já provocou o êxodo de 6 milhões de pessoas, equivalente a 20% da população). Disse ser uma narrativa a afirmação de que a Venezuela era uma ditadura. Agora, um mês mais tarde, em entrevista a uma emissora de Porto Alegre, voltou ao tema para afirmar ao repórter que “o conceito de democracia é relativo para você e para mim”.

Lula nada disse quando o jornalista Rodrigo Lopes, durante essa entrevista, contou ter sido preso na Venezuela, assim como nada fez quando um dos esbirros de Maduro, no mês passado, soqueou uma jornalista brasileira.

O único absoluto para essa esquerda malsã e sinistra que se abateu sobre o país é a necessidade de calar a divergência onde ela se manifesta: no Congresso, nas redes sociais, no jornalismo tradicional, no ambiente cultural, na cadeia produtiva da educação, nas igrejas, e até mesmo na CPMI instalada para investigar os paradoxos e contradições do dia 8 de janeiro.

Não há mal que sempre dure, porque o inferno é noutro endereço. Para quem esteja se refestelando, lembro: não há bem que não acabe, porque o paraíso tampouco é aqui.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

 

 

Percival Puggina

29/06/2023

 

Percival Puggina

         Lula acaba de indicar ao TSE uma nova ministra substituta. Para felicidade geral do governo, o notório saber e os dotes morais e intelectuais necessários à importante missão foram encontrados praticamente dentro de casa, na pessoa da advogada da campanha de Dilma para o Senado Federal por Minas Gerais em 2022.

Eureka! Não é muita sorte? Imagina se aparece alguém para divergir da confraria em seu afã salvador da democracia, do estado de direito e da luta sem trégua aos golpistas seresteiros, aos cantores de hinos e aos piedosos devotos do divino réu julgado no Sinédrio de Jerusalém.

Há um recorrente denominador comum em muitas, se não em todas, as manifestações espontâneas, sentenças, decisões e despachos de efeito político oriundos de nossos tribunais superiores. Neles, é construído um cenário psicossocial e político sinistro. A democracia estaria a perigo, um golpe em curso, terrorismo nas ruas, as instituições expostas a toda sorte de conspirações, enquanto a verdade – límpida e serena – proclamada pelo Estado, acuada e em perigo, apanha das mentiras propagadas nas furtivas e ardilosas redes sociais.

Esse o fictício denominador comum, encimado pelo travessão sobre o qual se constroem decisões nas quais resulta impossível discernir o perfume do bom Direito. Em cotidianos tão excepcionais – que já contam cinco anos! – é sempre mais relevante salvar a pátria, a democracia, o Estado, seus poderes e suas sagradas proclamações...

Quem organiza o jogo parece não ver que esse povoamento das arbitragens por atletas ou ex-atletas do mesmo time está sendo percebido pela sociedade. No entanto, basta pensar um pouco para notar que se trata de outro sintoma do mesmo problema que afeta o ambiente cultural e educacional do país. Refiro-me à decretação da morte súbita de todo o conhecimento ou entendimento divergente, venha ele de pessoas ou de obras. A todos, o silêncio eterno, a elegibilidade suspensa, o isolamento, o gulag das restrições e o peso das multas. Mas é tudo para nossa privilegiada proteção, claro.

Modestamente, penso que as próprias Cortes, cientes do desequilíbrio que caracteriza suas composições, deveriam ter serenidade e ânimo pacificador. Ao menos na proporção que se empenham em impor à sociedade mediante sanções. A falta de qualquer divergência efetiva nos colegiados não é espelho da sociedade onde a divergência existirá enquanto houver um fiapo de liberdade e democracia por ser consequência da primeira e inerente à segunda.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

Percival Puggina

28/06/2023

 

Percival Puggina

         Não tenho algo mais fácil para indagar a mim mesmo e aos leitores? Pois é. Essa pergunta tem surgido em minha mente com uma insistência que já beira à impertinência, fazendo-me lembrar de certo professor de Matemática que confeccionava provas tão difíceis que nem ele, depois, sabia resolver.

Então, eis-me nesta condição, buscando uma resposta que não aumente minha indignação diante do que vejo acontecer com aquela consistente “maioria conservadora” (já vai assim, entre aspas) que teria saído das urnas na eleição de 2022.

Pergunto: como foi que essa “maioria” concedeu, com ampla margem, as presidências do Senado e da Câmara dos Deputados, respectivamente ao omisso (para dizer o mínimo) senador Rodrigo Pacheco e ao Chief Executive Officer do Centrão, deputado Arthur Lira? Foi na condição de CEO desse velho e encardido bloco que Lira transmitiu a Lula o recado de que os deputados vinham impondo derrotas ao governo porque estavam “insatisfeitos”. Insaciáveis, não seria a palavra mais correta? Com os parlamentares satisfeitos, a composição da CPMI das armações fez a própria armação: 60% de seus membros são governistas que não queriam a CPMI.

A aprovação do nome de Cristiano Zanin, advogado de Lula e do PT, para integrar a confraria governista no STF é a mais recente evidência das duas afirmações que faço, ou seja, a confraria existe e se reforça, e ampla parcela da “direita” mudou-se para o aconchego de Arthur Lira e para o mundo dos negócios.

Essa sequência de desastres cívicos tem seus motivos para acontecer. Primeiro, porque fundos partidários, fundão eleitoral e emendas parlamentares viabilizam reeleições mesmo para quem manda seu eleitor catar no asfalto seus princípios e coquinhos ideológicos ou filosóficos; segundo, porque as exceções a tão triste padrão moral – e elas existem e são valiosas, embora poucas – reúnem virtudes cada vez mais incomuns: consistência intelectual e coragem moral.

Sem a primeira, o sujeito cai na conversa de qualquer líder picareta, até tornar-se igual a ele; sem a segunda, o congressista se acovarda quando o outro lado da rua rosna e mostra os dentes.

Personagem da autora inglesa Jane Austen, em Orgulho e Preconceito (1813), afirma que sua coragem sempre se ergue quando sob intimidação. Para Napoleão Bonaparte, coragem não era ter a força de ir em frente, mas ir em frente não tendo a força.

Mesmo num ambiente político de desconforto e indignação, alegra-me ver intimidados mostrar coragem numa coalisão de covardes e arrostar a força bruta com o vigor de seu caráter.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

Percival Puggina

26/06/2023

 

Percival Puggina

         Recentemente, em vídeo, contei um “causo” antigo, repetido aqui no Rio Grande do Sul sobre o acontecido em pequena comunidade de granjeiros. Gente séria, trabalhadora, partilhava suas experiências e se apoiava mutuamente. A cada safra, promovia uma exposição de seus produtos, com premiação por qualidade e produtividade, em eventos festivos que atraíam visitantes e favoreciam a comercialização.

Com o passar do tempo, dois proprietários começaram a disputar a primazia nessas premiações fazendo com que, entre ambos, a solidariedade inicial se transformasse em competitividade e gerasse um certo antagonismo. Foi nesse ambiente que se deu o tal “causo” quando um desses granjeiros foi à casa do outro pedir um favor.

- Compadre! Buenos dias! Me emprestas teu serrote que estou cortando umas estacas pra tomateiro e o meu quebrou?

O dono do serrote pensou no que dizer e saiu-se assim:

- Pois tu sabe que hoje de manhã, cedinho, minha mulher tinha que comprar uma batedeira pros doces que ela faz, pegou a caminhonete e se tocou pra cidade com meu guri que precisava vê os dente. Se foram os dois.

Disse isso e parou. O outro esperou um pouco e, diante daquele estranho silêncio, indagou:

- Que mal pergunte, compadre, o que tem a ver uma coisa com a outra?

A resposta veio seca e direta::

- Nada, quando a gente não quer emprestar qualquer desculpa serve.

Tenho me lembrado muito dessa história diante do que vejo acontecer em nosso país. Qualquer desculpa serve, qualquer explicação serve, qualquer motivo serve quando as cortes veem a si mesmas como missionárias de uma nobilíssima causa e essa causa vai para a capa dos processos e dos inquéritos. As situações “excepcionalíssimas” se tornaram rotineiras e o ar que todos respiramos impregnou-se pela fuligem tóxica das exceções e sua torrente de ameaças, censuras, multas, restrições de direitos e desforras pessoais.

Será uma conspiração em desfavor de nossos tribunais superiores, esse sentimento generalizado de que Bolsonaro será considerado inelegível porque se reuniu com os embaixadores ou porque não se vacinou e um cartão forjado diz o contrário? Ou seja lá por que for? Como pode ser tão previsível a opinião de um órgão colegiado? Não duvido de que, em breve, alguns nomes estejam disponibilizados em sites de apostas e que todos integrem o lado direito do arco ideológico contra o qual investem os missionários da democracia e do estado de direito para lá de esquerdo.          

Há uma estranha coincidência entre o ânimo desses colegiados, que sobressai do farto manancial de suas manifestações públicas, e os confessados devaneios erótico-vingativos de Lula na prisão.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.